Imagens, Sons E Sentimentos escrita por Mayumi Sato, kaori-senpai, Bastet, Blue Dammerung, Bell the Kitsune, Bell the Kitsune, Nekoclair, Ace, IsaWonka


Capítulo 1
Sonate au Clair de Lune - por: Kaori-senpai


Notas iniciais do capítulo

"Isso poderia seguir por várias horas, todavia Gilbert abraçou o amante de forma desengonçada como um pedido de silêncio. Na verdade ele esperava por isso, sabia que o outro iria ficar irritado e mandá-lo calar a boca inúmeras vezes, mas ele realmente queria ouvir e ver tudo isso. Porque era assim seu jeito de amar. Ele e Roderich tinham um amor torto e estranho, porém, verdadeiro.".



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www.youtube.com/watch?v=vQVeaIHWWck Sonate au Clair de Lune(Beethoven)

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Sonate au Clair de Lune

Fazia tempo que Roderich sentia o gosto de remédios ao beijar seu namorado. E toda vez que sentia esse gosto, parecia que seu semblante inabalável ia se romper e ele cairia em lágrimas. Mas não podia fazer isso. Ele devia proteger seu amado a qualquer custo, mostrando apenas sorrisos para ele. A realidade era algo tempestuoso para o jovem de apenas vinte e cinco anos, pois depois que Gilbert adoeceu, se viu sozinho para bancar todas as despesas. Entretanto havia algo diferente, porque o antigo Roderich jamais aceitaria tal situação, todavia, estava enfrentando milhares de problemas para continuar a viver com o seu eterno colega de quarto. Mas principalmente, lutava pela vida dele.

O austríaco tinha acabado de chegar em casa depois de uma noite de trabalho. Daquela vez, tinha tocado em uma festa de casamento, onde ninguém parou para apreciar sua música como deveria. Se tivessem colocado apenas um CD para tocar, o efeito seria o mesmo, mas pela vaidade do casal, roubaram o tempo de um pobre e talentoso pianista. Porém, este achou bom ter gastado seu talento com essa futilidade, pois tinham lhe dado um bom pagamento. E Roderich não estava em condições de escolher serviços, qualquer um que surgia ajudava no apertado orçamento.

Deixou o envelope com as cédulas sobre o criado-mudo e deitou-se o lado do albino que dormia serenamente graças às doses cavalares de morfina. Fitou seu amado por alguns segundos antes de dormir, e adormeceu com um pequeno sorriso nos lábios. Absolutamente tudo valia a pena se Gilbert continuasse ao seu lado, com o jeito malcriado e bagunceiro de sempre.

*~*~*~*~*

Já passava das dez quando o de olhos lilás acordou, Gilbert ainda dormia, afinal tinha passado por uma sessão de quimioterapia e isso o deixava exausto. E ainda naquela semana teria outra de radioterapia. Essa combinação era a única chance que ele tinha, mas elas não eram melhores que o câncer, pois o matando lentamente. O moreno passou a mão pelos cabelos brancos do namorado e sem querer acabou com grande quantidade deles na mão. Odiava os efeitos colaterais do tratamento, afinal, para ele pagar algo tão caro, isso não poderia ao menos deixar o seu amado com uma aparência melhor ao invés de destruí-lo?

Com passos sonolentos percorreu toda a casa tateando todos os lugares para não bater em nada. Foi quando virou e viu o seu piano, iluminado pela janela que se encontrava aberta. Ele lhe pareceu solitário, não era pra menos, afinal, fazia tempo que não o tocava, que nem olhava para ele. Passava as noites a tocar em instrumentos estranhos, que não lhe satisfaziam como seu velho companheiro. Aquele sim, era um piano digno de ser agraciado pelas suas mãos. Deslizou os dedos no teclado, fazendo o som que tanto apreciava antes de uma verdadeira composição.

Roderich não tinha nem ao menos pensado que música ia tocar, porém seus dedos se mostraram mais rápidos que seu pensamento e antes dele perceber, já tocava Sonate au Clair de Lune. As notas tristes e suaves pareciam dizer o que o austríaco sentia. A dor de estar prestes a perder a única pessoa que conseguiu amar, a pessoa que o apoiou em todos os momentos desde que se conheceram, a pessoa por quem mataria para ver feliz. E agora tudo estava sendo tirado dele, e como um inútil, apenas assistia Gilbert desfalecer em seus braços. E depois de tudo, o tempo consumiria as lembranças, até não restar mais nada. Nada. Ora, Roderich nada podia fazer, pois mesmo quebrando todos os relógios do mundo, o tempo não ia parar. Nem a doença de Gilbert.

