A Vida de Uma Garota Nada Popular escrita por Lu Carvalho


Capítulo 6
O Astronauta Não Gosta De Café


Notas iniciais do capítulo

Repostado!!!!!



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Depois de um mico daqueles, tinha vontade de fazer apenas uma coisa; viajar para o Alaska e nunca mais na minha vida voltar.

Seria bem mais fácil.

Além de Liam ter sofrido algum tipo de amnésia (tendo se esquecido de mim, porque, obviamente, sou difícil de esquecer), meu melhor amigo tem um possível sentimento por mim. Agora, estava sendo vigiada por minha mãe, para ir ao ateliê de Clarrie McDonson. Ou senão eu fugiria.

-Te pego às 18h30. – disse mamãe, parando na frente do ateliê.

-Não precisa, posso ir para casa sozinha.

-Você também pode fugir.

-Pois é... – concordei.

-Eu sei disso. Portanto... boa aula.

-Obrigada... por estragar minha vida – resmunguei.

Mamãe me deu um beijo na testa, então saiu andando para casa.

Quando pensei que poderia correr para qualquer outro lugar ali perto, mamãe parou de andar, e se virou para mim. Cuidadosamente, fui entrando na escola, até que ela sorriu e continuou andando.

Droga.

Já que estava lá mesmo... decidi dar uma chance à dona do peixinho Marrie.

Fui andando até o balcão da recepção, tendo meio que um reconhecimento de área.

-Olá... - disse a recepcionista, que tinha um crachá escrito “Olá, sou Nathally!”. – ... Nathally. Sou Mariana. Mariana Sward. Nova aluna da Clarrie McDonson.

A moça tirou a cara do computador, e fez cara de quem diz “E daí que você é Mariana Sward, nova aluna de Clarrie McDonson?” mascando um chiclete.

Em vez disso, disse:

-Segunda sala à esquerda, Marrieane Swan.

-Mariana Sward. – corrigi. Nathally me olhou como se falasse “Tanto faz. Quer se atrasar para a aula? Vá logo!”

Mas o que ela disse foi:

- Tanto faz. Quer se atrasar para a aula? Vá logo!

Ok... Ela não deve estar num dos melhores dias.

Fui até a segunda sala à esquerda, que, na verdade, era lá no final do corredor. De um corredor bemgrande. Consegui identificar melhor a sala de Clarrie por uma porta branca cheia de respingos de tinta, que formavam o nome “Clarrie McDemais”.

Não me pergunte.

Hesitei. Mas, antes que perdesse a coragem, bati na porta.

E como sou bem sortuda, atenderam.

-Marrie! – quase gritou. – Que bom te ver! – largou o pincel e os papéis que segurava na mão, e veio correndo me abraçar.

-O-oi. – disse, retribuindo de leve o abraço. – Cuidado.

-Pensei que não viria. – disse, se afastando de mim e recolocando os óculos redondos no lugar.

-Mas... vim. Não é?

-Sim! Agora, sente em algum lugar.

-Legal... Mas aonde?

Clarrie analisou a sala de aula, e ficou um tempo em silêncio. Depois, me pegando de surpresa, disse:

-Ali! Sente-se do lado de Matheus.

Fui para onde Clarrie apontava, uma cadeira vazia ao lado de... Ei! Espere um segundo... É aquele astronauta! Que me ajudou quando eu ralei o joelho na Times.

Ele pareceu reconhecer-me também. Acho que por isso que sorriu de leve para mim.

-O-oi. – gaguejei.

-Oi. – disse ele. – Você é aquela garota que caiu na Times Square, não é?

-É... – assenti constrangida. – Eu mesma.

-Legal. – sorriu ele.

Aquele mesmo contato visual de antes aconteceu de novo. Mas dessa vez não tão desconfortável.

Sorri de volta.

Um cara que estava ao meu lado, de camisa Polo verde clara, calça caqui e um fone de ouvido meio estranho, olhou para mim. Com uma cara suspeita de assassino.

Fiquei sem graça, e tirei o sorriso do rosto.

-Hoje, como recebemos uma aluna nova, iremos fazer algo diferente. – anunciou Clarrie.

Daora! Meu primeiro dia e já estou recebendo trato especial!

-Faremos... tã tã tã tããã... – fez suspense. – uma caixa de leite!

-O quê? – disse. Porém ninguém pareceu ouvir, pois começaram a aplaudir.

