A Vida de Uma Garota Nada Popular escrita por Lu Carvalho


Capítulo 14
Uma Dica? Não se Tranque no Banheiro




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A sorte nunca esteve ao meu favor mesmo, só que isso era pura sacanagem.

-Não, não, não! - chorei de dentro do box. - Como assim?!

-A tranca estava quebrada, - respondeu Matheus. - e daí... - Respirei fundo e depois soltei. Fundo e solta. Fundo. Solta. Fundo. Solta. E... sou uma garota morta. - ... como você deixou a porta bater com força - continuou, numa boa. - a tranca deve ter se dissipado ao meio por dentro... - São apenas doze metros quadrados. Isso é equivalente á 50 miligases de Oxigênio por milicentímetro. -... então por causa disso... - Respira fundo e solta. Fundo. Solta. Fundo. Solta. Não! Tenho que guardar Oxigênio! Pare! Porém... Matheus também está aqui, e quando se fala a respiração aumenta sete vezes mais! -... nós ficamos pres... Ahhhh! - gritou ele, quando pulei em cima dele em um centésimo de segundo para poupar um pouquinho mais de ar.

-Por que fez iss...?!

-Shhhhhh! - fiz, tapando sua boca com meu indicador. - Fiz pela nossa vida!

-Vida?! - disse, um pouco irado. - Você quase acabou com a minha agora mesmo!

Fundo. Solta. Fundo. Solta. Fundo... estou morrendo.

Estava sobre Matheus tentando fazer com que parasse de respirar enquanto eu não parava! Nisso já devia ter acabado com pelo menos 000.6% de TODO O RESTO DE SUPRIMENTO QUE TINHA PARA CONTINUAR VIVA!

Caí duro ao chão quando isso me passou pela cabeça.

Fundo. Solta. Fundo. Solta. Fundo. Quer saber? Esquece isso! Eu to morrendo!

-Ei, o que está fazendo?! - perguntou o Cachinhos.

Minha visão se tornou turva novamente, dando espaço para uma luz branca cegante.

-A luz! Estou enxergando a luz, Matheus!

Minha alma parecia estar se livrando de meu corpo cada vez mais em que movimentava a mão a procura da luz.

Isso era um máximo!

-Matheus, diga para Bruna que a vontade de vestir a camisa foi mais forte que eu, e que com um bom detergente de coco a mancha saí. A propósito, dê à ela 20 dólares. E se ela perguntar o por 

quê diga que com catorze anos a roubei para sair com Jack o Esquisitão, que na verdade era bem gatinho, só que no fim deu um bolo em mim. Então usei os 20 em pizza.

Consegui avistar cachos em meio da luz cegante, até encontrar seus olhos.

-E diga para Thiago que estou em um lugar melhor agora, e que quero flores amarelas no meu caixão. E... um beijo dos bons desta vez.

Mesmo com a luz do além em meus globos oculares, conseguia ver a face dele: sobrancelha levantada e boca aberta provavelmente pensando "O que essa louca está dizendo?".

-Ah, não pense que esqueci de você! - exclamei. - Eu tenho sim coisa pra te dizer... Matheus, É TUDO CULPA SUA!

Finalmente, fechei os olhos, enquanto a sensação de leveza e uma brisa tomavam conta de mim. Até, num piscar de olhos, a luz cegante se dissipou num escuro medonho tomar conta da coisa toda.

Droga. Fui pro inferno.

O clarão entrou com tudo e de novo entrei em estado de paz. Ufa! Foi por pouco! Então... Escuro de novo. NÃO, NÃO, NÃO DEUS NÃO FAÇA ISSO! EU SOU UMA BOA GAROTA! POOOOOOOOR FAVOOOOOOO- Claro outra vez! Escuro. Claaaro! DROGA DE ESCURO! Claro. Tá de brincadeira, certo?

-Ahn... - se ouviu a voz de Matheus. - Por que você ta piscando desse jeito?

-MATHEUS, NÃO SEI SE VOCÊ PERCEBEU MAS ESTOU MOR-REN-DO. NÃO POSSO PISCAR!

Ele deu uma risadinha divertida e mandou um:

-Não morreria aqui nem se quisesse.

Ahn... comá?

