Fogo e Gelo escrita por Reira


Capítulo 35
Isso poderia ser o paraíso.


Notas iniciais do capítulo

"Life goes on
It gets so heavy
The wheel breaks the butterfly
Every tear, a waterfall
In the night
The stormy night
She closed her eyes
In the night
The stormy night
Away she flied...
And dreamed of para-para-paradise"
(Paradise, Coldplay)



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Lysandre POV






Porque tudo está tão estranho nessa casa ?

Meu pai nunca foi uma pessoa agradável. Mas agora anda extremamente estressado... nem os charutos cubanos que ele costumava fumar enquanto ouvia tranquilamente suas músicas isuportáveis, não está fumando mais. Quando minha mãe aparece para pedir alguma coisa, ele logo se altera. Não estou entendendo nada.

Mas essa família nunca foi normal mesmo. Contanto que eu tenha meu dinheiro, tudo está ótimo.

Putz, e eu nem desfiz as malas ainda.

Já fazem dias que eu voltei dos EUA... passaram tão rápido. Deixei a tv e o copo de uísque que estava bebendo e subi até meu quarto. Preciso desfazer aquela mala antes que minha mãe veja e surte. A voz dela é meio irritante quando grita.

Enquanto tirava minhas blusas da mala, tirei uma que não me pertencia. Uma rosa, com umas estrelas desenhadas. É da Nina...

Me sentei no chão ao lado da mala e senti o cheiro da blusa. O perfume doce dela ainda estava ali, e eu me lembrei dela andando pelo apartamento com essa blusa rosa, sua cara de sono misturada com tristeza, me dizendo verdades ou me olhando com indignação. E eu senti falta dela.

Fiquei olhando para aquela blusa me perguntando que merda é essa. Nunca senti saudade de ninguém. É esquisito. Dá um aperto no peito... dei uma risada irônica. Deve ser uma coisa de momento. Afinal era bom dormir com ela...

Peguei a blusa e ia jogar no lixo, mas, por alguma razão, acabei deixando dentro do meu guarda-roupa.


Tentei pensar em outra coisa, e acabei me lembrando de Ambre. Ainda não contei pro meu pai que ela está grávida... ele não pode saber. Vai achar que isso vai causar um escândalo para nossa família... afinal são anos vendendo a imagem de santinho para a sociedade. Mas também não posso ignorar a existência dessa criança... até por razões legais.

Tudo que penso é tão sistemático, tão racional. Escondo isso dos meus pais, mando dinheiro para ela e pronto. Algo em mim dizia que precisava de mais. Que não era suficiente. Mas era uma parte pequena e fácil de ser ignorada.

Enquanto andava pelos corredores para voltar á sala de TV, reparei em como aquela casa era fria. Enorme e sem uma única alma no corredor. Nada de risos. Nada de vida. O mármore e a decoração a deixavam sombria e fria, vazia. Assim como eu.







Violette POV






Estou tão feliz ! Meus amigos me receberam de volta tão bem. Até mesmo fizemos uma festa do pijama, foi tão divertido... até encontrei mais inspiração para minhas pinturas.

Apesar de tudo estar diferente, algumas coisas nunca mudam. A simpatia da Mel, a alegria da Hoshi, e os novos amigos que fiz, como a Shizuka. E muitos já nem se lembram do que aconteceu... acho que muitos nem repararam que eu voltei.

Foi pensando nisso que voltei á sala do clube de artes para aproveitar para terminar meu trabalho. No caminho, vi Shizuka e Castiel sentando na grama, numa parte mais reservada na escola, perto da porta lateral. Gostava de entrar por ali porque não tinham tantas pessoas quanto no corredor da entrada principal.

Eles pareciam tão bem juntos... ela estava sentada no colo dele, enquanto comia uma pequena marmita, acho que aquelas que os japoneses fazem, dividindo com ele. Eles riam, se divertiam... assim como eu e Alexy. Eu e Alexy...

Antes de entrar na escola, vi os dois se beijarem. Corei na hora. Não, isso não parecia comigo e com o Alexy... mas, isso quase aconteceu uma vez... e eu acho que gosto dele. Será que... poderíamos ser como a Shizuka e o Castiel ?

