Fogo e Gelo escrita por Reira


Capítulo 2
Um começo estranho


Notas iniciais do capítulo

"But my dreams, they aren't as empty
As my conscience seems to be...
I have hours, only lonely
My love is vengeance,
That's never free..."
(Behind blue eyes, The Who)



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Ok, aguentei minha mãe e meu pai dançando no projeto de sala da casa (não haviam móveis, só um monte de caixas amontoadas) enquanto ouviam New York do Frank Sinatra, dormi em cima de um colchão duro e acordei com dor nas costas, só comi umas quatro rosquinhas de chocolate que sobraram da viagem... é, o primeiro dia de aula vai ser fichinha.

É, mal cheguei e já tenho primeiro dia de aula. Meu pai já preparou tudo antes mesmo de eu saber que iríamos nos mudar. Nem direito de escolher a escola eu tive.

Insisti o máximo que pude pra minha mãe me deixar ir só no outro dia, mas ela diz que tenho que ir logo , quanto mais rápido eu ir, mais rápido me enturmo. Não faz muito sentido, seria apenas um dia, mas minha mãe é insistente demais e fica meio histérica quando contrariada, e meu pai sempre a apoia então, decidi ir. Apesar de não ter nada, nem material, nem uniforme... só teria no outro dia. Mas né, mãe não se contraria.


Quando cheguei á escola, fui caminhando á passos de tartaruga. Já sabia até qual seria minha sala, pelo menos isso.

Ok, passei umas duas aulas inteiras dormindo na sala e fui acordada pelas sacudidas de uma mulher. Que era a diretora. Ah, legal.

– Senhorita... ?

– Shizuka.

– Ah, a garota que veio do Japão, pois não ? - a primeira vez que ouviria o irritante 'pois não' da diretora. E sempre que ela dizia isso ela piscava, o que tornava mais irritante, e estranho.

– Sim.

– Bom, não é permitido dormir na aula, senhorita Shizuka. Espero que esse erro não se repita. Fui clara ? - ouvi uma risadinha. Olhei para trás e um garoto de cabelo vermelho com fones de ouvido estava rindo da minha cara amassada. Revirei os olhos e encarei a diretora.

– Sim.

– Ótimo. Agora, caros alunos, irei relembrá-los sobre as regras da escola, ah e não devemos usar fones de ouvido enquanto a diretora fala, pois não ? - disse, olhando fixa e rigorosamente para o garoto que riu de mim. Ri também, só para provocar. E depois fiquei aguentando a diretora por quarenta minutos, até bater o sinal do intervalo e ela terminar seu discurso – que eu não ouvi nada . Saí da sala suspirando de alívio. Queria um pouco de ar puro. Estava quase chegando á liberdade – vulgo pátio – e a diretora me chamou. Ah, não, de novo não...

– Shizuka, você entregou todos os documentos necessários para a confirmação de sua matrícula ?

– Creio que sim. Meu pai que cuidou disso.

– Peço que procure o representate da escola, pois não ? Ele cuida de toda a papelada da administração. Não achamos sua ficha, veja se não está com ele. Ele se chama Nathaniel, é loiro e alto, olhos cor de mel. - nisso ela saiu com seus passos curtos e rápidos, sem nem me deixar responder. Ok, vou passar o intervalo procurando representante. Resolvi procurar por ele no pátio, ele deve descansar também não é ? Dei meia volta e fui para o pátio, mas ao descer as escadas sem querer esbarrei no garoto do cabelo vermelho. Fiquei olhando para o pátio á procura do garoto que a diretora descreveu e nem percebi ele vindo na minha direção. Olhei para ele para pedir desculpas, mas sua expressão fria e seus olhos profundos e acizentados me fizeram recuar e perder a voz por um momento. Que presença.

– Desculpe. - disse, quando consegui me recuperar. Ele continuou me encarando por alguns segundos até responder.

– Olha por onde anda. - franzi o cenho. Tua mãe não te educou menino ? Fiquei por um triz para dizer isso, mas resolvi me calar. Ia continuar a procurar o representante até que resolvi perguntar se o garoto estranho sabia onde ele estava.

