Everybody Loves The Marauders III escrita por N_blackie


Capítulo 13
Episode XII


Notas iniciais do capítulo

Especial Gigantesco de Natal, galera! Em breve o de Ano Novo!



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Episode XII

"Fálálálálálálálá-NÃO!"

Narrado por: Remus Lupin

Camiseta do dia: Um adorável suéter que ganhei da Emme, com a inscrição "Sou o futuro do país" na frente, e um grande "NOT!" atrás. Ela é um amor mesmo.

Ouvindo: Músicas de Natal MUITO IRRITANTES MEU DEUS FAÇA PARAR FAÇA PARAAAAAR

A luz tediosa do computador banhava a colcha grossa da minha cama, piscando em cor de rosa quase em sincronia com as lâmpadas pisca-pisca que os vizinhos espalharam pelo bairro todo, me impedindo de ter uma boa noite de sono no escuro pelas próximas três semanas. Eu estava na minha cadeira, com os pés apoiados na escrivaninha refletindo sobre tudo o que tinha acontecido nas duas últimas semanas antes do recesso, e cheguei à conclusão – talvez um pouco precipitada – de que não conseguia entender como a minha vida tinha chegado ao estado que chegou.

Tudo começou no dia três de Dezembro, quando eu decidi bancar o bonitão e ameaçar Edgar Bones no corredor de Stovington. Naquele dia eu descobri um talento incomum em mim mesmo: fazer listas de afazeres. Enquanto remoía a minha raiva e irritação com a teimosia (e covardia, não consigo repetir isso o suficiente) de Edgar na aula de História, arranquei uma folha do meu caderno, e comecei a enumerar todos os meus problemas e pendências até aquele momento.

Número 1: Edgar Bones. Autoexplicativo.

Eu precisava dar um jeito de Edgar confessar a Emme que ele era o emissário das cartas. Claro que um lado meu, meio maldoso, queria simplesmente contar a ela o que eu havia descoberto, escutar a avalanche de tristeza que viria a seguir ("se ele mandou as cartas, porque não veio falar comigo? Ai, Remie, será que ele tem medo da minha popularidade?"), e seguir com a minha vida como se nada tivesse acontecido. Exceto que eu nunca ouviria o fim desse drama, Edgar continuaria mandando cartas e eu teria uma situação desconfortável pelo resto do Ensino Médio. SPOILER ALERT: No fim dessa história eu mato Edgar e Emme e enterro os dois juntos num buraco cavado por Snuffles no meu quintal, só para ser descoberto por alguma equipe de americanos convidados pela Scotland Yard daqui a anos e ser preso com alguma música dramática de péssimo gosto ao fundo. Ah, e eu perco os meus cabelos.

Por outro lado, eu sabia que não podia fazer isso. Edgar começara essa história toda, e era dever dele terminar, fosse como fosse. E não, eu não iria admitir essa história de admirador secreto nem mais um minuto. Emme não estava mais achando essa coisa bonitinha, e eu, que nunca achei bonitinho, gostava cada vez menos das cartas. Ela estava sofrendo, cansada de ser enrolada por algum fantasma sem coragem, e eu não suportava mais fazer parte disso. Conclusão: precisava fazer Edgar confessar.

Depois de um princípio meio desastroso – e que acho que me custou parte da minha amizade com Pete – finalmente percebi que Edgar só respondia a confronto direto, então dediquei todas as minhas forças para confrontá-lo a maior quantidade de vezes possível durante o tempo que restava das aulas. Depois daquela manhã no corredor, o confrontei na mesa do almoço, o confrontei no banheiro (na pia, claro.), o confrontei na biblioteca (em silêncio), o confrontei na volta para casa, e o confrontei na chegada ao colégio.

Finalmente, quando faltavam dois dias para acabarem as aulas, decidi confrontá-lo onde sabia que não haveria escapatória: nos ensaios do musical.

Mais cedo perguntei ao Sirius que horas eles estariam se reunindo, e ele me disse que a partir das duas da tarde eu já poderia encontrar gente no auditório. Assim, meia hora antes sai do clube de história ("Onde você vai, Remus?" "Já volto, Charlie!"), me esgueirei pelos corredores e tcharan, vi Edgar entrar no teatro exatamente vinte minutos mais cedo do que o resto. Claro, sendo o protagonista (e o dono do maior ego dramático que eu conheço) ele iria chegar antes. Esperei-o entrar, e entrei atrás poucos minutos depois.

Quando passei pela porta, meus olhos arderam tentando se acostumar à súbita penumbra que estava dentro do auditório, iluminado apenas por dois holofotes pontuais, e vazio. Desci pé ante pé pelo tablado até chegar à coxia, lugar onde ficavam os camarins (entendam por camarins: dois banheiros e uma penteadeira com espelho cheio de luzinhas show biz em volta). Edgar estava sentado na mesa, cercado de pó de arroz e passando no rosto enquanto fazia aqueles barulhos de aquecer a garganta.

Me posicionei atrás dele, e esperei até ele me visse refletido pelo espelho diante de si. Bones soltou um grito curto, e virou com a mão no peito, o rosto meio coberto de branco contorcido numa expressão de susto:

"Santa Cecília, Lupin, está querendo me matar? É isso?"

"Você sabe o que eu quero, Edgar."

"E eu já disse um milhão de vezes, Lupin," ele arfou, e depois colocou dois dedos na carótida para medir a pulsação enquanto se acalmava, "eu não vou contar a Emme. Não consigo."

Pela primeira vez desde que começara a confrontá-lo, Edgar parecia estar sendo sincero. Não estava bravo como tinha ficado nos armários, nem aborrecido como ficara no almoço, ou ofendido como ficara no banheiro, nem fez mímicas ofensivas, como tinha feito na biblioteca. Ele parecia... Tímido? Não posso acreditar que estava pensando aquilo de Edgar, mas estava.

"Olha, Bones," passei a mão pelos cabelos, tentando tirar um pouco o ar durão que eu devia estar aparentando, "você precisa contar pra ela. Se realmente gosta de Emmeline, conta pra ela."

"Ser rejeitado talvez seja uma realidade corriqueira para você e a sua laia, Lupin, " Edgar continuou passando pó de arroz com dignidade, "mas não é para mim."

Fiquei arrependido de sentir pena dele. "Bom, seja lá como for, eu não vou parar até você fazer, então se prepare. Feliz Natal." Bati o pé e virei as costas.

