Fogo e Gelo escrita por Reira


Capítulo 34
Sutis mudanças


Notas iniciais do capítulo

"Tua tristeza é tão exata
E hoje o dia é tão bonito
Já estamos acostumados
A não termos mais nem isso...
[...]Dissestes que se tua voz
Tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira..."
(Há tempos, Legião Urbana)



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Ken POV


                -- KENTIN ! VOCÊ VAI SE ATRASAR PRA ESCOLA ! – Minha mãe me sacudia com violência enquanto eu resmungava e insistia para ficar na cama. Não tinha vontade de sair e já havia faltado no dia anterior, hoje ela não iria perdoar. Minha mãe sempre foi muito racional e nunca deixou os sentimentos falarem mais alto. Mas eu sou o oposto dela.

                -- Se você parar de me encher eu vou – Eu disse, a olhando com uma expressão nada agradável. Ela suspirou e deixou o quarto.

                -- Não  se mate por essa garota, meu filho... não vale a pena... – E então fechou a porta. Suspirei e me sentei na cama, e apoiei meu rosto com as mãos. Minha mãe não leva a sério meu namoro com a Nina, nunca levou. Diz que é apenas um romance passageiro e bobo de adolescente... mas impossível que um romance bobo machuque tanto. Ao menos eu acho...

                Saí da cama e fui até o banheiro da suíte lavar o rosto. Minha mãe pode ter razão... não estou morrendo literalmente, mas emocionalmente sim. Aos poucos.

Quando me olhei no espelho percebi que havia emagrecido, tenho uma barba rala de uns dois dias sem fazer e meu cabelo está quase nos ombros. Não estou feio, mas pra mim que sempre mantive um padrão isso mostra descuido e está na cara que estou acabado... mas não estou me importando. Nem na escola eu vou. Para evitar que minha mãe viesse gritar no meu ouvido, tranquei a porta do meu quarto. 

Estou sem paciência, ansioso, nervoso... lidar com pessoas e ouvir aulas só vai piorar meu estado...

Depois de lavar o rosto, me sentei coloquei um CD para tocar, um que ganhei de um amigo que veio do Brasil. “Mais do mesmo”, ele se chama. De uma banda chamada Legião Urbana. Não entendo nada do que esse homem diz mas sua voz é capaz de acalmar, e passei a gostar ainda mais depois que ele as traduziu pra mim. Me olhei no espelho novamente enquanto pegava alguns remédios para dormir. As olheiras profundas e o cansaço me fizeram suspirar, e dar um risada irônica, enquanto me lembrava da tradução do início da música:

“Parece cocaína, mas é só tristeza...”


Nina POV


Como é difícil sentir vergonha. Um sentimento tão pesado, tão inexplicável. E a culpa então... como vou lidar com os julgamentos ? Vou mudar de escola.

Fiquei pensando nisso enquanto via Shizuka preparar um café da manhã, enquanto falava com Castiel no telefone, falando porque tinha faltado na escola. Por minha causa.

Shizuka é realmente uma amiga valiosa... me ouviu sem julgar, me acolheu. Ainda existe gente que vale a pena nesse mundo... mas eu não poderia ficar para sempre sob os cuidados dela. Apesar da vergonha, eu deveria me reerguer. Mesmo que meio torta. Vai ser difícil olhar nos olhos dos outros, ter  algum orgulho de novo. Mas preciso ao menos começar.

Shizu disse que ia chamar o Ken para vir me ver, mas eu não queria agora. Preciso primeiro ver meus pais e me recuperar mais um pouco. Eu mesma vou procurá-la assim que tiver certeza que posso ao menos vê-lo sem desabar.  Graças á alguns cremes, meu rosto estava com um aspecto melhor e as olheiras não estavam tão profundas, mas a tristeza ainda estava ali e a magreza também. E os cabelos todos despenteados...

Shizuka entendeu quando eu quis ir embora. Ela me levou até em casa com o carro de seu pai, que estava de folga. A agradeci e a abracei forte antes de sair do quarto, esperando que aquele abraço demonstrasse toda minha gratidão. Quando minha mãe saiu na porta, disparou a chorar e fazer inúmeras perguntas. Eu estava com vergonha de encará-la, achei que ela me julgaria. Mas não, me recebeu de braços apertos. Me senti uma filha pródiga.