Acho que percebeu que o que disse ficou meio estranho, por isso apressadamente explicou:

-É que um de meus seguranças veio para cá comigo, sabe? Proteção. Se aquele cara não derrubar essa porta, ninguém mais derrub...

Do nada, um barulhão se fez tremer a porta. Cupim se espalhou por todo ar, junto de MUITO pó. Os dois estávamos balançando as mãos freneticamente, tentando afastar todo o pó de nossos narizes, porém, sem sucesso.

-EU SABIA! - comemorei. - EU SABIA QUE MEU DIA ERA HOJEEEEEE!

-VOCÊ NÃO VAI MORRER HOJE, MARIANA! - disse Matheus à mim, já enfurecido. - QUE SACO! Vou ver o que aconteceu... - ele foi até a porta, ainda movimentando as mãos numa dança a procura de ar, então gritou naturalmente um: - EEEEEEI! QUE DROGA ACABOU DE ACONTECER AQUI?

Talvez ele não tenha dito droga, mas acho que você prefere que eu não diga a verdadeira palavra.

-MATHEUS! - ecoou a voz de Jessie pelo banheiro. - COMO VOCÊS ESTÃO?!

-Presos no banheiro e respirando pó. O que aconteceu aí fora?

-Um cara louco musculoso vestido todo de preto - isto é uma definição para segurança. - tentou derrubar essa porta! Mas ele acabou sendo derrubado.

Droga.

Olhei em desespero para Matheus, e ele o mesmo para mim.

-Thiagoooooooo! - berrei, tomando a frente. - Por favor, ME TIRA DAQUI!

-Mari! Estamos tentando tirar o pedaço da tranca que caiu por dentr...

-QUANTO TEMPO DEMORA PRA ESSA PORCARIA ARRUMAR?!

-Hmm, talvez minutos, se tudo der como o plan... - outro barulhinho - Oops. É. Acho que vai demorar um pouquinho mais.

Um pouco mais de tontura veio à me calhar outra vez. Tropecei em meu pé uma, não, duas ou três vezes até que então caí nos braços de Matheus.

-Ninguém mais derruba? - queixei-me.

-Ahn, pode ser que eu estava errado - disse, com aqueles olhinhos petrificantes e suas mãos gigantes segurando meu tronco.

Caí fora.

-MARIANA! - Bruna apareceu-se. - TUDO OK AÍ?

Um frise tomou conta de mim. Por que ela estava falando comigo? Eu detonei sua camisa! Ela não podia estar dialogando comigo! Isso vai contra o código "Jeito Bruna de Ser". Quando (teoricamente) estraguei seu jeans transformando-o num shorts ficamos durante duas semanas sem se falarmos. Você tinha de ver a cara dela! Foi medonho! Do tipo, "VOU TE MATAAR!". Talvez ela não tenha percebido a camisa. Será? 

-Eu não estou usando sua bata!

-EU SEI! VOCÊ NUNCA SE ATREVERIA! - Vish. - COMO VOCÊ SE TRANCOU AÍ, SUA BOBINHA?

-Tipo assim, aconteceu! Ela estava me persuadindo, eu juro! Foi "Eu sei que você quer me usar, Mariana!" e daí pronto! Eu vest...

-Do que você está falando? - indagou minha irmã.

-Ahn... é... - depois de dez longos segundos percebi que ela não perguntava sobre a bata. Era sobre como eu me trancara, dãh! -... não faço à mínima idéia.

-Como não? – indignou Matheus. – Acabei de te explicar!

-De qualquer jeito, temos que te tirar daí! Não seria nem um pouco legal ficar com a casa só para mim pela noite inteir... Pensando bem...

-Bruna!  Por favor, me tira daqui!

-Beleza! Acalma aí! Vamos tentar derrubar a porta com força brutal de novo, ok?

-Sim, sim! Mas vai logo!

-Háhá, bobinha! Não sou eu que vai fazer todo esse esforço, né!

-Tá,ta ta! Então, pessoa que vai derrubar a porta, por favor será que dá para andar log...!

-Oi...

Assim quando sua voz entrou pelos meus tímpanos senti-me como uma gelatina. Ah. Meu. Deus. Ele disse oi para mim. Pramim!

-Mari, vou tentar derrubar a porta, beleza?

Mari. Ele falou Mari. E usou meu nome na mesma frase em que beleza. Ele me acha bonita.

-Humhmm - assenti em uma contorção interna.

