Fogo e Gelo escrita por Reira


Capítulo 7
Let it be


Notas iniciais do capítulo

"...And when the night is cloudy
There is still a light that shines on me
Shine on until tomorrow
Let it be"
(Let it be, the Beatles)



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Cheguei em casa e subi correndo para o quarto. Peguei meu notebook e coloquei o CD dentro, cada segundo de espera parecia interminável, tamanha a minha ansiedade. Quando finalmente consegui executar o vídeo, coloquei os fones e assisti.

E o que eu vi não era eu. Bem, era o que um dia eu fui.

Eu vi Nath me agarrar, e eu simplesmente não reagi. E não foi um beijo qualquer, eu fui parar em cima do balcão do bar, e só paramos porque o barman se irritou e nos mandou sair dali. Começamos a rir descontroladamente e começamos a jogar verdade ou desafio. Primeiro foi Nath que teria de beijar três meninas diferentes, e da segunda ele levou um tapa bonito, e eu não pude evitar de rir. Mas o que seguiu foi terrível, digno de uma menina fútil e sem escrúpulos.

Iris estava lá. Estava bonita, mas ainda com sua trança e seus óculos.

–- Lá vem a quatro olhos... agarre ela Nath, vai ser divertido... ouvi dizer que ela tem uma queda por você – Isso foi o que as meninas comentaram , e eu nem sabia se era verdade ou não. Ela foi a terceira, e chegou a reagir de início mas logo cedeu. Depois que Nath a beijou, ele a olhou nos olhos e acariciou seu rosto.

–- Você é tão linda, Iris... eu sempre tive uma queda por você. Mas não tive coragem de falar... - Os olhos dela brilharam e ela sorriu.

–- Isso é verdade ? - Nisso as garotas riram.

–- Sua vez Shizuka ! - Gritou Karin pra mim. Eu não a vi, apenas ouvi a voz... então era ela mesmo que estava filmando. Eu ri e me aproximei e agarrei Nath pelo braço.

–- Você realmente acha que ele iria gostar de uma quatro olhos sem graça como você ? Acorda garota, ele tem coisas melhores á disposição. - Nisso eu o puxei pelo ombro e o beijei. Foi uma beijo rápido, só pela provocação. E quando me separei, olhei pra ela, que estava chorando.

–- Oh, pobre garotinha e seu coração partido – Ironizou Ambre. - Vá brincar com as suas bonecas, esse jogo não é pra você. - Nisso ela saiu correndo, todos começamos a rir. Nessa hora eu já estava sentindo um aperto horrível e a consciência imensamente pesada. Iris não merecia aquilo, eu estava agindo como uma garota estúpida e nada digna. Minha mente mal processava os acontecimentos, eu simplesmente ia assistindo com as sobrancelhas juntas, numa expressão de indignação, incredulidade e remorso. Mas ainda não tinha acabado. Meu desafio foi quase que o mesmo de Nath, mas eu tive que agarrar só um garoto, um garoto negro e muito estiloso.

