A Vida de Uma Garota Nada Popular escrita por Lu Carvalho


Capítulo 26
Lavanda, cor da alma




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Após sair do estúdio, fui direto para meu quarto de hotel. Trabalhei um pouco mais no meu desenho. Mergulhei de tal forma nos detalhes que, depois de 10 minutos, já era escuro. Despertei-me quando escutei minha porta vibrar com batidas. Era Lauren. Chamou-me para o restaurante do hotel, porque iríamos comemorar nossa chegada.

Como sou uma garota super esperta, eu havia me precavido; trouxe um vestido longo. Mas não apenas um vestido longo. Era algo praticamente de gala! Sabe, puro luxo. Vesti-me rapidamente para enfim descer. Por incrivel que pareça, Lauren segurava o elevador para mim. Entrei cautelosa. Ela se irritou e resmungou que não mordia.

É lógico que eu sabia disso.

Os proximos sete andares foram repletos de muito silêncio.

Até Lauren resolver cantar um pouco.

E sairmos.

Praticamente todos os alunos já estavam lá, divididos em algumas mesas, junto de seus amigos.

Lógicamente, fui de encontro ao meu caro, querido, e despretensioso amigo Matheus. Sua mesa estava lotada; alguns rapazes que já crusei, mas nunca conversei. Para dizer oi aproximei-me de suas costas e tapei seus olhos.

–Mari? - indagou.

–Advinhe quem é! - disse.

–Mari? - repetiu.

–Tente mais vezes!

–Mari. - afirmou.

Desvencilhei as mãos de seu rosto para posicionar na minha cintura, arqueando as sombrancelhas. Virou-se para minha pessoa.

–Você não podia ser um pouco menos sem graça?

–Mari! - levantou de braços abertos. Um forte odor atingiu minhas narinas. Ao abraçar-me, apresentou-me aos outros da mesa. - Estes são John, George, Ringo e Paul. E essa é a Mari.

–Aee! - brindaram seus drinks em minha direção.

Ah, ta. Gente bebâda.

–Ringo, saia daí! - Paul soltou. - Deixe ela perto do Matheus.

Ringo, contrariado, saiu, praguejando. Sentei. Pensei que como já estavam bebados, não era assim tão requesitado bons modos.

Matheus estava olhando para mim, junto de seu sorrisinho bobo. Sorri em resposta. Quando John carregou sua cadeira até 1 decímetro da minha, e quebrou a barreira seguinte do espaço pessoal, sussurrou no meu ouvido:

–Você deveria experimentar o espaguete daqui. -Fez uma pausa para soluçar. - Está uma delícia.

Afastei o pescoço num sorriso desconfortável. "Matheus..." murmurei baixinho.

–Pare de incomodar ela! - disse rindo alto. - Ela tem péssimas experiências com espaguetes.

Lancei um olhar surpreso para o dono dos cachinhos.

–Lembra?!

Ele estendeu sua Coca Zero para mim e piscou.

–Como esquecer?

Fiz o mesmo com um copo aleatório de nossa mesa. Brindamos.

–Á MIAMIIII! - berrou George.

–Á MIAMI! - repetimos todos.

Ringo, que voltava aos tropeços com uma cadeira nas mãos, levantou-a e gritou também "Á MIAMI!!!".

Rimos.

Após toda a felicidade gratuita, Matheus encurralou-me perguntando:

–Você sumiu, né? Num minuto estava do meu lado, noutro evaporou. Pra onde você foi?

Apoiei meus cotovelos sobre a mesa e as maçãs do rosto nas mãos.

–Fui para o hotel. Sabe, melhorar um pouco mais o desenho e tal. - olhei alto. - Já pensou? Ter um desenho exposto numa convenção? - voltei o olhar nele. - Eu quero isso. Muuito. Mas e você? O que fez enquanto eu estava fora?

Matheus aproximou sua cadeira da mesa num pulo, e jogou seus braços e cabeça na mesma.

–Procurei você - disse abafado.

Sabe aquela tal ponta de culpa que todos temos próximo ao coração? Então, ela explodiu e destrui tudo o que tinha por perto no mesmo instante.

–Desculpa! E-eu não sabi...

–Relaxa. Depois de um tempo foi até legal.

–É? - soltei.

–É. - girou a cabeça a fim de olhar para mim. - Fui dar outra volta pelo bairro. Minha mãe me ligou. Andei. Andei. E fui também explorar nosso hotel.

–Ah, que bom.

Ele voltou a cabeça para os braços.

–O que você pensa sobre faculdade?

Dei uma abocanhada nos aperitivos que tinham em nossa mesa. John e George estavam apostando quantos "shots" conseguiam beber em seguida. Paul e Ringo discutiam algo muito sériamente. Algo como se tomate era fruta ou não.

Eu ainda não pensava em faculdade. O que é estranho, já que estou no terceiro ano. Mas, é. Eu não pensava.

Após compartilhar esse pensamento, ele calou-se um pouco.

–Tudo bem? - balancei seu ombro.

Matheus levantou a cabeça para mim e perguntou:

–Quer sair daqui?

