Stay Alive. escrita por Primrose


Capítulo 6
Amanhã será um dia melhor




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Eu me encolho na parede da caverna e vomito, mais uma vez. Realmente, ficar de ressaca não estava nos meus planos para os Jogos Vorazes, principalmente no segundo dia, mas eu nem tenho direito de reclamar, porque se não fosse o álcool 70 que a menina tivesse conseguido para mim, eu não iria aguentar a dor...

Afasto as cruéis lembranças da noite passada, mas só então noto que minha mão está agarrada ao símbolo do meu distrito: um tordo, com uma flecha no bico... É exatamente o mesmo do meu sonho! Eu venho sonhando com esse tordo desde a minha primeira colheita, desse dia em diante eu comecei a desenhar o tordo dos meus sonhos em todos os lugares, então no meu aniversário de 15 anos minha irmã me fez uma surpresa, me dando o broche que era uma joia da família... Com o tordo que eu sempre sonhava. De repente me dou conta que eu nunca perguntei para ela se sonhava com ele também.

Ouço passos na grama perto da caverna... É uma longa história estar nessa caverna: a estranha menina que tinha me salvado ontem encontrou esse lugar e o camuflou para que parecesse um monte de terra em vez de uma caverna, e nós viemos para cá depois de eu acordar no meio da tarde, com um incrível curativo feita pela estranha (e pequena) menina que me salvou: -“Minha tia é curandeira no meu distrito... Corte com queimadura? Já me acostumei, sabe quantos fios metálicos descontrolados existem na Central Técnica? Pois é, o seu é só...bom, mais profundo. Nada demais... Eu acho” ela disse quando viu meu espanto.

Descobri que seu nome era Katri Allardyce, ela é do distrito 3, sua tia era curandeira e ser curandeira era o seu sonho, até ser escolhida para os Jogos Vorazes.

Katri era realmente engraçada, tinha um jeito único, ás vezes falava como se fosse bem mais velha do que eu, e outras como se fossemos velhas amigas. Ela era bem pequena, no físico, mesmo para uma menina de 13 anos ela parecia ter o tamanho de uma de 11, mas de acordo com ela “ As pessoas não compreendem que quanto menor melhor!”. Seus cabelos compridos e ondulados eram presos em um rabo de cavalo comum que pareciam dançar de um lado pro outro; é uma menina extremamente sorridente, mesmo afetada pelos Jogos. Ela parecia irradiar vida, não ligava para o que as pessoas iriam pensar dela: “Vamos todos morrer, não é mesmo?”. Tinha um senso irônico e tinha a estranha mania de correr na ponta dos pés, como se a vida não passasse de uma dança.

Os passos chegam mais perto, eram rasteiros e pela metade... Um alívio toma conta de mim, esses passos só podiam ser de Katri. E estou certa, já posso ver seus movimentos ágeis para passar pela barreira na entrada da caverna, um minuto e ela está ali. Parecia pálida e assustada, mas no minuto em que me vê sua expressão relaxa e ela sorri:

–Como é ficar de ressaca? Acho que não vou viver o suficiente para ficar bêbada – sinto um estranho borbulhamento no estômago, era um riso – Então, como está o corte?

–Ah... - hesito e dou uma olhada para a bandagem improvisada feita com a manga de um casaco – Bem melhor. Ele não abriu, mas ainda dói, principalmente a queimadura.

–Isso é bom... – ela para de falar e seu olhar se perde em algum ponto se sua imaginação, não era a primeira vez que isso acontecia – Gosto dele – ela diz por fim. Eu a fito esperando uma resposta – O símbolo do seu distrito, o broche – ela inclina a cabeça para examiná-lo e assim se passa um bom tempo, onde eu reúno coragem para fazer uma pergunta:

–Por que? Porque você me ajudou?

