Fogo e Gelo escrita por Reira


Capítulo 26
Bye bye Johnny, Johnny bye bye


Notas iniciais do capítulo

"Let me take you down
'Cause I'm going to...
Strawnberry fields
Nothing is real,
And nothing to get hung about.
Strawberry Fields forever."
(Strawberry fields forever, the Beatles)



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Quando chegamos, eu já estava tremendo de ansiedade e nervosismo. Passei o caminho inteiro sem ouvir nada do que diziam, apenas torcendo para que desse tempo de eu impedir Johnny de fazer uma loucura. Nina parecia estar na mesma condição que eu: quieta, distante, abraçando fortemente o porquinho de pelúcia que ganhou dele.

Fui a primeira que saí da van, atropelando todo mundo, desesperada. Mas eu cheguei tarde. Quando alcancei a estrada, Ambre estava entre os carros, com uma das mãos levantadas, pronta para dar a largada. Gritei nome de Johnny e tentei alcançar o carro, mas Ambre deu o sinal antes que eu o alcançasse, e ainda fez questão de sorrir maliciosamente pra mim. E eu não resisti. Eu sempre fui tão equilibrada, sempre seguindo o pensamento de que não vale a pena reagir a provocações, porque isso só causa mais problemas. Mas dessa vez eu estava com muita raiva, principalmente de Lysandre, mas eu não podia fazer nada porque ele estava correndo agora, então canalizei toda minha raiva para a loira aguada á minha frente, que não cansava de me provocar. Num impulso, dei um tapa naquele rostinho de porcelana, e o mais legal de tudo é que a marca ficou. Ela me encarou, surpresa, com uma das mãos no rosto. Passado o choque inicial, ela riu.

–- Parece que a Shizuska resolveu se rebelar... ui, agora ela bate. - Isso me irrita muito. Quando estou séria e as pessoas zombam de mim. Normalmente eu consigo me controlar, mas nesse momento não sei mais o que é autocontrole.

–- Qual o seu problema ? - Peguei seu rosto com força, enquanto a encarava, deixando transparecer toda minha raiva pelo olhar. - Hein ? É algum complexo de inferioridade ? Pra rebaixar as pessoas como você faz ? Ou você é tal mal amada que precisa de um canalha como o Lysandre pra suprir sua carência ? Você sabe o quão perigosa é essa estrada ? Sabe que o Johnny não pode dirigir quando está nervoso ? Porque vocês tem que se aproveitar das fraquezas das pessoas assim ? Vocês são podres, Ambre ! - Nesse ponto eu já estava gritando. Algum engraçadinho gritou “briga”, mas logo se calou porque o clima estava pesado demais.

–- Acha que suas palavras me atingem ? - Ela riu ironicamente e soltou minha mão de seu rosto bruscamente. - Eu não preciso de nada nem de ninguém. Não tenho culpa se você não foi suficiente pro Lysandre queridinha...

–- Vadia... - Sussurrei, mas ela pode ouvir. Eu dizendo isso ? Realmente, eu saí do controle. Mas todos tem seus momento de extrema tensão, certo ? Me alterei mais ainda com as palavras dela, e já ia dar outro tapa quando senti alguém me puxar. Era o Nathaniel. Quase descontei nele também mas seu olhar me acalmou e medi as palavras. - Nath, me solta...

–- Não vale a pena, Shizuka. Certas pessoas não vale a pena sequer ofender – E olhou pra ela, que o encarava incrédula.

–- É, Ambre, seu próprio irmão reconhece o que você é... e ninguém te quer. Se o Lysandre está com você, é só pelo seu corpo. E porque você serve de um ótimo capacho... acho que vou adotar uma cadela e chamar de Ambre, o que vocês acham ? - Disse Castiel, com um sorriso irônico. Todos riram com as palavras dele, inclusive eu. Ambre tentou responder mas desistiu, e saiu pisando duro até a beira da estrada e se sentou ali. Não me importei com a expressão desolada dela, isso só mostrava que no fundo ela sabia de tudo isso. Sabia que sua vida era apenas aparências. Mas logo me lembrei do que estava acontecendo e voltei a ficar nervosa de novo. E então, nós ouvimos um barulho, ao longe. Parecia uma batida... pulei de susto na hora, e pedi para irmos com a van ver se estava tudo bem. Esteja bem, Johnny, esteja bem...