Mas acho que agora é tarde pra isso... enquanto passava tons de roxo com meu pincel pela tela, me lembrei dos olhos dele. Suspirei, olhando para a pintura abstrata e me perguntando quanto eu teria coragem de falar com ele novamente.

Da última vez, eu lembro que eu estava desenhando, sentada embaixo de uma árvore do pátio. Ele veio por trás de mim, e nos cumprimentamos. E quando olhei nos olhos dele, me lembrei por completo daquela noite no baile.


“Você é uma garota tão linda Violette” – Disse Viktor olhando nos meus olhos. Eu sorri.

“O-obrigada” - Agradeci, corando. Nós dançávamos no meio do salão e aquilo parecia um sonho para mim. Nunca garoto nenhum havia dito algo assim pra mim, e não era qualquer garoto, era o Viktor ! Mas tudo começou a ficar estranho quando Hoshine chegou, chamando ele para dançar. Ele se afastou de mim e deu um selinho nela, dizendo que logo ia. Eu observei aquela cena com incredulidade. Porque eles se beijaram ? Quando ele olhou pra mim de novo, riu.

“Porque essa carinha, Violette ? Ela é minha namorada, sabia ? A pedi em namoro ontem. Ah, não, não vá me dizer que achou que eu estava interessado em você. Só a chamei porque fiquei com dó...” - Lágrimas brotaram de meus olhos. Eu não conseguia pensar, estava confusa e magoada. Porque ele havia feito isso comigo ? Hoshi sabia ?

Nesse momento Ambre e suas amigas chegaram. Elas riram de mim.

“Parece que a garotinha estranha foi desiludida” - Disse Ambre.

“Desculpe, querida – Disse Karin – Mas a gata borralheira nunca vai ser uma Cinderela.” - Nisso ela rasgou um pedaço enorme do meu vestido, enquanto Ambre desmanchava meu cabelo. Comecei a chorar e a gritar, enquanto tentava afastá-las. Mas ninguém fez nada. Todos apenas olhavam. Um bando de tolos com medo da rainha da escola. Quando elas terminaram, começaram a rir. E muitos outros começaram a rir. Todos em volta de mim riam, e eu via aquela cena com desespero. Eu estava sendo humilhada, todas as minhas expectativas despedaçadas. Então Hoshi apareceu, e ao me ver assim correu para saber o que tinha acontecido. Ao ver que era Ambre, gritou várias ofensas para ela e lhe deu uns três socos na cara. Logo mais vieram Mel, Castiel, Dake e Nathaniel. Todos me ajudaram, e Viktor saiu com um braço quebrado depois de enfrentar a raiva de Dake e Castiel. Sempre foram meus amigos e nunca me recriminaram... e sou grata por como me defenderam naquela noite. Mel e Hoshi também. Mas, mesmo com todos eles ao meu lado, não consegui encarar toda a escola de novo. E fugi.

Mas, talvez, se ele tivesse pedido para eu ficar... naquela noite, eu liguei para ele tantas vezes. E no dia seguinte. E nada. Eu queria ouvir a voz dele, queria o consolo dele, o apoio dele. Mas nada. Não sei porque ele estava me evitando...

E fui embora, deixando tudo de qualquer jeito, deixando de dizer coisas e fazer coisas.


E agora que voltei, parece que nunca fomos tão amigos como éramos antes. Depois de me cumprimentar, ele perguntou como eu estava, e nesse momento o sinal bateu. Ele estava claramente nervoso, sem saber o que dizer, como eu. E aproveitando a deixa, saiu, voltando para a sala. E depois disso não nos falamos mais.

Há tanto que eu quero dizer, mas me falta coragem...

Decidi me concentrar na pintura de novo, e quando fui pegar tinta azul, percebi que havia acabado. Me levantei para pegar no armário e quanto me virei, ele estava encostado na porta, me olhando. Não dissemos nada. Eu corei, não sabia o que fazer ou dizer. Depois de me encarar por alguns segundos, ele me abraçou. Foi tão estranho... e tão bom. Por um momento, o tempo parou, minha mente estava embaralhada, cheia de emoções e pensamentos. Eu tremia enquanto retribuía o abraço dele, e o abracei com força.