–No banho de sangue? Simples, eu tenho asma, uma doença respiratória sabe e... Bem, eu sei como é se sentir sufocada – ela encarou o chão e continuou a falar – mas ontem, Maysilee, foi diferente. Eu já tinha matado três crianças inocentes, como você, como eu e... Sempre quis ser curandeira, sabe. Não fui criada para matar e sim para salvar. – ela dizia isso como se fosse mil vezes mais velha que eu e que esta fosse a coisa mais óbvia do mundo. Era engraçado isso, ela me lembrava eu mesma. – Ainda não choveu. Que droga! – ela diz irritada, pelo mesmo motivo do meu, sede.

Ouço as primeiras notas do hino da capital e vejo Katri encarar o símbolo com uma fúria tão grande, que não parece mais ela mesma. Eu também olho para o símbolo com desprezo e uma raiva borbulhante. Não há nada que eu possa fazer, sou só um brinquedo idiota deles. Aparece a foto dos mortos do segundo dia, foram 3. Com mais 15 de ontem, são 18 crianças mortas... Meu estomago se embrulha e eu vomito novamente.

–Acho que vou dormir um pouco – diz Katri, mais pálida que antes. Ela se agacha perto da parede da caverna e fecha os olhos. Minutos depois posso escutar sua respiração profunda. Me concentro no canto dos tordos, era uma música melancólica, exatamente o que eu estava tentando evitar. Mas não preciso fazer nada para me distrair da música, pois nesse momento Katri começa a se contorcer, como se estivesse lutando contra uma força invisível e lágrimas descem dos seus olhos fechados. Vou até ela num pulo:

–Katri! Katri! É só um pesadelo. – ela abre seus olhos de um marrom tão escuro que não consigo identificar as pupilas – Calma, foi só um pesadelo – eu minto abraçando-na.

–Não! Não foi um pesadelo, não foi… – ela estava tão pálida e gelada que parecia ser feita de gesso – Maysilee, eu matei… Eu matei! Eu… – lágrimas caiam dos seus olhos vidrados no além – Sou uma pessoa horrível! - ela encarou as próprias mãos É como se, por mais que eu lave minhas mãos, o sangue delas nunca sai, nunca. Maysilee - ela me encara, e eu posso sentir todos os olhos de Panem em nós - ainda posso ouvir eles gritando! - ela tampou os próprios ouvidos e se encolheu como se fosse uma bola e murmurou para si mesma de olhos fechados - Odeio isso! Odeio! Odeio!

Eu sei que apenas um abraço não vai adiantar, mas eu tenho que fazê-la parar, pois era isso que a capital quer. Posso até ver o presidente Snow, nojento, sorrindo agora. Então acabo agindo antes de pensar, qual era a única coisa que me acalmava? Simples, música.

–Hoje eu já chorei muitas lágrimas

E a dor é no meu coração

Ao meu redor está uma cena de vazio e solidão

Eu não sei por onde começar

Posso sentir o close-up das câmeras em mim. Vou até Katri, a abraço e continuo a antiga canção de ninar…

Mas eu sinto o calor da minha pele

Eu ainda posso ver as estrelas

E sentir o vento soprando, mas agora eu sei

Amanha será um dia melhor


– Amanhã será um dia melhor

Eu sei, eu posso sentir

Um dia ensolarado, vindo ao meu encontro

Sim, amanhã será melhor…


Minha voz , mesmo rouca pelos gritos de ontem, ecoa na caverna através das gentis notas da música de ninar, pena que não tenho Dorothy para me acompanhar, mas posso sentir ela sorrindo no sofá da sala. Katri levanta e para minha surpresa, está sorrindo. Então ela começa a acompanhar minhas notas, assim como os tordos lá fora. Nesse momento meu sorriso se abre, posso ver a cara de espanto dos idealizadores, finalmente uma coisa que eles não podiam controlar.

–Amanhã será um dia melhor

Eu sei, eu posso sentir

Um dia ensolarado, vindo ao meu encontro

Sim, amanha será melhor…


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