Anjos de Cera escrita por Redbird


Capítulo 31
Memórias e liberdade


Notas iniciais do capítulo

Olá pessoal.
Então aqui vai mais um capitulo. Sim, eu sei. Vocês já estavam querendo me matar pela ausência do Peeta. Não se preocupem, nosso padeiro favorito está bem (e pelo visto continua apaixonado pela Katniss).



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Sai de Mainsville quando tinha seis anos, onze anos depois me surpreendi relembrando vividamente momentos da minha infância. Minha família indo tomar sorvete na praça principal, o senhor da padaria no centro da cidade que sempre me dava um pão de queijo quando ia buscar pão para minha mãe, o balanço onde eu brincava com Prim e a pizzaria onde minha mãe tinha contado para todos que estava grávida de Finnick, a igreja onde minha avó sempre me levava.

Era tão estranho estar ali. Como se eu nuca tivesse saído, mas ao mesmo tempo era como se fosse a vida de outra pessoa. Estava tão absorta na rua que mal percebi quando chegamos a uma casa verde.

Fazia uns dez anos desde que eu tinha estado naquela casa pela ultima vez. Ela era exatamente como eu me lembrava, a não ser pelo fato de parecer um pouco menor. O jardim, embora abandonado, ainda tinha uma certa elegância dada pela minha avó que passava a maior parte do dia com suas plantas e mimando os netos.

A casa estava fechada há anos então quando entramos percebi que teríamos muito trabalho para deixá-la habitável. Nunca entendi porque meus pais não quiseram vender essa casa. Provavelmente porque alguns dos meus tios, que eu não via desde que me entendo por gente, não quiseram vender ela.

Agradeci aos céus pela casa ser mais afastada, assim não haveria nenhum vizinho abelhudo. É claro que havia a possibilidade de eu reencontrar minhas antigas amigas de infância, não que eu tivesse muitas, mas alguém sempre pode me reconhecer por aqui. O melhor era ser o mais discreto possível.

A essa altura Gale já estava sendo considerado foragido e procurado por todo o estado, e se minha mãe resolveu falar alguma coisa com a polícia, Snow já sabia que eu tinha fugido com Gale. Sei que Finnick nunca falaria nada e me senti mal por colocar um fardo desses nas costas de um menino de 12 anos.

Gale jogou suas coisas no sofá e me atirou um saco de salgadinhos e um refrigerante. Ele estava quente, mas mesmo assim era o que eu precisava. Gale ligou a TV e ficou assistindo uma reprise de Friends. Eu estava tão cansada que acabei adormecendo.

Devo ter dormido por muito tempo porque quando acordei já era quase de tarde. Me deparei com Gale de vassoura na mão varrendo a cozinha. A cena era tão inusitada que eu não pude deixar de rir. Ele me olhou mal-humorado.

–O que você está fazendo Gale? – Perguntei tentando manter o tom sério.

–Jogando comida para os duendes. O que você acha Katniss?

– Nossa, ok senhor limpeza a jato. Achei que ia guardar suas coisas primeiro, descansar, sabe essas coisas que pessoas normais fazem.

– Eu já fiz isso tudo há duas horas Bela Adormecida.

–Ah bom, ok então. Vou te ajudar.

Então começamos a limpar loucamente. Arrumei uma janela que estava quase caindo, tirei o pó, o que pareceu uma tarefa quase impossível. Duas horas depois a casa já estava um pouco mais habitável. Gale, que estava arrumando um pequeno escritório que tinha nos fundos da sala, encontrou uma caixa com algumas coisas que tinha pertencido a minha avó.

–Ei Katniss, você fica uma gracinha vestida de gatinha sabia?

– O que?

Quando vi o que Gale tinha nas mãos não pude deixar de sorrir. Era uma foto minha com 7 anos de idade na festa a fantasia da pré-escola. A foto também era um pouco constrangedora porque eu estava sem dois dentinhos na frente e com uma tiara de gatinho. E a saia mostrava todas as minhas pernas gorduchas.