"Lupin?" Ele me chamou quando eu estava quase atravessando as cortinas pesadas cor de vinho que separavam a coxia do palco principal. "Vou contar, quando for a hora, ok? Não pode ser agora, preciso me concentrar para a peça, e não consigo com você me interrompendo o tempo todo."

"Você tem até o fim do recesso para me dar a data." Rosnei, e sai irritado dali.

E bom, foi assim que marquei meu primeiro item da lista como "EM PROCESSO DE SOLUÇÃO."

Número 2: SF. Descobrir quem ela é, derrubar o blog. Salvar todo mundo da desgraça social.

Na mesma semana em que me encontrei "por acaso" com Edgar na biblioteca, Sirius juntou os quatro num canto na hora do almoço, e inclusive arrancou James (que passara os últimos dias trancado no laboratório, comendo restos de doce que Peter levava pra ele de pena e sanduíches que eu jogava pela portinhola de segurança que havia na porta) de seu projeto da feira para podermos, e eu repito o que ele sussurrou: "ter uma conversa séria."

Claro que, se tratando de Sirius, essa conversa séria podia ser qualquer coisa. Eu pessoalmente estava bem tranquilo (ao contrário de Peter, que só de ouvir a frase "ter conversa séria" teve uma diarreia nervosa), e torcia, contra todos os valores que meus pais me ensinaram, que ele quisesse ajuda para incriminar Summer com algum crime internacional e sumir com ela da vida dele. Infelizmente não era esse o caso, mas não sou do tipo que deixa de sonhar com uma vida melhor, né.

"Regulus descobriu uma coisa." Ele anunciou assim que juntamos as cabeças. James tirou os óculos e ergueu as sobrancelhas.

"Regulus descobriu? Que bom que podemos contar com ele!"

"Isso não vem ao caso agora, Jim." Sirius ficou vermelho. "Ele descobriu a senha dela, mas não consegue apagar nada. Ela está planejando algo grande, é sério. Esse Anuário, eu acho que vai sair. Os próximos somos nós, eu e Regulus."

"Como assim, ele não consegue apagar?" Pete perguntou.

"Não consegue, o site entra em um curto completo, ainda estou tentando descobrir porque. Fato é: Reg pensa que está em ordem alfabética, por isso a Professora Bines foi primeiro. Depois vem Black."

"Tem muita gente estudando nesse colégio, Sirius." Argumentei, começando a sentir palpitações de ansiedade.

"É, mas ela sempre ataca gente do nosso ano, ou envolvido no nosso ano." Ele retrucou. Suspirei e passei a mão pelo rosto.

"Qual o seu plano?"

"Por enquanto? Avisar vocês. Depois vou tentar continuar do ponto onde Regulus parou. A página não pode continuar resistindo muito tempo, o mínimo que vou tentar é apagar esse agendamento de postagens. Ganhar tempo."

Não sai dessa "reunião" com muitas esperanças não, afinal ultimamente Sirius vinha descumprindo tudo o que prometia para a gente. Voltei para a casa com a sensação de que isso daria merda, e não estava errado. Um dia simplesmente acordei com uma mensagem seca de Dorcas, avisando que o Anuário estava no ar de novo. (Aliás, Dorcas é meu problema número três).

Sirius Black

Ocupação: Ser um Gato. RAAWR!

Para aqueles (especialmente aquelas) que achavam que essa seria uma sessão desabafo intensa e cheia de ofensas, estão enganados. Viu, Professor Hamilton, como eu posso ser boa? Não precisa correr atrás de mim não, poxa! Mas enfim, vocês não entraram aqui pra ler disclaimers chatos, certo? Certo. Vamos começar com o básico do básico (especialmente se tratando desse pedaço do mau caminho):

Sirius é tipo um patinho feio, sabe? Ano passado eu olhava pra ele e, sinceramente, o que que era aquilo? Um garoto minguado, esquisito, cheio de ranho e com um respirador suuuuper bizarro, eca. Com o tempo, ele parecia ter mudado, e esse ano: UAU! Que rapagão, como diria minha vovozinha.

Os cabelos mais lindos da face da Terra, que se ele deixasse crescer (façam coro, meninas: DEIXA, DEIXA!) ficariam com umas ondinhas super sensuais. Um rosto forte, bom de olhar, com aqueles olhos que só de pensar eu já me derreto inteira. Aquela boca, a orelha que está pedindo um brinquinho sabe? E um par de braços que nem a rainha ia recusar dar um apertão. Está quente aqui ou é impressão minha?

O pobrezinho vive só com o pai (que também é um tio lindo, na minha opinião), e o irmão (huuum, calma que eu já falo dele), embora eu saiba que a família está para aumentar. Pois é, quem nunca sonhou em ser irmão do seu melhor amigo? James e Sirius vão realizar esse sonho, pelo visto. Mamãe está no céu, com os anjinhos, e tenho certeza de que se ela estivesse aqui, teria um orgulho danado do gostosão do filho dela. Certeza!

Sabe outro talento que esse fofo tem? Programação! Ele tentou invadir o blog esses dias (tsk, tsk), mas não contava que iria encontrar uma moça à altura dele, não é? Claro que ele sabe muito de muitas coisas, ser um gênio tem suas vantagens... Mas acho que sei uma coisinha que ele ainda não sabe fazer.

E aí, Sirius, quer que eu te ensine?

Xoxo

– SF

Assim que li o artigo, me peguei encarando o computador sem saber exatamente que conclusão tirar. Claro que ela tinha sido invasiva – esse era o estilo dela, pelo amor de deus – mas de alguma forma eu não conseguia sentir a repulsa, ou a ironia, só... tesão? (Posso usar essa palavra aqui? Posso usar essa palavra aqui, PARA FALAR DO MEU AMIGO? Hm.).

O que teria mudado?

Foi com essa dúvida que cheguei no colégio, e logo fui parado pelo próprio, que não conseguia colocar duas palavras juntas para descrever o que estava pensando sobre aquilo. Um Sirius balbuciante e roxo de vergonha talvez fosse exatamente o que ela queria. Apesar disso, não consegui conversar muito com ele, porque Summer chegou toda cheia de mãos pra cima do meu amigo e o tirou de mim na base do vem-cá. Suspirei, passei no laboratório para cumprimentar James ("ele dormiu aí?", pensei), e depois fui encontrar com Pete, perto dos armários.

"Você leu o perfil do Sirius?" Perguntei, e Pete assentiu com a expressão mais confusa que eu já vi.

"Um anjo de natal pousou na cabeça dela, foi?" ele riu, mas ainda parecia, como eu, não entender nada da situação. "Espero que tenha a mesma generosidade comigo... Ou não, né." Ele terminou, apertando a barriga cheio de culpa.

