Anjos de Cera escrita por Redbird


Capítulo 32
Morto ou vivo


Notas iniciais do capítulo

Aqui vai mais um capitulo. Antes de lerem eu quero dizer que foi muito, muito difícil escrever ele, mesmo. Eu sabia o que tinha fazer, mas mesmo assim relutei até o fim. Bom, eu espero que gostem.



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Na manhã seguinte acordo cedo, com a sensação de que estou esquecendo algo ou que algo importante está para acontecer. No inicio fiquei confusa sem saber onde estava. Mas sorri quando percebi que estava deitada no velho sofá da minha avó. Gale está no outro sofá, dormindo profundamente. Por um momento fiquei feliz com a perspectiva de acordar todos os dias assim. Era muito diferente do jeito que eu acordava em casa. Era como se pela primeira vez na vida eu estivesse em paz.

Eu sei que as coisas entre Gale e eu ficaram um pouco complicadas. Seria inocência minha achar que não. Sei que ele esperava muito mais dessa noite. Nenhum de nós falou sobre isso ainda e, meu deus, eu coro só de pensar nisso. Mas não posso dar o que ele quer. Não agora. Felizmente nossa conversa depois da ligação de Peeta me mostrou que Gale está disposto a esperar por mim.

Levanto lentamente. Não tenho pressa de começar o dia. Decidimos que amanhã começaremos a procurar emprego e escola, resguardados pelos documentos falsos. Aproveito que ele está dormindo e silenciosamente dou uma ajeitada na casa. Depois de arrumar as coisas decido que é hora de ir à padaria, afinal precisamos tomar um café decente, o primeiro nessa nova cidade.

Estou um pouco nervosa de sair sozinha. Não acho que ninguém vá me reconhecer, mas mesmo assim me sentia receosa, era como se tivesse alguém me espionando em cada passo. Luto contra a sensação estranha de que algo vai acontecer. Estamos seguros agora, é o que repito para mim mesma durante todo o trajeto.

A padaria fica apenas uns dez minutos da minha casa. Embora não tivesse muita gente, havia uma pequena fila. Então eu comecei a prestar atenção na televisão que havia perto da saída. Estava passando o jornal local e eu estava prestando um pouco de atenção, já que poderiam falar alguma coisa sobre Gale e o roubo.

O homem que estava atendendo era um homem de meia idade, um pouco acima do peso e muito gentil com todos os clientes. Ele já estava aqui quando eu era pequena. Costumava fazer uma piadinha comigo toda a vez que eu vinha aqui. Era realmente uma pena que eu não pudesse dizer quem era, seria legal poder relembrar os velhos tempos com ele. Mas me contenho, afinal a última coisa de que preciso é chamar atenção.

Chega a minha vez, o homem me dá um sorriso. Peço uns cinco pães para levar e mais algumas coisas. Quando estou pagando, minha atenção se volta exclusivamente para a pequena TV do estabelecimento. Eles estão exibindo a foto de Gale enquanto a repórter lê a noticia sobre o roubo e a fuga.

– Gale Hawthorne, um menor de 17 anos, está foragido desde ontem. Ele é suspeito de roubar insulina do Hospital municipal da cidade de Montepas. O roubo aconteceu há cerca de quatro meses. As autoridades acreditam que ele tenha agido sozinho. O carregamento com o medicamento nunca foi recuperado. O adolescente também é acusado do sequestro de Katniss Everdeen, adolescente de 17 anos que também está desaparecida desde ontem.

Algo está errado por que meu coração simplesmente está parando aos poucos e minhas pernas parecem feitas de gelatina. O homem da padaria me olha desconfiado.

–Algum problema querida?

–Não - tento manter a voz calma, dando um breve sorriso para ele.

Estou torcendo para que não haja nenhuma foto minha, desvio os olhos da TV. “Por favor, não mostre uma foto minha, por favor não mostre uma foto minha”. No entanto, quando olho para o padeiro e vejo sua expressão, sei que meu pedido não foi atendido. E o pior, eu fui reconhecida.

–Se você tiver alguma noticia do paradeiro dos adolescentes, por favor, ligue para o número que aparece no visor. Garantimos total anonimato.

Pago rapidamente. Agradeço o atendente e assim que estou a uma distância segura minhas pernas ganham vida própria e eu corro o mais rápido que posso para a casa da minha avó. Gale, preciso avisar Gale. Esta é a única coisa que tenho em mente. Sei que precisamos sair dessa cidade agora, mas eu não sei para onde ir. Nem se teremos como.

Quando estou chegando perto da minha casa deixo os pães e todas as compras caírem no chão. Um carro da policia está se aproximando aos poucos. Gale está lá provavelmente dormindo, sem saber que já foi encontrado. Sem pensar duas vezes corro até a rua que fica atrás da minha avó. Eles só têm um carro. Não vão cercar a casa. Provavelmente não se preocupam muito com adolescentes, para eles somos presas fáceis. E eles têm razão.

