Harry Potter e o Estigma da Serpente escrita por JMFlamel


Capítulo 15
O Que Pertence Aos Deuses


Notas iniciais do capítulo

Revelações de Shacklebolt. Confronto entre Aurores e bandidos do Círculo nas montanhas da Abkhazia. Harry vai jantar com uma loira em Londres, após dar muuuiiitas explicações a Gina.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/22239/chapter/15

CAPÍTULO 14

 

O QUE PERTENCE AOS DEUSES

 

 

 

 

 

 

Vendo-se, ao despertar, deitado em um leito de um apartamento do hospital escolar de Hogwarts, Kingsley Shacklebolt assustou-se, pensando que sua fuga havia sido uma alucinação e que ele ainda encontrava-se prisioneiro, naquele quarto branco da base do Círculo nos Emirados Árabes, perto de Dubai, localizada no subterrâneo de um dos cassinos administrados pelo Círculo Sombrio, na qual aquele interrogador sádico, Yevgeny Emilianovitch Adams “trabalhara” nele, durante semanas, tentando extrair um dos mais bem guardados segredos da Corporação dos Aurores, a Lista de Identidades dos “Camaleões-Fantasmas”. Graças à previdência de Harry, a informação havia sido protegida com o Abismo das Brumas do Oblívio (影忘却のアビス), um antigo feitiço japonês, utilizado pelos Bruxos-Ninjas de Kôga.

 

Quando sua visão entrou em foco, ele percebeu, aliviado, que estava em um local seguro e que, realmente, conseguira fugir. Os vultos à sua volta não eram bandidos do Círculo, muito pelo contrário. Eram todos seus amigos, preocupados com seu estado de saúde. Ali estavam Dumbledore, McGonnagall, Harry, Gina, Sirius, Ayesha, Hermione, Janine, Snape, Lupin, Krum e dois outros que ele não conhecia, um deles obviamente bruxo e o outro com certeza trouxa, mas bastante à vontade em um traje bruxo cinza-grafite, em estilo vitoriano.

 

—Ele acordou. _ disse Snape _ Acho que agora não irá mais desmaiar.

—Assim espero, Snape. _ disse Sirius _ Devem tê-lo maltratado bastante.

—Não imagina o quanto, Sirius. _ disse Shacklebolt, com a voz um pouco mais firme _ Fiquei semanas nas mãos de um interrogador sádico, que fazia questão de honrar a tradição de seu pai, ex-agente do MACV-SOG e de sua mãe, da KGB.

—Devem ter experimentado em você a maior parte das drogas existentes e algumas que eles devem ter inventado. _ disse o estranho _ Meu nome é Claudiomir, sou oficial do BOPE, do Rio de Janeiro. Estava colaborando com Harry em uma investigação, para pegarmos um pedófilo que agia em Hogwarts.

—Um abusador de menores, aqui? _ surpreendeu-se Shacklebolt, com aquela novidade _ Bem, há malucos em todos os lugares. Principalmente no Círculo.

—Como você escapou,Shacklebolt? _ perguntou Hermione.

—Ah, Hermione, é uma longa história. E tive bastante ajuda, inclusive de dentro do próprio Círculo. Estou aliviado por ter conseguido chegar até Viktor, em Sighisoara. De lá para cá foi questão de eu me recuperar o bastante para poder viajar.

—Conte como foi, Shacklebolt. _ pediu Ayesha.

—Certo, Ayesha. Eu estava preso em uma cela, depois que o Abismo das Brumas do Oblívio entrou em funcionamento. Aliás, Harry, preciso da chave.

—Certo, Shacklebolt. _ disse Harry, chegando ao ouvido do bruxo e sussurrando uma palavra, de forma quase inaudível, mas que recolocou o feitiço em “Standby”. Então, Kingsley continuou o seu relato.

—E eles iriam acabar me dando um fim, pois eu era inútil para eles, sem a informação que eles queriam. Fiquei naquela cela, apenas sofrendo os efeitos das substâncias que aquele desgraçado injetou em mim, até que caí no sono. Quando despertei, vi algo de incrível, a porta da cela estava aberta e o guarda caído. Foi então que vi um pequeno vulto junto à porta, que logo entrou e me soltou das tiras de couro que me prendiam à cama. _ e, pegando a varinha que empunhava quando fora encontrado, Shacklebolt disse “Cineskopia” e projetou na tela mágica as imagens de suas memórias...

 

Quem é você? _ perguntou Shacklebolt.

—Calma, Sr. Shacklebolt, vim ajudá-lo a sair daqui.

—Mas como? Há câmeras e guardas por toda a parte!

—Não se preocupe, já dei um jeito nas câmeras. Elas foram enganadas e estão transmitindo uma imagem em “loop”, mostrando continuamente um corredor vazio. Quanto aos guardas, havia algo a mais no chá que eles tomaram há pouco, uma boa dose de Poção de Sono, o bastante para fazê-los dormirem por algumas horas, tempo mais do que suficiente para sairmos daqui.

—E para onde iremos?

—Eu vou levá-lo até as garagens, onde alguém estará pronto para conduzi-lo a algum lugar de onde possa sair dos Emirados.

 

Os dois passaram por vários guardas adormecidos, até chegarem às garagens, onde o pequeno vulto deixou Shacklebolt ao lado de um Chrysler 300 preto, com uma escuríssima película nos vidros.

—Fique aqui, agachado. Alguém já vai vir para dirigir o carro.

 

Foi quando puderam ver a silhueta do ser que estava ajudando Kingsley Shacklebolt.

 

—Um elfo doméstico! _ exclamou Gina _ Mas quem poderia ser?

—Eu faço uma idéia, querida. _ perguntou Harry _ Por acaso ele tinha olhos azuis?

—Sim. E falava com sotaque russo, como vocês ouviram. _ disse Kingsley.

—Então só podia ser Pooka.

—Pooka? _ perguntou Shacklebolt _ Você o conhece?

—Ora, não está lembrado? Era o elfo liberto que servia a Anastasia Artamonov.

—Entendo. Como a maioria dos bruxos não presta muita atenção aos elfos domésticos e eles também não gostam muito de aparecer, ficou fácil para Pooka me ajudar. Vejam o que houve a seguir.

 

Continuaram a assistir as imagens na tela mágica e viram que um homem negro, de altura mediana e vestindo um terno preto com uma camisa imaculadamente branca, aproximou-se e chamou por ele, abrindo as portas do Chrysler 300 à distância, com seu controle.

Kingsley! Vamos, entre no carro! Vou tirá-lo daqui!

 

Shacklebolt entrou no carro e abaixou-se. Os dois saíram do cassino e rumaram para o centro de Dubai.

Vou levá-lo a um local onde tenho uma Chave de Portal escondida. Você deverá fazer várias escalas, para evitar rastreamento.

—E para onde irei?

—No final, você saberá e estará em segurança, entre amigos.

 

Então, todos viram que o motorista tinha a cara do ator Martin Lawrence.

 

—Considerando que Martin Lawrence é trouxa... _ disse Hermione

—... Aquele lá só pode ser uma pessoa. _ concluiu Lupin.

—Exatamente. _ disse Harry _ Com certeza é “π”, pois ela gosta de transfigurar-se em personalidades do meio artístico.

—E “π” me levou a um esconderijo, no qual tomei a primeira de uma série de Chaves de Portal. De Dubai, fui para Vladivostok, Camberra, Belo Horizonte, Zanzibar, São Francisco, Vancouver, Amambaí, Tóquio, Curitiba e, finalmente, em Galatz, na Bulgária. O interessante é que, em cada escala, havia um enigma a ser resolvido e que parecia ter sido feito exclusivamente para mim. Creio que era um meio de aumentar a segurança, evitando que outra pessoa pudesse encontrar a Chave seguinte.

—Então, a última chave deixou você na Bulgária. E como você foi parar na Romênia? _ perguntou Claudiomir.

—Outro dos enigmas de “π”, Claudiomir. Em Galatz, no local onde apareci, havia um pequeno cartaz em uma parede próxima, onde estava escrito, em búlgaro, “Сега зависи от вас”, “Sega zavisi ot vas”, “Agora é com você” e havia o desenho de um filhote de dragão em um berço. A mensagem queria dizer que eu já poderia desaparatar para o destino final e foi quando compreendi que as escalas com Chaves de Portal também tinham a finalidade de me ajudar a conservar energia para desaparatar, pois eu ainda estava bem debilitado pelas drogas que aquele maníaco do Adams usou em mim. Então, comecei a raciocinar. Não poderia ser para a Alemanha, pois Drachenschlaft é “Onde repousa o dragão”, mas não o seu berço. Teria de ser o lugar onde nasce o dragão. Pensei que, talvez, fosse a colônia de dragões dirigida por Carlinhos Weasley, na Romênia, mas ainda achava que não seria bem aquilo. Então, ainda raciocinando com a Romênia, comecei a extrapolar: “Dragão”... “Draco”... “Dracul”... “Draculea”, a Ordem do Dragão. Então, associando “Draculea” e “Dracul”, pensei no filho dele.

