Quando eu era mais nova costumava acreditar na justiça. Ainda me lembro como eu costumava achar que se eu fizesse as coisas certas seria recompensada. Acreditava que existia o bem o mal, acreditava que podia confiar nas pessoas. Gostava de pensar que a maldade era apenas uma fraqueza, não uma opção. Bom, isso faz muito tempo. Tanto tempo que não consigo mais lembrar.

Mas, parada ali, na frente de Percy, sem esboçar reação nenhuma, me sinto como uma criança, alguém perdendo a inocência pela primeira vez. Tudo isso é tão surreal que fico alguns segundos tentando assimilar suas palavras.

–Inocente? Luke foi considerado Inocente? - Posso ver por sua expressão que é exatamente isso, não é piada, mas preciso dizer mais uma vez em voz alta para me convencer de que não estou presa em um sonho nonsense – Inocente?

–Como isso pode acontecer Katniss? Não é possível que aquele mimadinho nojento ganhe sempre.

–Não, mas o que nós fizemos de errado? Como ele pode ser considerado inocente?

– Eu não sei. Annabeth saiu arrasada. E aquele... - Percy parecia a ponto de quebrar qualquer coisa que surgisse na sua frente- Saiu sorrindo, tão satisfeito de si mesmo. Eu juro, se os pais de Annabeth não estivessem ali eu tinha partido a cara dele em pedacinhos.

– Sei como você se sente- Só a imagem de Luke sorrindo muito perto de Annabeth fazia meu almoço querer me visitar novamente -Mas precisamos fazer algo. Ele não pode sair impune.

– Ele não vai, porque eu vou dar um bons sopapos nele. Vou quebrar a cara daquele desgraçado. Eu juro.

–Percy não seja idiota. Isso não vai resolver nada. Temos que ser frios, temos que agir com inteligência e...

–Eu vou levar Annabeth para longe daqui.

–Nós... o que? Você vai fazer o que?

–Vou levar Annabeth embora daqui. Nós já decidimos isso.

Eu olho para ele para ver alguma indicio de loucura, algum vestígio de piada. Em seus olhos só vejo uma determinação que nunca vi em ninguém.

–Vocês vão embora? Espera ai? Como assim? Vocês...

–Bom, as coisas aconteceram meio rápido. Sabe, isso tudo nos aproximou e... Bom, agora estamos namorando. Só que acho que Annabeth meio que sabia que não tinha chance, então ela pediu que eu fosse embora com ela. Na verdade ela já preparou tudo. Se inscreveu em uma universidade numa cidade que fica há cinco horas daqui, está procurando emprego e ontem ela pediu que eu fosse com ela.

–Resumindo- Digo tentando entender a situação-Ela te pediu em casamento.

–Que? Não.. ela... é, bom... mais ou menos isso.

Ok, Luke inocentado, Annabeth e Percy casando, indo morar longe daqui. Quantas novidades. Fiquei um momento olhando fixo para Percy tentando entender como as coisas tinham caminhado para essa direção.

–Percy eu, meu deus, eu acho isso maravilhoso- Quando digo isso percebo a falta que os dois vão me fazer. Eu nunca tive muitos amigos e Percy e Annabeth eram uma das melhores pessoas que conheci. Percebi que sentiria falta de rir com Percy, da sua simplicidade, do jeito como ele conseguia ser leal e bondoso naturalmente, quase como se fosse um instinto.

– Eu sei que é rápido, mas não podemos ficar aqui entende, não com ele solto e vivendo feliz como se não tivesse destruído a vida de ninguém.

–Entendo, eu...- Eu queria dizer que ia sentir falta deles, queria dizer que eles eram melhores amigos que alguém podia ter. Mas eu simplesmente não consigo. Um dos meus inúmeros problemas é que eu simplesmente não consigo dizer o que sinto- Eu ajudo vocês com o que precisarem.

– Obrigado vamos precisar.

– Quando vocês vão? No fim do semestre?

–É queremos esperar o fim das aulas sabe. Terminar o ensino médio com calma. Não podemos deixar Luke abalar nossas vidas mais do que ele já fez. E ainda precisamos falar com nossos pais. Não vai ser muito fácil explicar a situação.

–Bom, isso é bom. Vocês tem razão, Annabeth tem sido muito corajosa sabe, eu realmente admiro ela. E Percy, você também. Annabeth tem sorte de ter você ao lado dela.

–Katniss, por favor, me prometa que haja o que houver vai continuar tentando por Luke na cadeia.

–Vou sim, não vou desistir, não enquanto ele estiver livre.

Então Percy me abraça. E mais uma vez percebo a falta que ele e Annabeth vão me fazer.

–Você é a amiga mais corajosa que tenho sabia? Sei que você não acredita nisso, mas se não fosse por você não teríamos conseguido levar isso adiante. Você é Rachel foram fantásticas.

– Eu só não podia tolerar o que Luke fez com Annabeth. Percy, nós vamos superar isso, vocês vão fazer felizes longe daqui eu sei.

Percy me dá um sorriso e um abraço antes de sair, ele passaria na casa de Annabeth novamente para ver como estavam as coisas. Quando ele sai fico um minuto tentando entender como as coisas chegaram a esse ponto. Inocente, como Luke pode ser considerado inocente?

Eu sabia que ele tinha poder. Sabia que ele podia influenciar muito bem quem quisesse. Ele tinha todas as armas necessárias para isso. Mas isso era tão... Errado. Me lembro de Peeta me dizendo que justiça e lei poderiam ser coisas bem diferentes. Isso nunca pareceu tão certo como agora. E isso me fazia tremer de indignação.