–- Eu senti tanto sua falta, Violette. - Eu fechei meus olhos enquanto algumas lágrimas escorriam com essas palavras. “Eu também”, pensei, mas não consegui dizer. Estava incapaz de dizer qualquer coisa. Ele acariciou meu cabelo, e se afastou um pouco para olhar nos meus olhos. - Não some mais. Por favor, não some mais... - Eu assenti. E me enterrei em seu peito enquanto chorava. Eu não queria largá-lo, é como se eu fosse perdê-lo de novo. - Me desculpe por ter evitado. Eu não tinha coragem de falar com você, estava com vergonha. Por ter te ignorado, ter ficado com raiva por ter ido ao baile com o Viktor. Eu soube o que aconteceu e me senti tão culpado... você não sabe o que a sua falta me fez. - Na hora lembrei dos comentários que ouvi a respeito dele. Um idiota, sem juízo, assim como ele agia ás vezes. E eu que o ajudava a melhorar. - Eu preciso de você. Me perdoa... - Me afastei para olhar no rosto dele. O toquei, porque aquilo parecia tão surreal... estava com medo de acordar á qualquer momento. E então percebi que ele também derramou algumas lágrimas, por mais que tentasse disfarçar. Eu sorri.

–- Você ainda toca violoncello ? - Com tantas coisas para dizer, fui perguntar isso. Me xinguei mentalmente, achando isso tosco. Ele riu e assentiu.

–- Acho que sim. Mas parei desde que você foi embora.

–- Porque ?

–- Porque me lembrava você. - Corei e olhei para os lados, totalmente sem graça. Mordi o lábio inferior e então, num ímpeto, fui até a sala de música, que era do lado. Havia um violoncello encostado, ao lado de um contrabaixo acústico. O levei para a sala de artes e tirei de dentro da bolsa, e olhei para ele.

–- Vem me ajudar ! - Ele riu e me ajudou a tirar o cello dali, e eu peguei uma cadeira para ele se sentar. - Agora toque pra mim, Alexy. - Eu pedi, entregando um arco para ele, e me sentei na cadeira que estava antes, enquanto pintava. Ele sempre foi perfeito nisto, tanto que a maioria das músicas ele tocava sem partitura. Ele afinou o violoncello e em seguida olhou para mim.

–- O que quer que eu toque ? - Eu sorri enquanto tirava aquela tela de pintura e colocava outra no cavalete. Então olhei para ele e ele sorriu. Aquele sorriso cúmplice que ele dava sempre que entendia o que meu olhar dizia. Algo que poucas pessoas compartilham, essa de dizer coisas com o olhar.

Ele sabia qual era minha música preferida, e começou a tocar as notas iniciais de Paradise. Aquela música me fazia viajar, e sonhar. Me libertava. Traduzia o que eu sentia e o que eu era. Um mundo só meu, um lugar onde aparências não importassem. Enquanto ele tocava, eu cantava baixinho enquanto passava o pincel pela tela, a enchendo de cores e formas, as cores do paraíso. O céu, as nuvens, as árvores... um lugar bonito, e nossas figuras correndo sobre elas. E, para ficar mais engraçado, nos desenhei vestidos de elefantes. Caminhando para a liberdade.

Não ficou muito bom, eu simplesmente pintava conforme a música. Era como dançar. Nada ensaiado, detalhado ou coordenado, eu simplesmente sentia a música. E era tão bom ouvi-lo tocar para mim de novo. Ele me fazia esquecer do mundo com suas mãos habilidosas junto de um instrumento tão poderoso...

Quando a música acabou, ele veio se sentar do meu lado e riu ao ver minha pintura.

–- Somos nós – Eu disse.

–- Fazendo o quê ?

–- Fungindo para o paraíso, oras. - E ri.

–- Isso é o paraíso para você ?

–- Apenas um pedacinho dele. Na tela não cabe ele todo. - Ele riu.

–- Eu queria te levar para outro mundo, mas infelizmente não posso... - Eu sorri e olhei para o violoncello no chão.

–- Você já faz isso quando toca – Ele olhou para o chão e em seguida para mim de novo.

–- Posso tentar outro jeito ? - Ergui as sobrancelhas, numa expressão de interrogação, enquanto meu rosto pendeu levemente para um lado. - Feche os olhos. - Obedeci, curiosa. Nesse momento me lembrei do trecho da música “She close your eyes, in the night, the storm night, away she flies... and dreamed of paradise” E então ele me beijou.

Sim, isso poderia ser o paraíso.