"Remie?" Alguém me chamou no caminho para a aula, e Emme se juntou a nós, parecendo meio deprimida. "Tudo bem?"

"Comigo sim... Você está meio azul."

Ela riu da minha reação, mas suspirou logo em seguida. Um vento acelerado do meu outro lado me avisou que Peter estava acelerando o passo, provavelmente para sair de perto da gente o mais rápido que conseguiria. Emme parou na frente da classe de geografia.

"Rem, você pode ficar essa tarde comigo?"

"Aconteceu alguma coisa?"

"Eu... Ai, eu to me sentindo tão sozinha." Emme baixou a cabeça. "Preciso de uma companhia. E você sabe que eu sempre escolho você."

Meu rosto esquentou, e não consegui reprimir um sorriso. "Tudo bem, eu vou com você. Só me deixa resolver esse pepino com a SF por hoje, ok?"

Ela se aproximou de mim e me seu um selinho, me deixando estatelado ali, com a boca entreaberta e sem saber o que fazer. MAS, isso não tem relação com o meu tópico. Na semana seguinte, como Sirius avisara, sairia o perfil de Regulus, e qual foi a minha surpresa, quando... Saiu a mesma coisa. Uma série de elogios, frases de efeito sobre a aparência dele, ressaltando que ele estava crescendo, parecia um anúncio casamenteiro, e sem nenhum toque de sarcasmo. Sirius estava ficando doido com essa nova tática da blogueira, e eu me sinto meio envergonhado pela minha reação em relação a esse segundo artigo, que foi nenhuma. Não que eu não me preocupasse... Mas algo muito louco tinha acontecido comigo.

Número 3: Garotas. Eu ia colocar só o nome de Dorcas aqui, mas se não contar finalmente o que houve, vou explodir.

Nesse exato momento, ao pensar nesse tópico consigo pensar em três nomes: Dorcas Meadowes (minha ex-namorada), Nymphadora Tonks (minha boa amiga muito linda e rebelde, que a minha mãe não gosta), e Emmeline Vance (minha melhor amiga que está ficando cada vez mais complicado). Dorcas e eu tínhamos terminado no começo do ano letivo, e eu ainda me arrependia por ter me sentido aliviado por estar solteiro novamente. Talvez eu fosse muito novo para algo sério, talvez eu simplesmente não tivesse tato com garotas, sei lá, mas não sentia (e ainda não sinto) que tivesse dado a devida atenção ao que Dorcas precisava, e tal... Bom, foi uma grande furada.

Meses depois, ela e Gideon Prewett estavam cada vez mais próximos. Eu fiquei feliz por ela, até porque não vou virar no Darth Vader e enforca-la com a força por querer alguém que faça bem. É só que Gideon e eu somos tão diferentes, fiquei pensando no que ela realmente viu em mim e nele... Eu sei, é coisa de complexado (Pete repetiu isso umas trezentas vezes já), mas Gideon é ruivo, esquisito e dramático. Eu sou... ah, eu tenho cabelo castanho, sou esquisito (mas boa pessoa), e raramente faço drama com as coisas. Me considero um cara bem racional, se for parar pra pensar. Eu tenho meus defeitos, claro, meu sistema nervoso não é dos mais resistentes, e eu as vezes faço coisas sem pensar, ou seguindo o que acho certo sem pensar se faz sentido...

É, ainda bem que ela se livrou de mim.

Enfim, apesar dessa situação, digamos, desconfortável, eu achei que estávamos bem. Amigos, entende? Quando o artigo sobre Sirius saiu, fiquei até aliviado por ter recebido uma mensagem dela, mas meu balão estourou ao ver o tom seco das palavras que recebi. Sem saber o que fazer, recorri ao meu pai (veja o desespero), e tudo o que ele pode me dizer foi:

"Filho. Se ela terminou com você, é porque não estava gostando de alguma coisa."

O QUE ISSO SIGNIFICA? NÃO SEI!

Depois da ajuda imensa do meu pai, e sem poder recorrer a Roger (que está muito estranho), me limitei a aceitar que, na minha ansiedade por ter uma namorada, eu provavelmente arruinei uma das melhores amizades que já tive.

Em relação à Tonks, nas duas últimas semanas nós chegamos à conclusão de que seria estranho ela ir muitas vezes lá em casa (estranho = minha mãe enchendo a paciência), então certo dia, num intervalo em que conseguimos nos misturar com o segundo ano, ela correu pra falar comigo. Do dia anterior para esse, ela tinha trocado a cor do cabelo de roxo para um branco intenso.

"Eu falei com a minha mãe, ela disse que você pode ir lá em casa jogar Halo!"

"Sério?" Eu engoli em seco, metade feliz por poder vê-la fora do colégio, metade subitamente nervoso por saber que eu conheceria a prima de Sirius e a mãe de Tonks ao mesmo tempo, "que bom."

"Vai ser super legal, puxa vida!" Ela saltitou de felicidade, e me deu um abraço. "Me encontra na saída, ok?"

"Ok!"

E enquanto ela corria de volta para a galera gótica do segundo com quem ela andava, Peter deu um tapinha no meu ombro. "Espero que não esteja pensando em namorar com ela, né."

"Ah, cala a boca." Voltei a comer o pedaço de peixe que eles serviram na cantina. Ao longe, vi Emme comendo com Hilary, mas as duas estavam em silêncio. Só de olhar para ela meu estômago já dava voltas.

Naquela tarde, mandei uma mensagem pro meu pai, avisando onde ia (e dizendo a ela para não contar à minha mãe) e esperei por Tonks na entrada do colégio, onde nos encontramos cinco minutos depois. Um carro velho, mas conservado, parou à distância, e Tonks me levou até lá. O vidro abaixou, e dei de cara com um homem um pouco mais novo que Roger, louro e gordo, mas com um sorriso animado.

"Remus?" Ele se esticou para estender a mão pela janela. "Ted Tonks, sou o pai da Dora."

"Prazer." Apertei a mão dele, e ele destravou as portas. Entramos, e Ted dirigiu uns cinco quarteirões até uma área de sobrados vitorianos, um pouco menos conservados do que de áreas mais nobres, mas arrumados com flores nas janelas. Ted estacionou na rua, e saímos pela calçada de paralelepípedos até uma porta marrom com escadinha de concreto. Notei que até a maçaneta da sala estava polida, refletindo minha cara de bobo e os cabelos chocantes de Nymphadora.