–- Faça ela sentir seu swag, Dajan – disse uma outra garota que eu ainda não conhecia, uma de cabelos lisos e castanhos, e um piercing na sobrancelha. Devia ser outra amiga da Ambre. De novo eu atravessei boa parte da sala enquanto o beijava, mas dessa vez ele me levou até a parede. Comecei a sentir mais culpa ainda... o segundo garoto na noite. Senti uma raiva enorme e repulsa por mim mesma ao me ver deixar aquele garoto passar as mãos em mim. Lembrei de Lysandre, me sentia um traidora, e as memórias dos dias passados vieram á mente, e não pude evitar que algumas lágrimas de culpa escorressem. Fomos parados pela mesma garota que eu não sei o nome. - Calma aí, o jogo tem que continuar, depois vocês terminam isso – E deu uma risadinha maliciosa. Karin voltou a câmera para mim mas logo voltou ao Dajan, que estava discutindo com Nathaniel por minha causa, pra saber quem ficaria comigo. Mas Ambre interveio e disse pra jogarmos, que depois eu escolheria. Voltamos a jogar e cumprimos alguns desafios idiotas, como beber meio litro de vodka pura ou um copo de absinto. Dajan já havia bebido um copo de absinto e eu o fiz beber outro, e misturado á toda vodka, cerveja e martinis que ele havia bebido, ele desmaiou. Mas não era um desmaio qualquer, ele entrou em coma alcoólico. Levei minha mão á boca enquanto assistia, preocupada com o que estava acontecendo, mas no vídeo estávamos todos rindo, e ainda por cima dizendo que ele era fraco. Meu Deus, o que eu fiz... se eu não o tivesse feito beber mais um copo, aquilo não teria acontecido. E me lembrei de que já o vi na escola, ele sempre andava com os garotos do time de basquete, e não eram muito discretos. E hoje eu os vi no intervalo e na saída, mas ele não estava lá. Minha cabeça começou a doer de preocupação, agora além de traidora eu fiz alguém parar no hospital, e nem sabia se ele estava bem... não sei quem chamou a ambulância, mas ainda bem que ainda haviam pessoas com um pingo de bom senso. Depois disso o clima ficou um tanto tenso, mas logo os convidados estavam normais de novo, como se nada tivesse acontecido. E ainda fizeram um comentário infeliz de que ele não poderia terminar o que começou comigo. Depois eu dancei com alguns garotos, E elas me fizeram subir no balcão do bar e dançar feito uma louca. Os garotos só me incentivavam, e eu nem me importava, apenas dançava. Já estava descalça e não sei onde minha jaqueta estava. Mas o modo como eu dançava era, além de descontrolado, era apelativo, sensual demais. E então um dos garotos me deu uma garrafa de Jack Daniel's e eu me sentei no balcão. Eu bebi um tanto e Nath se aproximou.

–- Que tal nós terminarmos o que começamos, já que o outro garoto não vai poder ? - E começou a beijar meu pescoço. Eu já estava completamente desnorteada e sonolenta, nem abria os olhos direito.

–- Eu estou com sono... - murmurei, enquanto ele me beijava.

–- Acho melhor levar essa garota pra um dos quartos – Comentou Ambre, e ele deu um sorriso malicioso. - Nem se anime, aquela amiguinha dela já a está procurando, e acho que o que temos já é suficiente. E você vai me matar quando voltar á si – E riu. Eu já estava praticamente dormindo nos braços dele, apenas murmurava algumas coisas quase inaudíveis quando falavam comigo. Karin pegou meus sapatos com outra mão que estava livre e Nathaniel colocou a jaqueta em mim e me levou no colo até um dos quartos no segundo andar da casa.

–- É uma pena não podermos aproveitar – Ele disse , me deitando na cama. - Durma bem, anjinho. - Mais irônico que isso impossível. E então o vídeo acabou. Comigo principalmente.



Fechei o notebook com violência e me levantei da cama. Olhei pela janela, nervosa, pensando em como estaria o garoto que ficou mal e pensando nas minhas atitudes. Eu comecei a me lembrar da minha vida como era – as festas, as loucuras... eu me divertia dessa forma perigosa, fazia e dizia coisas ruins... que me fizeram perder um namorado de quem eu gostava muito, o respeito e a confiança dos meus pais, minha reputação, muitos amigos valiosos, pra depois me deixar com uma única certeza: era tudo mera ilusão. Eu era tão boba na época, e cedi apenas para ser aceita... e acabei indo cada vez mais fundo, e não admitia que estava errada. Me lembro que Johnny, meu namorado na época, me flagrou com outros caras em festas por estar bêbada, e isso aconteceu umas três vezes... e ele me perdoou. Na quarta, ele me deixou, e ao chegar em casa nesse dia minha ficha caiu. Eu me deixava levar sempre. Bebia e não me lembrava de nada, e nesses feitos eu sempre acabava magoando alguém, principalmente Johnny. Me toquei de que tudo aquilo era vazio, e eu estava deixando de ser quem eu era de verdade... essa que sou agora. Eu quase perdi minha vida também... até hoje fico surpresa em como ainda estou viva, depois de atravessar avenidas correndo, sofrer um acidente devido á um motorista alcoolizado... e tantas outras coisas. Consegui recuperar a confiança dos meus pais, tanto que pude ir á festa... mas a de Johnny não... e não o culpo. Apesar de ainda ser ingênua ás vezes, achei que jamais cairia nessa novamente. Se Ly soubesse, talvez ele não me desse outra chance... e pensar nisso me fez sentir um aperto no coração. E ainda havia o garoto que entrou em coma... eu precisava falar com alguém. Peguei meu celular e ia ligar para Mel, mas a campahia tocou, olhei pela janela e lá estavam Mel e Ken esperando na porta. Estava tão atordoada que nem pensei no porque deles estarem ali juntos, já que eu achava que eles não se conheciam ainda. Desci as escadas correndo e abri a porta.