E não é difícil escalar a cerca da minha avó. O difícil é me concentrar para ser silenciosa. Não posso ceder ao desespero, não agora. Por sorte a porta dos fundos está com problema e não está fechando muito bem, assim não preciso arrombá-la para entrar.

Eu deveria estar chamando por Gale, tentando fazer com que ele acordasse e saíssemos pelos fundos. Mas instintivamente sei que isso não é a opção mais inteligente. Eles seriam muito mais rápidos que nós. Pego um dos tijolos que estão jogados no quintal e me preparo para lutar. É loucura, mas eu não me importo. Preciso tirar a gente daqui.

Escuto um barulho forte na porta. Eles entraram, sei que daqui há alguns segundos eles terão pego Gale. Agora sou pura adrenalina.

Minhas mãos apertam cada vez mais forte o tijolo. Me escondo atrás da porta da cozinha, sentindo os policias cada vez mais perto. Escuto o barulho de alguém caindo no chão. Gelo percorre minha espinha, não preciso espiar para saber que quem está caindo no chão, é Gale.

Escuto um grito. Eles estão batendo nele, o estão machucando. Me controlo para não gritar também. E mais uma vez me agarro no tijolo que está na minha mão. Outro grito. É agora. Me abaixo e saio rastejando da cozinha. Os segundos que eu levo para percorrer a distância entre a cozinha e a sala da minha avó parecem uma eternidade.

Escondo-me atrás do sofá enquanto eles imobilizam Gale. Pela primeira vez me atrevo a espiar. Gale está caído no chão. Posso ver os hematomas onde os policiais o acertaram. Tem três deles. Dois estão segurando Gale enquanto um terceiro desce mais uma vez o cassetete em direção as suas costelas. Ele grita novamente. E mesmo que eu esteja entorpecida dessa vez consigo entender o que ele está gritando. Meu nome. Ele está gritando meu nome.

O policial que está batendo em Gale está de costas para mim, então aproveito e acerto o tijolo bem na sua nuca. Ele cai desmaiado imediatamente. Antes que os outros se recuperem da surpresa eu atiro o tijolo em um dos policiais. O tijolo acerta seu queixo. O Outro policial vem para cima de mim e antes que consiga me prender o acerto com um chute.

Pego a mão de Gale e saímos correndo dali antes que os policias se recuperem. Mal estamos na esquina quando eles aparecem atrás da gente. Gale aperta mais forte a minha mão e se é possível corremos mais rápido ainda. Olho para Gale e vejo por sua expressão que ele também está com medo de que não saímos dessa.

Ele está se esforçando, mas sei que as pancadas que ele levou foram fortes demais e ele não está em condições de correr muito. Eles começam a atirar. Nós nos esgueiramos por um beco atrás de um dos prédios que ficam perto da minha rua.

Por um momento acho que conseguimos despistá-los, mas então escuto de novo os tiros. Bem próximos. Dessa vez é Gale quem pega minha mão e me puxa para que eu saia correndo. Sei que estamos perto de casa, mas eu não me lembro de ter estado nessa rua antes. Obrigo-me a correr mais rápido quando escuto os passos e os gritos dos policiais.

Algo passa pela minha cabeça zunindo. Uma bala. Gale me puxa para mais perto sem parar. Ele me empurra para frente para me proteger dos tiros e continua correndo. Eu continuo segurando sua mão.

De repente sinto sua mão escorregando da minha. Gale está caído no chão. Corro até ele.

–Vamos Gale, só mais um pouco. Vamos conseguir sair dessa, vem- eu digo tentando fazer com ele levante.

Ele não está muito bem. Mas se segura em mim e nós dois continuamos correndo. Não sei por quanto tempo vamos aguentar, mas sei que não vou deixar eles levarem Gale. Estamos quase chegando à próxima esquina quando mais policiais se aproximam pela nossa frente. Estamos cercados meu cérebro me diz, meu corpo já não escuta mais nada e continuamos correndo.

Antes que eu perceba um dos policias consegue me atingir e fazer com que eu me solte de Gale. Começo a gritar desesperada. Gale tenta correr até mim, mas um dos policiais lhe dá um soco. Eu grito, sentindo a raiva e o pavor tomarem conta de mim.

O policial enlaça mais seus braços em volta do meu corpo, fazendo com que eu fique totalmente presa. Ele me dá um tapa para que eu fique imóvel. Gale finalmente consegue se desvencilhar do policial para chegar até mim.

Mas antes que ele chegue, antes que eu possa sequer tocar novamente sua mão, um dos policiais que estava na casa da minha avó chega e puxa o gatilho. Gale é atingido no peito e eu paro de respirar.

Sinto como se tivesse caído de um prédio de cem andares. Não consigo me lembrar de quem sou, não consigo me lembrar de como respirar. Antes que o desespero me domine completamente eu acerto o policial que está me segurando com um chute bem no estômago, fazendo com que ele me solte.