Ted abriu a passagem e entrou, desaparecendo para a cozinha branca à esquerda, enquanto Tonks jogava a mochila perto de um porta-chapéus de mogno de lei que enfeitava um canto, contrastando com o papel de parede original do século XIX, adornado em flores negras e azuis escuras num fundo cinza. A casa era escura, mas nada parecia fora de lugar, completamente o oposto do que imaginei que fosse ser para a rebelde Nymphadora que conhecia.

Ela me puxou para uma sala de estar, com um tapete estendido por todo o chão de taco, e a lareira aconchegante estava acesa com madeira, ao contrário das elétricas que eu via com tanta frequência. Uma vitrola estava ao lado da televisão.

"Cara, a sua casa é muito legal."

Ela sorriu, e olhou em volta. "Minha mãe faz questão de coisas chiques e bonitas, mas eu e o meu pai não damos tanta importância pras essas coisas."

Em cima do consolo da lareira, tinham vários porta-retratos, e Tonks pegou um deles para me mostrar. "Essa aqui é a minha mãe."

Meu queixo caiu quando vi a mulher congelada na foto diante de mim. Ela tinha o rosto mais cheio que o de Sirius, mas a mesma boca e o mesmo nariz. Naquela foto estava com os cabelos castanho escuros, mas ondulados da mesma forma impecável que eu sempre achei bizarro em Roger e os garotos, e olhos grandes e castanhos que sorriam calorosos, mas com um brilho diferente que eu não conseguia identificar. Era algo entre a arrogância e a simples e humilde constatação de grandeza. "Tonks, o que tem com os Black?"

"Como assim?" Ela reposicionou o retrato no lugar, e começamos a subir as escadas de madeira para um segundo andar. Os quartos emanavam um cheiro forte, mas agradável, de perfume noturno, misturado com lustra-móveis para madeiras que me lembravam museus de antiguidades que eu visitava com minha mãe quando era criança. O clima de casa antiga estava me dando arrepios de felicidade, e tive que me controlar para não me sentir um cavaleiro vitoriano em carne e osso. Isso seria ÉPICO.

"Sei lá, sempre achei que tinha uma coisa bizarra com os Black, mas Sirius não fala neles, e a sua mãe e ele são parecidos pra caramba. Sei lá, parece aquelas famílias antigas, sabe, que primo casa com primo e no fim sai uma geração parecida..."

Ela ficou vermelha. "Sirius nunca mencionou sobre a família? Nunca mesmo? Puxa, até a minha mãe fala neles, e olha que nós realmente fomos ignorados depois que ela engravidou de mim."

Ao longo de todo o caminho para cima, as paredes eram enfeitadas com retratos, alguns em preto e branco. De relance, vi garotos que lembravam Sirius, e garotas enfeitadas e bem vestidas. Tonks parou no corredor em cima, me esperando chegar, para continuar o que estava falando.

"Meu quarto é por aí, olha, "ela seguiu até o fim do corredor, "e olha, se Sirius não gosta de falar nisso, você me prometa que não vai dizer pra ele que eu falei, tá?"

"Mas que segredo infernal é esse? Sério, é só uma família, pelamor." Já estava ficando irritado, quando ela abriu o quarto. Eu entrara em alguns quartos de meninas durante os últimos meses, mas nada se comparava ao de Tonks. A cama de espaldar alto, claramente adaptada de uma antiga cama de dossel, combinava com a penteadeira antiga, pintada de preto e com paper-dolls com personagens do Tim Burton espalhadas em cima. Uma parede inteira era uma única estante também de madeira da mesma cor negra dos outros móveis, e uma seleção da Britannia muito, muito antiga, estava toda alinhada na primeira estante, rente ao teto. Mais perto do nível dos olhos tinham coleções de livros legais, mais alinhados com a nossa idade.

Tonks afastou as cortinas pesadas de veludo que estavam deixando tudo na penumbra, e sorriu. "O que achou?"

Uau.

"Bom, o negócio é o seguinte." Ela sentou na cadeira almofadada da penteadeira. "Os Black são antigos pra caramba, e muito nobres. Sério."

De repente, me senti como a amiga da princesa naquele filme que Emme adora, Diários da Princesa, sabe? De repente o seu melhor amigo é herdeiro de uma família nobre, sabe? Já aconteceu isso com você? Pois é, aconteceu comigo.

"Vocês são nobres?" Testei a pergunta, como se falando em voz alta fosse tornar a situação toda menos bizarra. "Você, e Sirius, são, nobres?"

"De sangue, mais ou menos... Mas é, por aí."

"E Sirius sabe disso? Ele sempre soube disso?"

"Olha, aí eu já não sei... Mas o pai dele com certeza sabe. Digo, minha mãe é prima de Sirius, mas é da idade do pai dele, e ela sempre disse que eles cresceram juntos, antes de mudarem para essa região de Londres, na época em que Roger tinha uns catorze anos."

"E o que diabos vocês fazem em STOVINGTON?" Não consegui me segurar, indignado. "Stovington!"

"Eu estudo lá porque meus pais não herdaram a grana toda, Remus. Ignorados pela família, lembra? Roger? Eu sei lá, segundo a minha mãe ele ficou bem rebelde depois que mudaram pra cá, é bem capaz de ter ido para uma pública só para irritar o pai e a mãe."

"Meu deus." Sentei na cama elegante dela, e Tonks riu da minha cara. "Sirius deve ter tata tataravós nos meus livros de história, e eu nunca notei. Ele nunca disse nada, que diabo é isso?"

"Não diz pra ele que eu falei sobre isso. Vamos, vamos jogar Halo."

Embora o jogo fosse divertido, e Tonks uma parceira exigente, fiquei o resto da tarde com aquilo martelando a minha cabeça. Era simplesmente surreal Sirius ser herdeiro de uma família antiga, simplesmente surreal. Era como se de repente ele fosse um Skywalker, sei lá.

Quando já estava escuro, e nós só estávamos terminando uma campanha para eu ir embora, a porta abriu de novo, e Tonks gritou "oi, mãe!" para uma sombra que entrava na casa. Sai da posição precária em que estava jogando para parecer mais apresentável para a mulher, e quando ela chegou a cumprimentei com um aceno desajeitado da cabeça, sem saber se devia apertar a mão dela ou fazer uma reverência.

