Santuário escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 14
Um dia de sábado cinzento




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- Tem certeza de que não quer que eu vá? Quanto mais gente melhor!

- Pode até ser, mas eu não vou arriscar sua segurança. Aqueles sujeitos podem voltar e você viu como eles são perigosos.

- Então toma cuidado, viu?

- Claro, pode deixar.

Franja se despediu de Marina com um selinho e entrou no carro onde Eduardo e mais três membros da equipe o esperavam. Era para ir mais gente, mas os outros integrantes do grupo estavam com muito medo de voltarem ao Recanto do Paraíso e Eduardo não quis forçar ninguém, já que ele próprio também estava com um pouco de medo. Se não fosse por uma causa muito importante, ele teria desistido.

Durante a viagem eles foram acertando alguns detalhes e planejando como iam coletar os dados de forma a conseguirem mais resultados em menos tempo. De acordo com seus cálculos, Franja sabia que as chances deles eram pequenas demais. Mesmo assim ele não falou nada para não desanimar o resto do grupo.

Quando eles chegaram, viram uma grande quantidade de máquinas e materiais nas imediações do local. De segunda-feira não ia passar.

O céu estava nublado, bem cinzento e fazia bastante frio. Todos estavam bem agasalhados e ainda assim tremiam um pouco, embora em parte fosse por medo de a qualquer momento aqueles três sujeitos aparecessem empunhando suas armas.

Os elementais e demais habitantes observavam a distância, uns ajudando no que podiam enquanto outros vigiavam para o caso de aqueles humanos perversos voltarem novamente. As ninfas estavam fora, combatendo os monstros e só iam voltar no cair da noite, como de costume.

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- Você ainda tá preocupada, né? Nem prestou atenção no filme!

- Foi mal, DC... é que eu não consigo deixar de pensar nisso. E você sabe o quanto é importante.

- É... sei disso. – os dois saíram do cinema e foram para a praça de alimentação do shopping e DC tentou falar sobre vários assuntos para distrair a Mônica daquele problema. No fundo ele sabia que por mais que ela estivesse aborrecida por causa daquilo, era o Cebola quem a deixava mais triste e preocupada. Por que ela insistia tanto num sujeito complicado como ele?

O faxineiro não sabia como reagir com aquele rapaz de cabelo espetado que se escondia atrás do seu carrinho de limpeza. O homem precisava terminar seu serviço e ao mesmo tempo estava com medo de falar alguma coisa já que ele estava com cara de que queria muito espancar alguém até a morte.

“Fala sério, aí já é abuso!” ele acompanhava o casal procurando se esconder, embora eles parecessem muito distraídos para notar sua presença. Foi sorte sua o Cascão ter ouvido a Mônica comentar com Magali que ia sair com o DC e lhe avisar, do contrário ele não estaria sabendo de nada.

Para alívio do faxineiro, Cebola saiu de trás do carrinho para seguir os dois que tinham se levantado da mesa. Mônica e DC iam conversando pelos corredores do shopping e ele tentava desviar a atenção dela do Cebola para si mesmo.

- Aqui, você não quer jogar dance revolution? Ou talvez um acerte as toupeiras... tem muita coisa legal que dá pra fazer aqui.

- Não, obrigada. Eu só quero ir embora pra casa mesmo. Daqui a pouco minha mãe vai servir o almoço.

- Ah, vá... também não precisa ficar assim por causa do Cebola, né? Você merece coisa muito melhor.

Ela balançou a cabeça negativamente ao perceber onde ele estava querendo chegar.

- Ah, DC... não começa, tá? Eu não quero passar por aquilo de novo.

- Aquilo o que?

- Você fica me rodeando, se faz de romântico e quando eu me interesso, você tira o corpo fora. Não, obrigada. Uma vez só já foi o suficiente.

O rapaz ficou meio sem jeito e tentou contornar a situação.

- Eu já expliquei meus motivos...

- E eu entendo, só que já chega o Cebola pra fazer hora com a minha cara e mesmo assim estou começando a ficar cansada disso.

- Ô, peraí! Quem disse que eu quero fazer hora com a sua cara? Tá, eu sei que foi chato eu ter te dado aquele fora, mas...

- Foi chato, eu sei, mas era um direito seu dizer não. Entendo isso. Se você não queria...