Também chorei e a abracei com força, dizendo que senti falta dela. Mas com meu pai não foi a mesma coisa... ele apenas me olhou e não disse nada. Me senti muito mal, aquele foi o primeiro olhar que eu teria de suportar vindo de alguém que deveria me acolher. Senti raiva num primeiro momento, mas talvez ele precise de tempo... 

Minha mãe sempre foi muito compreensiva, ao contrário dele, então depois de um tempo acariciando meu cabelo, me deixou sozinha no meu quarto. Ela sabia que precisava disso e a agradeci em silêncio.

Me olhei no espelho do guarda-roupa e me senti estranha. Eu parecia diferente. É claro, o sentimento de culpa e vergonha me deixam mais retraída e sombria mas... parecia que não era apenas o meu exterior que estava assim. Talvez a minha personalidade se tornasse melancólica assim como aquela moça da TV. É assim que eu me sinto. Revoltada com o mundo, com as pessoas, comigo mesma. Não a ponto de xingar meus pais e fugir de casa, mas á ponto de me mudar. Por dentro.

Fui até o banheiro e olhei meu cabelo. O penteei e ele ficou novamente lisos, exageradamente lisos como sempre foram. Mas não combinavam mais comigo, eu sentia  isso, precisava mudar. Abri a primeira gaveta do armário e tirei uma tesoura de lá. E o cortei.

Sim, além de estranha agora eu sou louca. Há tempos cortar dois dedos do meu cabelo era o fim para mim, agora, não me importo.

O cortei até deixá-lo curto, e repicado. Na altura dos ombros. Cortei um pouco da franja também para colocar de lado, e não ficar no meio como era antes.

Até que não ficou ruim... peguei um lápis de olho e contornei todo meu olho, que antes era apenas levemente delineado, agora era contornado. Mais um pouco e eu ia virar uma versão morena e de cabelo curto da Taylor Momsem, com a melancolia da Amy Lee.

E eu me sentia assim. Agora eu era uma garota deprimida e viciada.Percebi isso na minha ansiedade por um cigarro, mas aquilo não iria me fazer bem. Eu não queria ficar com nada que me lembrasse o Lysandre. Não queria me prejudicar por um vício que ELE me passou. Por sorte eu não cheguei a fumar muito então com algum esforço conseguirei superar isso.

Olhei as mechas caídas no chão e comecei a chorar. Eu poderia sorrir. Poderia brincar, poderia ter orgulho novamente, mas aquela Nina não voltaria mais.

E me vendo no espelho, de cabelos repicados e olhos esfumados, vi que é impossível que não fiquem marcas.




Shizuka POV


Queria tanto poder fazer mais por Nina... mas agora ela quer fazer algo por si mesma, sozinha, e é melhor eu deixar.

Naquela tarde decidi passar na casa da Hoshi e da Mel conversar com elas. Quando contei sobre Nina, Hoshi logo ficou contente mas Mel ficou um tanto estranha. Perguntei o que estava acontecendo enquanto Hoshi tirava alguns muffins do forno.

-- Não sei... não tenho uma impressão boa sobre ela. Será que ela não se aproveitou da situação pra ficar com o Lysandre ? – Era um tanto maldoso, mas algumas pessoas eram capazes disso. Suspirei e olhei para o chão.

-- Não, não foi Mel... eu a conheço desde criança... ela é uma ótima pessoa. Mas a mera opressão faz o sábio agir como doido. – Ela ergueu uma sobrancelha.

-- Você é prudente demais para uma adolescente ! – Eu ri e dei de ombros.

-- Me considero sortuda. Mas já fiz muita besteira... – Ela revirou os olhos.

-- Não posso falar nada... nem saio direito com a Hoshi porque ela é doida. – Hoshi jogou o guardanapo na cara dela, que devolveu em dobro. Enquanto ria, completou: - Mas não tenha essa sabedoria toda.

