Santuário escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 10
Jogando sujo


Notas iniciais do capítulo

Fiz uma pequena alteração, porque tinha colocado o titulo errado.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/230167/chapter/10

Após coletar os dados, Franja e o resto da equipe estavam processando e organizando tudo para depois entregar ao prefeito. Eram fotos, vídeos, relatórios e até amostras comprovando a existência de espécies ameaçadas. Havia inclusive uma espécie de besouro que ainda não tinha sido catalogada em lugar nenhum e que provavelmente só existia no recanto do Paraíso. Mais uma razão para preservar o local.


– Como vocês estão indo? Parece que tem muito material! – Marina perguntou dando a ele uma xícara de café para ajudá-lo a se manter alerta.

– E bota material nisso! Nem eu esperava encontrar tanta coisa ali!

– Aquele lugar é mesmo especial, né?

– Também acho. É por isso que temos de preservá-lo.


Marina ajudou no que pode, organizando as fotos e digitando os relatórios. Por volta das cinco da tarde ela teve que ir embora, deixando o namorado ali com o resto do trabalho. Ele, junto com o resto da equipe, pretendia trabalhar até tarde para poderem entregar tudo ao prefeito na tarde do dia seguinte. Não dava para perder tempo.


Ao sair, Marina não percebeu um carro com vidros escuros que estava estacionado ali perto. Dentro do carro, três homens observavam o movimento. O que parecia ser o chefe deles, pegou o celular e fez uma ligação.


– E aí, alguma novidade? – uma voz impaciente atendeu do outro lado da linha.

– Parece que eles conseguiram muito material, chefe.

– Droga! Se isso parar nas mãos do prefeito, minha obra estará perdida!

– O que a gente faz então?

– Fiquem aí e observem tudo. Quando todos forem embora, arrombem o lugar e peguem tudo o que se referir ao Recanto do Paraíso. Depois destruam o resto.

– Destruir como?

– Não interessa, seu burro! Quebrem, queimem, piquem, triturem, façam qualquer coisa! O importante é que eu não quero que sobre nenhuma evidência!

– Tá bom, chefinho.


Vladmir desligou o telefone e pegou mais alguns analgésicos para acabar com aquela dor desagradável que estava lhe atormentando de novo. Quando tivesse tempo, ele pretendia ir a um medico. Só quando tivesse tempo, já que por enquanto ele estava muito ocupado com aquele empreendimento e não dava para perder tempo precioso esperando por uma consulta no médico.


– Senhor, por acaso não é hoje a festinha na escola da sua filha?

– Isso é com a Andréia, eu tenho coisas mais importantes para cuidar.


A secretária balançou a cabeça, lamentando por aquele homem ser tão materialista. Era uma pena ele não dar atenção a sua filha. A infância passava muito depressa e quando ele se desse conta, seria tarde demais.


__________________________________________________________


Ela saia da escola carregando a filha no colo. A menina pousava a cabeça em seu ombro, calada e triste por seu pai não ter aparecido na festa.


“Droga, nem sei por que eu estou triste, ele nunca vem nas festas da escolinha dela...” ela foi pensando enquanto andava até o carro, onde o chofer as esperava. Ao se acomodar no banco de trás e colocar o cinto de segurança na menina, Andréia foi pensando em seu casamento. No início, Vladmir era atencioso, gentil e carinhoso. Eles passavam bons momentos juntos e mesmo não sendo tão ricos, ela se sentia feliz ao lado dele.


Com o tempo, à medida que o dinheiro foi crescendo o afeto entre eles foi diminuindo. Ele passou a trabalhar mais, a sair de casa mais cedo e a voltar cada vez mais tarde. E quando estava em casa, passava a maior parte do tempo no escritório, indo deitar-se muitas vezes depois da meia noite, quando ela já estava dormindo. Os momentos de intimidade entre o casal se tornaram cada vez mais escassos e ela nem se lembrava mais do último momento romântico entre eles.


Todas as vezes que ela tentava conversar, era sempre a mesma coisa.


– Eu não dou tudo o que vocês querem e precisam?

– Claro, mas eu gostaria que passasse mais tempo com a gente... sua filha está crescendo, esqueceu?

– Se eu ficar o dia inteiro com vocês, não poderei trazer o dinheiro que sustenta nosso padrão de vida.


Tudo para ele se resumia em ganhar dinheiro. Era difícil fazê-lo entender que ela não queria que ele largasse o trabalho para ficar por conta delas e sim que reservasse um pouco mais de tempo para passar com a família. Por que ele não entendia aquilo?