Johnny POV






A quanto tempo eu não sentia isso. Essa sensação de liberdade que as corridas provocavam. A sensação de não saber pra onde vai, mesmo sabendo. Segurei firme no volante, descontando toda minha raiva. A estrada, a paisagem passando como um flash ao meu lado, a solidão, tudo me reconfortava. E as imagens de minha amizade com Nina iam passando pela minha mente. A amizade que eu, idiota, confundi. O sorriso dela, o dia que nos perdemos na praia, os dia que eu estava mal e ela estava lá. Os nossos passeios e brincadeiras bobas, e o jeito que ela sorria quando percebia que eu estava olhando pra ela. As noites quentes que ficávamos sentados na varanda de casa bebendo água de coco e falando besteiras. Como ela não percebeu ? Eu poderia ser racional e pensar: ela não tem culpa de ter alguém. Eu é que fui lerdo. Mas estava com muita raiva para pensar assim.

Quando cheguei a um pedaço bifurcado da rua, Lysandre, que estava quase me alcançando, estava indo para a esquerda. E eu fui para a direita, distraído, pensando no motivo de tudo isso que me esqueci que estava na contramão. Só me lembrei quando vi umas luzes fortes virem na minha direção. Dei um salto no banco e comecei a frear, meio desnorteado, quebrando meus pensamento de repente e tentando entender o que estava acontecendo. Era um caminhão, e não houve tempo dele frear. Eu vi toda a minha vida passar em flashes pela minha cabeça. Não, isso não pode acontecer, eu tenho muito a realizar. As pessoas que amo... O desespero e a indignação tomaram conta de mim e gritei. De repente, escuridão, e depois, mais nada. O rosto dela foi a última coisa que preencheu minha mente.






Shizuka POV





Estou tão nervosa que estou até sentindo tonturas. O pior foi quando chegamos a umm ponto da estrada que havia uma bifurcação. Não sabíamos por onde Johnny tinha ido, e, desolados, paramos a van e ficamos esperando uma solução. Todos davam seus palpites, mas estavam todos tão nervosos que ninguém tomava uma decisão concreta. Até que um carro se aproximou. Uma pontinha de esperança cresceu dentro de mim, mas quando chegou perto, era Lysandre. Murchei na hora. Descemos da van e Lysandre estava com uma cara horrível.

–- Cadê o Johnny ? - Perguntei, furiosa, pronta pra fazer com ele pior do que com a Ambre. Ele me encarou. Estava estranhando pois nunca vi Lysandre com essa cara.

–- Ele sofreu um acidente... ele deveria ter ido pela esquerda, dado a volta e voltado pela pista direita... mas por alguma distração, fez o caminho errado.

–- E você não o impediu ? Seu desprezível, é tudo culpa sua ! - Minha vontade era socar aquele rosto até deformá-lo, mas sabia que além de fraca, isso não valeria a pena. Ao invés disso, saí correndo com todos atrás de mim atrás do carro de Johnny. Haviam policiais e ambulâncias. Todos olhavam para nós, curiosos, os policiais vieram falar conosco mas não dei atenção, só queria saber se meu amigo estava bem. Ele estava dentro da ambulância, que já estava fechada. Pedi para um enfermeira que abrisse, eu precisava vê-lo. Enquanto eu falava, não parava de fazer gestos, de tão ansiosa que estava.

–- Você o conhece ? - Ela perguntou. Eu assenti. - Pode avisar os familiares e identificá-lo ?

–- Sim, mas ele está bem ? - Perguntei, enquanto ela abria as portas. Ela apenas olhou para baixo e me deixou entrar. Aquilo era um mal sinal. Entrei correndo e me deparei com o corpo de Johnny deitado em uma maca e coberto. E me lembrei que corpos cobertos são sinônimo de uma única coisa.

Morte.

–- Johnny... - Sussurrei. - Por favor, não... - Já estava chorando. Mas não, é um pesadelo. Vou acordar a qualquer momento.