-Ei, como vai senhorita “eu odeio os dinossauros”

Viro-me e dou de cara com Haymitch. Ele está com a mesma aparência de ontem. A barba por fazer, a jaqueta de couro desgastada. Dava para perceber que ele não se importava muito com futilidades. Odiei o fato de que, se ele não estivesse namorando minha mãe, eu poderia até considerá-lo como alguém remotamente legal.

–Olá, se está procurando por minha mãe é melhor voltar outra hora, ela ainda está no hospital.

–Vou passar lá depois. Mas na verdade eu não vim ver ela, vim ver você. Trouxe algo que pode te interessar.

Ele atira um cd para mim. Graças aos meus reflexos rápidos ele não se estatela no chão.

–Neil Diamond?

–É, você vai gostar dele. Vai ver que dinossauros também fazem músicas maravilhosas.

Não posso evitar franzir a sobrancelha e lançar um olhar de descrença para esta pobre vitima da minha mãe. Ele rola os olhos.

–Apenas experimente está bem? Você não vai perder nada com isso.

–Então é assim? Você costuma comprar os filhos das suas namoradas com CDs?

–Não, só aqueles difíceis de lidar.

–Ah, vou considerar isso como um elogio. Sabe, se você quer aproximação não está agindo da maneira correta.

– E existe maneira certa de se aproximar de alguém? Eu acho que não.

Finnick e Prim aparecem neste momento. Os dois estão tendo uma discussão terrível sobre quem é que vai assistir televisão na sala.

– O que ele está fazendo aqui? – Diz Finnick mal humorado quando enxerga Haymitch.

–Olá para você também carinha. Estive pensando em convidar vocês para um passeio. Um sorvete até que cairia bem nesse calor.

– Ai me desculpa, mas já combinei de sair com umas amigas. Katniss diga a mamãe que sai e volto tarde.

Minha irmã sai se importar em dizer tchau ou dizer para onde vai. Dou um suspiro, Prim está assim agora e claro que minha mãe não percebeu ou não se importou com essa mudança de atitude.

–Então garotos, o que me dizem?

Olho para Finnick que ainda está emburrado. Para falar a verdade não tenho a menor vontade de sair com Haymitch. Não quero que ele ache que podemos ficar amiguinhos. Meu primeiro instinto é dizer não e poupar meu irmão e eu de uma tarde maçante com alguém tentando a qualquer custo nos agradar e nos ter como aliados.

Mas então eu me lembro do olhar da minha mãe. Mesmo com toda a mágoa que sinto por ela ainda há uma estranha força que me impele a dizer sim e acabo aceitando a oferta. Finnick me olha sem entender, pronto para xingar até a minha quinta geração. Não me importo e acabo arrastando ele até a sorveteria mais próxima com Haymitch.

É claro que meu irmão passou o trajeto todo emburrado e não falou muito durante o passeio. Eu até que me sinto mal por Haymitch. Não é culpa dele, mas também não é nossa. Finnick se senta na calçada da entrada da sorveteria, evitando qualquer contato com Haymitch. Então, acabo sentando com ele em uma mesinha bem próxima a entrada, onde está Finnick.

–É impressão minha ou você parece meio preocupada hoje?

Não queria começar a contar meus problemas para Haymitch. Ele era um completo estranho, alguém em quem eu não tinha nem um pingo de confiança. Mas ele também parecia alguém que não iria dizer uma palavra legal só para me alegrar. Então contei que uma amiga minha tinha sofrido uma injustiça, contei que um amigo estava com problemas, um pouco de tudo que me afligia.

–Hum, parece que você anda com uma turma bem complicada não?

–Eles não são complicados, a vida é que é.

–Ah, pode apostar que sim. Principalmente quando a gente tem sua idade.

–Ah é, por que a adolescência é uma fase complicada, cheia de mudanças e blá blá. Adoro quando os adultos falam isso, como se eles tivessem conseguido resolver todos os problemas depois de terem crescido.

–Bom, a gente apenas finge. Fica mais fácil assim sabe. Gostamos de pensar que temos todas as respostas. Só que a verdade é que nós não sabemos nem o que estamos fazendo que dirá ter alguma resposta que valha a pena.

Eu involuntariamente tenho que rir. A droga é que estou começando a achar Haymitch uma pessoa quase legal.

–E o que você pretende fazer a respeito de tudo isso?

– O que eu pretendo fazer?

–É. Você vai aceitar tudo isso ou vai fazer alguma coisa a respeito?

– Como assim? Eu não vou desistir, mas sinceramente não há muito que eu possa fazer.

–Sempre há. É só encontrar o jeito.

Depois disso ficamos em silêncio. Fiquei pensando no que Haymitch me disse. Eu simplesmente não podia desistir, Luke não poderia sair impune, não dessa maneira. Mas o que eu poderia fazer? Eu já havia tentando de todas as formas.

Quando saímos da sorveteria preciso andar um pouco, sinto que preciso respirar um pouco de ar fresco se não vou sufocar. Haymitch faz a gentileza de levar Finnick para casa, não sem antes ouvir alguns resmungos.

–Ei Katniss- escuto Haymitch me chamar quando chega à esquina- A vida é injusta, mas a gente sempre pode fazer escolhas. Eu sei, eu ouvi isso em alguma música feita pelos dinossauros.

Eu não posso evitar rir. Haymitch infeliz, já está conseguindo me conquistar.