Parecia que seu peito ia explodir diante de tanta angústia. Um dos sentimentos que mais abominava era a impotência e que sentia naquele momento. Então, para não ser de tamanha inutilidade trabalha em qualquer coisa que envolvesse sua outra paixão: o piano. O piano e Gilbert completavam o mundo do austríaco, na verdade, eles estavam tão ligados nas memórias do moreno, que os dois praticamente eram um. Não conseguiria continuar tocando sem Gilbert. E se lhe fosse negado o piano, certamente abandonaria tudo. Inclusive seu namorado.

Foi quando sentiu algo lhe abraçar por trás, impedindo as lágrimas de caírem. O albino acordou com aquela triste melodia e sentiu uma vontade enorme de abraçá-lo, seu querido austríaco mimado e aristocrata, que tinha manias tão irritantes quanto adoráveis. A verdade era que estava tão perdidamente apaixonado que se sentia um lixo humano sabendo que seu amado estava se sacrificando por ele. E Gilbert estava horrível. Magro, mais branco do que nunca e olhos sem vida além de olheiras monstruosas. A única coisa que não tinha mudado tanto era o cabelo, mas este começou a dizer adeus naquela manhã, em que o travesseiro amanheceu com milhares de fios. Por mais que o albino odiasse admitir por conta do seu orgulho... Ele estava feio.

Roderich virou para poder ver o de olhos vermelhos e foi surpreendido com um beijo carinhoso, todavia, com o mesmo gosto amargo de sempre. Então o albino sentou-se ao lado do pianista tomando o cuidado necessário para o ar-portátil não soltar do tubo preso ao seu nariz. Como odiava aquele canal que lhe garantia a vida. Um verdadeiro castigo. Era como uma marca feita no gado, algo que limitava sua liberdade e fazia todos enxergarem somente o “doente” e não a pessoa.

– Jovem mestre, você acordou o incrível eu com essa versão fantasmagórica da música do saudoso Beethoven. Kesesesese – Riu sozinho da própria piada, sufocando a tosse que teimava em querer subir-lhe a garganta.

– Se sente bem, Gilbert? Quer comer alguma coisa? – Pôs a mão da coxa do albino, o fitando nos olhos admirado com a força que seu amante tinha para conseguir deixar todos os problemas de lado.

– Oh sim, jovem mestre! Especialmente hoje, minha incrível pessoa acordou faminta! Kesesese! E é algo que apenas você pode me dar... – Maliciou colocando sua mão por cima da de Roderich. Fazia tempo que não o provocava e queria ouvi-lo dizer “seu tolo” mais uma vez.

– Gilbert! Você não tem noção do que diz? – Puxou a mão rapidamente colocando-a entre as próprias coxas. – É um grande tolo, isso sim. Porque... Não conseguiremos terminar se formos fazê-lo.

Esta com certeza foi a primeira vez que o moreno assumia seus desejos sexuais. Gilbert nunca sentiu tanta vontade de fazer amor com seu namorado como naquela hora.

– Aristocrata! Kesesese... Acho que morarmos juntos foi uma boa ideia afinal! Não era você que só queria fazer essas coisas à noite e com as luzes apagadas?

– C-cale a boca! Eu também sou homem e sinto vontade de fazê-lo às vezes... Mas eu sei que não devemos fazer amor por causa do seu estado. Portanto não me provoque!

– “Portanto não me provoque” – Imitou a voz do amado em tom de deboche arrancando um bico do outro. – Cof, cof,cof! – Não conseguiu segurar a tosse quando forçou a voz, logo seu peito também começou a doer e ele pôs sua mão em uma tentativa inútil de amenizar seu sofrimento.

– Gilbert! Está vendo o que você faz? Venha, você vai para cama e eu farei algo para comer. E não se esforce tanto!

