Nós quatro estávamos observando Annabeth enquanto ela digeria as informações sobre o que havíamos feito. Percy, Rachel, Peeta e eu estávamos apreensivos porque já fazia cerca de três minutos que tínhamos acabado de contar e ela ainda não  tinha emitido absolutamente nenhum som.  Quando ela conseguiu falar foi com uma voz abafada, quase irreconhecível.

-Vocês não podiam ter feito isso. Sabem o que vai acontecer? Todos vão falar de mim, todos vão achar que eu sou uma depravada ou coisa assim.

-Não vão achar nada disso. Vão saber que Luke é um monstro e ele vai para cadeia - A voz de Percy exala fúria quando ele tenta tranquilizá-la- Nós o pegamos Annabeth, você não precisa mais ter medo dele.

-É isso o que você acha? Luke não vai ser preso. Todo mundo vai ficar sabendo do que aconteceu, vão dizer que eu estou inventando isso, vão dizer coisas horríveis sobre mim.  Vão dizer que é minha culpa e é verdade, por que eu nunca devia ter aceitado a carona dele.

-Annabeth, o que Luke fez não é sua culpa. Você não pode acreditar nisso. Ele dopou você, você nos contou- Estou exasperada. Annabeth não pode simplesmente acreditar que a culpa é dela.

- Sim, mas eu aceitei a bebida. Nunca deveria ter aceitado. Nunca deveria ter entrado naquele carro.

As lágrimas agora caem vertiginosamente do rosto de Annabeth. É tão triste vê-la neste estado.  Percy se aproxima e delicadamente retira as mãos de Annabeth do rosto, fazendo com que ela olhe diretamente para ele.

  -Annabeth, você não tem culpa de nada, está me ouvindo. Luke vai ser preso.  E nós vamos garantir que ninguém fale nada sobre você.

-Como... Como vocês querem que eu deponha? Não posso contar essa história de novo. Seria como reviver tudo, eu não posso.

-Annabeth você precisa fazer isso, para nos ajudar a por Luke na cadeia- Rachel se aproxima, pondo a mãe sobre o ombro de Annabeth gentilmente- Vai ser difícil, mas depois disso ele vai pagar pelo que fez.

Annabeth parece se acalmar lentamente.  Percy se aproxima e a puxa para um abraço.

-Eu vou depor- diz Annabeth depois de um minuto- Mas, por favor, não quero ver Luke. Não  deixem ele chegar perto de mim.

-Nós não vamos deixar Annabeth- Digo feliz, o alivio é visível no rosto de todos- Não vamos deixar.

-Nunca mais- Promete Percy.

Então Rachel nos faz um sinal de leve com a cabeça, apontando os dois.  É, essa é a Rachel, sutil como um elefante. Felizmente Peeta e eu entendemos a mensagem, hora de ir embora.  Percy e Annabeth precisam ficar a sós. É engraçado como mesmo com o mundo desmoronando ao nosso redor ainda temos capacidade de amar, talvez seja essa capacidade que nos salve no fim das contas.

Saímos da casa de Annabeth um pouco mais felizes. Com o depoimento dela, com certeza as coisas para Luke ficariam bem mais difíceis.  Pelo menos eu esperava que sim.

-Vocês acham que ela vai conseguir depor? – Rachel pergunta assim que colocamos os pés na rua.

-Sinceramente não tenho certeza, mas Annabeth já provou ser bem corajosa, acho que ela vai conseguir depor sim. Afinal, ela nos contou não foi? Ela precisava desabafar.

-Peeta tem razão, temos que confiar nela.  Acho que Percy vai conseguir convencê-la.

No outro dia Annabeth foi chamada para depor.  Ela contou que a carta de intimação chegou assim que saímos da casa dela. Annabeth estava um tanto preocupada, enquanto falava com ela no telefone temi que  minha amiga não fosse conseguir depor.

-Por favor Katniss, não me deixe sozinha lá.

Após um 5 minutos acalmando ela, subi para meu quarto correndo, peguei uma jaqueta qualquer e fui o mais rápido que pude para a delegacia.

 Annabeth e Percy já estavam lá. Os dois estavam tão grudados que percebi na hora que alguma coisa no relacionamento dos dois havia mudado. “Já era hora”, pensei.

Peeta e Rachel chegaram um pouco depois.  Não pude deixar de perceber o quanto nós estávamos nervosos, mas mesmo assim, havia uma atmosfera de confiança no ar. Nos realmente tínhamos esperanças de que Luke pudesse sofrer as consequências do que tinha feito.

 Mas, enquanto estávamos sentados ali esperando ser chamados me ocorreu que, se Annabeth já tinha sido chamada para depor, Luke provavelmente também. Ele já sabia que tinha sido denunciado.  “Ótimo, agora as cartas foram lançadas”. Não consegui evitar dar um sorriso satisfeito. Luke ia perceber que nem todos caiam no seu charme, que suas ameaças não deram certo.

