Eis um pequeno fato: só se conhece bem uma pessoa a partir do momento que começa a gastar grande parte do seu dia com ela. Hades só foi aprender isso quando o seu coração (que há pouco tempo ele nem lembrava que existia) o obrigara a ter aulas sobre conquista com Afrodite.

Antes de conhecê-la, o deus achava que a rainha da beleza era chata e metida, mas agora, convivendo com ela, ele percebia que a deusa era bem diferente disso. Para falar a verdade, Afrodite foi a melhor pessoa* que ele já conheceu: Ela sempre parava seu caminhar para alimentar mendigos, apartava brigas de rua com frequência e um dia chegou até a impedir um homem de cometer suicídio!

Bom, Afrodite tinha lá seus defeitos, como o péssimo hábito de, ás vezes, parar todos seus fazeres só para apreciar um casal a namorar, ou um pai a brincar com o filho. Mas todos têm defeitos, e Hades sabia que os deles eram infinitos. Portanto, isso não os impediu de ter uma “amizade saudável” entre si.

A deusa gostava de dar aulas a seu aprendiz em zoológicos e piqueniques nos parques. Uma vez enquanto os dois estavam sentados em uma toalha no Parque principal da cidade, Hades reparou na beleza do universo. Foi a primeira vez que fizera aquilo e realmente se impressionou: as árvores, o vento, os motivos para sorrir, as cores, as aves. Era incrível. Era belo. Era perfeito**

Discretamente, ele retirou algumas folhas do chão e guardou-as em um bolso de seu casaco negro, para assim, quando voltar ao submundo, ter certeza de que aquele momento não fora um simples sonho.

Passado algumas semanas de “treinamento”, Hades parecia ser outra pessoa (ou deus): substituira as roupas medonhas por uma simples camiseta azul e calça jeans, seus cabelos agora estavam mais bagunçados e “normalizados” e sua pele havia parado de ser “pálida como a neve”. Mas além da aparência, seu interior também sofrera uma grande mudança: Afrodite finalmente devolvera o amor ás coisas para ele, e ele sentia- se mais feliz e de bem com a vida.

Só lhe faltava uma coisa: amor próprio. E não demorou á Afrodite perceber isso.

–

– Escuta, Hades. Não dá mais para ficar assim. – disse ela de repente, parando sua caminhada matinal e diária pelo centro da cidade.

– O quê? - disse ele, surpreso e confuso.

– Você faz ideia de quem é? Faz ideia do poder que tem?

Hades não entendia nada.

– Eu... sou Hades? – falou. O olhar de Afrodite pedia uma resposta maior- Deus do submundo e das riquezas.

– EXATAMENTE – Afro respondeu, meio repreensiva, meio entusiasmada – Poxa, você é o deus que todos, mortais e imortais, mais temem. É capaz de fazer coisas incríveis e tem mais beleza e charme do que imagina.

Hades não sabia onde ela queria chegar. Percebendo isso, a deusa foi logo ao que interessa:

– Sabendo disso tudo, por que tanto ódio por si próprio?

O deus sentou a beira de um chafariz, com cabeça baixa.

– Riqueza, poder. Quê importância tem isso? – Afro nunca o vira tão triste - convivendo com você, eu percebi que há coisas muito maiores que isso. Coisas que nem se comparam á esses lixos.

– Hades...

– Sabe... Eu finalmente entendi o quê é amor, Afrodite. Finalmente percebi como a sensação de fazer alguém sorrir é bom, e que pequenas coisas podem mudar nossa vida. E finalmente aprendi – sua voz murchou – que nada se compara à dor de ser solitário, odiado. Morar no submundo é um inferno!

Hades percebeu que Afrodite sorria.

– Tudo bem. Eu sei que estou parecendo um idiota.

– Não, não é isso – ela sorriu mais ainda – é que você está preparado. Chegou a hora.

– Hora de quê? – indagou, mais confuso.

– De ir conquistar Perséfone.