-Então, só pra você não se machucar era melhor você se afastar da porta, ok?

Ele se importa com a minha segurança... OHMEUDEUSPAICOMOELEÉFOFOOOOO.

-Nós - corrigiu Matheus. - Somos em dois, valeu?

-Ok, que seja. É melhor vocês se afastarem.

-Não vou me afastar - protestou Matheus.

-Matheus, vamos nos afastar - afirmei.

-Não vou não.

-Por que não?

-Porque sei que vai ser uma tentativa inútil e só vai trazer mais pó.

-Matheus...

-Não.

-Por favor.

-Se Cassandro não derrubou ninguém mais derruba.

-E se Liam derrubar?

-Isso não vai acontecer.

-CARAMBA MATHEUS DEIXA DE SER TEIMOSO E SENTA ESSA TUA BUNDA AFASTADA DA PORTA ANTES QUE EU VÁ TE TIRAR DAÍ - rugi.

-Ahn... já que insiste.

Abracei-o forçadamente até o levar para dentro box comigo. Felizmente ele não abriu a boca. Sentamos os dois na tampa da privada, o que me incomodava um poucão pois estávamos em um proximidade desconfortável, mas beleza. Se isso fizesse com que eu saísse de lá tava valendo.

-PODE IR! - berrei.

Má notícia: Da primeira vez em que Liam depositou toda sua força em um só chute (uma coisa BEM besta a se fazer) era lógico que não daria certo. Depois de luxar seu dedão do pé, chutou inúmeras vezes a porta. Ele fez um barulhão que estourou meus tímpanos para no final não mudar PORCARIA NENHUMA. Ele se desculpou dizendo que faria de tudo para me tirar daqui, e que buscaria ajuda. Ou seja; ele saiu. Agora mesmo deve estar bebendo coca-cola, mas beleza. Bruna disse que tentaria achar alguma pinça em casa para tirar o pedaço da tranca perdido adentro da porta. Ou seja; saiu também. Deve estar se agarrando com Johnny nesse mesmo instante. Thiago e Jessie disseram que procurariam algum tipo de marreta ou bazuca para o caso da tranca permanecer impossível de pegar. Ou seja; SAÍRAM TAMBÉM. OU SEJA; FIQUEI SOZINHA COM MATHEUS.

Boa notícia: Não tem.

Dava voltas e voltas por puro tédio. Já havia meia hora que estávamos trancafiados e nenhum dos que diziam ter buscado ajuda voltaram. Eu já estava pirando. Eu ia morrer. Se não for por falta de oxigênio, vai ser por fome. Minha barriga está roncando. Ou melhor, acho que está reclamando por falta de comida. Afinal acho que se eu fosse um estomago, eu reclamaria de fome. Tipo, "Ei, não vai me dar comida não? Estou com fome! Não percebeu? To até fazendo esse barulhinho irritante para você me dar alimento!".

Seria estranho?... Quer saber? Nem responde.

O gerente da Espagork (um bem rechonchudo) pediu umas mil desculpas e tentou empurrar a porta do banheiro, o poupei falando "Prefiro esperar a marreta". Acho que se ofendeu, embora não fosse proposital. Pedi também comida a ele, porém não havia nenhum fecho donde ele poderia me entregar suprimento. Foi isso o que ele explicou. Mas duvido que seja verdade... Ele ainda devia estar ressentido pela história da marreta.

Depois de no total de 50 voltas rodando pela "solitária", o calor humano que exercia lá comigo e o Matheus e a benção de não ter NENHUMA JANELINHA lá, eu estava simplesmente uma poça d'água. Ughhh.

Resumindo; estava morrendo de fome, calor e tédio.

Tudo isso devia ser apenas uma grande brincadeira de mau gosto de Matheus. Por quê? Qual é?! Ele é o FILHO DO DONO DO PAÍS. Ele não pode simplesmente se trancar no banheiro e nenhum de seus seguranças ou polidores de sapato vir para ajudá-lo. Qual. É. ?.

Quando acabei compartilhando meu pensamento com ele a única coisa que me deu como explicação foi:

-Liberdade.

Esse garoto só podia estar zuando com a minha cara.

-O que quer dizer com isso?