–- Oi Shizu ! Encontrei sua amiga quando cheguei aqui, que coicidência... então, vim te visitar e dizer que daqui dois dias eu vou pra sua escola... - Como sempre, animado e falante... mas ele parou de falar ao reparar na minha expressão acabada e meus olhos vermelhos. Mel também percebeu e entrou na frente dele, o olhar preocupado.

–- Shizu você tá bem ? - Perguntou ela. Eu balancei a cabeça negativamente, e eles entraram.

–- O que aconteceu ? - Perguntou ele. Eu o abracei forte, e aí que as lágrimas rolaram de vez.

–- Ken, você se lembra de quando morávamos em Hong Kong... se lembra de quando eu me tornei outra pessoa ? De quando eu perdi tudo de valioso que eu tinha ? Tá acontecendo de novo... você foi o único que ficou do meu lado e me ajudou a voltar a ser quem eu sou... mas de novo Ken, eu machuquei pessoas, eu traí o Lysandre... - Ken passou as mãos pelo meu cabelo e me pediu pra ficar calma. Eu assenti e logo o soltei.

–- O que te levou a fazer isso ?

–- Umas garotas infelizes da minha escola. Uma delas é a Ambre... elas colocaram algo no que eu estava bebendo, se i lá o quê... que me fez perder a cabeça. Não me lembrava de nada concreto, só uns pedaços... até ver o vídeo. - Chamei Mel e puxei Ken pela mão, levando-os pela escada até o meu quarto. Chegando lá, abri o notebook e coloquei o vídeo pra eles verem. Depois de tudo, olhei para eles. E me lembrei de alguns anos atrás, quando cheguei daquela última festa que eu bancaria a adolescente problemática, digna de estrelar um papel em Skins, e Ken estava lá, na entrada da minha casa. Ele soube que o Johnny tinha rompido comigo ao me ver na festa, e foi, sem julgamentos, sem pedras nas mãos, apenas me abraçou e disse que eu conseguiria me recuperar. Que estaria lá, e foi o que aconteceu. Mesmo eu estando arrependida, muitos me viraram as costas. Ken foi o único que esteve lá o tempo todo, além dos meus pais. Eu queria enterrar esse passado, fingir que nunca existiu; e até dias atrás achava que tinha conseguido, mas agora ele estava bem diante dos meus olhos. No meu presente.

–- Não foi sua culpa, se acalme... você tinha se acalmado, lembra ? - Disse Mel, me puxando pelas mãos e sentando comigo na cama.

–- Eu achava que tinha só beijado o Nathaniel, e estava conseguindo lidar com isso. Mas foram dois, eu dancei em um palco e quase fiz um garoto morrer...

–- Com aquela dança fez um monte ter ataques do coração – Brincou. Só Mel pra me fazer rir no meio daquela situação. E Ken, claro, que sentou do meu lado e colocou um dos braços em volta de mim.

–- Se Ly souber disso ou saírem falando de você, nós vamos reverter isso. As pessoas vão ver quem você é.... e vídeo ou trama de garota nenhuma vai acabar com essa Shizu que conhecemos. E Ly te conhece, vai acreditar em nós. - Suspirei e sorri, deitando minha cabeça no ombro dele.

–- Mas e o Dajan ? Preciso me desculpar com ele, isto é... - Engoli em seco. - E também tem a Iris...

–- Ele tá bem... eu vi aquele alvoroço todo, o garoto que desmaiou... mas nem desconfiava que você tinha a ver. Ele não foi pra escola hoje, mas ouvi o time de basquete comentando que ele já tinha saído do hospital... mas acho que amanhã ele vai. Aí você fala com ele. E com a Iris também. Talvez ela demore um pouco pra entender, mas logo ela vai se dar conta de que você não é nada daquilo. - Levantei minha cabeça e assenti, e depois abracei os dois. - Não se culpe tanto, Shizu... você é uma pessoa maravilhosa. Sempre que errar, se lembre de que terá todo o apoio do mundo com a gente – disse Mel. - Vamos estar sempre aqui pra te ajudar. - Eu agradeci e sequei minhas lágrimas restantes. Dessa vez, além de Ken, eu tinha a Mel, que se revelava cada vez mais uma ótima pessoa e amiga.