Ele deu um sobressalto.

- Quem disse que eu não queria?

Mônica deu um suspiro cansado, querendo encerrar aquela discussão.

- Tá vendo como você é complicado? Ah, nem! Já tô ficando de saco cheio de garotos complicados, viu? Olha, a gente se vê tá?

A moça foi embora, deixando-o ali no meio do corredor. Ele só deu de ombros e foi embora na direção oposta. Quanto mais ela fugisse, melhor. A conquista ficaria mais interessante. Cebola viu os dois tomarem caminhos diferentes e ficou aliviado por saber que o encontro não tinha dado em nada. E nem poderia, já que DC era complicado demais para que a Mônica ou qualquer outra garota consiga se aproximar dele.

“Ufa... essa foi por pouco.” ele foi pensando enquanto ia embora para casa pensando que talvez fosse hora de largar sua antipatia por Nina de lado e ajudar a Mônica. Mesmo sabendo que DC não oferecia perigo imediato, ele sabia que ainda tinha o Toni e o Felipe que também estavam só esperando uma chance para atacar. Além do mais, ele já estava cansado daquele clima ruim que tinha ficado entre os dois, estava cansado de não ter mais a atenção dela e principalmente, não queria mais deixá-la trabalhando e correndo riscos sozinha. A decisão até estava tomada, faltava apenas coragem para vencer as últimas barreiras e colocá-la em prática.

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Seus olhos contemplavam a rua e ele procurava se concentrar em seu trabalho, mas toda hora aqueles momentos mágicos que ele viveu com Nina voltavam a sua cabeça, mostrando claramente que não iam deixá-lo nunca mais. Ele ainda se lembrava nitidamente do cheiro bom dos seus cabelos, a suavidade da sua pele, ela se entregando totalmente ao seu afeto, praticamente derretendo em seus braços...

- Sossega, Ângelo! Presta atenção!- ele falou alto, dando um tapa forte no próprio rosto. Aquilo funcionou por um tempo até que as imagens retornaram novamente, fazendo com que ele desse outro tapa em si mesmo.

Como não conseguia deter as lembranças, ele resolveu sobrevoar a cidade. Aquilo iria exigir mais da sua concentração. O vento frio incomodava suas asas e pela primeira vez ele agradeceu por ser inverno. A dor também ajudaria a distraí-lo.

Um garoto andava de skate e Ângelo se pôs em alerta. O menino atravessou a rua e não como não tinha muita habilidade, acabou caindo do skate bem no momento em que vinha um caminhão. Com um forte bater de asas, Ângelo alcançou o garoto e o tirou dali, segurando-o pela camisa. Foi por muito pouco.

- Valeu, cara! – o menino agradeceu ainda tremendo por causa do susto.

- De nada. Só tome mais cuidado. Na rua não é lugar de andar de skate.

Ele observou o menino indo embora, sentindo-se satisfeito por ter feito bem o seu trabalho. Uma tragédia tinha sido evitada, assim como toda dor e sofrimento que ela implicava. Ainda assim, ele não conseguia deixar de lado um sentimento ruim. Seu trabalho foi feito, mas ele não se sentia pleno, completo.

“De que adianta eu fazer tanto, me esforçar e dar tudo de mim se nem posso ser feliz com a garota que eu amo?” aquele pensamento lhe ocorreu de repente e ele logo procurou pedir perdão por ter pensado naquilo. Não, ele era um anjo da guarda e anjos não podiam esperar nada em troca pelo que faziam. Eles foram feitos apenas para servir e não podiam querer outra coisa. Aquela era sua vida e seu destino.

“Ainda assim não é justo! Por que fomos criados só pra isso? Por que somos tão limitados?” os pensamentos vinham e ele tentava pedir perdão por cada um deles quando percebeu que os pedidos de perdão não eram sinceros. Ele não estava de fato arrependido por ter aqueles pensamentos e sim tinha apenas medo de algum provável castigo. Mas ser castigado pelo que se ele não estava fazendo nada de errado?

Sem se dar conta, ele percebeu que estava sobrevoando a mansão daquele dono da construtora e resolveu dar uma olhada só por curiosidade. Sem ser visto, ele entrou na casa e ficou observando enquanto o sujeito trabalhava. Aquilo só lhe deixou mais indignado.