—Vlad Tepes, o Drácula. _ disse Dumbledore _ O Filho do Príncipe Dracul, membro da Ordem do Dragão, assim como o pai.

—Exatamente. _ concordou Shacklebolt _ E, se o Dragão era Drácula, obviamente seu berço somente poderia ser...

—... Sua cidade natal, Sighisoara. _ comentou Gina.

—E foi quando me lembrei de que Viktor Krum e sua família residiam em Sighisoara. Calculei minha aparatação para o ponto mais próximo da entrada da chácara dos Krum, que eu sabia ficar em um beco, perto da Strada Tarnavei. Como somos todos membros da Ordem da Fênix, munha entrada foi autorizada e não soou nenhum alarme. Então, caminhei em direção à casa, mas não consegui chegar, aquela aparatação havia consumido muito da minha minguada energia. Desmaiei, bem em frente à estufa, somente despertando quando Elisabeta me encontrou e chamou por Viktor.

—Ele dorrmiu porr trrês dias, mas rrapidamente começou a rrecuperrar-se. Logo estafa mais forrte e pôde nos contarr o que aqueles bandidos fizerram com ele. Ontem ele já estafa em condições de fiajarr e então eu o trrouxe parra Hogwarrts, pois sabia que focês irriam querrer fê-lo. _ disse Viktor Krum, com seu sotaque carregado.

—Já sabe que substituíram você por uma cópia e que ela está espionando, tentando obter informações, não sabe? _ perguntou Pendergast, que era o outro estranho.

—Sim, já sei. Prepararam um Doppelgänger para ocupar o meu lugar e ele parece estar fazendo isso muito bem. _ respondeu Shacklebolt.

—Mas como conseguiram alterar o registro do seu padrão de retina? É uma das diferenças entre um Doppelgänger e seu original. _ perguntou Gina.

—O terreno foi preparado com antecedência, Gina. Primeiro, substituíram Dara Mahoney, a Contadora que assessorava o Departamento Financeiro do Ministério. Sua substituta cumpria o expediente e, nesse meio tempo, acessava o arquivo de padrões de retina, substituindo o de Dara e o meu.

—E quem substituía Dara, Shacklebolt? _ perguntou Sirius.

—Mariana Lugoma, em pessoa. Dara ficava em casa, sob Maldição Imperius e, ao final do dia, implantavam memórias falsas de Mariana, para que ela pensasse que havia ido trabalhar. E, no final, quando já não precisavam mais dela...

—O que houve? _ perguntou Harry, vendo que Shacklebolt não conseguia continuar.

—Eles a mataram, Harry. Mataram Dara Mahoney, a mulher que eu amava. Provavelmente a própria Mariana deve tê-la assassinado, aquela psicopata. Ela me drogou e, antes de apagar com o sedativo que ela me injetou, a última coisa que vi foi o rosto de Dara, caída no chão, morta por uma Avada Kedavra. _ disse o bruxo careca, as lágrimas rolando pelo seu rosto.

—Então, você estava em Dubai? _ perguntou Claudiomir.

—Não propriamente no centro da cidade, mas em um dos municípios da Região Metropolitana. Antes eu estive na Tailândia, mais precisamente nas Ilhas Phi Phi. Foi o primeiro lugar para onde me levaram e foi lá que o tal Adams começou a “trabalhar” em mim. E notei algo de bem interessante, que nos leva a pensar que o Círculo Sombrio pretende voltar ao tráfico de heroína, embora mais discretamente. Depois eu falo.

Naquele momento, todos entenderam que ele precisava ficar a sós com Harry e Sirius. Quando somente os dois bruxos ficaram fazendo companhia a Shacklebolt, Harry olhou em volta e perguntou:

—O que mais você descobriu, Shacklebolt?

—Algumas outras coisas, Harry. Por exemplo, que “Escuridão” tem planos a serem realizados na Abkhazia.

—Acho que faço idéia, Kingsley. _ disse Sirius _ Antes de você e Viktor aparecerem pela lareira, Remus entregou a Harry uma carta que recebemos. Acho que é melhor abri-la.

Harry abriu a carta e viram que o texto estava criptografado, obedecendo a um código especial que os “Camaleões-Fantasmas” utilizavam e que, se alguém de fora tentasse decifrá-lo, a chave mudaria.

 

 

Amigos, ‘π’ me mandou uma mensagem e, no momento em que vocês estiverem lendo esta carta, já deverei estar chegando à Abkhazia, liderando um pelotão de Aurores, escolhidos pessoalmente por mim. Não falei nada, nem à Tonks e, principalmente, ao Shacklebolt, pois ‘π’ me avisou a tempo da substituição. Agora eu acredito que será preciso que ajamos em duas frentes: eu, aqui na Abkhazia, para impedir que “Escuridão” coloque suas garras no Velocino de Ouro e vocês, aí na Grã-Bretanha, para desmascararem aquele maldito Doppelgänger e sua cúmplice que, no momento, não é Mariana, pois ela está viajando com “Sombra” e “Escuridão”. O problema é que eles já sabem da fuga de Shacklebolt, por isso torço para que ele esteja com vocês, em segurança. Vamos dar mais uma marretada, para impedir esses golpes do Círculo. Boa sorte.

 

Banshee

 

—Com isso ficamos um pouco mais tranqüilos, pois sabemos que já há alguém do nosso pessoal no caso. _ disse Sirius _ E se é “Banshee”, a coisa fica melhor.

—E teremos grandes chances de impedir que “Escuridão” consiga pegar o Velocino de Ouro.

—Quem diria, o Velocino de Ouro._ comentou Shacklebolt _ Até para nós ele era considerado uma lenda. Eu ouvi “Escuridão” falar meio por alto sobre isso, dizendo que havia visto o mapa no Necronomicon.

—Novamente aquele livro. _ disse Sirius _ Ainda que Dumbledore nos tenha mostrado o que há nos volumes que estão conosco, eu temo pelo que possa haver naqueles que ainda estão em poder do Círculo.

—O que nos obriga, a mais do que nunca, tentar recuperá-los. “π” disse que nos ajudaria e até teve algum progresso, mas é difícil. Parece que “Escuridão” guarda aqueles volumes a sete chaves. _ comentou Harry.

—Principalmente depois que você recuperou aquele, lá em Mandalay, que nos permitiu localizar a Sétima Porta de Cronos, em Teotihuacan. _ disse Sirius.

—Ainda me lembro daquele combate, no meio das fissuras com vapores de enxofre, o Prof. Dumbledore com a perna esquerda fraturada... quase conseguimos pegar aquele maldito.

 

Como já não estavam mais comentando sobre os “Camaleões-Fantasmas”, Claudiomir foi chamado de volta.

 

 

Ainda há uma outra coisa que eu vi na Tailândia, enquanto era prisioneiro do Círculo. Eles estão, realmente, retornando ao tráfico de drogas. Ainda de forma meio incipiente, mas parece que pretendem aumentar. Principalmente porque estão fornecendo na Abkhazia. _ continuou Shacklebolt.

—Hmm, zonas de conflito são um prato cheio para aqueles abutres. E como foi que você descobriu? _ perguntou Harry.

—Choo-Pak estava com eles, Harry. Até almoçamos juntos.

—O cara é um demônio em forma de gente, já ouvi falar dele e de sua famosa crueldade. _ comentou Claudiomir _ Em um dos relatórios que o BOPE recebeu sobre atividades internacionais de tráfico constava que ele, para punir um delator, amarrou o sujeito perto de um formigueiro e besuntou o coitado com mel. Resultado: só sobraram os ossos do infeliz.

—Choo-Pak, aquele traficante tailandês, proprietário de campos de papoulas? _ perguntou Sirius _ O cara era concorrente do Círculo, até há pouco tempo atrás. O que será que aconteceu, para que ele resolvesse desligar-se de seus antigos associados e começar a trabalhar com o Círculo?

—Não faço idéia, mas era tudo o que eu precisava saber. Que horas serão agora? _ perguntou Harry para si mesmo, consultando o relógio _ Bom, são nove e meia da manhã. Significa que, na Tailândia, devem ser umas...