–- Que tal waffles com chocolate derretido ? - Perguntou Ken. É ele sabia como me agradar. Sorri na hora e fizemos quando como tínhamos dez anos, apostamos corrida até a cozinha e quem perdesse teria que preparar os waffles, e lavar toda a louça depois. Mel chegou por último, e achou injusto porque não sabia as regras, mas no final fizemos juntos e limpamos a enorme sujeira juntos – enorme porque o Ken resolver fazer guerra de farinha. Me diverti com aqueles três, e até me esqueci do vídeo. Apenas teria de resolver com o Dajan e Iris no dia seguinte, e toda essa culpa sairia de mim. Com amigos como os meus, não tinha mais medo do que a Ambre poderia fazer com isso. Se ela queria me peturbar e meter medo, conseguiu. Mas ela não pensou que eu contava com pessoas assim.

–- Ei Shizu... sabia que o Johnny está morando em Orlando ? Não sei o que tem nesse país que todo mundo vem pra cá... e a Nina também, mas ela está em Miami. - Parei de mastigar na hora e o encarei.

–- Não acredito ! Vou vê-los de novo ! Será que eles vem pra cá ?

–- Não sei, eu tenho o número deles... depois eu pergunto. - Eu assenti e continuei a comer o waffle, que estava muito bom, á propósito. Até que enfim uma notícia boa para alegrar mais meu dia.


No dia seguinte, já estava bem melhor. Iria procurar Dajan e Iris na hora da saída, e no intervalo, fui dar uma passada no clube de música. Não tinha ninguém... mas agora tinha um piano, ou eu era distraída demais e nem tinha percebido, mas impossível eu não perceber um piano. Ainda estava esperando meus pais comprarem o meu... já que não estava mais fazendo aulas, não tinha onde tocar, e fiquei super feliz ao vê-lo ali. Sentei e levantei o tampo, e deixei meus dedos deslizarem de leve sobre as teclas. Eu amava aquele instrumento, o seu som era simplesmente perfeito, cheio de sentimento, de essência... e me lembrei de uma música que gosto muito, Let it Be, dos Beatles. Sempre que algo ruim acontece, me vem a mente: Let it Be. Deixa estar, deixa estar porque passa... eu sabia que ainda haveriam muitas problemas e confusões na minha vida, e eu sempre iria me lembrar dessa música maravilhosa. Comecei a tocá-la no piano, e a toquei inteira. Meus dedos delizavam, eu não apenas toco, eu sinto. Tudo fluía perfeitamente... e eu me questiono, enquanto toco, que poder é esse que a música tem. Simplemente te desliga do mundo, parece que te leva á outra dimensão.

Depois comecei a tocar uma outra música, uma que era apenas instrumental. Era de um filme que gosto muito, e é linda. Leve, suave, cheia de sentimento... você toca um instrumento ? Então você me entende... porque é difícil explicar o quão maravilhoso é, é como se a melodia saísse de dentro de você... e essa música também tinha um enorme significado pra mim. Eu não vou descrever porque eu não tenho palavras, mas talvez ouvindo você consiga entender. Essa música me fazia lembrar de tudo que havia de ruim no mundo e eu percebia o quanto meus problemas eram pequenos... que o que quer que acontecesse, eu conseguiria me reerguer. Ela trazia consigo, ao mesmo tempo, felicidade e tristeza. Eu sei, é difícil entender... mas é uma coisa minha. E certas coisas não foram feitas para serem explicadas, e sim sentidas.

Quando eu terminei de tocar, tive a sensação de ter alguém me vendo. E quando me virei, ali estava Castiel, os olhos fixos em mim, e pelo que percebi em seu olhar, ele sentia o mesmo que eu, essa coisa inexplicável, que só a música era capaz de proporcionar.



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Notas finais do capítulo

Aqui a música que a Shizuka tocou: http://www.youtube.com/watch?v=jyHIBdX9icc ouçam, é perfeita ♥



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