Nina POV






Eu não tinha escolha a não ser voltar para a escola. Mas eu ainda não tinha resolvido as coisas com o Ken... e isso poderia ficar estranho.

Mas meus pais estavam insistindo demais. E Shizuka disse que me ajudaria para que Ken não percebesse. Chegávamos sempre cedo, e íamos embora um tempo depois que o sinal tocava. O cabelo curto e a discrição fizeram com que ninguém me notasse, e por sorte nenhum dos nossos amigos estudava na mesma sala que eu.

Num dia desses, no intervalo, Castiel quis ficar um tempo com a Shizuka. Ela não queria me deixar sozinha, mas insisti que ela fosse, porque não queria que ela abrisse mão de se divertir por mim. Eu só ficava dentro da sala.

Pensei em arriscar e ir até a biblioteca, conversar com Nathaniel. Não sei por qual motivo, ele era um dos únicos que eu não tinha medo de conversar. Eu sei que ele não faria alarde nem querer saber os detalhes de tudo. Nem me julgaria. Mas fiquei com medo de passar pelo corredor principal e resolvi andar pelos corredores vazios, onde ficavam os clubes. Cheguei na sala do clube de música e entrei ali, para ver como estava. Olhei para uma guitarra Les Paul e na hora me lembrei de Johnny. Eu me sentia tão mal... por ter feito tudo isso. Podia imaginar seu rosto de decepção olhando para mim.

–- Foi tudo culpa sua ! - Eu disse. Era como se eu pudesse vê-lo na minha frente. Quando em dei conta da besteira que disse, coloquei uma das mãos na boca e sentei no chão, junto com algumas lágrimas que escorreram do meu rosto. - Me perdoa Johnny – Sussurrei. Eu não era mais a mesma, tinha que carregar agora a culpa pela morte dele e desse meu erro. Desse erro que me fez ficar confusa, que me faz sentir falta de alguém que eu odeio, enquanto há outro que eu amo. E que me ama. Enquanto tenho tantos amigos que se importam e eu fui capaz de ser grossa com eles, de ignorá-los. Ali, sozinha, sem amigos, mãe ou pai, acabei me entregando á toda a culpa que senti durante todo esse tempo. Eu jamais conseguiria esquecer... jamais. E então comecei a ouvir um som, violoncello acho. Alguém na sala ao lado começara a tocar Paradise.

Eu me lembro de ouvir essa música e amá-la. Eu a entendia, mas agora, eu não só a entendia, eu a vivia.

Abracei meus joelhos enquanto a ouvia. Encostei a cabeça em um armário atrás de mim e fechei os olhos, imaginando a letra. Ken deveria estar na escola agora, perguntando para Shizuka de mim e ela tendo que mentir, enquanto eu estou aqui, sem coragem de encará-lo. Com medo. Dele, de mim, de tudo, do que eu nem sei. Porque é tão difícil ? Tão confuso ?

Bem que poderia existir um lugar para onde fugir... uma maneira de voltar...

Quando eu era apenas uma menina, sonhava coisas tão bonitas. Mas agora me sinto tão fraca e incapaz de realizar qualquer coisa. Posso ver, além de Johnny, a minha figura, de quando criança, me olhando com decepção.

A vida foi cruel e eu também, comigo mesma. Como fui cega...

Still lying underneath the stormy skies” - A letra fluiu em minha mente - “She said oh, I know the sun's set to rise... this could be paradise”.

–- Será que o sol vai realmente nascer ? - Perguntei á mim mesma. Eu só via tempestade e escuridão por todos os lados...

Quando a música parou, abri os olhos. Ela me fez lembrar de tudo que eu fui, das lembranças boas com Ken. E decidi que, para ao menos amenizar essa tempestade, eu deveria fazer o que estava ao meu alcance. E resolvi que ia falar com ele. Hoje mesmo, vou até a casa dele. Mesmo que eu desabe, eu não posso mais protelar. Isso está doendo em mim... mesmo com vergonha. Quem sabe o sol não volte...



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Notas finais do capítulo

Aee, mais um capítulo õ/
Espero que tenham gostado *-* logo vou falar mais sobre o passado do Lys... e no próximo, finalmente, Nina e Ken vão se ver *-* e logo Shizuka e Castiel vão passar por dias tempetuosos de novo...