—... Três e meia da tarde, se é que ainda me lembro da diferença do fuso horário. _ disse Shacklebolt _ Mas por que você quer saber?

—Porque preciso ligar para uma certa pessoa. _ respondeu Harry, pegando seu celular tecnomagizado do bolso das vestes e fazendo uma ligação internacional, falando em russo com seu interlocutor _ “Добрый день, Царица. Как вы с тех пор встречались в последний раз? Послушайте, я не знаю, знаете ли вы о новостях, связанных с старым другом Choo-Pak. Да, сам, кто был помощником Сергея Каркарова в Одессе. Я знаю, что у вас есть средства быстро переехать в Британию, конечно, это не так, если бы вы этого не сделали. Есть некоторые знания, представляющие взаимный интерес, которые я хотел бы лично поделиться с вами. Нет, не считайте это обвинение за эту услугу, потому что дело так же важно для вас, как и для меня. Подумайте, как ... взаимовыгодная временная ассоциация, как вы думаете? Вы меня зовете? Красота. Так до тех пор” (“Boa tarde, Czarina. Tudo bem com você, desde a última vez em que nos vimos? Olhe, não sei se você já está sabendo das novidades envolvendo um velho amigo, Choo-Pak. Sim, ele mesmo, que era associado de Sergei Karkaroff, em Odessa. Sei que você tem meios para deslocar-se rapidamente até a Grã-Bretanha de maneira discreta, claro que não seria você, se não os tivesse. Há alguns conhecimentos de interesse mútuo, que gostaria de dividir pessoalmente com você. Não, não considere como uma cobrança daquele favor, pois o caso é tão importante para vocês, quanto para mim. Considere como... uma associação temporária mutuamente proveitosa, o que você acha? Você me liga? Beleza. Então, até lá.”).

—Com quem você estava falando, Harry? E por que perguntou sobre a diferença de fuso horário para a Tailândia? _ perguntou Shacklebolt.

—Com uma conhecida, que quer dar uma lição em Choo-Pak e que também não acharia nada mau prejudicar o Círculo Sombrio. Alguém totalmente independente.

—E por que você estava falando em russo? _ perguntou Sirius.

—Espere aí, Harry! _ exclamou Claudiomir _ Falando em russo com alguém que está na Tailândia... Não me diga que era em Roanapur?

—Exatamente naquela Tortuga contemporânea. _ respondeu Harry.

—Caracas! Você estava falando com...?

—... Com ela mesma.

—De onde você a conhece? _ Claudiomir estava estupefato com aquela revelação por parte de Harry _ Aquela loira bonitona maluca de cara queimada é a Czarina do crime no Sudeste Asiático! A líder do braço da Máfia Russa na região! Bem, está certo que a seção sob o comando dela jamais trabalhou diretamente com o tráfico, mas mantém a segurança das rotas. Na verdade, o tráfico na região fica por conta dos próprios tailandeses, sob a administração da Tríade Chinesa, de forma totalmente independente de seus países de origem e... ei! Acho que sei o que está acontecendo! Durante algum tempo, a “Krasnaya Mafiya” trabalhou em associação com o Círculo, mas rompeu com eles, pois “Escuridão” estava tirando sua autonomia.

—E Choo-Pak é dono de vários campos de papoulas, perto de Roanapur. _ disse Harry.

—Sim, ele é membro do Cartel de Roanapur e... Mas é claro! Se ele está fornecendo mercadoria ao Círculo, está quebrando o acordo entre as facções que dividem a cidade.

—E é um excelente pretexto para que a “Hotel Moscow” caia com tudo em cima dele.

—Você é maquiavélico, Harry. Às vezes consegue até mesmo ser pior do que eu seria. _ disse Claudiomir _ Mas de onde você conhece a Czarina do Crime de Roanapur?

—Lembram-se de quando detonei várias operações do Círculo Sombrio?

—Sim, foi quando Draco e Jan foram seqüestrados, naquele acidente com o Orient Express. _ disse Shacklebolt.

—Pois ela ficou sabendo daquilo que fiz no clube de Karkaroff, em Odessa.

—O “Crepúsculo Escarlate”? _ admirou-se Claudiomir _ Mas é claro! Foi você quem desmantelou aquela operação de tráfico de “Ecstasy” e contrabando de carros esporte de luxo, eu me lembro!

—Fui eu mesmo, logo antes de ir para o Rio de Janeiro e subir o morro, com você e Nogata. Depois daquilo, acabamos combatendo contra o Círculo no México e retornamos para a Inglaterra. Alguns dias depois de termos tido alta do St. Mungus, fui procurado por uns russos grandalhões, que disseram que sua chefe queria falar comigo. Como não senti perigo, apesar do tamanho dos caras, eu os acompanhei e fiquei conhecendo a Czarina. Ela me disse que eu havia poupado um grande trabalho à Organizascja, ao destruir o clube de Karkaroff. A Máfia Russa e o Círculo Sombrio estavam cancelando seus negócios conjuntos, porque aquele falso chinês estava cada vez mais sufocando os grupos e aquilo desagradava às lideranças. Eles estavam prestes a fazerem o que eu já havia feito e a Czarina me disse que estava me devendo um favor. Anteriormente, quando queimei os campos do Círculo em Mandalay, eu fiquei sabendo que Choo-Pak plantava papoulas e produzia ópio na Tailândia, sendo parte dos cartéis de Roanapur.

—E, com isso, subordinado às regras deles. Só que, quando “Escuridão” acenou com uma proposta mais vantajosa, ele não deve ter hesitado nem um instante em fazer jogo duplo e, depois, associar-se ao Círculo, mesmo mantendo seus campos em Roanapur. _ disse Shacklebolt _ Assim ele angariou o ódio da “Hotel Moscow”, juntamente com o dos outros grupos.

—A gota dágua foi quando a Czarina descobriu que não era somente “Ecstasy” que Karkaroff traficava no “Crepúsculo Escarlate”. _ disse Harry.

—Permitam-me adivinhar. _ arriscou Sirius _ Por acaso não seria heroína, refinada a partir do ópio dos campos de Choo-Pak?

—Exatamente. _ confirmou Harry _ E a partir daí, ela me disse que quando eu precisasse, poderia entrar em contato com ela e seu grupo. Bem, agora parece que a ocasião chegou e, como eu disse, não é uma cobrança de favor, mas uma associação temporária mutuamente proveitosa. As facções de Roanapur agora têm motivos para arrasarem com os campos de Choo-Pak e nós privaremos o Círculo Sombrio de um forte aliado.

—Está perdendo os pudores e aliando-se, ainda que temporariamente, a uma criminosa, Harry? _ brincou Claudiomir.

—De todos os que já conheci, a Czarina é um dos menos piores, Claudiomir. Seu grupo não trabalha com drogas, limitando-se a proteger as rotas de transporte, por uma boa porcentagem, é claro. Pelo que eu soube, a atual especialidade da “Hotel Moscow” é espionagem industrial e tráfico de informações. E eu cheguei à conclusão que, de vez em quando, pode ser preciso meio que “dançar uma valsa com o demônio”.

—Tipo “pode ser um bandido mas, se é inimigo do meu inimigo, então é meu amigo”? _ perguntou Claudiomir.

—Mais ou menos isso. Talvez seja alguma coisa parecida, porém podemos dizer que seria mais assim do tipo “aliar-se temporariamente a um mal para combater um mal ainda maior”. _ respondeu Harry _ E eu acho que a situação exige, sim, que percamos alguns pudores, a fim de derrotarmos o Círculo. Se, depois de darmos um jeito naqueles imundos, a Bratva tornar-se nossa inimiga, bem, aí será outra história e nós os enfrentaremos.

—Soube que ela era Capitão dos Spetsnaz, a mais jovem a atingir tal posto, ainda com vinte anos, veterana do Afeganistão e que foi transferida compulsoriamente para a reserva. _ disse Sirius _ E sob circunstâncias bem estranhas.

—Não, nada de mais. _ disse Harry, marotamente _ Ela só colocou no hospital, por uma semana, o Coronel que era seu superior, depois dele ter aberto uma sindicância, devido a ela haver desobedecido uma ordem.

—E qual foi? _ perguntou Shacklebolt.