– Ei, você sabe onde está o representante ? Nathaniel ? Um loi-

– Ei sei quem é. - ele me cortou secamente e nem sequer olhou para mim. Parecia que o nome Nathaniel não lhe agradava nem um pouco. Ou talvez fosse impressão. Minha única certeza é que ele é estranho. - e não sei.

– Ele não tem uma sala ou algo do tipo ?

– Garota, não sei nada dele. E pára de me alugar.

– Você continua aqui porque quer. - eu disse secamente, devolvendo na mesma moeda. Ele olhou para mim e eu ergui uma sobrancelha. Ele franziu o cenho e voltou a andar.

– Castiel é um pouco estranho , mas no fundo tem um bom coração – disse uma voz feminina ao meu lado. De onde aquela garota veio?! Virei-me e deparei com uma garota um pouco mais alta que eu, de cabelos longos , de um preto arroxeado,e olhos pretos, bem expressivos. Ela sorriu ao ver meu espanto.

– É, ele é bem estranho mesmo. Então o nome dele é Castiel ?

– Sim. E o meu é Meredy. - ela pegou uma bolacha e comeu, depois me estendeu o pacote. - quer?

– Ah, não obrigada... o meu nome é Shizuka. Você sabe onde está o representante de sala ? - ela demorou alguns segundos até engolir para falar.

– Hm, ele costuma ficar na biblioteca... quer que eu te leve lá ?

– Eu agradeceria – sorri. Ela começou a andar e a segui. Parecia ser uma pessoa legal. Torci para que a maioria das garotas lá fossem assim. Tudo bem que ela aparece do nada e não para de comer bolachas, mas não tinha nada de fútil no jeito. Seguimos em silêncio, até ela comer umas três bolachas, e então ela voltou a falar.

– É um lugar bem interessante.

– A biblioteca ?

– Também. - ela riu. - mas a escola por um todo. Sempre acontece alguma coisa. Dias parados como esse são raros. - eu ia perguntar o que acontece quando ela parou e apontou para uma porta á poucos metros á frente. - ali é a biblioteca. Tenho que encontrar uma amiga, depois no falamos. Até mais – ela sorriu e saiu. Agradeci á tempo de ela escutar – sei porque ela se virou e assentiu – e fui na direção que ela havia me mostrado. Não tinham muitas pessoas nos corredores, o que era ótimo. Probabilidade baixa de eu trombar em alguém de novo. E então, me dei conta de que a minha sala era praticamente do lado da biblioteca... e eu nem vi a placa na porta. Como sou distraída... acabei rindo de mim mesma e ia passando reto pela sala quando ouvi um leve som, de violão... dei um passo para trás e espiei na fresta da porta, e o que vi foi Castiel sentado em sua carteira, sozinho na sala, enquanto tocava violão. Devia estar praticando, sei lá. Vi alguns cartazes anunciando um show de uma banda que não lembro o nome... e o nome Castiel estava como guitarrista... ele devia estar treinando para tocar as acústicas. Fiquei alguns segundos observando para tentar reconhecer a música, e logo consegui: era Behind blue eyes, do The Who. Ele tocava bem, e também parecia mais, como dizer... amigável enquanto tocava. Sua expressão era mais suave, como se uma barreira tivesse sido eliminada. E fui me lembrando da letra da música, e por um momento pude compreender um pouco daquela frieza toda, talvez ninguém soubesse o que se passa naquela mente... até que ele parou de tocar e olhou na minha direção. Senti meu rosto esquentar na hora e corri para a biblioteca. O que ele iria pensar ? Acabei de fazer papel de tonta, e pra piorar ele está na minha sala. Legal, vou aguentar ele rindo de mim de novo. Suspirei e entrei na biblioteca, e logo vi um garoto loiro arrumando alguns livros em uma estante. Me aproximei.

– Com licença, você que é o Nathaniel ? - ele se virou e sorriu.