-Meu pai tem várias responsabilidades, e como sou seu filho ele acha que eu posso ajudá-lo, mas... não. Não que eu não goste dele, ou de fazer coisas com ele, ou que eu seja egoísta. Acontece que sempre quando faço alguma coisa a mídia entra no meio.

-Eles te interrogam coisas complicadas como a economia Russa?

-Não. Perguntam como alguém tão jovem pode já ter escolhido sua carreira.

Ele teve de esperar uns cinco minutos até meu raciocínio lerdo se formar.

-Ei, quer ser político?

-Não! Entendeu o ponto da coisa?

De uma forma estranha, mas eu entendia. É como ser comparado à alguém, e sua personalidade ser dissipada pelo o que esperam de você, que é ser a outra pessoa.

-Por isso resolveu mudar para Nova York - concluí. - Apenas queria ser você mesmo.

-É...

-Mas é meio difícil, adivinhei?

-Tentei fazer tudo as escondidas, sabe? Eu já tinha completado o colegial, tinha um apartamento que consegui comprar com meu próprio dinheiro, e como decidi recusar Oxford...

-O quê?! Por quê?!

-Não foi mérito meu. Sabiam quem era meu pai, e na hora de checar meu currículo apenas confirmaram se eu era mesmo o filho do presidente. Sabe o quanto é frustrante você dar duro numa escola de CDFs para não ficar de recuperação durante anos para na hora H nem se importarem com isso?

Eu me matava para não repetir de ano, eu fala sua mesma língua. Embora o Colégio Saint. Morriz de NY não fosse um nome em dificuldade, devo imaginar a escola East High L. C. Wisdom (o colégio do filho do presidente). Em todos os discursos do presidente, tipo TODOS MESMO, Matheus aparecia de gaiata, com óculos de casca de tartaruga e um terninho formal. Me estranhava ele não ser CDF... porém aparentemente ele não é.

Nova York muda as pessoas.

-Enfim, decidi vir para cá e tudo deu certo. Comecei a usar lentes de contato, roupas normais e uma linguagem normal - Ouviu? Nova York. - e me misturei com os outros. Apenas uma vez me reconheceram, foi quando por precaução me costumei a usar aquele casacão e óculos de sol.

-Tudo deu certo pra você! - exclamei feliz.

-Quer dizer... deu certo até agora. Até você e meu pai aparecerem...

A culpa me atingiu frontalmente de uma forma tão brutal que comecei a gaguejar.

-E-eu? P-pelo s-seu...?

Matheus devia ter alguém tipo de divertimento ao me ver mudando de emoções constantemente, só pode. Ele ri quando eu ralo o joelho, quando não sei o que fazer na aula de Clarie McDemais, quando faço-o tomar café, quando pareço assustada por estar sendo presa, quando estou sendo presa, quando fujo do hospital, quando brigo com ele e quando nego experimentar o molho de alcachofra. Agora, me diga: De todas as situações, por que quando me sinto culpada é quando ele MAIS RI?

-A culpa não é sua - disse com aqueles dentes branquinhos à mostra. - A culpa não é de ninguém. Mais cedo ou mais tarde isso aconteceria, sem ou com você.

Mas era lógico que com minha sorte seria comigo.

-Desculpe... Agora todos sabem quem você é...

-Na verdade, até agora ninguém me encheu o saco.

-É lógico! Afinal, foi ontem!

-Não se preocupe. Se a coisa começar a ficar brava então eu mudo de cidade. Mas duvido que isso aconteça.

E tomara que não aconteça.

Não consegui nada para dizer. Tipo, nem um comentário. E sabe aquele silêncio mortal que tende a destruir uma conversa? Acabara de acontecer. Depois disso ficamos mais uns dez minutos sem conversar.

Nisso eu já havia me afogado em pensamentos.

O meu pior pesadelo, quando Liam presenciasse alguma situação mais constrangedora do que as que já passo na escola, tinha virado realidade. Assim, depois quando tentou derrubar a porta fiquei meio surpresa. Mesmo daquele jeito horrível que eu estava, ele foi ajudar. E isso é um bom sinal, não é? Nunca me importei de parecer bonita para os outros, ele era uma grande exceção. Isso era ruim? Sempre me importei em parecer sua garota perfeita, para que ele percebesse finalmente que na verdade sou eu mesmo!

Mas... se ele gostasse de mim, eu não teria de preocupar com isso. Ele devia gostar de mim pelo o que sou. Não pelo que tento parecer ser.