Andromeda Black Tonks era uma mulher que eu certamente não iria esquecer tão cedo. Não tanto pela beleza, porque ela era tão bonita quanto Tonks (sem os cabelos doidos e os piercings, claro), mas pela altura que ela parecia ter, apesar de ser uma mulher normal. Os cabelos ainda tinham a mesma cor do que eu vi na foto, e ela só parecia levemente mais velha do que sua versão congelada em cima do consolo. Os olhos estavam cansados, eu podia ver por olheiras discretas abaixo deles, mas ela olhava ao redor como se fosse a rainha daquele sobrado, e entrou com um salto enorme cor de vinho dentro da sala, sorrindo para a filha.

"Esse aqui é o Remus, mãe."

Levantei num salto, e ela sorriu altiva para mim. Assenti em silêncio, e ela pareceu me analisar um minuto. "Boa noite, Remus. Já jantaram?"

"Ainda não, mas estamos terminando a campanha pra fazer umas fritas e Remus ir embora. A mãe dele não me curte muito..." Ela riu, e quis jogar a almofada nela para ficar quieta. Os olhos de Andromeda faiscaram.

"Ora, mas o que há de errado? Nymphadora fez algo mal educado em sua casa, Remus?"

"Não! Não, Sra. Tonks…Minha mãe é desconfiada de todo mundo..."

"Se precisarem que eu converse com ela, só avisar." Andromeda suavizou a expressão, e tocou no meu rosto. Ela tinha um sorriso descontraído parecido com o de Roger. Era o mesmo charme que essa família parecia ter. "Como vão os meus primos?"

"Bem... Todo mundo bem."

"Ótimo. Bom te conhecer, Remus."

E foi assim que conheci a mãe e o pai de Nymphadora, e descobri que na verdade estou vivendo no Diário da Princesa.

Finalmente, para encerrar o tópico em questão, vamos ao mais bombástico do pré-recesso: meu encontro com Emmeline. Ela tinha me chamado de manhã, dizendo que se sentia sozinha e que estava triste. Não entendi direito o que ela estava querendo com isso, mas eu sabia que a vida de gente que nem Emme era cheia de altos e baixos. Ter muitos amigos, as vezes, era não ter nenhum.

Então entrei no New Beatle dela assim que terminou a aula, e já perguntei logo de cara o que ela estava sentindo. Emme suspirou no volante. "Bom, não vou dizer que não sacrifiquei nada pela nossa amizade, Rem."

Crispei os lábios, tenso. "Não me arrependo, porque é bom ter um bom amigo, pra variar. Mas sabe, os meninos já não falam mais comigo... Lily está toda de amizade com aquele esquisitão, Leninha e Amos estão num clima de romance que está me fazendo ter vontade de chorar, Alice se enroscou com Frank, é um menino que vocês não conhecem... Nem Hilary ou Fergie tem tempo mais. Os pais delas estão pegando no pé das duas por causa do último ano que vem chegando, coisa e tal. E ainda tem esse admirador, sabe, que tipo, porque fazer assim, entende? Porque mandar cartas se não vai falar comigo?"

Senti como se um bloco de gelo estivesse sendo forçado pela minha garganta abaixo. "Você é legal, não precisa de tanta gente assim." Acariciei seu ombro, e senti um choque percorrer o meu braço.

Ela estacionou, e entramos juntos. Dona Evy não estava em casa, e Emme ligou a chaleira. "Lembra quando a gente namorava?" Ela riu, e a acompanhei. Comemos, e sentamos na sala pra ver um pouco de tv.

Não sei exatamente em que altura do episódio de Friends nós nos aproximamos no sofá, e não sei o que deu em mim de passar o braço em volta dela. Talvez fosse a raiva de Edgar falando, ou a frustração por não poder ajudar Emme... Eu não estava pensando, todo o meu cérebro cheio de conhecimento acadêmico não conseguiu me impedir de encostar minha cabeça na dela, sentir seu perfume delicado, e me arrepiar ao senti-la suspirar enquanto retribuía meu abraço.

Agora, pensando em retrospecto, eu não posso negar que sempre achei Emmeline bonita. No começo do colégio, ela nunca ligou pra mim (inclusive, ahem, jogava coisas em mim), mas depois de tantos momentos bacanas, eu simplesmente adorava a garota. E ela estava ali, abraçada em mim, quando senti seus lábios na minha bochecha, e por reflexo virei o rosto para encará-la. Os olhos de Emme estavam fixos nos meus, e ela sorriu com leveza enquanto acariciava meu rosto com a mão.

"Em..."

"Você é um bom amigo, Remus."

A voz dela saia em sussurros, como se estivesse com medo de dizer o que estava me dizendo, e ao mesmo tempo com vergonha. Ela se aproximou, e não fiz nada para pará-la.

"Você está chateada, Em-"

"Ei," ela riu, e plantou um beijo na minha boca, "eu faço o que eu quiser. Até hoje, você foi o único que me deu o mínimo de apoio nas minhas doideiras, Rem."

Tentei não sorrir, mas ela estava tão adorável, e diferente da Emmeline arrogante e metida que eu conhecia, que não me segurei. Desarmado, deixei que ela se aproximasse de novo, e os dedos dela se enroscaram nos meus cabelos enquanto nos beijávamos no sofá. Um calor desconhecido subiu pelas minhas pernas, e meu coração entrou num ritmo alucinado conforme aquele beijo não terminava.

Emme pegou no colarinho da minha camiseta, e estremeci quando ela desceu para o cós dos meus jeans, me puxando para perto dela cada vez mais. Tropecei nas almofadas, e ela soltou uma risada abafada quando caímos do sofá direto no tapete fofo, minha respiração pesando a cada arfada que eu dava entre os beijos que nenhum de nós rompia. Eu não sabia o que fazer, minhas mãos tateavam na confusão dos nossos corpos, e hesitei quando ela me largou e se esticou, querendo tirar a minha camiseta.

"Eu-""

"Eu também não." Ela riu, e cobriu a boca com a mão pintada de vermelho para abafar o som. "Desculpa, se estou te forçando-"

"Não!" Ofeguei. Ela sorriu, e os pelos da minha nuca arrepiaram quando ela tirou a minha camiseta. Seus lábios eram duas vezes mais macios-

"Remus!" A porta atrás de mim se abriu, e meus devaneios sobre as duas últimas semanas foram interrompidos na melhor parte. Escorreguei as pernas de cima da escrivaninha e cambaleei até a porta, as imagens de Emme, Edgar, e aquela música infernal de natal ecoando na minha cabeça. Assim que abri, minha mãe esticou a cabeça para dentro:

"Por Deus, Remus, você vai usar essas coisas com frases até no Natal?"

"Mãe..." Grunhi, e me apoiei no batente da porta. Minha mãe consegue ser tão invasiva às vezes!