—Pelas informações que tive, ele mandou que ela atacasse uma aldeia neutra e abandonasse companheiros feridos de sua unidade, durante uma dificílima situação de combate. Ela respondeu que combatia contra exércitos inimigos por ser militar e cumprir ordens, mas que não exterminaria civis que não estivessem apoiando o inimigo. Então recusou-se a atacar a aldeia, defendeu-a, combateu os inimigos que também queriam destruí-la, derrotando-os e levou TODOS os membros de sua unidade de volta. Foi lá que ela ganhou as queimaduras e, quando o Coronel abriu a sindicância, ela o cobriu de porradas e ele acabou ficando internado por uma semana. Em protesto contra a atitude do Coronel, TODOS os integrantes de sua unidade pediram demissão ou transferência para a reserva. Atualmente, formam a espinha dorsal da “Hotel Moscow”. _ disse Claudiomir, lembrando-se do que vira nos arquivos do BOPE. _ Mas ela deve estar com mais de cinqüenta anos, Harry! E o mais estranho é que ela não parece ter nem mesmo quarenta.

—Bem, pelo que dizem as informações recebidas, parece que ela, depois de ser transferida compulsoriamente para a reserva, permaneceu incógnita no Afeganistão por algumas semanas, antes da retirada das tropas russas e foi procurada por um Mudjahedin daquela aldeia, que descobriu o que ela havia feito com o Coronel, o qual era conhecido por sua crueldade para com os civis afegãos. Em troca de algum dinheiro, ele passou para ela um container que havia ficado escondido nas cavernas afegãs desde 1919, na época da III Guerra Anglo-Afegã, e que pertencera a um estrangeiro, que passou anos atuando como um conselheiro do rei Amanullah Khan. _ disse Harry _ Um sujeito de sotaque germânico e olhos azuis...

—Adolf Gellert Grindelwald? _ arriscou Sirius.

—Exatamente, Sirius. Depois da I Guerra Mundial, Grindelwald andou pelo mundo e descobrimos que ele esteve no Afeganistão. Depois de agosto de 1919, quando o tratado de paz com a Inglaterra foi assinado e a autonomia afegã foi reconhecida, Grindelwald teve de sair às pressas, pois havia sido reconhecido. Com aquilo, teve de deixar para trás muitas de suas coisas, inclusive o tal container, repleto de...

—... “Elixir vitae”? _ arriscou Claudiomir, que associara as coisas, ao ouvir o nome de Grindelwald, sobre quem aprendera nos Assuntos Bruxos do BOPE.

—Sim. E ela o toma periodicamente, em pequenas quantidades, ainda tendo bastante em reserva. Do jeito que ela faz, a pessoa não fica permanentemente jovem, como se tomasse sempre, assim como Flamel e Perenelle faziam, mas o envelhecimento retarda-se.

—Harry, se você vai jantar com ela, eu sugiro que escolham ir ao Ritz. Será mais apropriado. _ disse Shacklebolt.

—Por que?

—Porque o Mâitre é bruxo e guarda uma Penseira nos fundos do restaurante. Você pode precisar disto aqui. _ disse Shacklebolt, tocando a têmpora com a varinha e extraindo um fio prateado de memória, logo guardado em um frasco, conjurado por Sirius _ Vai ajudar a confirmar a veracidade das informações que você vai dar a ela.

—Vocês, bruxos, não param de me surpreender. _ disse Claudiomir.

—Para mim também foi um conhecimento recente, soube disso há uns dois meses atrás, por um dos empregados da plantação de Choo-Pak, que fugiu porque descobriram que ele espionava para nós. _ disse Harry _ Agora é só aguardar o contato dela...

—... E explicar para a Gina por que é que você vai para Londres, jantar com uma loira bonitona. _ disse Sirius, com ar gozador, enquanto Harry ficava branco e ouvia, mentalmente, a voz furiosa da esposa, através do elo telepático.

Me explica direitinho essa história de jantar com uma loira em Londres, Harry!— o grito telepático de Gina quase fez Harry dar um pulo.

— “Calma, pequena leoa, te explico tudo pessoalmente, assim que te encontrar. Mas já lhe adianto que é trabalho.” _ respondeu ele.

Acho bom mesmo, vassoura despenteada dos infernos! E, se a explicação não me convencer, você vai jantar com ela sim, mas sem uma parte muuuiiito importante do seu corpo!

 

—Bem, acho que é melhor deixarmos Shacklebolt descansar um pouco mais. Assim que ele sair daqui, vamos planejar como iremos dar um jeito no Doppelgänger, OK, gente? _ indagou Harry, transpirando incomodamente. Ao sair da enfermaria, correu na direção do Gabinete da Chefia do Hospital Escolar, onde Gina esperava por ele. A ruiva parecia querer briga, Harry percebendo que a varinha da esposa estava, perigosamente, ao alcance da mão dela.

—Tá certo, Gina, primeiro me deixe explicar. Depois, me enfeitice ou faça o que bem entender. _ disse Harry, delicadamente tirando a varinha de perto da esposa.

—Então, explique. _ disse Gina, de forma inquisidora.

—Temos a oportunidade de dar mais um golpe fundo no Círculo Sombrio, com a ajuda dessa tal loira e seu grupo.

—Grupo? Mas você não iria jantar com ela?

—Ah, sim. Vai ser algo íntimo, só eu, ela e creio que meia dúzia de guarda-costas, cada um deles maior do que eu.

—Que mulher é essa, Harry?

—Uma chefona da Bratva, que me deve um favor.

—Máfia Russa? Te deve um favor? Como foi que você ficou conhecendo esse pessoal, Harry?

—Foi quando destruí o clube de Karkaroff, em Odessa. A Bratva estava rompendo com o Círculo e eu acabei poupando esforços deles. Agora, eles vão tirar de circulação um cara que os traiu e está associado ao Círculo. Isso vai ajudar tanto a eles quanto a nós e é por isso que precisarei ter esse encontro com ela.

—E pensar que eu pedi para que você parasse de se arriscar, depois daquele combate em Teotihuacan... _ disse Gina, com um suspiro _ E, para variar, tem de ser você mesmo, não é, Harry?

—É que isso é algo que somente eu posso fazer. Ela confia apenas em mim e em ninguém mais. Agora, ficarei aguardando a ligação dela, que não deverá tardar. O Prof. Lupin já se ofereceu para me substituir por uns dois dias, tempo mais do que suficiente para que planejemos como tirar Choo-Pak de circulação. E eu acho que deve ser ela, ligando para mim. _ disse Harry, ao ouvir o toque de seu telefone _ “Это ты, царица? Что? Уже в Лондоне? Боже мой, с чем ты путешествуешь? F-117 Stealth? Я? Ну, я даже не собираюсь спрашивать, как у тебя такая вещь в твоем ангаре. Итак, сегодня вечером у Ритца? Хорошо, я буду там. До свидания, царица” (“É você, Czarina? O quê? Já está em Londres? Meu Deus, com o que é que você viaja? Um F-117 Stealth? Acertei? Bem, eu nem vou perguntar como é que você tem uma coisa dessas no seu hangar. Então, hoje à noite, no Ritz? OK, estarei lá. Até logo, Czarina”). Bem, parece que ela já chegou. Vou até Hogsmeade, pegar a Infiniti e desaparatar com ela para Londres.

—Tome cuidado, Harry. _ disse Gina _ Não vejo com bons olhos essa história de você envolver-se com esses bandidos da Máfia Russa.

—Não se preocupe, Gina. _ disse Harry, dando um beijo na esposa e saindo pela porta _ Se pudermos podar mais um galho do Círculo Sombrio já será um grande lucro.

 

 

Mansão Malfoy, Wiltshire.

 

Draco havia acordado naquela madrugada um pouco pior do que nos outros dias. Tivera outro terrível pesadelo, cujo final acabava sempre sendo o mesmo. Quando “Escuridão” revelava sua verdadeira face, o loiro acordava e não conseguia mais lembrar-se de como ela era. Mas, daquela vez, o resultado havia sido mais dramático pois, ao despertar, Draco viu que havia aberto um buraco na parede com um soco (“Caracas! Preciso tomar cuidado ou posso acabar machucando alguém. Ainda bem que a Jan está em Hogwarts”, pensou ele).

— “Reparo”. _ disse Draco, pegando a varinha e consertando o estrago que havia feito. Decidiu descer para o Centro de Treinamento, a fim de extravasar um pouco a adrenalina. Aquilo estava adiantando para acalmá-lo, ele só ainda não sabia até quando.

Vestido com o traje Ninja, Draco Malfoy aqueceu-se e iniciou uma sessão de treinamento puxadíssima, enfrentando vários manequins animados e utilizando o Bukujutsu, para correr pelas paredes e pelo teto, desviando-se de armas e armadilhas ocultas. Ao término da sessão, o Bruxo-Ninja estava coberto de suor, com alguns arranhões, logo eliminados com pequenos Feitiços de Cura e mais tranqüilo. Naquele momento, Derek Mason entrou na sala, com Marilise.

—Bom dia, Draco. Vejo que resolveu treinar cedo, hein?