Estava cada vez mais difícil viver em um casamento frio e sem amor. Roupas, jóias e sapatos já não compensavam mais a falta do marido e ela sabia que viagens a Disney também não compensariam a ausência do pai. Várias vezes lhe passou pela cabeça acabar logo com aquilo. Só que o medo de deixar sua filha sem pai e também de não poder manter o mesmo padrão de vida falava mais alto e ela continuava onde estava.


Andréia tinha deixado de trabalhar quando se casou, estava desatualizada e sabia que mesmo com pensão do marido, ela teria dificuldade para reconstruir sua vida de novo. Por outro lado, enquanto vivesse ao lado dele, ela ia continuar sem afeto e sem amor. E estava cada vez mais difícil levar a vida daquela forma.


__________________________________________________________


Era tarde da noite quando o último integrante do grupo ativista tinha deixado o prédio, deixando o caminho livre para eles. Enquanto um ficou no carro, com o motor ligado, dois entraram no prédio, arrombaram a porta da sede do grupo e reviraram todos os lugares procurando qualquer coisa que falasse do Recanto do Paraíso. Dentro de um armário, eles tinham encontrado uma pasta contendo documentos, CDs e vários outros materiais comprovando a existência de espécies ameaçadas naquele lugar. Eles pegaram tudo o que encontraram e para garantir que eles não pudessem recuperar nada, também levaram os computadores para descartá-los bem longe depois. Quebrar tudo ali poderia atrair atenção indesejada.


Os dois levaram tudo para o carro rapidamente e assim que terminaram o serviço, foram embora a toda velocidade. Mais um serviço bem executado.


– O chefe vai ficar satisfeito dessa vez! – o que estava no volante falou, imaginando o pagamento que eles iam receber. Vladmir era sempre generoso com seus honorários.


__________________________________________________________


A mansão estava escura e tanto sua mulher e filha quanto os empregados já tinham se recolhido. Somente ele estava acordado, esperando pelos seus capangas. Quando o celular tocou, ele atendeu prontamente.


– E então?

– A gente já tem tudo, chefe.

– Destruíram os computadores?

– A gente vai levar pra um ferro velho e jogar naquela máquina que amassa os carros. Assim não vai sobrar nada.

– Ótimo. Antes, passem aqui e me entreguem os documentos que conseguiram. Depois vocês levam os computadores.


Em vinte minutos, eles já estavam em seu escritório. Os três esperavam pacientemente enquanto Vladmir examinava os papéis rapidamente.


– Bom, muito bom. Fizeram um ótimo trabalho, rapazes. – ele pegou três envelopes e deu para cada um e depois falou – agora dêem um jeito de sumir com esses computadores o mais rápido possível. Não deixem sobrar nada!

– Pode deixar, chefe! – o homem falou após examinar rapidamente o conteúdo do envelope e sorriu satisfeito ao se deparar com um maço bem grosso de notas de cem.


__________________________________________________________


Ele sabia que não devia estar fazendo aquilo, sabia que era errado e mesmo assim não conseguia evitar. A vontade de vê-la era mais forte do que ele. Depois que as outras ninfas e seres mágicos tinham se recolhido, os dois caminhavam as margens do lago enquanto ele contava a ela tudo o que tinha acontecido naquele dia.


– Amanhã eles vão levar pro prefeito todo material que conseguiram recolher daqui.

– Você acha que isso irá adiantar?

– O Franja falou que sim. Com isso, o prefeito não irá permitir a construção do parque e o Santuário estará salvo.

– Que bom! – ela exclamou alegre, com os olhos brilhando. – Eu estava com tanto medo!

– Medo de quê? Eu disse que eles sempre dão um jeito.


Nina foi sentar-se no gramado, sendo acompanhada por Ângelo. A noite estava um pouco fria e pela primeira vez ele não se importou porque sentia um calor muito agradável percorrendo seu corpo.


– Você não acha lindo como as águas do lago brilham sob a luz da lua?

– Sim, é muito bonita... cof, cof! Quer dizer, muito bonito! É, bonito!


Ela abaixou a cabeça para esconder o riso ao ver como o rosto dele tinha ficado vermelho. Ele era tão engraçado quando ficava sem jeito! Dava para ver que o anjo não tinha a menor experiência com aquele tipo de coisa.


Uma brisa gelada soprou, fazendo com que ela se encolhesse um pouco por causa do frio. Sem pensar no que estava fazendo, ele chegou mais perto e colocou um braço ao redor do ombro dela. E para lhe dar mais proteção, ele também a envolveu com uma das asas para mantê-la aquecida.