"Olha, eu sei que você está numa fase reclusa, mas a sua tia está aqui. Você precisa ficar com Ervin."

Forcei um sorriso, peguei o celular e desci. A lareira estava ligada, e a árvore que minha mãe tinha montado estava cheia de presentes embaixo, provavelmente os comprados naquele dia junto com os da minha tia.

A irmã mais velha da minha mãe tem o nome mais bizarro do mundo: Winnifred. Na época em que a medicina ainda não tinha sugado completamente o senso de humor da minha mãe, ela e meu pai só se referiam à tia Winnifred por "Fred", o que gerou um desconforto nas festas de quando eu era criança. Contudo, e eu não consigo ressaltar o suficiente, essa piada só restou mesmo na cabeça do meu pai.

"Fred!" Ele sorriu enquanto ela e o marido, tio Tony, tiravam os casacos e ajudaram meu primo a fazer o mesmo. Ervin tinha doze anos, e tinha seus altos e baixos conforme as festas em família passavam. Eu só tinha que torcer para que esse ano ele estivesse numa época boa.

"Ah, John." Tia Fred sorriu amarelo com seu sotaque forte do interior. "Judith ainda não jogou você pela janela."

"Nanão, Fred, ainda estou aqui. Ei, Tony!"

O marido da minha tia era mais bem humorado que ela, e abraçou o meu pai. Cumprimentei tia Fred com um beijo no rosto, e Ervin ergueu o polegar. "Ei, primo." Disse.

"Ei. Tem internet aqui?" Ele olhou em volta, e soltei um suspiro. Era melhor ter ficado lá em cima.

Narrado por: Peter Pettigrew

Primeira Impressão: A melhor parte do Natal é definitivamente a janta (a comida, digo)

Ouvindo: Histórias de caça do meu vô

"Aquele veado não tinha chance, ah, não!" o punho gordo do Vovô Pettigrew bateu com tudo na mesa, e mamãe sobressaltou-se, soltando um guincho. Olhei tenso para ela, e ela sorriu tranquilizadora em minha direção.

"Vou pegar mais caçarola, que tal? Quer mais pudim, Eric?"

"Sim, Cecily, obrigado." Meu avô cortou um pedaço enorme de peru e enfiou garganta abaixo, sorrindo para si mesmo com satisfação. "Peter!"

Me assustei com a chamada súbita, e sorri para ele. "Sim, vovô?"

"Richard me disse que você arranjou uma garota, certo?" A voz dele, rouca, mas poderosa, me deixava instável, emocionalmente. Vejam bem, meu avô é realmente velho, realmente gordo, e realmente tenso. Veterano da segunda guerra, ele não consegue falar, só gritar frases curtas, diretas, e desconfortáveis, na maioria das vezes. Desde que eu me lembro por gente escuto o meu nome ser entoado do mesmo jeito ("Peter!"), e as perguntas são sempre as mesmas ("Já conseguiu uma garota, Peter?", "Ainda é um gênio, garoto?", "Na minha época não existia faculdade, existiam homens que iam pra guerra, Peter!")

"S-sim, vovô," gaguejei, meu coração ameaçando sair pela boca como sempre, "Zoe."

"Zoe? Que diabo de nome é esse, Peter?"

Mamãe colocou mais comida no prato dele. Meu vô era tão grande que conseguia apoiar o prato na barriga para comer, e nem por isso perdia a cara de militar aposentado. "Ora, na minha época as moças tinham nome de gente! Mary, Jane, Judith... Que diacho é Zoe?"

"E-ela é irlandesa, Eric." Mamãe tentou ajudar, mas assim que a última palavra soou pela mesa, meu avô ficou rosa que nem o peru que ele comia.

"O quê?" Os olhos arregalados dele se voltaram para mim. "Está namorado uma moça irlandesa, Peter?"

"É, pai," Meu pai interviu, mas nem ele conseguia parar a locomotiva que era o meu vô, "é uma moça muito bacana. Peter já foi visita-la em Dublin e tudo, ela veio pra cá..."

"Humpf! Nunca pensei... Ora... Esses separatistas entram em todo lugar mesmo! Na minha época, se um garoto inglês se metesse a besta com uma... uma... garota irlandesa, ora! Você sabia que ela era irlandesa, Peter? Irlandesa, Peter!"

"E daí, qual o problema?" Revirei os olhos, começando a cansar dele falando assim de Zoe. "Ela é legal, ela gosta de mim, eu gosto dela."

"Se eu fosse você botava um pouco de juízo na cabeça desse menino, Richard! Uma garota irlandesa, Richard!"

"Pai-"

"Eric-"

Baixei o copo, e percebi que estava tremendo, só não sabia se era de medo, de raiva, ou de frio (a geladeira tinha sido aberta de novo). "Zoe é bacana, vô." Puxei o celular para mostrar uma foto dela, mas ele virou o rosto.

"Os separatistas, Peter! Eles são o que tem de errado com o Reino Unido!"

"Bom, nesse caso é bom saber como você se sente, porque sei lá, eu posso mudar pra Dublin pra ficar com ela!" Rosnei, e ele me encarou assustado.

"Você deve escutar o seu avô, Peter!" Ele me encarou, e eu encarei de volta.

"Zoe é irlandesa, e daí? O pai dela me recebeu bem, porque você não pode?"

"Peter, acho que já deu..." Meu pai me encarou, e revirei os olhos.

"Dava pra ele entender, pelo menos uma vez, que aqui não é o exército?" Me levantei, e sai da cozinha com raiva. Cheguei na sala, e me joguei no sofá, irritado. A janta que eu tinha comido mais cedo estava me dando azia. Os ruídos de conversa ainda vinham da mesa, mas eu não estava ligando.

Dentro da sala estava quente e aconchegante, e a minha sombra era a única coisa que eu observava enquanto remoía a minha raiva e frustração. Eu queria que a minha família gostasse de Zoe, oras! E agora meu avô estava com raiva porque ela era irlandesa? Tipo, hein?

"Peter!" Ouvi as pernas maciças dele se arrastando na minha direção, e fingi que não estava escutando. Na minha mão, a tela do celular acendeu sem eu querer, e voltei os olhos para a foto de Zoe que estampava minha entrada. O sofá cedeu no assento ao meu lado, e quando tive que mudar o pescoço de posição, vi meu avô olhando para baixo, as mãos juntas na barriga imensa.

"Que foi, vô?" Suspirei, ainda chateado. Instintivamente, escondi o celular.