Pegou o botijão de gás com uma mão e o namorado com a outra, visto que ele estava sem forças para negar a ajuda. Chegando ao quarto o deixou sozinho para que ele não pudesse reclamar de falta de liberdade e tentar fugir tal como o mês anterior. Roderich conhecia todas as manhas e criancices do prussiano e sabia lidar com desenvoltura, todas elas. Voltando com a comida, encontrou o albino deitado com uma expressão emburrada, como qualquer criança faria depois de lhe ser negado um doce.

– Qual o problema? – Sentou na cama deixando a bandeja perto dele. Não era algo muito gostoso, já que tinha uma lista de coisas que deveria evitar na hora de cozinhar, mas acreditava sempre fazer alguma coisa para deixar o gosto de hospital fora de suas receitas.

– Eu só queria que parasse de fazer tudo sozinho. Quem vê pensa que não há uma pessoa tão maravilhosa vivendo contigo! – Disse com seu ar de superioridade usual, mas notava-se que ele estava incomodado com a situação.

– Desculpe não ter lhe falado antes... Mas você está doente! É inacreditável você não se importar com isso! Parece até um menino de sete anos!

– Calma, mãe! Cof, cof! – Novamente veio a tosse por conta do esforço, desta vez, para gritar.

Então ambos calaram-se e Gilbert começou a comer a refeição que o moreno havia deixado na cama, vez ou outra olhando o mais novo pelo canto do olho, achando graça da expressão avoada do tão sério Roderich. No que ele estaria pensando?

– Gil... – Roderich estava quase sussurrando, porque achava uma fraqueza o que estava prestes a pedir. – Me dê um abraço.

O albino assustou-se, isto ficou claro pelas suas sobrancelhas erguidas, será que tinham trocado o seu jovem mestre por outro? O seu namorado estava excessivamente carinhoso naquela manhã, talvez fosse pela sua enfermidade, ou talvez estivesse mesmo carente, afinal fazia algum tempo que não tinham um momento para troca de carícias. Ele não estava mesmo com fome para continuar o café-da-manhã, logo aquilo também serviria para livrar-se da comida.

– Ora, ora... Vejo que o meu jovem mestre finalmente aprendeu a demonstrar seus sentimentos! Você tinha que ver sua cara! Parecia uma menina do colegial pedindo por um abraço ao amor da sua vida! Uma expressão tão inocente e encantadora que quase fez o incrível eu se sensibilizar...

– O-o que? Cale a boca! Apenas me abrace e pronto.

– Como assim? Não queira dar ordens a alguém com a minha magnitude. E nenhuma garota de filmes americanos consegue fazer o mocinho se apaixonar desta forma! Seja mais delicado! Quer dizer... Você já é muito delicado...

– Cale-se! Eu quero te abraçar! Deixe de ser tão rude e atenda ao meu pedido! Por que você simplesmente não consegue ser agradável?! Eu aqui, finalmente conseguindo falar abertamente o que quero, mas você nunca fica sério, nem em um momento tão romântico!

Isso poderia seguir por várias horas, todavia Gilbert abraçou o amante de forma desengonçada como um pedido de silêncio. Na verdade ele esperava por isso, sabia que o outro iria ficar irritado e mandá-lo calar a boca inúmeras vezes, mas ele realmente queria ouvir e ver tudo isso. Porque era assim seu jeito de amar. Ele e Roderich tinham um amor torto e estranho, porém era verdadeiro. O austríaco aprofundou o abraço e se aconchegou nos ombros do namorado. Logo eles já estavam deitados e abraçados. Tinham fechado os olhos, apenas para poder apreciar plenamente a presença do outro.

Gilbert afagou os cabelos de seu jovem mestre, que deu um pequeno sorriso. Sorriso que foi percebido pelo maior, que adorou ver a vermelhidão na face do moreno, quando este notou os olhos do prussiano sobre eles. Afundou mais seu rosto no peito do mais velho, querendo desaparecer tamanha era a vergonha que sentia. Mostrar seus sentimentos era algo extremamente constrangedor para alguém que aprendeu desde cedo a controlá-los. Mas apenas para seu amante, deixaria a mostra os seus desejos, ninguém mais poderia saber o que acontecia dentro daquelas paredes. Mas isso foi há meses. Quando Gilbert ainda o fazia gritar de prazer e enlouquecer naqueles lençóis, quando ele ainda tinha força e saúde para desperdiçar com bebidas e noites mal dormidas.