Todas as sete pessoas da classe de aula estavam realmente muito felizes por causa do exercício de hoje, o que era meio ridículo, já que era só uma caixa de leite.

Quando os aplausos acabaram, o de cachinhos olhou para mim.

-Sempre que Clarrie fala nosso objeto do dia a gente aplaude. – explicou-se.

Fiquei pensando no que poderia responder por um tempinho, e quando finalmente cheguei numa conclusão, o que saiu foi isso:

-Ah.

Que ódio de mim.

Clarrie deixou a mostra uma caixa de leite Great Value, e armou o relógio para despertar às 18h15. Embora eu pudesse acabar aquela caixa em dez minutinhos... Tuuuudo bem.

Peguei meu lápis e uma folha branca. Comecei a desenhar.

***

Nunca fora tão entediante desenhar.

Como previsto, terminei a caixa em dez minutos. Depois fiquei desenhando algumas carinhas no final da página.

Quando, finalmente, o alarme tocou, a turma inteira (de sete pessoas) se levantou. Menos eu, óbvio.

-É... Quando o relógio toca, a gente mostra os desenhos para Clarrie. – disse o ex-astronauta, com um sorrisinho.

-Valeu – retribui o sorriso, e levantei.

-Bom... – ia dizendo Clarrie passando pelos desenhos dos alunos. – Melhorou... Meu Deus! Matheus, adorei essa sua forma de desenhar a caixa! Muito original! Transbordou em mim uma série de sentimentos ao mesmo tempo! Realmente, uma grande inspiração. Agora, Marrie!

-Mari – corrigi.

-Sim, sim. Vamos ver que maravilha você desenh... Nossa. – sua expressão mudou de alegre para... assustada.

-O que? O que eu fiz? – perguntei na defensiva.

-Nada. E é esse o problema. Você não fez nada!

-C-como? – indaguei.

-Você só fez... uma caixa de leite.

-Pensei que era para desenhar uma caixa de leite.

-Sim, lógico. Mas... não apenas isso.

-Ah. Seja mais específica, por favor.

-Dê uma olhada nos outros desenhos – conduziu-me Clarrie. – O de Matheus, por exemplo, não é apenas leite. A caixa foi usada como base para sua inspiração, porque do resto, você tem de ter.

Ela explicando desse jeito era bem mais fácil entender.

-Foi mal. – disse. – Na próxima eu faço melhor, sério.

-Sim, sim. Hoje foi seu primeiro dia, ainda não conhece o sistema da aula. Está desculpada.

-Valeu, mesmo.

-Ótimo. Alunos! – chamou. – Hora de irmos!

Todos assentiram. Pegaram suas coisas e foram saindo da classe. Quando estava na porta, Clarrie me parou.

-Olha, desculpa. Não prestei atenção. Sério, foi mal.

-Não, não é por isso que te parei. – Clarrie recolou seu óculos. – Na verdade, queria te mostrar uma coisinha.

Pegou uma foto, de alguém que não reconheci, e olhou para ela um pouquinho. Suspirou. Em seguida, disse:

-Sabe, tenho uma sobrinha... e, ela me lembra um pouquinho você.

-É uma artista incompreendida e sem amigos, que, apesar de tudo, não se deixa por vencida? – tentei.

-Ahn, não. Ela é fã de Edward Loren.

Não acredito. Como ela sabia que era fã de ELoren? Como a sobrinha dela sabia sobre a existência de ELoren?

-C-com...

-No seu jeito de desenhar – cortou-me – Dá para perceber.

Edward Loren é tipo um dos melhores artistas do mundo. Além de ele ser britânico, tem todo um jeito especial para expressar seu sentimento sobre a democracia, sociedade, garotas más que te deixam para baixo (não nessas palavras) e várias outras coisas. Eu, realmente, o admiro demais. O único problema é que ele é não é muito reconhecido, apenas por retratar seu modo de vista. O que é uma crueldade do sistema.

-E... isso é uma coisa boa? – perguntei.

-Se é boa? Marrie, isso é maravilhastico! A América precisa de pessoas como ELoren para desafiarem a maioria, senão, imagine nós daqui há 30 anos?

Pensei um pouquinho... É. Ela estava certa.

-É. Pode ser ruim.

-Queria apenas te dizer para que continue vindo as aulas, para que consiga chegar ao seu objetivo, se, lógico, tiver um.

Fechei um pouco a cara.