"Peter." Ele balbuciou. "Escuta, rapaz... Acho que exagerei, eh, veja... Erm... Tem... Tem foto dessa moça?"

Meio a contragosto, e ainda mais surpreso por não acreditar que era mesmo o meu avô que estava me pedindo desculpas, puxei o celular e abri a foto mais recente de Zoe. Ela tinha cortado o cabelo, que estava na altura do ombro agora, e usava um suéter azul que mamãe enviou pelo correio. Meu vô se enrolou um pouco com o tamanho do aparelho, mas logo conseguiu abrir e puxou os óculos para ver melhor o rosto dela.

"A moça é bonita, é..."

"E ela é legal também."

"Herm... Peter. Eu... desculpa." Ele estava vermelho, e parecia um esforço descomunal para falar a frase. "Anda, garoto, vamos comer que a sua mãe na cozinha é melhor que a sua avó era... Só não diga isso pra ela."

Sorri de lado, e balancei a cabeça. Meu avô dá dois passos pra frente, e cinco pra trás.

Narrado por: James Potter

Meta Atual: Descobrir o que há de tão errado com a família de Sirius

Ouvindo: AC/DC – Highway to Hell (Roger está animado)

Na manhã do dia 23, fui acordado pela minha mãe quando o sol mal tinha saído, e ainda estava meio atordoado quando escorreguei para fora do colchão em que dormia e dei de cara com o chão. Fiquei um minuto sentado ali, sem entender como a minha cama tinha ficado tão próxima do assoalho da noite pro dia, até que o barulho de outra pessoa se mexendo acima de mim me lembrou de que eu estava dormindo no quarto de Sirius.

"Parabéns," Regulus nos encontrou na cozinha, os cabelos pra cima enquanto abria as portas dos armários a esmo, sem pegar nada pra comer, "agora eu estou pensando em morrer."

"Ah, cala a boca." Sirius estava mexendo a xícara de chá fazia cinco minutos, e ainda não tinha tomado nada. "Porque a gente precisa acordar quatro da manhã?"

"Porque a porra da minha família mora na puta que pariu." Roger entrou irritado, e meu sono passou um pouco em contato com esse lado rebelde dele. Ele, ao contrário de nós, não estava sonolento, pelo contrário. Tinha tomado banho, penteado os cabelos de uma forma asseada e trocado as roupas esportivas por uma combinação que nunca achei que fosse ver no pai de Sirius: sapatos pretos brilhantes (de onde ele tirou isso?), uma calça com aspecto elegante combinada com um cinto igualmente chique, e uma camisa social com apenas os dois botões de cima abertos. Na cadeira da sala ele tinha colocado o terno negro.

Mamãe virou a omelete no meu prato, e depois foi arrumar a gola dele. "Tem certeza de que eu não devia ter comprado roupas novas, Rogie?" Ela olhou criticamente para a própria roupa, uma saia e uma blusa bonitas que eu só a vira usar no começo da carreira do meu pai como produtor, quando uns caras ricos vinham em casa.

"Não, você tá ótima." Ele acariciou a mão da minha mãe e se afastou. Regulus tinha finalmente escolhido alguma coisa pra comer, e Sirius ainda terminava o chá, quando ele bateu palmas para acordar os dois. "Anda, anda, não quero me atrasar, ok?"

"Porque a gente precisa sair cedo assim?" Sirius gemeu, e Roger revirou os olhos.

"Porque quero chegar no café, e não no almoço. Todo mundo chega na hora do almoço, é o inferno." Ele puxou os bancos para a gente ser catapultado dali, e nos apressou para por as roupas que ele já tinha separado. Meu deus, quando queria, Roger conseguia ser pior que a minha mãe.

"Eu pareço uma boneca!" Regulus resmungou até o carro, tropeçando duas vezes nos sapatos. Sirius e eu nos entreolhamos. A camisa que eles tinham comprado para mim estava incomodando o movimento dos meus braços.

Roger dirigiu por toda a estrada com a expressão dura, e conforme a paisagem ia passando de urbana para rural, eu imaginei o que seria a família Black, e como eles nos receberiam. Se expulsaram Roger da família só porque ele engravidou a namorada com dezessete anos, imaginei o que eles diriam da minha mãe. Oh, céus.

Não sei quanto tempo ficamos em silêncio no carro, só correndo estrada acima em direção à Hertfort, só trocando olhares tensos no banco de trás, mas tive que segurar na porta quando, subitamente, o carro fez uma curva brusca e entrou por uma estradinha de terra serpenteante, que conforme avançávamos ia sendo ladeada por arbustos mais e mais bem arrumados, até que vi, bem ao longe, o que parecia o telhado de uma mansão. Grudei a bochecha no vidro da janela, sem acreditar no que estava vendo, até que chegamos ao fim da estrada, que terminava num portão imenso e de prata (DE PRATA, MEU DEUS!), com um brasão estranho bem no centro: dois cães pareciam lutar, um em cada portão que abriam no centro da briga, e uma frase estava escrita sobre eles, mas encravada no metal de forma que só se podia ler se chegasse perto.

Roger estacionou do lado da portaria, e apertou o botão azul com descaso, esperando o bipe para falar^:

"É o Roger, Kreacher."

"Ah," uma voz distorcida respondeu do outro lado, com um suspiro, "olá, Senhor Black."

E com um movimento suave, as porteiras se abriram, e Roger estacionou no gramado bem aparado, bem diante de uma janela. A mansão era georgiana, alta e quadrada, com janelas altas e brancas cobertas por cortinas pesadas por dentro, e uma porta quadrada de madeira escura e maçanetas douradas. Uma escada de mármore dava diretamente para a entrada, e era circulada por um jardim muito bonito. Apesar de toda aquela elegância, quando sai do carro senti um vento frio me arrepiar os cabelos, e a estranha sensação de estar sendo observado me fez olhar para trás, na direção da grande floresta que começava a mais ou menos um quilômetro dali.

Andamos pelo gramado orvalhado até aquela escadaria, e procurei o olhar de Sirius, como se ele pudesse me explicar o que diabo tudo aquilo significava. Eu sabia que Roger não se dava bem com a família, só isso, e de repente estava numa mansão centenária, no meio do nada, vestido pomposo e tentando fazer o meu melhor amigo olhar pra mim, porque não era possível que Sirius tivesse me escondido aquilo durante tanto tempo.

Paramos na entrada, que abriu-se quase instantaneamente, revelando um homem baixo e magro, com o rosto torto e um nariz adunco que me lembrava aqueles narizes artificiais de bruxa que se compra para fantasias de Halloween baratas. Apesar da cara horrorosa, ele estava bem vestido, de fraque e sapatos brilhantes, e abriu um sorriso frio para nós.