—Perdi o sono, Prof. Mason. Esta noite não foi das melhores.

—Outro pesadelo, Draco? _ Marilise perguntou ao genro.

—Sim, Marilise. E este foi pior do que de costume.

—Ouvimos um barulho, agora há pouco. O que foi? _ perguntou Mason.

Antes de despertar, acabei abrindo um buraco na parede, com um soco. Mas já consertei. O que me preocupa é que posso acabar ferindo alguém, sem querer.

—O que você está pensando em fazer? _ perguntou Marilise.

—Eu e Jan estivemos conversando sobre isso, creio que irei passar um tempo no Spa dos tios de Luna, lá em Gramado. Eles combinam tratamentos bruxos e trouxas, então talvez consigam encontrar um jeito de neutralizar esses malditos pesadelos, embora eu acredite que será difícil. Ninguém me tira da cabeça que “Escuridão” encontrou um jeito de acessar meu subconsciente, quando estou dormindo, para provocá-los, creio que com alguma coisa do Necronomicon. Mas, antes disso, vou dar uma passada no St. Mungus e conversar com algum Medi-Bruxo Psiquiatra.

—Espero que encontrem uma solução, Draco. _ disse Mason.

—E eu acho melhor me licenciar da administração das Empresas Malfoy, por algum tempo. Sei que posso ficar tranqüilo, deixando o controle de tudo nas mãos de vocês dois. Inclusive, creio que vou fazer uma visita-surpresa a Hogwarts, depois de me consultar no St. Mungus. Bem, vou me alongar e tomar um banho. Ziggy, poderia vir aqui, por favor?

—Pronto, mestre Draco Malfoy. O que deseja?

—Nada de muito complicado, só bagagem para uns três dias em Hogwarts.

—Sim, senhor. Logo estará pronta.

—Obrigado, Ziggy. _ e o elfo retirou-se, com uma reverência.

—Ele gosta muito de você, Draco. _ comentou Marilise.

—Era o único em quem eu podia confiar totalmente, quando criança. Foi ele quem percebeu que eu jamais me entregaria às Trevas.

—Vai voltar aqui, antes de ir a Hogwarts? _ perguntou Marilise.

—Não, creio que irei diretamente do St. Mungus para Hogsmeade. São sete e meia, tenho tempo para me consultar e desaparatar para a Plataforma 9 ½. Bem, vou tomar um banho e ir para Londres. Até mais.

—Espero que faça uma boa viagem, Draco. _ disse Mason.

—E que consiga resolver os problemas com esses pesadelos. _ disse Marilise.

—Creio que encontraremos uma solução. _ disse Draco, terminando seu alongamento e subindo, para tomar um banho. Cerca de meia hora depois, o loiro desaparatava para Londres, levando sua bagagem.

 

 

Abkhazia, noite anterior.

 

O Vultura manteve-se ao largo, enquanto vários lanchões desembarcavam, repletos de artigos de contrabando, desde drogas até perfumes franceses, a fim de serem levados aos pontos de distribuição. No pequeno ancoradouro, localizado próximo ao Resort de Pitsunda, uma lanterna acendeu-se várias vezes, conforme o código combinado, em resposta ao sinal do lanchão-capitânea, no qual encontravam-se Mariana, “Sombra” e “Escuridão”, supervisionando pessoalmente o desembarque das mercadorias mas, na realidade, seguindo outros planos.

—Senhor, os caminhões estão todos prontos. _ disse Krasjunov, um Bielo-Russo alto e com uma prótese de aço na mandíbula, que justificava seu apelido, Сківіцы сталь (“skivicy staĺ”, “Mandíbula de Aço”). Era o chefe da parte terrestre da distribuição do contrabando do Círculo Sombrio na Abkhazia.

—Perfeito, Krasjunov. Você coordenará o transporte para Sukhumi e a posterior dispersão da mercadoria, como sempre. Podem carregar os caminhões de 3 a 7.

—E os caminhões 1 e 2, “Escuridão”? _ perguntou Krasjunov.

—Serão utilizados em uma outra missão, cujo comando eu assumi, pessoalmente. Iremos para o Norte, rumo à região mais montanhosa, nas proximidades de Kvemo-Kolkhida, mais precisamente a um grupo de cavernas.

—O senhor quer dizer, as lendárias Cavernas dos Ventos Cortantes? As tais que dariam acesso ao Pomar de Ares?

—Conheces as lendas, Krasjunov? _ perguntou Mariana.

—Não há um que more por aqui que não as conheça, Srta. Lugoma. Muitos acreditam que Medéia, quando abandonou Jasão, trouxe o Velocino de volta para o seu lugar de origem. Todos os que sabem que o antigo nome da Abkhazia era “Cólquida” conhecem as histórias. E alguns aventuraram-se a procurar pelas cavernas.

—E fracassaram por não conseguirem encontrá-lo? _ perguntou “Sombra”.

—Não, “Sombra”. _ respondeu Krasjunov _ Jamais retornaram. Mas, como sei que são bruxos, devem possuir algum conhecimento que eles não possuíam. Assim sendo, desejo-lhes boa sorte na missão, Chefes.

E Krasjunov pediu licença, retirou-se e assmiu o comando da coluna de caminhões, rumo a Sukhumi. Antes, porém, avisou os líderes.

—Recebemos informações de que patrulhas da Geórgia ocuparam Gagra e estabeleceram um perímetro, perto de Kvemo-Kolkhida. Procurem evitar as estradas principais, nas proximidades da cidade. Até mais.

 

Os caminhões de Krasjunov deslocaram-se para Sudeste, em direção a Sukhmi, enquanto os que transportavam os líderes e parte dos elementos do Círculo Sombrio, fortemente armados com varinhas e armas de fogo trouxas, seguiram para o Norte, rumo a Kvemo-Kolkhida. Depois de cruzarem o rio Bzyb’, saíram da estrada principal, rumo às montanhas. “Escuridão” conferiu a localização no mapa, alinhado com a varinha, que executava o Feitiço dos Quatro Pontos. Então, ordenou que os caminhões parassem perto de uma clareira, para a qual foram levados e escondidos, com ramos e redes de camuflagem. Então, o bruxo conferiu os efetivos. Eram ao todo vinte elementos, todos usando suéteres pretos de gola olímpica, calças camufladas, coturnos e toucas de lã pretas. Todos eles, sem exceção, portavam alguma arma de fogo, mesmo os bruxos. Pistolas 9 mm na cintura, submetralhadoras FN P-90 e sólidas facas de combate, constituíam seu arsenal. Porém, o mais importante, estava nas mãos de “Escuridão”.

 

O volume do Necronomicon, que mostrava como neutralizar as armadilhas das Cavernas dos Ventos Cortantes, atravessando-as com segurança, até chegarem ao Pomar de Ares, onde o Velocino aguardava por eles, pelo menos era o que o líder do Círculo Sombrio esperava.

 

Só que ele não contava com uma coisa.

 

Rony Weasley, o “Camaleão-Fantasma” de codinome “Banshee”, seguia-os de perto, liderando um grupo de quinze experientes Aurores, todos eles experts em Ninjutsu-Bruxo e escolhidos pessoalmente por ele, a fim de evitar a possibilidade de haver um traidor. Todos estavam com o Ki rebaixado e camuflados com Feitiços de Desilusão, igualmente armados com varinhas e armas de fogo trouxas e trajando uniformes adequados a uma operação em florestas temperadas, com a diferença de que seus trajes eram totalmente pretos.

 

Depois de progredirem pela floresta, sem perceberem que “Banshee” e seu grupo estavam a segui-los, os membros do Círculo Sombrio depararam-se com uma escarpa que bloqueava seu caminho. Estudando o mapa, “Escuridão” localizou o ponto em que encontrava-se a entrada para as Cavernas dos Ventos Cortantes, de onde os pretensos exploradores que anteriormente buscaram o Velocino de Ouro jamais retornaram.

—Sim, ali está a entrada das cavernas. _ disse “Escuridão” _ Agora, só temos de passar por ela da maneira correta... Perkins! Volte, cara! Não seja precipitado! Você não sabe como passar...

Mas já era tarde. Perkins havia passado pela entrada da caverna e, após um curto silêncio, ouviu-se um zunido, seguido de um grito e do som de algo semelhante a um côco quicando pelo chão. A cabeça do incauto Perkins acabara de sair pela boca da caverna e parara de rolar, bem aos pés de “Sombra”.

