Anjos de Cera escrita por Redbird


Capítulo 9
Lembranças


Notas iniciais do capítulo

Então povo? De onde Katniss conhece Peeta?



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É estranha a forma como as lembranças funcionam. Há tantas lembranças que eu gostaria de ter apagado, outras eu gostaria que voltassem para minha mente dia após dia. Adoraria que as lembranças fossem como uma biblioteca em que você pode escolher qual delas quer ler.

Mas a verdade é que elas não funcionam assim. Elas são como pássaros selvagens que aparecem quando você menos espera, ao seu próprio ritmo, sem dono, sem regras, sem esforço nenhum.

Há muitos anos atrás, minha mãe chegou em casa muito triste depois de ter ido visitar uma tia com Alzheimer. Ela estava chateada por que a tia não lembrava quem ela era. Não lembrava nada da sua vida. Eu fiquei pensando como alguém conseguia viver sem história.

Acho que foi neste dia que eu decidi escrever. Não queria esquecer nada, não queria acabar como a tia da minha mãe. Decidi que guardaria o máximo que pudesse todas as lembranças.

Mas as lembranças de Peeta, essa lembrança de Peeta, eu quis esquecer, fingir que não havia acontecido e que era apenas um sonho.

Tínhamos oito anos e estávamos na segunda série. Era uma turma pequena, de uma cidade pequena, todos se conheciam. Lembro que gostava das aulas, me lembro que apesar de não me dar muito bem com a professora eu tinha dois amigos. Os únicos além de Gale que eu posso dizer que eram verdadeiros.

Madge, Patrick e eu éramos inseparáveis. Nós dávamos tanto trabalho à professora que ela costumava dizer que preferia se aposentar a ter outros alunos como nós. Principalmente se eles fossem como eu, que não parava quieta um minuto e ainda atrapalhava a aula.

Não que eu fosse má aluna, mas ela vivia dizendo que eu estava prejudicando o rendimento dos meus amigos puxando conversa em sala de aula. O mais problemático era Patrick, extremamente temperamental e teimoso. Ele tinha brigas homéricas com a professora.

Madge, no entanto, era a criatura mais doce que eu já conheci. Era divertida e sempre buscava uma forma de agradar a todos. Mesmo que com isso tivesse que se machucar. O fato de Madge ser tão doce é o que torna as coisas ainda mais injustas.

Tudo começou quando Samanta Linhares, uma de nossas colegas, por acaso descobriu a profissão da mãe de Madge. Marta era uma mulher tranquila, humilde que sempre nos recebia bem quando íamos visitar sua filha.

Toda vez que chegávamos na casa delas éramos recebidos com biscoitos, doces, salgadinhos ou qualquer outra coisa gostosa para comer. O único problema de Marta era que só trabalhava a noite então ela tinha que deixar Madge tomando conta do irmãozinho mais novo.Um bebê lindo de 2 anos de idade.

É engraçado por que de alguma forma ou de outra eu invejava minha amiga. Tão pequena e tão responsável, ela podia ficar sozinha em casa a noite. Esse era um luxo que eu ainda demoraria muito para ter.

Quando Patrick e eu chegamos na escola me lembro de perceber que algo estava errado por que Mirela, outra menina da minha classe, veio correndo até nós.

– Acho bom vocês pararem de andar com Madge. A Samanta descobriu que a mãe dela é... sabe, prostituta.

Ainda me pergunto o que aquela garota estava pensando. Nós não íamos pegar uma doença de Madge só porque a mãe dela era prostituta. Não me importei. Corri atravessando o pátio atrás da minha amiga.

Ainda me lembro de que ela estava chorando como se o mundo tivesse acabado. Ela estava encolhida em um canto sendo consolada por um dos garotos da nossa classe. Peeta. Ele estava ali, abraçando ela, como se fosse um velho amigo. Percebi que ele também tinha dado metade do seu lanche para que ela pudesse comer na hora do recreio.

–Ei, você sabe que não importa o que a Samanta diga não é, vai ficar tudo bem- Peeta ficava repetindo a frase tentando acalmar Madge.

Peeta era um garoto tímido. As professoras gostavam de elogiar ele por que, além de ficar bem quietinho durante as aulas, fazia os melhores desenhos da sala. O garoto tinha seus amigos claro. Gostava de brincar com uns meninos da 4ª série, muito maiores que nós.

Estávamos em Maio, quando o vi ali consolando Madge me perguntei como ainda não havia reparado nele desde que o ano começara.

Madge ficou aliviada em nos ver. A coitadinha realmente achou que íamos deixar de falar com ela. Nós ficamos aquela meia hora antes da aula começar xingando em voz alta a tonta da Samanta. Isso fez Madge perceber que estávamos do lado dela.

Na hora da saída Peeta ainda estava com a gente e poderia ter ficado para sempre se o pai dele não tivesse aparecido e ficado furioso ao ver com quem Peeta estava.