Ameaças, Gale, o que será que vai acontecer com ele se Luke resolver falar alguma coisa?  Faz tempo que não pensava em Gale, desde a nossa briga.  Mas, por mais que eu tente negar para mim mesma, ainda sinto sua falta e não quero que nada de ruim aconteça com ele, mesmo não sabendo direito no que ele anda metido.  Já faz duas semanas que não nos falamos.

Quando vejo o cabelo loiro bem penteado, o terno bem alinhado, os sapatos lustrados e o arquejo de Annabeth leva um tempo para eu perceber que não estou num pesadelo, que isto é real. Não acredito que eles chamaram Luke para depor no mesmo dia.

Ele está junto de Snow, os dois parecem conversar animadamente, como velhos conhecidos.  Meu sangue está fervendo, cada gota dele cheia de fúria. Preciso me controlar para não partir para cima de Luke e quebrar a delegacia inteira.  Eu sabia que ele seria chamado, mas eu tinha certeza absoluta de que Annabeth não precisaria ver ele. 

Percy não parece melhor que eu, já que só falta sair pulando da cadeira gritando “humano franzino”.Lanço a Peeta um olhar e um pedido silencioso.  Ele entende e vai acalmar Percy enquanto me dirijo para onde Luke e Snow estão. 

Preciso controlar minha respiração, fazer com que a raiva fique um pouco menor. Aproveito que Snow entrou em uma sala e interpelo Luke.

-Olá Luke como está? Veio reconhecer sua nova casa?

-Katniss, como vai? E aquele seu amigo marginal?

-O único marginal que conheço é você Luke.

- Bom, é uma pena sabe, que você seja assim tão amargurada.  Eu até achava você bonitinha, até dei um conselho de amigo. Pena que você não conseguiu ouvir. Eu disse que você poderia acabar machucando alguém que gosta agindo tão impulsivamente. Sabe, vim contar ao policial algumas coisas que sei sobre seu amigo. 

-É mesmo? Boa sorte então. Você vai precisar- Digo a raiva superando o medo.

Snow volta com duas xícaras de café.

-Bom, podemos começar senhor Castellan, por aqui, por favor.

Luke me lança um olhar de desafio antes de entrar na sala. Não posso deixar de perceber o quanto ele acredita que sairá livre de todas as consequências pelo que faz.

-Boa sorte Luke, espero que também esteja preparado para o próximo depoimento- Digo sustendo o olhar dele.

Snow parece confuso com o que eu disse, mas não faz caso e escolta Luke até uma sala bem próxima da sala de espera em que estamos. 

Os outros estão curiosos quando volto, só esperando para que eu de uma resposta satisfatória. Pelo menos dessa vez eu posso dar.

-Não se preocupem pessoal, ele não está aqui por causa de Annabeth. Só veio prestar um depoimento, só isso.

-Eu queria nunca mais ter que olhar para a cara dele- Diz Annabeth numa voz fraquinha.

-É por isso que estamos aqui. Por isso você precisa ser corajosa e depor- Digo  para Annabeth.

-Depois que ele for preso você nunca mais olhar para cara dele. Vamos esquecer tudo isso- Percy diz tentando confortar ela.

Não consigo prestar atenção na conversa dos outros, estou pensando em Gale. No quanto ele pode ser prejudicado se Luke resolver falar alguma coisa.  Eu só queria entender o que ele sabe que pode prejudicar tanto meu amigo. Sinto uma onde de raiva e frustração. Luke sabe mais sobre Gale do que eu. Tento me concentrar no que estamos fazendo aqui, não vai adiantar para ninguém ficar pensando nele agora.

Cinco minutos depois os pais de Annabeth chegam à delegacia. Percy nos avisou que ela contou toda a história para os pais ontem. Fico feliz ao ver que eles estão aqui a apoiando. Mas ao mesmo tempo me sinto horrível, por que, no momento em que vejo a Srª Chase perguntando se a filha precisa de algo, o Sr Chase lhe dando um pouco de refrigerante, sinto um pouco de inveja. É impossível não pensar que, se fosse comigo, meus pais jamais agiriam dessa forma.

Annabeth é finalmente chamada para depor. Posso ver que ela está tremendo. Os pais de Annabeth entram junto com ela. Annabeth pede ao guarda que deixe Percy acompanhá-la.  Felizmente, ele não faz objeção e Percy entra com a família.

Nós três ficamos aguardando no saguão enquanto ela presta depoimento. Nos entreolhamos, lembrando a noite em que ela nos contou tudo.

O depoimento de Annabeth só demora uma hora, mas parece uma eternidade. Quando ela sai todo nós a abraçamos dizendo o quanto ela é corajosa e o quanto estamos orgulhosos dela.