– Gale largue isso agora. Esta caixa está proibida. Minha avó não ia querer que você mexesse nisso- Infelizmente minha tentativa de parecer zangada não deu certo.

–Errado Katniss, ela ia adorar.

–Gale me dá isso aqui- Mas antes que eu pudesse terminar a frase ele já estava correndo pela casa com a caixa.

–Seu desgraçado volta aqui.

Sim, eu sei. Nós estávamos agindo como perfeitos idiotas. Mas e daí? Já estávamos bem encrencados mesmo, o melhor que tínhamos a fazer era continuar vivendo. Eu persegui Gale pela casa toda. Sério, eu não entendia como esse garoto tinha tanto fôlego.

Assim, na terceira vez que ele cruzou a porta da cozinha eu estava preparada e lhe dei uma rasteira. A caixa caiu das mãos dele mostrando as fotos e o resto das coisas que minha avó guardava.

Comecei a recolher as fotos. E assim que começamos a guardar as coisas Gale finalmente conseguiu fazer com que eu o deixasse olhar as fotos. Eu também aproveitei para olhar claro.

Tinha uma foto de Prim, ela devia ter uns dois anos de idade, com o cabelo loiro amarrado em duas chiquinhas segurando um elefantinho cor-de rosa de pelúcia. Outra de Finnick aprendendo a caminhar. Uma minha em cima de um cavalo, e uma com a cara cheia de chocolate.

Minha avó realmente tinha milhares de fotos nossas e outras coisas como cartinhas, presentes de datas especiais. Verdadeiras relíquias. Era impossível fazer Gale parar de rir de cada foto. Nem eu conseguia me segurar.

–Você parece tão feliz nessas fotos.

–Eu sei. Tive uma infância maravilhosa- E é verdade. Me lembro de ser muito feliz nessa cidade, perto da minha avó, brincando como se o tempo não importasse. De repente sinto uma necessidade de contar a Gale sobre meu plano.

–Gale, sabe antes de virmos para cá, antes de saber no que você estava metido, eu estava tão mal que ás vezes eu pensava que não valia a pena viver.

Gale ficou parado me olhando com uma expressão impassível. Ele continuou calado como se esperasse que eu dissesse mais alguma coisa.

–Quer dizer, Gale eu pensei até em tirar minha vida sabe. Não sei, ás vezes era tão difícil. Agora parece idiotice, mas na época não era. O que é engraçado. Agora existem tantas coisas reais com que me preocupar que acabei deixando um pouco dos meus fantasmas para trás.

–O que aconteceu? Por que você estava tão mal?

– Não sei, ás vezes eu simplesmente achava que não havia lugar para mim. Ás vezes eu me sentia como aqueles anjos de cera que o Peeta me deu sabe. Como se estivesse prestes a quebrar todo o tempo.

– E porque você mudou de ideia?

Como eu posso explicar para ele? É difícil, porque quando eu penso nisso me lembro de Peeta. Peeta me dando chocolates, Peeta me levando a biblioteca, ao cinema. E Peeta me beijando. Eu havia tentando me convencer que isso não era verdade. Que eu tinha tirado força da minha teimosia, da vontade de fazer justiça e por Luke na cadeia. Mas isso era mentira. E eu estava cansada de mentir para mim.

–Não sei. Acho que foi Peeta.

–Peeta?

–É. Ele descobriu o que eu estava tentando fazer e passou boa parte dos últimos meses tentando me convencer a ser um pouco mais feliz -Não sei por que, mas sorri ao lembrar disso.

–Então ele estava tentando salvar você?

–Não sei se salvar é o termo, mas acho que sim.

Gale não diz nada. Pela primeira vez na vida não sei o que ele está pensando.

–Bom, acho que o intervalo acabou.

E mais uma vez eu entendo a mensagem por trás das palavras de Gale. É hora de irmos em frente. Esquecer o passado, esquecer minha vontade de morrer e esquecer Peeta. Às vezes me pergunto se seria capaz disso. Infelizmente minha resposta parece vir rápido demais.