Em choque, incrédula, fui para o lado dele e tirei um pedaço do pano preto que cobria seu rosto e os enfermeiros não fizeram nada para me impedir. E vi aquele rosto, antes tão perfeito e lindo, agora repleto de cortes, e um machucado enorme na cabeça. Mas eu devia ter enlouquecido. Ele deve estar rindo da minha cara agora, me achando louca. Estou vendo coisas.

–- Ele não está morto ainda – Eu disse para os enfermeiros – Estou vendo coisas não estou ? - Eles balançaram a cabeça negativamente, sem dizer palavra. Olhei novamente para o rosto sem vida do meu amigo e dessa vez, gritei, deixando escapar toda a raiva que sentia por ele ter partido assim. Cobri minha boca, molhando-as com as lágrimas que escorriam, me contendo para não gritar de novo.

–- Porque fez isso, Johnny ? - Perguntei, ainda olhando para o seu rosto. Nathaniel e Hoshi vieram me buscar e me abraçaram, me tirando de dentro daquele ambiente horrível. Eu não fazia nada além de chorar, não ouvia o que diziam. Na minha cabeça, uma única palavra: Porquê ?

–- Que isso sirva de aviso pra vocês – Disse um policial, sério, em relação ao fato de Johnny ter morrido em um racha.






Nathaniel cuidou de mim, e fingi parar de chorar para que ele fosse dormir. E quando ele foi, Castiel veio até o meu quarto e me pegou chorando no travesseiro. Não dissemos nada. Ele ficou apenas acariciando meu cabelo e segurando minha mão, sentando ao lado da cama, esperando que eu dormisse. Sem se importar se as garotas estavam vendo. Todos choraram, mesmo que um pouco. Ninguém se conformava com a perda de alguém como Johnny. Alguém tão bom. Tão jovem. Os bons morrem cedo... isso não é justo. No outro dia, mal consegui tomar café. Todos falavam pouco, o clima estava estranho e pesado. E não é para menos. E o pior foi acordar, e de repente perceber a tragédia que aconteceu. No segundo em que acordei, tudo parecia normal, mas quando me lembrei, a dor veio como um peso gigantesco, ainda mais intensa que ontem. Eu não queria conversar com ninguém até a hora do enterro. Isso é estranho. Quando a morte está diante de nós, percebemos a fragilidade da vida e passamos a entender o sofrimento de todos que já perderam alguém. Senti raiva de todos que já ouvi fazendo alguma piada mórbida sobre morte. De todos que a tratam como algo normal. Faz parte da vida sim mas, isso não quer dizer que precisemos nos conformar com isso ao ponto de achar que não faz diferença. Eu comecei a entender que não somos nada, meras criaturas fracas e insignificantes num universo imenso. Buscando uma razão pra nossa existência. Parecemos crianças, esquecendo de todas as distrações e alegrias da vida, pedindo colo, chorando sem parar. É isso que todos nós somos, crianças que perderam a inocência e brincam de adulto, mas que na realidade não sabem absolutamente nada. Tudo perde o sentido... tudo vira uma bagunça que parece que nunca mais será organizada. E o pior é o vazio.

Meus sms não serão respondidos, eu nunca verei aquele jeito de andar meio dançante novamente, nunca mais vou ouvir sua voz cantando ou me dizendo sinceridades com aquele jeito todo especial. O mundo gira, nada mudou na vida de bilhões de pessoas. Mas, pra mim, elas deveriam se lamentar porque o mundo perdeu uma pessoa maravilhosa.





Só saí de dentro do banheiro na hora do enterro. Estava com olheiras e olhos inchados. Ninguém disse uma única palavra o caminho inteiro, e então percebi como cada um estava. Olhos vazios e distantes como os meus. Mas a mais distante era Nina, agarrada ao seu ursinho. Ela parecia ter se desligado de vez do mundo, a dor estava estampada em seu rosto. No enterro, ela ficou parada ao lado do caixão olhando para ele agarrando o porquinho com toda a sua força. Não saíam lágrimas, eu acho que a ficha dela não caiu ainda. Ficou imóvel, com culpa e dor no olhar, vendo seu amado amigo que jamais bateria em sua porta numa noite quente para darem uma volta novamente.

Me aproximei do caixão e toquei o rosto frio, agora cheio de cicatrizes amenizadas por algum creme. Lágrimas que não sei de onde vinham, eu chorei tanto que deveria estar seca, desceram pelo rosto.