Depois é nossa vez. Sou a última e é simplesmente agonizante esperar Peeta e Rachel deporem. Quando sou chamada para depor conto tudo o que sei, nem mesmo omito o fato de que Annabeth estava bêbada quando nos contou tudo, sei que posso prejudicá-la, mas não me atrevo a mentir mais para a polícia.

É um alivio quando sou liberada.  Sai de lá acreditando que a justiça poderia ser feita, e fazia um tempo que eu já não tinha tantas esperanças em alguma coisa.

 Luke depõe no dia seguinte. Todos nós estamos extremamente ansiosos para saber o que vai acontecer. No entanto, o julgamento só vai sair daqui há um mês.  Não sei como vou aguentar esperar até lá.

Dou uma olhada no calendário na parede, isso me faz sorrir um pouquinho. Além de ser o dia do depoimento de Luke, hoje faz exatamente três meses que Peeta me fez aquela proposta maluca. Viver, Isso já não me parece tão surreal agora. Começo a repetir em minha mente “Chocolate, cinema, livros, um dia com os amigos, um beijo”. Obviamente, Peeta nunca vai saber que eu já decorei a lista dele.

Resolvo visitar uma antiga amiga. Hoje é sábado, então Hazelle vai estar em casa. Gale provavelmente vai estar trabalhando, mas não me importo, gosto de conversar com Hazelle. Ela de alguma forma acaba fazendo meu dia um pouquinho melhor. Sempre aprendo algo quando estou com ela.  Acho que visitá-la vai acabar um pouco com a ansiedade que se infiltrou na minha alma por causa do julgamento de Luke.

Quando chego à casa de Gale sinto que algo não está bem. Os irmãos dele devem estar brincando no vizinho, eles adoram fazer isso. Quando bato na porta, não há resposta. O silêncio é estranho, porque esta casa sempre foi barulhenta, cheia de vida. Bato uma segunda vez e não acontece nada.

Atrevo-me então a olhar pela janela da pequena casa. Tudo está tão escuro lá dentro. Estou prestes a dar meia volta me conformando que não há ninguém na casa quando escuto um barulho estranho.  

Volto para a janela então consigo ver a silueta do que parece ser alguém tentando se movimentar pela sala. Congelo achando que alguém pode ter invadido a casa de Gale.

Mas  então reconheço o verde do avental que Hazelle sempre usa, percebo também o cabelo amarrado em um coque que é sua marca registrada.   Ela cai tentando chegar a porta e isso faz com que eu desperte do torpor e corra para a entrada dos fundos.

-Hazelle, estou indo, fique calma.

Quando chego na sala ela está caída, com os braços apoiados na mesinha de centro. Faço com que ela levante lentamente e a deito no sofá.

-Hazelle, o que aconteceu?

-Eu, não pude tomar insulina Katniss.

-Hazelle que história é essa? Insulina?

-Eu descobri que sou diabética há alguns meses.

-Como assim? Então o roubo de Gale foi para você? Mas ele pegou uma quantidade enorme. Por que você não pode tomar?

Eu sei, eu deveria estar ajudando Hazelle, não deveria estar fazendo tantas perguntas, mas simplesmente não consigo entender essa situação.

-Não, por favor Katniss, não conte para ninguém.  Gale roubou a insulina mas não foi para mim, não só para mim. Ele está distribuindo para quem precisa.  Faz seis meses que o hospital municipal está racionando o medicamento. Isso fez com que um monte de gente ficasse sem o remédio.

Ela está ficando cada vez mais pálida, não sei o que fazer, mas não posso me preocupar com as respostas agora.

-Está bem Hazelle, não se preocupe, não precisa me contar.  Vou pegar um pouco de água para você.

Assim que lhe dou um pouco de água seu rosto parece um pouco menos pálido, mas ainda assim, ela está muito fraca. Hazelle, no entanto, parece não se importar e continua me contando a história que eu há muito tempo queria ouvir.

- Gale se enfureceu, principalmente quando eles não quiseram me dar o remédio. Ele sempre ia às consultas comigo. Começou a ficar amigo das pessoas que esperavam com a gente pela consulta. Um dia ele apareceu com insulina e disse que ia ajudar todo mundo. Katniss, uma mãe veio buscar insulina para uma menininha de quatro anos a dois dias. O estoque estava acabando e não tive como deixar aquela menininha sem. Acabei dando o meu.

-Hazelle, fique calma está bem? –Estou desesperada Hazelle está cada vez mais pálida e não sei o que fazer para que sua glicose baixe. Nem sei que tipo de diabetes ela tem –Vou te levar para o hospital, ok. Fique tranquila.

Estou tão perdida que leva um tempo para eu lembrar que conheço alguém que trabalha no Hospital e que pode muito bem me ajudar.  Não é fácil, mas mesmo assim faço isso por Hazelle. Ligo para uma pessoa para quem há muito tempo não recorro, esperando que dessa vez ela me ajude.

-Mãe, por favor, estou com uma pessoa doente e não sei o que fazer.