– Sim, posso ajudá-la em alguma coisa ?

– É minha ficha, a diretora disse que não está nos arquivos...

– Ah! - até assustei com sua reação; ele saiu rapidamente logo que eu disse isso.- devem ter se misturado com outras correspondências. Você não é a aluna do Japão ? Seu pai enviou tudo pelo correio. Ah... - ele murmurou, quando foi para detrás de um balcão e olhou alguma coisa – as caixas de correspondência foram levadas para a administração... mas prometo procurar e guardar logo que eu terminar aqui. Pode ficar tranquila, se for entregue até a noite está tudo bem. - sorri e assenti. Já ia saindo quando olhei aquela infinidade de livros. Parei por um instante... será que ele saberia ? Me virei.

– Nathaniel... você conhece Capitu ? - pela sua expressão, pareceu bem estranho eu perguntar dela. Ele riu.

– Sim, e eu acho que ela traiu o Bentinho.

– Quem ? - quem traiu quem, meu Deus, o Lysandre me comparou com uma traidora ?

– Você não leu ? - balancei a cabeça negativamente. Ele voltou para o balcão e foi até um computador. Depois de digitar algumas coisas, foi em direção á uma estante lá nos fundos. - espera, já venho. - obedeci e logo ele voltou com um livro na mão.

– Capitu é uma personagem e tanto... muito instigante, misteriosa... bonita, e com olhos maravilhosos... - Sorri. Já to me sentindo. - olha, eu recomendo pra você ler. Aí vai entender o que estou dizendo. - peguei o livro da mão dele e agradeci. Olhei a capa e abri para folhear, mas parei na primeira página e comecei a ler. O protagonista, pelo que entendi, era apelidado de Dom Casmurro... Que raio de nome é esse... ?

– Dom Carmuro. - disse, tentando pronunciar. Nathaniel riu.

– É Dom Cas-murro. - disse ele, dizendo tudo bem devagar. Franzi o cenho e tentei de novo.

– Dom Ca...shmuro – quase... meu sotaque japonês sempre atrapalhava. Em algumas palavras nem se percebia, mas em compensação, em algumas me fazia parecer uma sonsa.

– Cas...murro – ele disse mais devagar ainda. Me concentrei. Agora era questão de honra ! Ou eu leria, ou eu leria. De repente me dei conta de quanto era besta toda essa motivação para ler um nome, que acabei rindo. Mas já que comecei, iria terminar.

– Cas...muro.

– Murro, carrega esse erre !

– Mur...ro! - sim, eu disse assim, separado. Ficou horrível e ambos rimos.

– Murro !

– Murruro !

– Murro ! M-u-r-r-o !

– Murro !

– Até que enfim hem. Agora diz tudo junto.

– Dom Casmurro. - ainda saiu com uma fonética meio estranha, mas saiu. Comecei a rir que nem tonta e ele também.

– Uma realização e tanto. - eu ri e ia responder, mas fui interrompida por uma garota que entrou de repente. Era loira, cabelos compridos com ondas perfeitas, olhos impecavelmente maquiados, corpo perfeito, jeito de fresca, enfim, o espereótipo garota-perfeita-e-fútil que eu tanto queria evitar.

– Nath querido – ah não, ele namora ela ? Achei que fosse mais inteligente. - vejo que já fez amizade com a novata. - ela me encarou e eu dei um sorrisinho irônico. - Também quero. Quer dar uma volta, querida ? Vou te mostrar a escola. - querida ? Querida ?? uma frase nada agradável me veio á mente e eu quase falei, mas deixei pra lá. Não queria confusão. Era só uma volta e depois daria um jeito de evitá-la. Pude ouvir Nathaniel suspirar.

– Seja gentil com ela. - nisso ele se afastou e foi para a estante em que ele estava quando eu cheguei.

– Vamos, querida ? Não temos o dia todo – nisso ela puxou minha mão e saímos. Gentil ? O Nathaniel teve que pedir para ela ser gentil ? Onde eu estava me metendo...




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