—Eu bem que o avisei. A precipitação de Perkins foi a causa de sua morte. De agora em diante, obedeçam à risca as minhas ordens, se não quiserem ter um fim igual ao dele, entenderam? _ questionou “Escuridão”, olhando firme para todos, que acenavam com as cabeças, concordando com seu líder _ Bem, vejamos o que temos aqui no Necronomicon. O texto diz que “O orgulho e a altivez do homem serão sua ruína”. Isso significa que deveremos passar ajoelhados ou agachados, pois o homem orgulhoso e altivo não se curva. Deve haver alguma coisa que corta a cabeça de quem passa ereto pela caverna. Vamos!

 

Todos agacharam-se e começaram a passar pela caverna. Com efeito, viram os restos dos esqueletos daqueles que aventuraram-se pelas cavernas antes deles e, mais adiante, o corpo decapitado de Perkins. Naquele momento, ouviram zunidos metálicos e sentiram o deslocamento de ar provocado por alguma coisa que passava, acima deles. Ao passarem. Viram que haviam várias lâminas que passavam pelo túnel, bem na altura do pescoço de um homem de estatura mediana. Quando estavam seguros, ao final do túnel, todos levantaram-se.

—Viram porque devem me obedecer? Não se precipitem, ou voltarão para casa dentro de sacos pretos, entenderam?! _ gritou “Escuridão” _ Eu não posso me dar ao luxo de perder homens do meu grupo mas, nem por isso, vou relevar a estupidez de ninguém!

Os elementos do grupo, agora desfalcado de um homem, concordaram e comprometeram-se a obedecerem à risca todas as ordens. Continuando a estudar o mapa, “Escuridão” identificou a armadilha seguinte.

—Teremos de enfrentar um gigante, na forma de um Minotauro de bronze. Só existe um jeito de derrotá-lo, que é abrindo uma tampa no seu calcanhar esquerdo, que dará vazão ao líquido fervente que o alimenta. Ele ficará vazio e cairá. Vejam se não ficam na frente da tampa ou morrerão queimados, entendido?

—Sim, senhor! _ responderam os bandidos.

 

Com efeito, passos foram ouvidos e, por outro túnel, surgiu um gigantesco Minotauro de bronze, que tentava pegar os elementos do Círculo, logrando seu intento ao agarrar Smithers, um marinheiro que havia tropeçado. Enquanto ouviam os gritos do companheiro que estava tendo seus ossos esmagados, os outros aproximaram-se dos pés do gigante e forçaram a tampa existente no seu calcanhar esquerdo e, quando ela abriu-se, procuraram ficar longe do fluxo de líquido fervente, semelhante a um grosso óleo, que logo esvaziou o gigante, forçando sua queda.

—Menos outro obstáculo. _ disse Mariana _ O problema é que perdemos outro homem.

—Um acidente, minha querida. Ele não teve culpa, ao contrário de Perkins, que foi vítima de sua própria estupidez e afobação. Bem, pelo que vejo aqui, não mais teremos de nos preocupar com as Harpias, pois elas foram todas destruídas pelos filhos de Bóreas. Creio que nosso obstáculo seguinte serão...

—Esqueletos animados? _ perguntou “Sombra”.

—Como é que você sabe?

—Além de você nos ter contado a lenda dos Argonautas, eles estão vindo aí.

 

Um grupo de cerca de cem esqueletos animados, armados com espadas e guarnecidos por grandes escudos redondos, típicos da Era Mitológica, avançava em direção ao grupo do Círculo Sombrio. Apontando suas FN P-90, os bandidos dispararam mas, mesmo atingidos pelas balas de 9 mm, as criaturas fantasmagóricas continuavam a marchar, brandindo suas espadas.

—E agora, “Escuridão”? _ perguntou Mariana.

—Bem, Jasão fez com que os Guerreiros-Esqueletos lutassem entre si atirando pedras entre eles. Eu pretendo ser mais prático. Na Era Mitológica, utilizavam o Fogo Grego em batalhas, bolas de piche inflamadas. Mas eu tenho algo melhor, que era conhecido na época como “Fogo Divino”. _ e “Escuridão” tirou os pinos de duas granadas, lançando-as entre os guerreiros _ Rápido, façam o mesmo!

 

Os outros repetiram o gesto de “Escuridão” e, imediatamente, o bando de esqueletos começou a arder em chamas, até restarem apenas cinzas.

—Eu soube que, quando Lord Voldemort foi derrotado em Avalon, Draco Malfoy utilizou algo parecido para destruir um bando de Inferi. Isto são granadas de Termita, magicamente potencializadas. O fósforo arde até consumir-se totalmente. Dos alvos, não sobra praticamente nada.

—Excelente, querido. _ disse Mariana _ Então, só nos resta chegarmos ao Pomar de Ares.

—E já estamos chegando. _ comentou “Sombra” _ Até mesmo a vegetação é diferente, vejam.

 

Ao atravessarem o último túnel, depararam-se com um lindíssimo pomar, repleto de árvores frutíferas típicas de vários países, não só dos temperados. As cerejeiras, macieiras, ameixeiras, pés de damasco e laranjeiras dividiam espaço com bananeiras, coqueiros e mangueiras dos trópicos, todas as árvores vergadas ao peso de frutas de primeira qualidade, como não seria possível encontrar em fruteira alguma do mundo.

—Realmente, “Olímpicas”. _ comentou “Escuridão” _ E ali está o nosso objetivo. Tratem de falar baixo, a partir de agora.

No centro do pomar, um magnífico carvalho erguia-se, como um rei entre seus súditos, afastado das demais árvores, deixando ver, dependurado em um dos seus galhos mais baixos, uma faiscante peça dourada, um grande pelego de carneiro, cuja lã era de puríssimo ouro (“Claro que Chrysomalós teria de ser um carneiro bastante grande, do contrário Frixo e Hele não teriam espaço em seu dorso e nem ele teria forças para carregá-los”, pensou o bruxo).

—Acho que sei porque você nos disse para falarmos baixo, “Escuridão”. _ sussurrou “Sombra” _ Só por que não vimos o dragão...

—... Não quer dizer que ele não esteja vivo e nem que ele não possa estar por aí. _ sussurrou “Escuridão”, de volta para “Sombra” _ Em uma hora como esta eu gostaria de ser Carlinhos Weasley, com toda a experiência que ele tem com dragões. Ele certamente saberia o que fazer com esse maldito dragão que nunca dorme.

 

—Acontece que Carlinhos Weasley é um só, seu bruxo do mal! E ele sou eu!

 

Ao ouvirem aquelas palavras, ditas com voz firme, os bruxos do Círculo Sombrio voltaram-se para o lado de onde elas vieram. E ficaram de queixo caído com o que viram.

 

Montado no dragão que era a sentinela do Velocino de Ouro, um descendente do primeiro (mesmo os dragões não chegavam a viver milhares de anos), estava Carlinhos Weasley, que fazia parte do pelotão liderado por “Banshee”, cujos membros desfizeram seus Feitiços de Desilusão e apontaram para os bandidos suas varinhas e submetralhadoras trouxas ultracompactas PP-2000 de fabricação russa, bastante eficientes e de grande impacto visual.

 

—Malditos! Como foi que chegaram até aqui? _ perguntou “Escuridão”.

—Fizemos aquilo que, normalmente, vocês vilões costumam fazer. Deixamos que vocês desvendassem os enigmas, ultrapassassem as armadilhas e só tivemos de segui-los, sem fazermos besteiras ou seja, deixamos que vocês fizessem o trabalho pesado e corressem os riscos. _ disse “Banshee”, com um sorriso _ “Banshee” agradece.

—Só podia ser você, maldito “Camaleão-Fantasma”! Mas eu não chegeu até aqui para desistir e lhe dar o Velocino de Ouro de mão-beijada! Acabem com eles!

 

Teve início um combate aproximado entre o grupo de “Banshee” e os bandidos do Círculo, envolvendo feitiços e balas. Todos trataram de abrigar-se, pois ninguém estava para brincadeiras.

 

—O primeiro que eu pegarei será você, maldito Carlinhos Weasley! Vá juntar-se aos seus ancestrais. AVADA KEDAVRA!!!— “Escuridão” disparou uma Maldição da Morte na direção do especialista em dragões, que saltou para o lado e para trás, fora do raio de ação do feitiço. O atingido foi o dragão, que certamente não morreria com aquilo, só ficaria doente. O que “Escuridão” não esperava era que o dragão, antes de desmaiar, cuspisse um jorro de chamas que, se o líder do Círculo Sombrio não se protegesse atrás de uma rocha, iria carbonizá-lo.

