Stay Alive. escrita por Primrose


Capítulo 10
Sozinha




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Os pesadelos não queriam ir embora de jeito nenhum.

Não adianta o que eu faço, se eu estou dormindo ou acordada, sentada ou andando... Eles parecem ser vários pedaços de filmes de terror gravados na minha mente. Respiro fundo, um dia –não muito distante- eu iria acabar aceitando que minha vida se tornou um eterno pesadelo onde minha única saída é a morte.

O quinto dia está completamente calmo, também depois de ontem com um vulcão seguido de terremoto acho que merecemos um descanso. É estranho estar sozinha, não tenho mais Katri para preencher o vazio e me fazer sorrir. Estou sentindo falta até mesmo de Ayse, só passamos alguns minutos juntas e nesse meio tempo a gente até tentou se matar... Mas enfim, uma companhia está fazendo muita falta para mim.

Minha agonia cresce a cada segundo, os minutos ainda parecem estar de mal comigo e se arrastam lentamente nas horas. Eu tinha perdido o hino da Capital, lembro de ter acordado com a música em meus ouvidos, mas só percebi o que era a tempo de ver a foto do menino do 11, ou seja, não sei se Katri está viva ou se Ayse sobreviveu ao bestante. Meu coração dói só de pensar em qualquer hipótese de que Katri tenha morrido, até agora me lembro de sua cara de pânico ao perceber o terremoto e entrar em estado de choque. Como eu pude ser tão burra? Katri tinha me contado sobre a morte de sua mãe no terremoto que atingiu o distrito 3 e eu não consegui nem ligar os fatos.

Estou andando faz algumas horas. Demorei um pouco para me levantar, permaneci vários minutos imóvel, encarando o céu, tentando aceitar os fatos de ontem. Depois disso me levantei, xingando o galo que o galho tinha feito na minha cabeça. Resolvi então ir para o outro lado, longe da montanha. O outro lado além da cornucópia. Me livrar dessas cinzas que um dia foram uma belíssima floresta.

Tropeço em uma rachadura no chão. Não é a primeira vez que isso acontece. Me levanto e continuo seguindo em frente. Sozinha, agora é somente eu. Eu e o medo, eu e o horror. Eu tenho que sair dessa floresta... Um barulho de água corrente chega aos meus ouvidos. Me sinto um pouco melhor, eu conheço aquele barulho, aquele riacho cristalino e venenoso. Respiro fundo e acelero meus passos. Em pouco tempo já posso avistar o riacho e logo depois já estou sentada no toco de uma árvore caída. Um pensamento terrível me ocorre.

Eu passei naquele riacho no caminho do banho de sangue, ou seja, estou no caminho certo. Mas eu não tinha percebido um detalhe, que pode custar a minha vida. A cornucópia fica em cima de uma colina e tem uma visão de 360° graus, ou seja, eles iriam perceber qualquer um que passasse, ou pelo menos tentasse, se aproximar de lá. Infelizmente para passar para o outro lado esse é o único caminho.

Fecho os olhos e tento pensar numa solução, e eu tenho uma. Aperto mais ainda meus olhos fechados. Eu preciso mudar se quiser continuar viva, não posso mais depender da sorte e de outras pessoas. Digo adeus à Maysilee alegre, com medo, mas sorridente e dou olá ao meu novo eu: uma Maysilee fria, que só quer ficar viva, não importa como. Sim, essa é a única saída, e com um suspiro triste eu acabo aceitando minha transformação. Eu virei um verdadeiro tributo.

Não ligo para a sede, nem o calor, nem para os venenos, nem em como eu me sinto suja mesmo tendo matado uma única pessoa. Apenas penso no meu plano, que se baseia em ficar viva. Nunca fui muito boa com planos. Pego minha tigela e encho de veneno fresco e mortal. Paro alguns segundos e escuto, mas não há ninguém vindo. Olho para uma árvore na minha frente e pego meus dardos. Não continuaria viva, não com a mira que eu tenho. Preciso treinar, já que a minha semana no Centro de Treinamento foi um desastre e eu só aprendi a dar nós e a escalar.

Os galhos são os meus alvos, de início você pensa: É só jogar, não pode ser tão difícil. Até que o seu primeiro dardo vai para o lado totalmente contrário do que você mirou. Não, não é fácil. Mas não sou do tipo de pessoa que desiste. Treino até o sol estar perto de ser pôr, parando apenas para beliscar um pouco da carne desidratada que ainda sobrou e para descansar um pouco enquanto eu ouço o canto dos pássaros. Mas no fim, minha pontaria melhorou muito, ainda não é como a de um carreirista, mas já está mil vezes melhor do que antes. Estou satisfeita com o resultado, o sol vai se pôr em algumas horas. Melhor eu ir andando, ainda tenho que seguir todo o curso do riacho até a cornucópia.

Ao longo do caminho vou pensando no meu plano ridículo, tentando ignorar minhas chances mínimas de sobrevivência. Mas estou determinada a conseguir, e isso é ótimo. O sol se põem, o hino da Capital toca, sem fotos. Não houve mortos hoje.

Já está escuro quando eu avisto a colina com o chifre dourado da cornucópia. Meu coração gela e a adrenalina sobre, mas eu não consigo sentir aquele medo paralisante. Eu realmente mudei, estou tão distante de ser a Maysilee e tão perto de ser mais uma peça no jogo da capital. Não posso evitar de sentir uma pontada de decepção.

Tiro os dardos, o veneno e a zarabatana da mochila e já estou preparada caso tenha que disparar um dardo. Olho para o céu, quem sabe se aquele será a última vez? Agradeço por estar escuro, gosto das estrelas me observando. Encaro a colina e já posso distinguir os carreiristas na boca da cornucópia, exatamente como eu tinha previsto.

Caminho devagar, sem desgrudar os olhos do chifre dourado no alto da colina. O número de carreiristas tinha diminuído bastante, agora são só seis e todos parecem acabados. A menina do machado ainda está viva. Seguro um rosnado na minha garganta. Sim, um rosnado. Caminho com cuidado, para não fazer nenhum barulho. Cada passo que eu dou é planejado, mas é difícil manter a calma quando se tem a morte ao seu lado.

Então resolvo colocar meu plano em ação. Num movimento rápido enfio o dardo no veneno e já estou mirando ele, quando uma voz chega aos meus ouvidos:

–Então qual o plano? – eu paro, como uma estátua. É Ayse.

–Você não tem que ficar perguntando nada aqui, sua traidora! – essa é Jazzy, a carreirista do machado, eu me lembro muito bem dela – Você teve sorte da gente ter te salvado daquele bestante, mesmo você tendo saído do bando. Agora você vai fazer o que eu mandar e pronto. – ela rosnou para Ayse. Eu nunca tinha reparado como era estranho as duas serem do mesmo distrito, tinham os mesmos cabelos loiros, mas eram totalmente diferentes. Ayse se virou, emburrada, e encarou a floresta... Então, ela me viu. Ayse está ali, sentada na colina, encostada na cornucópia me encarando.

O medo é uma coisa incontrolável, quando ele quer se esconder ele se enfia no fundo da alma e você acha que tudo está bem. Mas às vezes ele resolve sair e como um bicho feroz destrói tudo a sua volta, inclusive a sua alma.

Não tenho mais controle nenhum da situação, agora o medo me comanda, assim como a Capital comanda seus tributos.


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