–- Nós jamais esqueceremos você – segurei em sua mão, e olhei para sua foto sorrindo em uma mesa ao lado de seu caixão e um soluço escapou. Meu coração se apertou de uma forma que achei que iria morrer. - Vou sentir sua falta... - Apertei suas mãos com força e voltei a olhar para o rosto inexpressivo dentro do caixão. Agora eu soluçava sem parar. - Obrigada por tudo, meu amigo. - Consegui dizer quando interrompi os soluços por um pouco. E então me lembrei de sua música preferida dos Beatles, que cantávamos juntos de mãos dadas feito idiotas na rua. E sussurrei, me segurando para não soluçar, enquanto acariciava levemente seu rosto. - Strawberry fields forever.

Isso foi o suficiente para que eu desmoronasse de vez e saísse dali. Não poderia mais vê-lo daquele jeito, imóvel. Eu tinha a sensação de que a qualquer momento ele se levantaria dali sorrindo e diria que tudo não passou de brincadeira, mas a realidade dura, fria e triste me lembrava que isso era impossível a cada segundo. Fui abraçar os pais deles, que com certeza sofriam o triplo que eu. Perder um filho como ele... queria poder arrancar aquela dor com as mãos, fazê-lo voltar. Mas eu não sou nada. Estou sujeita ao mesmo fim, mas nunca, jamais, conseguirei lidar bem com isso. É impossível lidar bem com algo que tira de você alguém que você ama.







Nina POV





Minha culpa. Na minha mente só haviam essas duas palavras. Tanta dor e sofrimento por minha culpa. Nunca mais verei Johnny, ele se foi para sempre.

Por minha culpa.

Agarrada ao porquinho que ele me deu, fiquei paralisada desde que o vi morto na ambulância, incapaz de dizer ou pensar algo que não fosse a culpa me condenando. Sou uma pessoa horrível. Não mereço Ken, não mereço ninguém. Shizuka me disse que Lysandre é uma pessoa horrível. Então somos iguais.

Ken tentou me consolar e me abraçar mas o afastei. Não queria ser consolada por alguém bom como ele. Não mereço consolo.

Fui para fora, depois de horas me torturando enquanto via o rosto inexpressivo de Johnny. Lysandre estava lá, com a expressão um tanto perturbada. Até mesmo ele se abalou. Todos nos abalamos, isso irá afetar nossas vidas de várias maneiras. Os garotos consolavam suas namoradas e até Ellen, que chorava descontroladamente, pobre Ellen, ela iria se declarar. Acabei com sua chance. Ela estava deitada no ombro de Alexy, que desolado, acariciava seu cabelo enquanto ela chorava. Corações despedaçados. Seus pais, nossos amigos, a garota gostava dele. Queria fugir dali, queria morrer também. E então Lysandre veio para perto de mim e me abraçou. Eu ia afastá-lo, mas por alguma razão permaneci imóvel.

–- Me desculpe. - Porque ele estava pedindo desculpas ? Por ter chamado Johnny para correr ? Isso não foi legal. É, nós somos iguais. Então não tem problema ser consolada por ele. E fraca, deixei cair todas as lágrimas que não derramei, na esperança que elas lavassem a culpa e a vergonha de meu rosto. Mas mesmo que lavassem, ainda havia minha mente e coração, lugares que permaneceriam pra sempre.




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Notas finais do capítulo

"E até hoje quem se lembra diz que não foi o caminhão/nem a curva fatal/ e nem a explosão/ Johnny era fera demais/ pra vacilar assim/e o que dizem é que foi tudo por causa de um coração partido/um coração..." - Esse trecho é da música Dezesseis do Legião Urbana, música que me inspirei para criar o Johnny. Sempre quis colocá-lo em uma história minha, o garoto que morre em um racha por causa de um coração partido. R.I.P Johnny :/ Quase chorei escrevendo gente ;^; só não chorei mesmo porque me concentro muito escrevendo.
E melhorei da infecção :D ainda tá tenso, dói e tal, mas não tenho mais febre e estou mais disposta.
Obrigada a todas que mandaram reviews desejando melhoras ♥