Aproveitando-se daquilo, “Banshee” correu para o Velocino, agarrando-o e tirando-o do galho. O problema é que “Escuridão” também conseguiu segurar o pelego. Os dois envolveram-se em uma luta corporal, sem importarem-se com os outros. Bem, àquela altura, o combate estava equilibrado, tendo acabado a munição de ambos os lados, que também enfrentavam-se corpo-a-corpo ou com Feitiços de Combate.

Carlinhos acabara de estuporar um adversário e preparava-se para descer seu avantajado punho na cabeça de outro, quando foi detido por um Feitiço “Morpheus”, disparado por “Sombra”. Porém foi o bastante para distrair “Banshee” um pouco.

WEASLEY!!— exclamou ele, preocupado com o irmão, porém sem poder revelar sua identidade. Naquele momento, “Escuridão” derrubou-o, com uma rasteira, encostando em sua cabeça o cano da pistola CZ-75 calibre 9 mm. Ambos agarravam o Velocino de Ouro, cada um com uma das mãos.

—Agora, “Banshee”, solte o pelego ou eu mato você.

—Vai usar uma arma trouxa, “Escuridão”? _ ironizou “Banshee”.

—Eu te mataria com uma pedrada, se fosse o que eu tivesse na mão. Torno a dizer: solte o pelego ou eu te mato. Posso estourar seus miolos com apenas um tiro, antes que você possa pensar em desviar-se. _ disse “Escuridão”, com uma incômoda sensação de cutucada, que atribuiu à irregularidade do terreno, sobre o qual os dois estavam estendidos.

—E eu posso explodir você com um feitiço Destructus não-verbal, “Escuridão”, a partir dos seus testículos. Afinal de contas, é para eles que minha varinha está apontada.

 

Naquele momento, “Escuridão” descobriu a razão daquela sensação de cutucada que sentia entre as pernas.

 

—Parece que estamos em um impasse, meu caro “Banshee”. _ disse o bruxo do mal.

—Com certeza, “Escuridão”. _ respondeu “Banshee” _ Nem eu e nem você estamos dispostos a abrir mão do Velocino de Ouro e nossos grupos não podem atacar um de nós sem perigo de atingir o outro.

—E o que é que você sugere?

—Na verdade, nada me vem à cabeça, no momento.

—Nem à minha. _ disse “Escuridão”.

 

Mas o impasse acabou sendo resolvido, de uma forma que nenhum dos dois grupos poderia esperar.

 

Um clarão e um estalo, vindos do alto, anunciaram a chegada de uma potentíssima descarga elétrica, com um detalhe totalmente inusitado: o raio ficou espetado no solo, como se fosse um galho seco luminoso, bem onde “Escuridão” e “Banshee” haviam estado. Os dois rolaram para o lado, afastando-se um pouco um do outro, porém ambos ainda segurando o Velocino de Ouro, para que o adversário não o pegasse.

Em seguida, um brilho ofuscante, como o do Sol, obrigou-os a soltarem o pelego, temporariamente, colocando óculos escuros, no que foram secundados por todos os outros, inclusive Carlinhos Weasley, que havia sido reanimado. O brilho era causado por uma coisa que descia do céu, como um pequeno cometa, aterrissando na clareira, bem ao pé do carvalho sagrado.

O brilho começou a diminuir e estabilizou-se, em uma intensidade na qual puderam tirar os óculos e ver o que era aquilo. Um veículo dourado, parecendo uma biga, puxado por dois cavalos que, sem exagero, eram flamejantes, encontrava-se à frente deles, tripulado por dois homens diferentes de tudo o que já haviam visto e que conversavam um com o outro, em Grego Arcaico, como se ninguém mais ali estivesse.

Eram diferentes um do outro, embora parecidos entre si. Sua estatura era de cerca de dois metros, corpos atléticos e bem proporcionados e poder-se-ia dizer que excediam os parâmetros humanos da beleza masculina. Um deles tinha cabelos pretos e pele bronzeada, como se tivesse passado grande parte de sua vida no deserto. Usava bigode e cavanhaque e sorria, embora seus vivos olhos castanho-escuros estivessem sempre alerta. Vestia uma túnica curta de seda vermelha, guarnecida por uma cintilante armadura prateada, cujo elmo ele segurava com uma das mãos e calçava sandálias com placas metálicas de proteção. Tinha uma sólida espada à cintura e um grande escudo redondo, genuíno modelo grego, repousava na biga, ao seu lado, junto a uma lança.

O outro era loiro e tinha um rosto de pele clara, que emoldurava um par de olhos profundamente azuis e brilhantes, que encimavam um nariz perfeito. Trajava uma túnica Xiton imaculadamente branca, de puríssimo linho com uma Chlamyde de lã, também branca, à volta dos ombros. Do seu cinto pendia uma espada curta e ele carregava uma lira. Calçava sandálias de cabedal com tiras, tudo em couro macio.

 

—Obrigado pela carona, mano. _ disse o moreno.

—Disponha. _ respondeu o loiro _ Afinal, eu estava com saudades de vir à Terra e ver como andam as coisas. Sem contar que, se usássemos sua quadriga, os mortais morreriam de susto ao verem seus cavalos resfolegarem fogo. Além disso, a festa lá no palácio logo iria ficar chata, pois o Tio Hades estava chegando.

—Ah, sim. Logo ele iria começar a reclamar das coisas no Inferno, que tudo estava ruim, que já não recebiam tantas sombras como antigamente, etc.

—Tio Hades é muito deprê. E sem motivo algum, meu irmão.

—Tem razão. Se eu fosse casado com uma mulher igual à Tia Perséfone, a última coisa que eu faria seria reclamar da minha sorte. _ comentou o moreno.

—Mas a Terra já não é mais a mesma dos velhos tempos. Na Era Mitológica as coisas eram mais simples. _ disse o loiro.

—Os mortais andam mesmo é acabando com ela. Pobre Gaia.

—Seus devotos também aprontam bastante, mano.

—Fazer o quê? Sempre gostaram de brigar.

—E andam cada vez piores.

—Os tempos mudam, meu irmão. Inclusive, nós já não interagimos tão freqüentemente com os mortais, quanto antes. Parece que eles não nos temem mais.

—Ou não precisam mais de nós. E de certo modo é bom. Lembra-se do que acontecia quando nosso pai resolvia passear pela Terra?

—Acho que ninguém nunca emprenhou tantas mulheres mortais como nosso pai. Ele dizia que elas eram mais interessantes do que as deusas.

—Pois é... Europa, Leda, Sêmele e outras. Transformar-se em touro, em peixe-espada, em chuva de ouro... Ele era bem criativo.

—Inclusive quando personificou o marido de uma, bastante bonita.

—Alcmena de Troezen. _ comentou o loiro _ Nosso pai aproveitou-se de uma viagem que Amphytrion fez e então o substituiu.

—O resultado foi nosso irmão, Herakles. E quando Amphytrion retornou, ficou furioso.

—Até que seus conselheiros disseram que só poderia ser assunto do pai dos deuses. Aí ele ficou na dele e criou o garoto como seu filho natural. E gostava bastante dele.

—Grande cara, Herakles. A minha mãe é que não gostava muito dele.

—Mas ela conformou-se e os dois acabaram reconciliando-se. Afinal de contas, depois de morrer ele só poderia ir para o Olimpo. Para conviverem pela eternidade, teriam de se entender.

—A minha mãe sempre conformou-se e reconciliou-se até mesmo com sua mãe, Leto. Os deuses são meio... insaciáveis.

—Haja visto você e Afrodite, não é, meu irmão? Ninguém se esquece da rede de diamante de Hefaistos.

—Não me lembre disso. _ disse o moreno, enrubescendo _ Aquilo foi, como dizem os mortais, “um mico” e de proporções olímpicas. Nós dois, dependurados ali, feito dois bacalhaus de peixaria, sob as vistas dos outros deuses. Mas Hefaistos pediu por aquilo, sempre foi indiferente, nunca tratou Afrodite como ela merecia e, por isso, ela supria suas carências com outros deuses e, segundo eu soube, até com mortais.

—O que parece ser característica de várias deusas. _ comentou o loiro, dando risada _ Até mesmo Athena, de quem a gente até chegou a pensar que não era chegada ao sexo oposto. Nada comprovado, é claro.

—Mas ela teve romances até mesmo com mortais, pelo que eu soube. Só que jamais consumou nenhum, para que nunca tivesse filhos e não precisasse abandonar as guerras pela justiça e viver uma vida doméstica. E ela os escolhia pela inteligência, é claro. Se o mundo soubesse dos que já foram namorados de Athena _ disse o moreno, após um assobio.

—Vejamos... Newton, no Século XVI, Mozart, no Século XVII...

—... Este último recebeu grandes talentos de sua parte, não é, mano?