–Seu moleque, eu já te disse para não ficar perto desse tipo de gente?

Ele estava falando de Madge obviamente. Ele já devia saber quem era a mãe dela e com o que trabalhava. Eu fiquei enfurecida, fiquei cega de tanta raiva. Eu sabia que crianças podiam ser cruéis mas adultos, isso era uma coisa bem diferente.

Eu tinha oito anos, não era uma encrenqueira, era apenas uma garota agitada. Ele era um adulto. Alguém bem mais forte que eu, bem mais poderoso que eu. Eu nem era corajosa. Mas naquele momento nada disso importou.

–Não fale assim da minha amiga seu idiota- Comecei a chutar cada parte do homem que eu podia alcançar. É claro que eu não consegui por muito tempo. Ele me segurou pelo pulso e eu Ia levar uma bela bofetada se alguém não tivesse se metido no meio.

Só senti um empurrão e quando voltei a mim Peeta estava com uma marca vermelha no rosto. Ele tinha lágrimas nos olhos, mas me lembro de que, mesmo assim, conseguiu olhar para cima e enfrentar o pai. Eu estava tomada pela surpresa. Peeta não era o tipo de pessoa que saia enfrentando alguma coisa. Muito menos um adulto. Muito menos o pai dele.

Mas a resposta, a resposta que ele deu foi a mais corajosa que eu já vi alguém dar em toda a minha vida.

–Eles valem 10 mil vezes mais do que você

O homem agarrou Peeta pelo pescoço, não sem antes dar outra bofetada, e entrou no carro. Vi o olhar de Peeta pelo vidro enquanto ele era engolido pela rua, engolido para sempre de minha memória.

Nunca mais vi Peeta. Assim que ele saiu fui levada a direção. Uma das professoras viu a cena e concluiu que eu havia sido terrivelmente mal educada com o pai do meu colega. Não fui suspensa já que não tinha cometido outra falta grave antes. Mas meus pais foram chamados e depois de uma conversa perceberam que tinham uma filha problemática.

Queriam que eu me desculpasse com o pai de Peeta, mas como não conseguiram nem o telefone, nem o endereço, esse castigo foi deixado de lado. Obviamente eu jamais iria pedir perdão para uma pessoa daquele tipo.

Eu só ficava pensando em Peeta. No tapa que ele havia levado e em como ele havia protegido não só Madge, mas a mim também. Se eu pudesse agradecer, se eu tivesse a chance de agradecer. Mas nunca mais tive essa chance.

Madge também sumiu depois desse incidente. Ao que parece, a mãe tinha tirado ela e o bebê da cidade. Minha melhor amiga tinha se mudado. A possibilidade de encarar as aulas sem ela era terrível demais. Mas era real.

Durante um tempo Patrick e eu fazíamos quase tudo juntos. Até ele encontrar um amigo e começar a me ignorar. A lembrança de Madge era dolorosa para nos dois.

Acho que o episodio de Madge foi o fim da minha infância. O fim da inocência. Mas de alguma forma ele se apagou de minha memória. Acho que nunca consegui esquecer o olhar de Peeta, ele ficou guardado em cantos profundos aos quais eu não tive mais acesso.

Sempre quis ter uma chance para pedir desculpas, para dizer que ele tinha sido a pessoa mais corajosa que já tinha conhecido. Mas agora que estou de frente para ele é como se as palavras tivessem sumido.

A única coisa que consigo pensar em fazer e tocar o local machucado pelo tapa. Sinto a dor passar por todo meu corpo quando coloco a mão em sua bochecha e me dou conta de algo que faz minha cabeça latejar só de pensar.É terrível, mas mesmo assim eu tenho que perguntar.

–Peeta, ele já tinha te batido antes não é? Quero dizer... Antes de te ver perto da Madge?

Ele solta um suspiro cansado. Posso ver em seus olhos que a resposta é sim. Cada célula do meu corpo quer gritar em protesto.

–O que aconteceu com Madge- A pergunta me surpreende por que achei que ele sabia que ela tinha se mudado.

–Ela saiu da cidade, naquela mesma semana, assim como você- Eu ainda estou tocando o local onde ele foi machucado no passado. Tentando de alguma forma voltar atrás e aliviar a dor.

–Você só lembrou de mim agora?- Ele vem tentando me decifrar desde que me viu e agora sei que ele me reconheceu na hora em que pós os olhos em mim. Eu confirmo de leve com a cabeça.

–Você lembrou de mim não é? Assim que me viu na escola. - Quero perguntar por que ele não me disse antes, por que esperou para que eu me lembrasse. Mas as palavras simplesmente não saem.

Peeta sorri e pega minha mão de leve.

–Katniss, eu nunca esqueci você.



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Notas finais do capítulo

Agora me diz, o Peeta é ou não é o ser mais fofo de toda a face da terra?



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