Mas... ele não percebe! Daí fica difícil.

Mas... Cara, que saco! To confusa!

-Matheus!

Eu precisava de uma ajuda masculina.

-Diga... - concedeu a mim, depois de ter acordado de seu cochilo.

-Assim, sobre você e a Jess... por que gosta dela? É por que ela é bonita?

Do outro lado do banheiro, Matheus virou a cara para mim e balbuciou:

-Quê?

-Tipo, - levantei-me de meu espaço longe dele e fui ao seu encontro. - gosta de Jessica por que ela é bonita, ou por que é legal demais?

Era péssimo me rebaixar a esse ponto, eu sei. Mas era preciso.

-E-eu entendi a pergunta, só não entendi o porquê dela.

Virei o tronco e dei passos curtos à frente.

-Bem, um amiga minha...

-Qual é o nome dela?

-Quê? - girei, com a sobrancelha levantada.

-O nome - repetiu.

-Ah, é Ma... rieva.

-Ma Rieva?

-É. Ma Rieva Garcia. Estranho, mas fazer o quê?! Prosseguindo, uma amiga não sabe se o garoto que ela curte gosta dela porque é bonita ou porque é legal. Isso se ele gostar... - murmurei.

-Ahn, desculpe, mas tem certeza que quer falar disso comigo? - perguntou à mim, meio sem graça.

-Só tem você aqui. A não ser que a privada saiba de alguma coisa... acho que não.

-Beleza. Bom, acho que, ahn... é... bem... ahn...

Devia ter perguntado para a privada.

-...acho que... é, bom, eu, hum, er, ahn... não sei.

Sentei do lado do Sr. Cachinhos olhando para o horizonte. Tradução: O azulejo laranja quadriculado.

-Me diz, o que tem na Jess que te faz aquele revirar o estomago, ou piscar seis vezes seguidas?

-Eu? Piscar seis vezes seguidas? - indagou.

Olhei nas íris verdes e as observei piscar seis vezes interruptas. Logo depois o sorriso à lá Colgate se abrir até suas covinhas ficarem à mostra.

-Desse jeito mesmo! - ri com ele.

Rimos um pouco mais, e então aquele negocio começou de novo. O "contato visual". Desviamos o olhar.

-MARIANA! CHEGAMOS!

Nunca fiquei tão feliz em ouvir a voz de minha irmã em toda minha vida! Ela não me deixou! Ela veio com ajuda! EU NÃO IRIA MORREEER!

-BRUNA! BRUNA! VOCÊÊÊ! AH MEU DEUS! OBRIGADAAA! PENSEI QUE NÃO VIESSE! - berrei, esfregando-me na porta.

-Mas eu estooou aqui! E se tudo o que trouxermos não for o suficiente, irmã, você dorme na pia.

-A pia é minha - se apressou Matheus.

-Há-há. Vai sonhando. BELEZA, BRUNA! PODE BOTAR PARA QUEBRAR!

Uma, duas, três vezes se deu para ouvir a marreta colidindo com a porta. Estava tão ansiosa que até ofegava. Cruzei todos meus dedos e forcei Matheus a cruzar também. Eu não queria dormir na pia. Eu gosto do meu cobertor. MUITO.

Quarta vez. Meu coração parecia estar subindo goela a cima. Apertei bem os olhos.

Quinta vez. Estava tremendo igual à um leopardo, se estivesse na casa do Papai Noel.

Sexta vez. Já estava perdendo a esperança. Eu teria de dormir aqui.

Sétima vez. Certeza que eu passaria a noite aqui. Droga. DROOOGA!

Oitava vez. Um Craack ecoou da porta.

Silêncio total. Abri os olhos, e um buraco de dois centímetros estava à mostra.

- EU NÃO DURMO AQUI HOJEEE! - comemorei, pulando em cima de Matheus. - ESTAMOS SALVOOOS! VAMOS, BATE MAAAIS!

PUM! PÁ! CRAAAACK! BOOOM! CHUSHHH! PÁ! Nunca ouvir barulho de porta sendo derrubada foi tão prazeroso!

Quando um buraco de uns 65 centímetros já havia sido aberto não consegui nem pensar duas vezes; vazei de lá. Isso é uma das primeiras grandes vantagens de ser pequenininha! Poder escapar por buracos antes!