Dei uma olhadela geral pelo restaurante; todos falando alto, divertindo-se, comendo, bebendo. Clarrie falava com alguns homens de preto, bem vestidos. E se eu não tivesse discernimento, diria até que ela estava flertando com eles. Enrolando mechas de cabelo no dedo. Jaqueta aberta. Com decote.

Levantei.

–Sim.

Ele levantou com o peito inflado.

–Ei, - Paul balbuciou. - pronde vão?

–Ao fliperama! - Matheus.

Desabei os ombros.

Nada contra! Mas, fliperama? E a classe?!

–Vamos? - indaguei baixo.

Matheus apanhou minha mão e puxou-me rumo á decadência. Quero dizer, fliperama.

–Êêê, safado! - John marcou.

Encarei Matheus. Ignorando-me, continuou a percorrer o restaurante até atingirmos o elevador. Ao entrar avistei Lauren numa das mesas, olhando maliciosa para nós. Antes de nossa porta fechar, revirei os olhos.

–O que foi aquela pergunta? - quebrei o gelo, depois de dois andares.

–Que pergunta?

–Aquela sobre faculdade.

–Ah. Nada.

Franzi a testa.

–O quê? Nananinanão. Você tem que me dizer agora o que era.

Dentro daquele sorriso largo de Colgate Branqueador 12 horas ele explicou:

–Eu só estava pesquisando algumas faculdades.

–Isso é muito legal! - exclamei, empurrando seu braço de leve.

–Ai.

–Qual é, você aguenta.

Eu não havia reparado, mas ele estava muito bem vestido. Camisa social salmão e uma calça caqui cor marrom-disfaçado-de-preto. Enquanto, lógico, de cachinhos. Que por sinal estavam bem grandinhos.

–É. Eu estava pesquisando faculdades. Com minha mãe.

–De Washington?

–Sim.

–Que incrível, Matheus! - ele olhou-me de sobrancelhas arqueadas. - Qual seria seu curso?

–Hmm... - olhou distante. - Arquitetura.

–Que legal! Você pode construir minha casa? - provoquei.

Ele me olhou sorrindo.

–Esse é o nosso andar.

–Ah. - desabei, novamente, os ombros. - O fliperama, né?

–Quê?

–É. Você diss...

–Ah, não! Eu só disse isso pro Paul não nos incomodar.

–Pronde vamos, então?

A porta do elevador abriu, dando vista para uma área arborizada e colorida.

Um jardim.

–Um jardim. - boquiaberta, disse, quase sem voz.

Matheus estendeu a mão na porta.

–Me acompanha?

Sorri. Sabe, sorriiiiiiiii.

Antes retirei dos pés meus saltos e joguei-os próximo ao portão. Adentrei-me em skips felizes.

–Eu não sabia que o hotel tinha jardim! - disse, maravlihada, dançando os olhos por todo canto, na tentativa de absorver o máximo de toda aquela beleza. Era majestoso. Rico em cores, em formas, detalhes. ERA MAIS DO QUE EU REALMENTE PODIA AGUENTAR! -Bom, ainda bem que tem porque é muito... - suspirei. - uau.

Matheus soltou um riso, andando logo atrás de mim, com suas mãos guardadas nos bolsos de sua calça caqui marrom. Meus olhos brilhavam de tanta maravilha. Era tudo muito lindo!

Girei rápidamente para abraçar meu amigo.

–Brigada, brigada, brigada. - sufoquei-o.

Surpreso, cautelosamente envolveu seus braços sobre minha cintura.

–Por quê?

Suspirei, deslocando a cabeça para a vista florida novamente.

–Há muito tempo não vejo flores... Quando éramos menores e meu pai ainda morava conosco, ele nos trazia praticamente todo fim de semana para o central park. - flashbacks da infância atacaram-me. - Eu gostava de brincar nas flores. Mas depois que ele... partiu pra Chicago... com a amante, eu tive raiva. Raiva das flores. - bufei. - Fazia tempo que eu não sentia a mesma, sabe, a mesma coisa de criança com as flores.

Só depois de proferir as frases que tudo ficou claro como lavandas. Eu não gostava de flores. Por causa do meu pai.

–Brigada - cantei, outra vez, abraçando-o.

–Dança comigo. - disse Matheus, repentinamente.

–Ahn? - saí do abraço.

Matheus mergulhou a mão em seus bolsos, á procura de algo. Retirou seu celular de lá, instantes depois. Wish You Were Here, Pink Floyd, sobressaiu naquele silêncio composto por alguns cantos de grilo.

Meu amigo suspirou, novamente, usando aquele seu sorriso de canto.

–Dança comigo.

E, pela milésima vez do dia, estendeu sua mão para mim.

Sem notar, estávamos passeando os pés pelas flores.

Meus dedos nadando pelo úmido da grama.

Meu corpo balançando valsa.

Minha cabeça confortada em seu ombro.

E minha mente limpa.

Sem pensamentos.

Com excessão das flores.

Eu pensava nas flores.

Na cor das flores.