Quando estou terminando de dar um jeito na cozinha, meu celular toca. É um número desconhecido. Gale me olha assustado, mas eu sei quem é. Meu irmãozinho cumpriu a promessa de me ligar.

–Finnick- antes que eu tenha como dizer alguma coisa a mais uma voz que não é a do meu irmão me interrompe

–Katniss, onde você está?

–Peeta? - minha voz sai quase como um sussurro.

–Katniss por que você fugiu? Onde você está?

Eu quero desligar, mas não consigo. Algo me mantém presa aquele telefone. Ficamos em silêncio por algum tempo até que eu percebo que tenho que responder.

– Eu estou longe Peeta. Onde está meu irmão? – Fico feliz que minha voz tenha saído um pouco mais firme dessa vez.

–Katniss, o que você está fazendo?

Não sei é o que penso. Mas ao invés disso me obrigo a voltar a razão.

–Peeta onde está Finnick?

– Ele está aqui. Vou passar para ele- Ele ainda fica um tempinho no telefone- Só fique bem ok?

E finalmente ele passa para meu irmão. Começo dando uma bronca em Finnick por ter contado a Peeta sobre a minha saída da cidade. “Eu não tive culpa, ele estava com uma cara de quem ia morrer se não soubesse onde você estava”. Reviro os olhos. Por que meu irmão e Peeta tem que se darem tão bem.

Depois ele me conta como foi bem na prova de matemática, que mamãe está louca me procurando, que conseguiu o novo livro das crônicas do detive Salmon. E de repente desliga dizendo que precisa ir para a aula. Odeio o fato de ter esperança de que Peeta pegue o telefone. De que ele fale mais uma vez comigo. Mas ao invés disso só escuto o silêncio.

Quando desligo o telefone Gale está me observando.

–Você acha que ele pode dizer algo a policia?

Eu faço um gesto negativo com a cabeça. Mesmo que quisesse Peeta não teria como dizer nada. Ele não sabe que eu fugi com Gale, nem onde estou. Sinto que Gale não confia muito nisso, mas não me importo.

Vou até a varanda tomar um ar. Falar com Peeta me deixou um pouco agitada. Não só por medo de que ele descobrisse onde estávamos, mas por outro sentimento que eu odiava admitir se assemelhava muito a saudade.

Um tempinho depois Gale vem me fazer companhia na varanda.

–Me desculpa- Diz ele de repente.

–Por que? - Não entendo por que Gale está se desculpando.

–Eu não devia ter te beijado ontem. É que eu fiquei feliz de você vir comigo. E quer dizer, eu não estou arrependido, porque eu realmente queria. Mas eu não devia ter feito aquilo, dá para ver que você ainda ama o Peeta.

– Olha eu realmente não quero falar disso agora. Eu já disse para você esquecer isso. Peeta e eu não tivemos nada.

–Tem certeza? Por que eu não acredito muito nisso.

–Gale, esquece ok. Peeta não tem nada haver comigo. É passado.

–Ás vezes você é muito cega Katniss.

Ele pega minha mão me puxando para frente.

–Vem, vamos explorar. Você precisa me mostrar sua cidade.

Passamos o resto do dia rindo e andando pelas ruas nas quais cresci. Mostrei para Gale cada lugar, cada história daquela cidadezinha. Quando a noite caiu era como se fossemos outras pessoas. Não sei se era a sensação de finalmente estar livres de tudo, estar em uma cidade diferente, mas estávamos rindo, brincando e cantando, como dois loucos.

Não estávamos chamando muita atenção, sabíamos que não podíamos correr riscos, mas mesmo assim estávamos nos divertindo. Acho que ali nos percebemos que existem coisas pelas quais vale a pena arriscar tudo. Liberdade era uma delas.

Acho que ficamos até altas horas conversando. Sei que adormeci no sofá ao lado de Gale. E me lembro que aquela foi a última noite de felicidade antes do mundo desmoronar.



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Notas finais do capítulo

E então? gostaram?
bjuuus