O albino novamente sentiu vontade de possuir o rapaz que tanto amava, mas escolheu sabiamente ficar quieto e aproveitar o momento. Haveria mais chances de fazê-lo, com toda certeza. Com essa certeza, decidiu por hora, apenas avançar um pouco mais. Fazia tempo que eles não se beijavam de verdade. Então puxou o queixo do menor para cima, mirando naquela boca vermelha que ficava ainda mais acentuada pela pele branca e imaculada que Roderich tinha. Diminuíram ainda mais a distância entre os lábios e ficaram a dar leves selinhos. O austríaco sabia que o beijo teria novamente o gosto de sedativos, entretanto estava louco para beijá-lo. Tudo naquele momento se resumia ao beijo, um único beijo. E assim colaram mais um no outro e simultaneamente invadiram-se com línguas e desejos. Gilbert estava animado com a iniciativa do menor e ousou apenas mais um pouco, pressionando a cintura do seu jovem mestre.

– Gil... – Sussurrou entre os lábios do amado, parando lentamente a carícia tão prazerosa. – Vamos, nós devemos saber nossos limites. E eu cheguei ao meu, não quero continuar mais.

– Kesesesese! Então minha incrível pessoa te deixa tão excitado, ou você é pervertido o suficiente para ficar todo animado só com um beijo? Kesesesese!

O moreno poderia ter gritado de novo e feito suas reclamações que Gilbert certamente ignoraria, mas soltou um leve riso, o abafando com a mão.

– Seu tolo.

Aconchegou-se outra vez em seu amado, entretanto ambos acabaram caindo no sono sorrindo. Como o alemão era forte, provavelmente poderia fazer a cirurgia e retirar o câncer. Suas chances eram pequenas, porém ainda era melhor do que continuar vivendo naquela angustia. Depois tudo voltaria a ser como antes. Os passeios, as noites quentes e saudosas, as brigas e a vida cotidiana. Tudo naquela monotonia que havia abandonado os seus dias.

*~*~*~*~*

Roderich acordou por volta das seis da noite. Apenas ele acordou, porque Gilbert já não era capaz. Não houve palavras, gestos ou compaixão que melhorassem o estado do pianista, a dor que sentia no peito não era provocada por uma doença, mas sim pela tristeza e não tinha remédios que pudessem curá-lo. Gilbert não estava mais lá, irritando a todos com sua risada, ou deixando alguém constrangido com algo que disse. Ele apenas saiu e deixou um enorme vazio, preenchido parcialmente pelas lembranças. Às vezes parecia que ele não tinha os deixado, pois sempre surgia comentários do tipo: “Gilbert falaria isso” ou “ ele odiava aquilo”. Como se o próprio resurgisse em certas ocasiões, e proibisse todos de esqueceram qualquer coisa, qualquer gesto ou defeito, mesmo que ele duvidasse possuí-los.

E no fim, acabou. Roderich vivia sozinho na casa que dividiu com seu amado, dormia na cama em que se amaram por diversas vezes, e lentamente, o tempo se encarregou da dor e das lembranças. Logo tudo foi sumindo e virando passado. E todos os meses que passou ao lado do alemão, cuidando e velando de sua saúde, tornaram-se uma recordação. E as palavras foram sendo apagadas, uma a uma. O som de sua voz já não estava mais presente na memória do austríaco, “oh céus, como era sua voz?” era a pergunta que martelava a cabeça de Roderich. Depois sua risada. Até seus defeitos, que tanto irritavam o moreno, foram deixados em algum lugar.

A única coisa que sobrou foi o gosto de remédio.



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Notas finais do capítulo

Palavras da organizadora:
Eis um excelente drama da senhorita Kaori-sempai! Ela fez um maravilhoso trabalho - e a prova disso está na sensação, que temos ao terminar a fic, de que nosso coração partido em MILHARES de fragmentos, como se tivesse sido repetidamente esmagado por um martelo - portanto, acredito que devamos presenteá-la com comentários, sim?:)
Se você não escutou a composição, enquanto lia, eu o recomendo a fazer isso. A autora fez uma excelente escolha. A Sonata au Clair de Lune, também conhecida como Moonlight Sonata, além de combinar perfeitamente com o cenário dramático que ela explora, é uma composição belíssima e merece nossa sincera apreciação.
Obrigada pelo interesse nessa coletânea! Por favor, continue a lê-la, apreciá-la e comentá-la!:3