-- Se bem que sendo namorada do Castiel essa prudência está em risco... – comentou Hoshi, dando um sorrisinho malicioso. Corei. Pior que ela tinha razão. Mas apesar de meio louco, Castiel tinha juízo. Lá no fundo, beeem no fundo... mas tinha. Ri de meu pensamento e me sentei na mesma para comer os muffins.

-- Vamos fazer alguma coisa hoje ! Já que tudo está bem... só falta Ken e Nina se resolverem. – Disse Hoshi. Mel fez outra daquela cara esquisita ao ouvir o nome de Nina... talvez ela não acreditasse muito nas pessoas e levasse tempo para se convencer do caráter da Nina. Não achei muito justo... talvez por conhecê-la tão bem e saber que não tem motivo pra isso... mas não podia fazer nada, só esperar. Concordei com Hoshi e combinamos de nos reunir á noite, só faltava chamar a Iris.

-- E a Violette, claro.

-- Isso ! – Disse Mel, ficando animada de novo. – Assim, vamos matar a saudade direito. – Depois de muita conversa e risos, eu já estava me sentindo melhor. Estava me levantando pra ir embora quando Hoshi soltou:

-- Só falta a Ambre ter o bebê e tudo vai ficar colorido... – Na hora meu guardanapo voou pelos ares e eu pulei da cadeira.

-- QUÊ ?

-- A Ambre ta grávida, Shizu, você não sabia ?

-- Do Lysandre – Disse Mel enquanto mastigava um muffin. Eu olhei para a mesa, com o cenho franzido, incrédula. Uma desmiolada como a Ambre vai ser mãe ? Meu Deus, pobre criança.

-- Sei o que está pensando – Disse Hoshi – Podemos ficar de luto pela criança desde já. – Mel riu e eu revirei os olhos, sem segurar um riso.

-- É... tenho pena dessa criança. E até da Ambre... como uma garota sem preparo nenhum vai ser... mãe ?! – Balancei a cabeça, sem acreditar ainda. Isso que eu chamo de “notícia bombástica”. Se isso fosse um filme, com certeza aparecia um close meu com todo o mundo explodindo ao fundo enquanto eu recebia essa notícia. Mas, parando pra pensar, nem era tão surpreendente... Ambre nunca foi responsável. E Nath, devia estar muito abalado... ainda bem que o trauma maior da morte de Johnny havia passado, assim posso prestar algum apoio á ele. Depois disso, disse que já estava indo e que voltava mais tarde. Me despedi delas e fui pra casa. Era muita coisa para um dia só... sorte que os pais dela tem dinheiro, mas dinheiro não é tudo... será que essa criança vai crescer com alguma estrutura ?





Charlotte POV


Eu me sentia diferente. Mas tenho certeza que ninguém me via assim. Eu poderia mudar, mas a escola inteira nunca aceitaria e acreditaria nisso. Até porque, certos hábitos são difíceis de largar.

-- Parece que vem uma Ambrezinha por aí... estrias, quilos as mais, rosto inchado e todas as futilidades que você abominava, Ambre... parece que agora você é a nova coitadinha. – Eu disse quando a vi. Ela não respondeu nada, apenas me encarou e foi para a sala.

Nem toda a escola sabia que ela estava grávida, a barriga ainda não tinha aparecido. Mas eu sabia que não consegui resistir a mexer com ela. Ela tantas vezes me diminuiu quando éramos “amigas”, e parecia uma crime não me aproveitar.

Ser maldosa é algo vicioso e destrutivo. Mas eu vou conseguir parar... 









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Notas finais do capítulo

Aee, finalmente :DD acho que consegui postar mais rápido que o anterior, estou reorganizando meu tempo. Apesar de entrar mais na net, nem sempre tenho inspiração... :/ vou tentar postar o próximo o mais rápido que puder u.u esse ficou pequeno, mas se fosse maior ia ter mais POV's e ia ficar muito eu acho @_@ espero que tenham gostado, e obrigada pelos reviews cada vez mais motivadores e indicações ! Não tem noção de como fico feliz gente *-* obrigada mesmo ♥