No cheiro das flores.

Minha flor predileta é a lavanda. "Cor da Alma de quem se acalma, mas desconfia".

E ela brilhava mais do que as outras flores naquela dança.

Matheus me girou.

Dentro do seus braços, lembrei de Thiago. Quando tivemos de fazer aquela dança maluca na Bill Rocks. De como fazia tempo. E de como nos beijamos depois.

Questionei á mim mesma como ele estava. Será que bem? Será que não?

Eu sentia sua falta. E nem se passaram três dias. Mas eu realmente sentia sua falta.

Como será que ele está?

Eu realmente sentia sua falta.

Queria que ele estivesse aqui.

E Bruna? Será que ainda estava magoada? Já houvera superado Johnny?

E minha mãe? Como estava lá em Chicago?

E meu pai? Será que com uma nova familia? Com novas filhas para levar nos jardins da cidade?

E Liam? Faz tanto tempo... Ele me lembra uma outra Mari. Uma Mari tão distante. A Mari que não gostava de flores.

A Mari antes do Matheus.

Antes de Matheus me acordar.

E Jessica? Depois da festa de Halloween, nunca mais ouvi sobre. Será que está com Matheus ainda?

E Matheus?

O que será que ele está pensando?

Matheus aproximou-me mais de seu corpo e pressionou com força os dedos na minha cintura.

Pendi minha cabeça em seu peito.

O que ele estava pensando?

E o que foi que aconteceu naquela festa?

Por que eu não me lembro de nada?

O que ele quis dizer naquela carta?

O que ele estava pensando?

O que ele pensa?

–Matheus.- ressoei. - O que que você tá pensando?

–Nada. - disse depois de um tempo.

–E antes do nada? - insisti.

–Pensava em como... - riu. - em como eu gosto do Pink Floyd.

Ri.

–É. Eu também.

Ficamos lá, mais um tempo. Até ele voltar.

Inflou o peito e soltou o ar:

–É mentira.

–Quê? - cantei baixo. De olhos fechados. Afagada no peito de Matheus. Curtindo o momento.

–Não era aquilo que eu tava pensando. Na verdade, eu tava pensando em como eu gosto de dançar.

–Sério? - ri.

–É... - riu. - E como eu sinto falta de dançar. Eu fazia ballet, sabia?

Pousei o olhar nele.

–Não. Não sabia... - pausei. - Eu acho ballet muito bonito.

–É... - nossos olhos estavam colados. - eu também. Modéstia parte, eu era muito bom.

Ri.

–Acredito.

Volvi às pálpebras fechadas.

–Você devia voltar.

–Quê?

–A fazer ballet. É muito bonito. E você gosta.

–Você... - disse, depois de um tempo. - podia fazer comigo.

Matheus girou-me outra vez. Ao voltar-me para ele, parei. Ou melhor, gelei.

Ele olhou acanhado. Deslizei as mãos para seu rosto.

–O que você tá pensando? Agora?

–Nada. Exceto na gente. Fazendo ballet.

Abri um sorrisinho.

–Vamos voltar pra baixo.

*~*~*~*~*~*

Quando voltamos, nos deparamos com nossa turma bem agitada. Mas não era o alcool. Era algo. Era alguém.

–O que está rolando? - perguntei para Ringo.

–Pelo jeito, algum convidado de honra vai chegar. Alguém famoso.

Voltando o olhar para a mesa de Clarrie, avistei uma cabeleira ruiva.

Opa.

Corri até a frente.

–Oh, Deus. E-Loren!

Sorte a minha, finalmente, vestida de acordo! Ajeitei um pouco mais meu decote.

–E-Loren! - esmaguei meu diafragma.

Todos no restaurante estavam de pé, aplaudindo meu muso - que estava de terno, inclusive. Ele acenou, acenou e sentou-se junto a Clarrie.

Após o barulho cessar, Clarrie anunciou nosso convidado de honra E juiz para nossos desenhos. Os aplausos voltaram.

–O quÊ?!?! - falei esmiguelada.

–O artista E-Loren fará parte da nossa comissão julgadora para escolher um dos desenhos de vocês para expor na convenção de arte moderna. E, além disso, estará no dia da convenção!

Aplausos. Aplausos. E Aplausos.

–Hoje E-Loren veio apenas dizer algumas palavras. Então, sem mais delongas... - Clarrie deu espaço para Teseu.

–Primeiramente, boa noite.

Aplausos.

–Eu só gostaria de dizer, hoje, nesta maravilhosa noite em Miami, que estou muito ansioso para averiguar e me deliciar com o talento de vocês. O autor do desenho escolhido terá a oportunidade de trabalhar num estágio comigo, por seis meses. E nesse meio tempo, mergulhar no mundo da arte moderna. E, é isso. Espero muito por vocês.

Aplausos. Aplausos. Aplausos.

Petrificada, peguei o elevador e subi até o meu quarto de hotel. Eu tinha que melhorar aquele desenho.

Não. não.

Eu tinha que fazer outro desenho.

Um bem melhor.

O desenho ganhador.


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