Objetivo. Qual é meu objetivo? Bom, acho que vencer Anne. E ter Liam para mim. Até agora esse é um dos meus objetivos.

Nossa. Eu sou mesmo muito sem objetivo.

-Marrie – chamou Clarrie. – Tudo bem?

-Quem, eu? Ah... Legal. Eu tenho que ir.

-Bom te ter na minha aula. Espero que fique. Até amanhã. – despediu.

-Até...

Saí da classe correndo.

-Ei, não pode correr aqui! – reclamou a recepcionista.

-Tchau, Nathallie!

Ah, qual é? Ela merecia.

Saí da escola e fiquei andando na frente da escola, esperando mamãe. Ela disse que estaria aqui às 18h30, e são 18h36. Ela sabe que não gosto de esperar, está pensando o que? Ahh, mães.

-Oi.

-Ahhhh! - gritei de susto. Era Matheus, atrás de meu ombro. - Meu Deus, você!

-A aula já acabou, porque ainda esta aqui? - perguntou sorrindo.

-Estou esperando minha mãe. - respondi, quase gaguejando.

- E, ela demora muito?

- Na maioria das vezes, não. Mas acho que hoje ela resolveu me deixar.

-Ah, que pena. – ele pode ter dito “que pena”, mas continuava com aquele sorrisinho no rosto. – Bom... então, tchau.

E foi andando.

Meio devagar demais, mas foi.

Uma ideia meio louca surgiu na minha cabeça, mas hesitei em dizê-la.

Mas... mamãe iria demorar, acho.

Não sentiria minha falta.

-Ei! Espera um pouco, - parei-o no meio do caminho. – curte tacos e donuts?

Em resposta, ele me deu um sorriso.

***

Lá estávamos eu e Matheus, em uma mesa vintage da Bill Rocks comendo nossos pedidos, como se fossemos amigos a tempo.

Eu, lógico, pedi uma rosquinha de chocolate com doce de leite e granulados coloridos e um café sem cafeína. Ele disse que não gostava muito de café, por isso comecei a insistir que ele provasse o meu.

-Vai! Só um gole! – ria enquanto tentava fazer ele engolir minha xícara.

-Não vejo graça em café!– justificava-se.

-Mas nesse aqui você vai achar.

-Hum... – bufou ele. – Tudo bem. Só porque você me deixou com o cheiro no nariz. – sorriu.

-Legal - ri. –Agora, prova.

Matheus pegou a xícara, e com cara de desconfiança, provou.

Ele cuspiu na hora.

-Agh! Que trosso estranho – reclamou.

-Não é tão ruim assim!

-Ahhh, é sim.

Olhei para ele como quem diz “Não repita mais essas palavras na sua vida sobre o meu café descafeinado perfeitamente perfeito, escutou?”. Então nós dois começamos a rir.

-Você é sempre assim? – perguntou ele.

-Assim como? Legal, amigável e de humor bom? Não. Hoje é uma exceção por causa dos granulados extras.

-Não – disse rindo. – Eu ia falar insistente.

-É... não. – ri. – Na verdade, não.

Nossos olhares se cruzaram e por um instante não me sentia mais aquela Mariana excluída sem amigos e totalmente sem graça, me sentia alegre e feliz. Pensei que finalmente teria um lugar no mundo em que pudesse me sentir a vontade, ter amigos, me sentir bonita, falar com todos, ser popular...

Comecei a rir.

Olha o sonho impossível.

-E, quanto tempo faz a aula de Clarrie? – perguntei.

-Acho que uns três meses.

-Legal... Se eu te fazer uma pergunta, jura não ficar ofendido?

-Ok. Pode falar.

-Clarrie não é meio... você sabe... doida das ideias?

Ele riu com meu comentário.

-Ei! É sério! – contestei.

-Não, nem um pouco – disse ele ainda rindo. – Mas, quando entrei, pensei o mesmo. Depois de um tempo você acaba entendendo a cabeça dela.

-Tomara... – murmurei.

Ele riu outra vez.

E, bem, eu o acompanhei.

Do nada, olhei pela porta. E sabe quem estava lá passando? Duas pessoas. Você tem duas chances para adivinhar quem eram.

Não sei se você pensou nisso, mas eram Anne e Thiago.

Conversando.

Quase que normalmente.

Meu sorriso desapareceu imediatamente.

-Ta legal? – perguntou Matheus, um pouco preocupado.