Corro até Gale. Ele está perdendo muito sangue. Passo a mão em sua testa, ela está úmida. Ele está suando frio. Pego na sua mão ela está fria. Desesperada rasgo a manga da minha camisa e ponho em cima do buraco feito pela bala, esperando que isso talvez estanque o sangue até algum médico chegar.

–Gale vai ficar tudo bem- digo mais para mim do que para ele -Tudo vai ficar bem.

Um policial tenta me tirar de perto de Gale. Mas eu empurro ele. Não há nada que me faça sair de perto dele agora.

–Alguém chame uma ambulância, rápido- Olho desesperada para os policiais. Um deles está falando com alguém no telefone. – Rápido -grito mais forte.

–Katniss- Diz Gale – Você foi a melhor amiga que tive. Você é corajosa sabia.

–Gale, não fale assim. Por favor. Você não está se despedindo de mim.

–Estou sim Katniss. Você sabe disso.

–Não - Agora as lágrimas estão vindo cada vez mais fortes. Percebo que essa é a primeira vez que choro em anos- Você vai ficar bem. Eles chamaram a ambulância. Vou levar você para o hospital. Vamos dar um jeito de fugir de novo você vai ver.

–Katniss- Ele sussura, sua voz está tão fraquinha.

–Você vai estudar direito Gale, lembra? Você queria isso. Hazelle vai ficar tão orgulhosa. Depois vamos ver seus irmãos se casando. Você vai ser o padrinho. Vai reclamar por usar terno, mas vai ir assim mesmo, por que ama seus irmãos. Depois nos vamos viajar pelo mundo e invadir de novo o cinema que tal? Seria bom né? Depois que você se recuperar eu te levo lá.

–Katniss, nós íamos fazer isso juntos lembra?

–Não Gale. Nós vamos fazer. Gale pare de falar como se você fosse morrer. Você não vai morrer.

–Katniss, eu vou. Mas está tudo bem. Você vai ficar bem eu juro.

–Gale não.

– Katniss me conte uma história. Mas uma história feliz. Adoro quando você conta suas histórias.

– Gale

–Por favor Katniss.

Começo a chorar convulsivamente. Não sei como, mas consigo forças para contar uma pequena história. Ela é uma história que eu me lembro de ter visto quando era bem pequena sobre um Macaco que fazia acordo com um rei na Índia.

O macaco deveria passar por três provas diferentes para conseguir resgatar um importante objeto para o rei e assim, obter a mão da sua filha em casamento. O animal era astuto e extremamente inteligente. Ao conseguir realizar as três provas se transforma em um lindo príncipe e se casa com Rajana, sua amada, e a filha mais bonita do rei.

Essa foi à primeira história que contei para Gale. A única que me lembro agora. Ele me escuta fascinado. E sinto aos poucos sua vida indo embora. Me agarro a ele com mais força. Os policiais estão fazendo ligações, evacuando as pessoas, deveria checar se chamaram a ambulância, mas eu simplesmente não consigo deixá-lo aqui. Simplesmente não consigo prestar atenção neles.

Gale aperta minha mão e posso perceber que ele está sofrendo. Quando termino a história, ele afasta meus cabelos e simplesmente me dá um beijo. Eu começo chorar com mais força ainda. Ele retira sua mão das minhas e pega algo que está nos bolso da sua jaqueta.

–-Katniss tenho uma coisa para você- ele agora me olha com um sorriso- É o seu anjinho de cera. Sei que significa muito para você.

–Gale, como você conseguiu pegar isso no meio da fuga?

Ele não me responde, apenas me entrega um papel amassado, meio sujo de sangue. Quando abro percebo o que tenho nas mãos. O bilhete de Peeta.

–Você vai ficar bem Katniss. Eu tinha que pegar isso, para te lembrar.

–Gale não

– Você vai ter uma vida linda Katniss.

– Gale, escuta. Aguenta mais um pouco, eles estão chegando- Digo desesperada.

Ele apenas sorri e me dá outro beijo.

– Obrigada, obrigada, Obrigada -digo surpresa de que ainda consiga falar através das lágrimas.

Sinto seu abraço afrouxar. Meu coração para mais uma vez. Por que os olhos do Gale estão sem vida? Eles não são assim. Não consigo entender por que ele está tão gelado, por que ele não responde quando eu chamo o nome dele. Ele sempre me respondeu.

Um policial tenta me puxar, mas novamente eu me desvencilho dele. Agarro-me a Gale de uma forma que ninguém possa nos separar. Sinto uma picada. Minha visão fica turva.

Gale está vivo, tem que estar. Mas quando olho em seus olhos novamente, quando sinto sua pele fria, eu entendo. Gale se foi. E eu também.



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Notas finais do capítulo

Chorei litros escrevendo esse capitulo. Espero que tenha valido a pena.