—Sim, um gênio da música. E no Século XX foram três os principais. Einstein, Nash e Hawking.

—Provando que nossa irmã não estava nem aí para beleza física, preferindo o interior.

—Mas, voltando a Afrodite, vocês até tiveram filhos, mas nunca assumiram um relacionamento.

—Mano, Afrodite é linda, mas não é mulher para um só. Seu casamento com Hefaistos foi um castigo de nosso pai e, na verdade, meu verdadeiro tipo não é ela.

—E quem seria? Não vá me dizer que você ainda é apaixonado pela minha irmã gêmea?

—Sabe que eu sempre fui louco por Ártemis.

— “Louco” é a palavra mais certa. Ela nunca considerou você como nada mais do que um excelente companheiro de caçadas. Se você tentar forçá-la mais uma vez a violar seu voto de castidade, ela vai cumprir a promessa que fez, de dependurá-lo na escarpa mais alta do Olimpo, por “aquela parte” do seu corpo.

—Apolo, vamos mudar de assunto, sim? _ pediu Ares, sentindo um incômodo arrepio entre as pernas _ Acho melhor cuidarmos do que viemos fazer.

—Tem razão. _ disse Apolo, dando um tapinha nas costas do irmão, ambos finalmente parecendo perceber que havia mais gente por ali _ OK, mortais, passem o Velocino de Ouro para nós. Ele vai voltar conosco para o Olimpo.

—Eu não deveria ter concordado com Medéia, quando ela sugeriu que o Velocino voltasse para o Pomar. _ comentou Ares, com um suspiro _ Era certo que os mortais viriam atrás dele.

 

No mesmo momento, “Banshee” soltou a ponta do Velocino de Ouro que estava segurando.

—Podem levar. _ disse o Auror _ Eu acho que ele é precioso e talvez perigoso demais para ser propriedade de um mortal.

—Sábias palavras, jovem que oculta a verdadeira aparência e que tem seu nome inspirado em um espírito celta. _ disse Apolo, sorrindo.

—E se eu não concordar? _ perguntou “Escuridão”, ainda segurando o Velocino por uma ponta. “Banshee” viu aquilo e não ficou quieto.

—Bandido burro, solta esse pelego! Ainda não percebeu que a proporção da coisa aumentou, muito além do nosso alcance?

 

Ares aproximou-se de “Escuridão” e encarou o bandido, com chamas nos seus olhos.

 

—Escuta aqui, ô dos olhos verdes puxadinhos. Seu inimigo ali é muitas vezes mais esperto do que você, pois sabe quando não pode vencer uma batalha e olha que de batalha eu entendo. _ disse Ares, olhando fixamente para “Escuridão” _ Você é outro que disfarça a verdadeira aparência. Eu conheço toda a Terra, inclusive o Império do Meio e a Terra do Sol Nascente e você, me perdoem o trocadilho, não é oriental nem aqui nem na China. Passa o Velocino de Ouro de volta para seu verdadeiro dono ou vai ver que nem toda a tecnologia bélica desta época vai te salvar da ira do Deus da Guerra... ENTENDEU?!?!?!

 

—Pedindo desse jeito tão sutil, não tem como recusar. _ resmungou “Escuridão”, soltando o Velocino de Ouro, logo enrolado e sobraçado por Ares. A certa distância dali, Apolo segurava o riso. Mesmo com o potencial perigo da situação, “Banshee” e os Aurores também sentiam vontade de rir, vendo “Escuridão” ser ridicularizado pelo deus do Olimpo.

Dirigindo-se de volta para a biga, onde Apolo tinha lágrimas nos olhos de tanto rir, Ares parou e recolheu do chão uma das FN P-90.

—Bela lembrança, uma peça de armamento do Século XXI. Vai ficar linda na minha sala.

—Leve esta daqui, também. _ disse um dos Aurores, dando a Ares sua PP-2000.

—Obrigado, mortal. Nossa, mas como é pequena! E carrega a mesma... como é, “munição” das outras?

—Sim, embora seja fabricada em outro país.

—Outro país? _ repetiu Ares, vendo as inscrições _ Essas letras... parecem ser da terra das planícies de gelo.

—Rússia. _ disse Banshee _ Se não me engano, na Era Mitológica era conhecida como “Sarmácia”.

—Ah, sim, era mesmo. Bem, obrigado pela lembrança, mas eu e meu irmão temos de retornar. Atualmente nós não interagimos muito com os mortais, nem interferimos ou arbitramos suas disputas, limitando-nos a observar. Mas o Velocino já deveria estar de volta ao Olimpo há milhares de anos. Agora devolveremos vocês ao ponto de partida, no litoral deste país e não se preocupem, não apagaremos suas memórias.

—De certa forma entendo. _ disse “Banshee” _ será bom que lembremo-nos disso, como uma lição para o futuro.

—Isso mesmo. _ disse Apolo, juntando-se a eles _ Carreguem consigo a lembrança de que o que pertence aos deuses somente permanece em mãos dos mortais enquanto os deuses julgarem necessário.

—Sei que você vai acabar dando conhecimento do que houve aqui a Harry Potter, “Banshee”. _ disse “Escuridão” _ Mas seria melhor que ninguém dissesse uma palavra sobre isso.

—Não se preocupe, bruxo mau. Acha que alguém acreditaria, se contássemos? _ redargüiu “Banshee”.

—Basta que vocês saibam. _ disse Ares, concordando, enquanto Apolo recolhia o raio de Zeus que ainda estava fincado no solo, como um espeto retorcido incandescente _ Assim, a lição ficará gravada.

Os dois deuses do Olimpo acenaram em despedida e subiram ao carro de Apolo, que subiu aos céus, voltando a brilhar como um pequeno sol, ofuscando a visão de todos. Quando o brilho diminuiu, já não encontravam-se mais no Pomar de Ares.

Os Aurores estavam de volta ao barco de onde suas vassouras haviam decolado, fundeado no Mar Negro, ao largo de Kvemo-Kolkhida, enquanto que os bandidos do Círculo Sombrio estavam nos lanchões atracados em Pitsunda, desatracando e retornando para o Vultura. Ninguém tinha a menor idéia de como haviam chegado ali e, dados os últimos acontecimentos, ninguém queria questionar. Mas “Escuridão” não estava importando-se muito. Colocando a mão em um bolso de seu casaco de combate, tirou um chumaço de fios dourados, que conseguira arrancar do Velocino de Ouro (“Eu não ia sair de mãos vazias de lá. Este chumaço de lã pode não ser todo o Velocino de Ouro, com todos os seus poderes, mas poderá ser o bastante para ser fundido na forma de um amuleto, que trará pelo menos um pouco de poder e prosperidade ao Círculo”, pensou o bruxo). Mas ele não era o único.

No barco dos Aurores, “Banshee” olhava para outro chumaço de lã de ouro, na palma de sua mão, também pensando em como os poderes parciais daqueles fios poderiam ser utilizados para auxiliar a Ordem da Fênix em sua guerra contra o Círculo Sombrio.

 

Hogsmeade, Escócia:

 

Harry Potter saiu dos terrenos de Hogwarts e, fora dos limites, desaparatou para Hogsmeade, com um estalido. No povoado, passou pelo Três Vassouras, pela Dedosdemel e pelos lugares tão caros à sua adolescência, quando aluno de Hogwarts, que tantas lembranças lhe traziam. Chegando à sua casa, entrou e foi recepcionado por Dobby.

—Mestre Harry Potter! Aconteceu alguma coisa?

—Nada de mais, Dobby. Terei de ir a Londres, para um jantar de “negócios”.

—Algum traje em especial?

—Social trouxa. O Armani risca-de-giz servirá perfeitamente.

—Algum perigo envolvido?

—Acho que não, Dobby. De qualquer forma, levarei a Glock, caso tenha de colocar alguém para dormir sem um feitiço.

—Vai usar vassoura ou desaparatar?

—Vou desaparatar, mas com a Infiniti. Será melhor chegar ao Ritz dirigindo um veículo trouxa.

 

Depois de trocar de roupas e colocar a Glock .380 em um coldre axilar, Harry foi para a garagem e sentou-se ao volante da Infiniti FX50, que adquirira há uns dois anos, substituindo a Volvo. Acionou o motor V-8 de 390 cv e 5.0 litros (ainda bem que tecnomagizado, para manter a potência e ser tão econômico quanto um 1.6 litros) e, quando saiu à rua, acionou a invisibilidade e a desaparatação, indo para Londres.

E o bruxo estava curioso com o resultado que poderia ter o seu encontro com a Czarina do crime de Roanapur.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Harry Potter e o Estigma da Serpente" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.