-Ahn... – disse olhando para fora. – Sim. E-eu tenho que ir.

-Já? – reclamou.

Eu estava tão confusa com o que via lá fora, que não processava direito aqui dentro.

-É. Eu tenho que ir agora.

-Beleza... Até amanhã? – perguntou.

Olhei para ele, fixamente, e dei um sorrisinho.

-Sim, até amanhã.

Ele sorriu de volta, então sai da Bill Rocks.


O que Thiago fazia conversando com aquela... ugh, “morta-viva”?

         -Mas faz anos! – reclamou Anne.

         -Não me importa. – respondeu Thiago.

         Quando apareci em seu campo de visão, ele empurrou Anne para trás.

         -Ai! – resmungou.

         -Quieta! – sussurrou. – Mari! Você, por aqui. O quê faz aqui? – perguntou sem graça.

         -Eu? Estava comendo minha rosquinha. E você?

         -Andando.

         -E Anne? – mais ameacei do que perguntei.

         -Ela? Está indo embora. Tchau Anne! – disse.

         -Agh. – resmungou. – Só vou porque quero, não porque você mandou.

         -Ok... Então, tchau!

Anne revirou os olhos, e saiu andando.

-Por qu...?

-Depois. Agora, vamos à SkyMusics? – Thiago disse, tentando se safar.

Olhei para ele desconfiada, mas acabei aceitando. Precisava de um CD novo.

-Ok... Mas com uma condição! – declarei.

-Tá, tá. Beleza. Qual é?

Ia pedir satisfações a ele, mas... nosso clima já estava meio tenso, já que, você sabe, quase nos beijamos. Então decidi pedir:

-Me dá um abraço.

Ele abriu um sorriso largo para mim e me abraçou, como se aquilo não fosse pedir demais. (E acho que não era mesmo...)

Antes que você me pergunte o porquê de eu ter pedido isso eu já vou lhe dizendo três coisas;

1º - Já que ele deve estar apaixonado por mim, isso foi meio que um agrado.

2º - Quero demonstrar que apesar de tudo, sempre seremos amigos.

3º - Quero mostrar, também, que ele é meu. Só meu, e de ninguém mais. (Ou, porque... talvez... eu tenha ficado com um titico de nada de ciúmes de o ver com Anne).

Fomos abraçados até a SkyMusics. Sei, sei... estranho. Mas, qual é? Me deixe viver. A SkyMusics é praticamente do lado da Bill Rocks, mas, diferente da Bill’s, a SkyMusics não é tão cheia assim.

-Minha nossa! Thiago, Thiago, Thiago! Olha lá, olha lá, olha lá! – gritei, apontando para um LP dos Beatles. Autografad0.

-Eu vou ver, eu vou ver, eu vou ver! – me imitou.

Assim que ele pousou os olhos na capa do LP deixou o queixo cair.

-Minha... nossa.

-Vamos ver! – chamei, puxando-o pelo pulso até o LP.

Era perfeito. Completamente perfeito.

Eu tinha de ter aquele LP. A mesma coisa de que eu tinha de ter dinheiro, mas não tinha.

-Droga...- murmurei.

Thiago percebeu minha cara de desanimo, acho. Por isso sacou a carteira, e deu um sorrisinho para mim.

Ah, não. Não, não, não. Ele não poderia...

-Thiago... – tentei.

-Você já está a um tempinho de olho nesse L.P., então é lógico que vou comprar para você.

-Não, não, não! Mas eu nem quero tanto assim!

-Não adianta. Vou comprar.

-Não, não, não e não Thiago Henderson!


Eu me sentia a pior pessoa do mundo. Estávamos os dois andando de volta para casa, Thiago com um sorriso alegre por ter me dado um presente e eu com um sorriso desconfortável por ter ganhado um presente.

Não era justo. Thiago me dá tantas coisas em troca querendo que eu goste dele também, mas... não é assim! Não preciso de presentes. Nem absolutamente nada! Só quero que nossa amizade continue a mesma de sempre.

-Chegamos – disse desconfortável. – Obrigada...

-De nada. Mas, antes... – Thiago avançou, e tascou um beijo em mim.

Eu fiquei muito, mas muito constrangida.

Ele se afastou e deu um último sorriso.

-Até amanhã.

-Até...- disse, e o esperei na porta de casa, congelada, até ele sair da minha vista.

Quando saiu, a coisa que fiz foi simples; caí no chão.



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