Nina se aconchegou mais a ele, sentindo a maciez da sua asa. Engraçado... sua asa não tinha cheiro de ave e sim um leve perfume cítrico que passava a sensação de leveza e frescor. Ela pousou a cabeça no ombro dele e Ângelo apoiou sua cabeça sobre a dela, aspirando o cheiro dos seus cabelos. Era como cheirar o jardim mais florido e perfumado da terra e ele esqueceu de tudo.


Nem que por alguns instantes, ele queria esquecer que aquele amor era proibido, que anjos não podiam sentir emoções humanas e que sua vida era apenas servir e proteger as pessoas. Só por alguns segundos e nada mais. Seria tão errado assim? Seus lábios ficaram roçando de leve seus cabelos e aquilo pareceu ter minado sua sanidade, fazendo com que o leve roçar de lábios se transformasse em beijos cada vez mais calorosos, que começaram no topo da sua cabeça e foram em direção a testa, nariz e faces.


A ninfa fechou os olhos e se deixou levar, sentindo o coração vibrando de alegria. Os lábios dele eram quentes, macios, estavam levemente úmidos e percorriam seu rosto com avidez, como se esperassem aquilo há muito tempo. Como algo tão bom e lindo podia ser errado e proibido para eles? Aquilo não era justo! Uma das suas mãos foi até o rosto dele, acariciando seus cabelos loiros e encaracolados e ele a apertou mais para junto de si, procurando os lábios dela com os seus. Apenas poucos milímetros separavam seus lábios quando em sua mente veio a imagem das suas asas se desfazendo, deixando-o incapaz de voar e ajudar as pessoas.


Foi algo de poucos segundos, mas o suficiente para fazê-lo gelar na mesma hora e parar o que estava fazendo.


– Ângelo, o que foi? – ela perguntou ao perceber que o rapaz tinha ficado tenso de repente.

– Nina, nós não podemos... desculpe, mas não podemos...


Ele levantou-se depressa, sendo seguido pela moça. Ela chegou por trás e tocou seu braço.


– Eu sei que não, entendo muito bem. Nós temos nossos deveres e devemos cumpri-los até o fim. Mas ainda assim... Às vezes penso que isso não é justo! Será que nossa vida se resume somente a isso?

– Não temos escolha. – ele respondeu puxando seu braço. O contato com a pele dela podia fazer com que ele perdesse o controle novamente. – Esse é nosso destino. Você ajuda a proteger a natureza e eu protejo as pessoas.

– E nenhum de nós seria completo sem isso, não é?

– Exato. É por isso que a gente não devia se ver mais.

– O quê? Ângelo, acho que não precisa...

– Precisa sim, Nina, sinto muito! – Ângelo falou virando-se de frente para ela, se esforçando para conter as lágrimas. As dela já caiam em abundância pelo seu rosto.

– Nós podemos ser só amigos...

– Sim, somente amigos. E para isso, temos que ficar longe. Quando nos encontramos, perdemos o controle e pode chegar uma hora em que poderemos ir longe demais e fazer coisas das quais nos arrependeremos.


Ao invés de responder, ela abaixou a cabeça e seu corpo era sacudido por soluços que ela tentava conter.


– Me desculpe, Nina, me desculpe mesmo! Eu daria qualquer coisa para não te ver chorar...

– Sei disso, eu não o culpo por nada.


Seus braços se ergueram um pouco e com muito custo ele lutava contra o desejo de abraçá-la bem forte e enxugar suas lágrimas. Era por isso que eles não podiam mais ficar juntos, podia ser perigoso demais.


– Nina...


Ainda com lágrimas nos olhos, ela o encarou e dava para ver a tristeza nos olhos dele, embora não derramassem nenhuma lágrima.


– Enquanto esse assunto do Santuário não estiver resolvido, eu estarei por perto para ajudar. Quando tudo isso terminar, teremos que dar adeus. Você entende, não entende?

– Sim, eu entendo.

– Eu só queria que você não chorasse, por favor...


Ela respirou fundo e fez um grande esforço para conter as lágrimas. Não era justo fazê-lo sofrer com sua dor.


– Só não me esquece, por favor. – ela falou por fim. – será suficiente se você ao menos se lembrar de mim.

– Também digo o mesmo. Enquanto você me levar no seu coração, eu ainda terei forças para seguir em frente.

– Melhor você ir.

– Eu sei. Se cuida, tá?

– Claro.


Eles se olharam mais uma vez antes de ele levantar vôo, sumindo no horizonte. Assim que se viu sozinha, ela caiu de joelhos na beira do lago, deixando que suas águas fossem as únicas testemunhas das suas lágrimas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Santuário" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.