Stay Alive. escrita por Primrose


Capítulo 2
Um pouco de veneno




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Eu havia deixado a caverna fazia algumas horas, pois ela era de fácil localização. Agora sou só mais um tributo andando sem rumo à procura de alguma fonte de água. Eu sei que não sou a única a estar morrendo de sede, pois posso ouvir os tordos imitarem um som provavelmente vindo de um resmungo ofegante e, sem duvida, humano. Eu sei disso, pois sempre fui muito habilidosa com os pássaros, por muito tempo eles foram meus únicos amigos.

Além disso eu sempre fui apaixonada por música, as notas entoadas com tanta perfeição parecendo levar todas suas angustias e tristezas, te dando um delicioso momento de paz e leveza...Talvez, por esse motivo, meus pássaros preferidos sejam os tordos, os bestantes da capital que, mesmo sem querer, foram a grande piada contra a própria. Sempre sorrio ao lembrar dessa historia, os tordos, os únicos bestantes que não foram criados para matar, agora estão do nosso lado. Meu sorriso é apagado por uma lembrança... Do momento em que eu me despedi de Dorothy, minha irmã, minha gêmea...

“-Hey, não chore, não chore... Eu sei que eu estou chorando mas...

–Mas não ficaremos mais juntas, eu não vou mais poder terminar suas frases e nem você as minhas. Vou ficar sozinha agora, vou morrer... - as lágrimas que surgem me impedem de continuar.

–Maysilee e Dorothy, as duas irmãs gêmeas que tiveram o azar de serem separadas por uma colheita – ela diz essa frase com um terrível sotaque debochado da Capital – May, me escuta – ela diz sério pra mim e eu encaro o rosto que é o espelho quase exato do meu – Eu não quero que eles se lembrem de você assim. Se você vai morrer – ela parou por alguns segundos e olhou para cima, exatamente como eu faço para evitar que as lagrimas caiam - não morra em vão, faça com que sintam sua falta assim como eu vou sentir. – eu volto a encarar o chão, mas Dorothy me abraça e sussurra em meu ouvido – Não deixe eles te controlarem! Não faça como os outros tributos, May. Não vire mais um bestante colocado numa arena para morrer pela Capital! Continue sendo você, não importa o que aconteça – eu a abraço com mais força, ela sabe que isso significava um “sim” – Você sabe May, você é a mais velha por algumas horas, mas é a minha irmã, sempre será e eu vou ser , sempre, sua irmãzinha. Nós seremos sempre espelho uma da outra, mesmo que você seja mais bonita - eu sorrio, pois sei que é mentira: Dorothy sempre foi mais bonita que eu – e mais simpática mas, infelizmente, menos sortuda...Você pode até morrer, mas não por inteiro...Uma parte de você sempre vai continuar aqui – ela faz um gesto com os três dedos do meio e leva ao coração”

Não há lágrimas em meu rosto, mas há um buraco no meu coração. Me lembro de até mesmo na entrevista com Caesar, eu ter deixado frases incompletas que faziam meu estomago dar cambalhotas, pois eu não tinha mais uma irmã para completá-las. Caesar percebia, é claro, e tentava soltar alguma piada para aliviar o momento, pena que não funcionava.

A floresta começa a ficar mais rala, então deve estar chegando perto de algum riacho ou coisa do tipo. Minha garganta está implorando por água, parece tão seca que dá a impressão de estar pegando fogo. Paro para consultar o canto dos tordos, mas como não teve alteração, continuo em seguida. Além da sede algo mais me incomodava... “Não vire mais um bestante colocado numa arena para morrer para a Capital! Continue sendo você, não importa o que aconteça” ... As palavras de minha irmã rondam minha cabeça, é quase como se ela estivesse aqui, do meu lado, falando isso para mim. Ser eu mesma, penso, tenho que tentar, por Dorothy...Mas como saber se eu ainda sou a mesma de ontem de manhã?

Sou Maysilee Donner, o segundo tributo feminino do distrito 12. Tenho uma irmã gêmea – Dorothy Donner – que está na praça nesse momento, assistindo ao segundo massacre quartenário afim de saber como eu estou. Não morri no banho de sangue graças a uma menininha de 13 anos do distrito 3 que – todos diziam- ser estranha, pelo que eu tinha ouvido da entrevista dela...Podia concluir que ela não era o que se denomina normal, mas ela havia me salvado. Agora estou à procura de água e...

Nesse momento um alivio toma conta do meu corpo, posso ouvir o barulho de água corrente. Mesmo morta de cansada como eu estou, começo a correr no mesmo instante. Chego a um lindo riacho, sem dúvidas este pode ser facilmente um dos locais mais lindos que eu já havia visto na vida se eu não estivesse num jogo mortal. Me ajoelho perto do riacho e estendo minhas mão, mas no segundo em que elas vão tocar a água ouço passos corridos. Não posso me dar ao luxo de continuar parada, o desespero toma conta de mim.

Então um tordo começa a cantar, eu o encaro curiosa. Ele está em cima de uma bela árvore enorme... Árvore! É isso! Não hesito nem um segundo e corro para a árvore que se encontra há alguns passos atrás de mim. Vou para o lado oposto do tronco, como uma forma – idiota- de camuflagem e começo a escalar.

Eu nunca tinha escalado antes, só no centro de treinamento, mas era com equipamentos, logo percebo que não é a mesma coisa. Pela primeira vez, sinto que estava fazendo alguma coisa certa: escalar é ótimo! Não me importo que os galhos arranhassem minha pele ou com o vento frio, eu me sinto... Como um pássaro, um tordo livre para voar e cantar no céu. Mas não consigo aproveitar a sensação por muito tempo, mal chego na copa da árvore e já posso avistar o tributo chegando no riacho.

Minha garganta grita em agonia. Quem deveria estar ali, bebendo aquela água gelada e cristalina era eu e não aquele maldito menino, que se eu não me engano é do distrito 6. Mas então olho para as outras árvores, nenhum barulho... Os tordos pararam de cantar... Olho alarmada para o menino, enquanto ele termina de beber a água límpida e cristalina. De repente começa a se contorcer compulsivamente. Observo seu corpo cair sem vida na corrente de que o que , na verdade, nunca fora água cristalina e sim um veneno digno de um massacre quartenário, assim como o resto da arena.


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