-THIIIAAAGOOO! - Pulei em cima de meu melhor amigo quando o identifiquei no meio de quatro pessoas. Era tão gratificante ver algo a mais sem ser uma privada!

-Obrigada, obrigada, obrigada!

-Agradeça a Bruna! – disse à mim em meio de um largo sorriso. - Ela que roubou a marreta da mercearia.

Virei a cabeça de lado e anunciei:

-Bruna, você é a melhor irmã de todos os tempos!

-Fazer o que?! Natureza.

Voltei-me a Thiago e o abracei mais forte.

Conseguia ouvir Jess fazendo um questionário com Matheus se ele estava bem ou não. “Falta de ar?, Visão turva?, Consegue respirar perfeitamente?, Pele seca?”.

Thiago e eu levantamos juntos, enquanto eu observava bem nossa volta; Bruna? Ok. Johnny? Ok. Gerente da Espagork desesperado? Ok. Jess? Ok. Garçom agora sem bigode? Ok. Matheus? Ok. Thiago? Ok. Liam? Em falta.

-Onde Liam se meteu? – perguntei à Johnny. Thiago bufou.

-No meio do caminho ele recebeu uma ligação de Anne e teve de ir.

-Ah.

Um “Ah” que se significa “Anne. Argh.”.

-Mas foram 40 minutos! Como você pode estar perfeitamente intacto? – indagou Jess.

-Sei lá! É que eu tinha uma balinha lá...

-Você tinha COMIDA? – perguntei furiosa.

-Mais ou menos...

Jess revirou os olhos.

-Você e suas balinhas. Sabe, Mari, nem para mim ele oferece! É muito egoísmo mesmo.

-Mari, - interrompeu Bruna. – são quase dez da noite, podemos ir?

A voz de Bruna estava um pouquinho mais agressiva do que de costume. Só então descobri o porquê.

A bata.

Ela olhava feroz e sinistramente para a mancha do tamanho do mundo que tinha em meio o pouco do azul petróleo.

-Eu posso explicar...

-Em casa! Vamos agora!

Olhei com cara de pidão à meus amigos e finalmente disse:

-Talvez vocês não me vejam amanhã, então... Adeus!

Fui puxada brutalmente pelo pulso até o carro que estava estacionado na frente da Espagork, enquanto me desculpava com minha irmã de todas as formas possíveis.

Algo me dizia que o caminho para casa seria longo.

***

Depois de no total de 75 pedidos de desculpa e vinte generosos dólares, consegui finalmente deitar em minha preciosa cama e agarrar meu querido cobertor.

Era tão bom relax...!

Fingerprints de Katy Perry soou de meu celular como uma brincadeira de mau gosto. Meu celular estava do outro lado do quarto! Como se minha cama você os EUA e o smartphone a China. Era lógico que não atenderia. Nem por cem pratas! Talvez umas duzentas... Deixei cair na caixa postal para ver quem era, quando a seguinte voz surgiu:

-Alô? Oi, Mari. É o Matheus. – Como ele conseguiu meu telefone? - Ei, sabe aquilo sobre gostar de alguém por ser bonito, ou legal, que você me perguntou no banheiro? Então, pensei o resto da noite inteira nisso, tomará que ajude. Bom, aí vai... diz para a Ma Rieva Garcia que não existe esse negocio de gostar porque é bonita ou porque é legal. É um todo. O todo precisa te deixar, você sabe, piscando por seis vezes. - ele fez uma pausa na gravação para uma risada leve. - E, se esse cara se importar só com a aparência ele é um panaca. Porque se Ma Rieva tiver uma personalidade igual a sua, a aparência deve ser a última coisa para ver...

No mesmo instante meu sorriso ficou tão maior quanto o do Ronald McDonald.

-... E, também, diga para ela perceber se o cara vale mesmo à pena. Então, é isso... Até quarta. Se cuida.

Demorar quase cinco anos para saber meu nome foi meio caminho andado. Talvez ele estivesse certo... talvez Liam fosse um sonho inalcançável, ou até inútil. E esquecer meu nome não foi nada legal. Será que ele vale à pena? Será que um garoto teve de me fazer abrir os olhos? Será que sou tão burra ao ponto de nem saber o que é bom para mim? Ou melhor, será que ainda me derreto por Liam?


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