Aquele homem tinha uma bela esposa, uma filha adorável e toda condição do mundo de passar bons momentos com sua família. Por que ele jogava tudo aquilo fora?

Era estranho... aquele homem podia escolher, tinha livre arbítrio e no entanto estava usando seu poder de escolha para fazer coisas ruins. Humanos eram tão imperfeitos, tão limitados! Erravam, faziam todo tipo de burrada e mesmo assim tinham o livre arbítrio enquanto que os anjos, mais ajuizados e lúcidos, estavam condenados a viverem somente condicionados pelo seu destino.

Aquele pensamento o assustou um pouco. “Por que os humanos podem escolher e eu não? Bem, eu tive a chance de escolher uma vez... mas tive que escolher continuar sendo anjo. Que coisa... por que eu não posso ao mesmo tempo amar e ser um anjo?” outro sentimento ruim apareceu. Aquele homem podia dar todo amor do mundo para sua família e escolhia ficar trancado naquele maldito escritório. Já ele queria amar, queria viver aquele sentimento e no entanto não podia.

Emoções humanas eram proibidas para ele e ponto final. Por mais que ele tentasse convencer a si mesmo de que as coisas estavam certas, de que gostava do seu trabalho, lá no fundo ele se sentia traído e injustiçado. Sua vida seria sempre aquela? Seria só fazer seu trabalho e mais nada?

Amar Nina nunca tirou sua vontade de proteger os humanos. Talvez viver aquele amor poderia até lhe dar mais força e inspiração. Por que algo tão bom tinha que ser errado? Ele até poderia ser um anjo da guarda melhor. Mas não, ele não podia. Sua sina era aquela. Servir sem ter nada em troca, trabalhar sem esperar retorno e cumprir um destino que ele não tinha escolhido. Por que os anjos tiveram que ser criados daquela forma? Aquilo era crueldade, não era? Pela primeira vez, ele sentiu raiva do criador, que o havia criado com tantas limitações e incapaz de ter uma vida plena. Um ser que era infinitamente justo e bom não deveria tratar de forma igual a todos os seus filhos? Por que uns podiam amar e viver de forma completa enquanto a outros era reservado somente cumprir um destino traçado sem seu conhecimento?

- Ângelo? O que faz aqui? – a voz da D. Morte chamou sua atenção, fazendo com que ele desse um salto.

- Heim? Eu ... er... só estava olhando... a sede dos ativistas que lutam contra a construção do parque aquático foi roubada e levaram documentos importantes. Estão achando que esse cara tem algo a ver.

- E tem. Os documentos estão dentro do cofre dele.

- É? O pessoal precisa saber disso!

Ela balançou a cabeça.

- Não diga nada. Os humanos precisam aprender a ter as coisas por si mesmos. Dar essa informação de mão beijada não irá ajudar em nada na evolução deles.

- Humpt! Por que as coisas têm que ser tão injustas e complicadas?

O tom de revolta na voz dele a assustou um pouco. Dava para ver que o rapaz não estava de bom humor e algo o machucava muito. Teria alguma coisa a ver com aquela ninfa de cabelos branco-azulados?

- As coisas não são injustas e nem complicadas, apenas tem o jeito certo de funcionar.

- Pois para mim nada está funcionando certo.

A fisionomia dele estava endurecida, o que podia ser ruim. O rapaz estava visivelmente revoltado com alguma coisa e ela achou melhor ajudá-lo.

- A revolta não traz nada de bom.

- Sei disso, mas tem hora que eu não consigo evitar.

A Morte tirou seu relógio de bolso, consultou as horas e voltou a falar com ele.

- Sabe, foi bom eu ter te encontrado aqui. De qualquer forma eu ia mesmo te procurar.

- Pra quê?

- Digamos que eu preciso de um favor seu para dois trabalhos meio complicados.

- Como eu vou poder ajudar? Você leva as pessoas para o outro lado e meu trabalho não é esse.

- O trabalho de levá-los para o outro lado continua sendo meu. Sua presença tem outro propósito. Venha.

Sem questionar, ele a seguiu pensando que aquele trabalho o ajudaria a esquecer aquilo que o atormentava.


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