"O bom filho à casa torna, Senhor Black." Ele nos deixou entrar, e Roger passou por ele com um ar incomodado. As paredes do hall eram todas ladeadas por molduras de gesso, o teto era rebaixado da mesma forma, e o chão brilhava em quadrados pretos e brancos intercalados, certamente reformados no século passado (Remus saberia dizer melhor). Nas paredes algumas obras de arte, mas em cima de uma mesa de canto, alguns porta-retratos indicavam que uma família morava ali.

"Sirius." Chamei, e ele olhou aborrecido para mim. "O que é isso?"

"Oreon." A voz de uma mulher, grave e arrogante, ecoou pelo hall vazio. No topo da escada, descendo degrau por degrau lenta e decisivamente, veio uma mulher por volta de uns quarenta anos, com os cabelos tão negros quanto os de Roger, o mesmo rosto forte, e os mesmos olhos cinzas que Sirius e Regulus também tinha. A diferença entre ela e o meu quase – padrasto era tão pouca que eu não precisei que Sirius finalmente reconhecesse meu chamado justo naquele momento, e sussurrasse no meu ouvido:

"Minha tia, Lucretia. Irmã mais velha do meu pai."

"Você sabe que eu não uso mais esse nome, Lulu." Roger cantarolou, forçando um sorriso maníaco, e a irmã dele retribuiu com outro igualmente sarcástico. "É ridículo."

"Papai ia ficar mais feliz se você usasse." Ela finalmente tocou o chão polido com os saltos finos e se inclinou para dar um beijo na bochecha dele. Roger se afastou e chamou a minha mãe pra perto. "Lucretia, essa é Meredith. Mere, minha irmã."

"Meredith." As sobrancelhas finas dela arquearam, e Sirius e Regulus fingiram que iam vomitar. "Nome muito charmoso."

"Lucretia? Lucretia!" Alguém chamou do andar de cima, e ouvimos passos pesados vindos de cima, seguidos por um homem da mesma idade da irmã de Roger, meio fora de forma, mas vestido que nem um prefeito de cidade pequena. Assim que viu Roger, abriu um sorriso irônico.

"Da última vez que eu te vi, Oreon, Sirius não precisava fazer a barba!" Ele ficou em paralelo com Lucretia, e senti os olhares dos dois me escaneando igual a um raio x de aeroporto. "E... Quem é esse?"

"Da última vez que eu te vi você não tinha essa barriga!" Roger riu, mas pelo som de doido que ele estava fazendo, eu duvido que fosse brincadeira. "E esse aqui é o filho de Meredith, James. Ele é amigo de Sirius."

"E quem é esse?" Eu sussurrei para Sirius, que fez uma careta.

"Ignatius. Marido da minha tia. Ele quer ser engraçado, mas não é."

"Eu odeio esse lugar." Regulus grunhiu, e arreganhou os dentes num sorriso de má vontade quanto Lucretia deu um beijo cordial em sua bochecha.

"Estamos muito felizes que você decidiu vir esse ano, Oreon."

"Roger," Roger corrigiu, e ainda não estava entendendo o que diabos era Oreon (além da constelação e da lenda, claro), "eu não uso Oreon há anos, Lulu. E tia Cassiopeia disse que precisava muito falar comigo, por isso eu vim. Não acho que ela tenha muito tempo pra viver, então..."

"Você é um cara engraçado, Roger." Ignatius riu sem vontade. "Mas isso é bom. Todo mundo vai estar aqui, não é, Lucretia?"

"Isso. Tia Cass foi bem... Específica. Espero que isso te faça mudar de ideia sobre nós, Roger."

"Podemos levar as malas aonde?" Roger interrompeu. Lucretia crispou os lábios um pouco, mas a expressão neutra e cordial não mudou.

"O seu quarto está montado para visitas. Não sabíamos que um terceiro garoto viria, mas peça a Kreacher para montar uma cama extra para ele. E desça logo, o café vai ser servido daqui a pouco. Papai chegou ontem à noite com mamãe, ele quer te ver também. E pelo amor de Deus, não me diga que ainda está usando aquele brinco horroroso."

"Pode deixar, Lulu." Roger pegou a mala e começou a subir a escadaria de onde Lucretia e o marido tinham saído. Antes de virarmos a primeira curva à esquerda, ouvimos a mesma gritar, lá de baixo: "Pare de me chamar assim!"

O "quarto de Roger" ficava logo no começo do corredor comprido que começava naquela curva, e quando ele abriu a porta, alta e chique que nem as outras, meu queixo ameaçou cair de espanto. Era um cômodo maior que a sala e a cozinha do apartamento em que eles viviam, juntos. O chão era de madeira pura, polida e bem cuidada, e uma cama de casal de dossel estava colocada bem no centro, de costas para as janelas que deixavam entrar largos feixes de luz, banhando a estrutura toda esculpida e as cortinas jogadas em cima das vigas castanhas. Os lençóis já tinham sido postos tanto nela quanto nas duas camas que estavam posicionadas na parede perpendicular, igualmente chiques, porém mais novas que a principal. Sirius e Regulus jogaram as mochilas em cima delas.

"Hey, coloca a sua aqui comigo." Sirius indicou a cama mais próxima de mim, e joguei minha mala ali também. "Nossa, faz muito tempo que eu não venho aqui."

"Rogie." Mamãe sentou na cama, e usou os braços para se estabilizar no colchão macio. Roger estava abrindo a mala sobre uma cômoda de aspecto muito antigo, mas não abriu nenhuma gaveta para coloca-las dentro. "Roger, você pode explicar tudo isso?"

O clima no quarto pesou. Regulus se jogou de costas na cama dele e cobriu os olhos com o braço, fingindo dormir, e Sirius e eu ficamos quietos, com cara de dor de barriga iminente, sem saber o que fazer. Roger fechou a mala de novo e virou-se para mamãe.

"Eu disse que eles eram podre de ricos, Mere."

"Rogie, tem um brasão no seu portão." Mamãe parecia preocupada, e ao mesmo tempo escandalizada. "Brasão não se compra. E Oreon? Quem é Óreon, Roger?"

"Portão deles. E outra, só porque eles têm brasão não significa que sejam boas pessoas. Ok, você quer que eu explique. Ok, explicações: meu nome completo é Oreon Roger Black, aquela que vocês tiveram o desprazer de conhecer é a minha irmã mais velha, Lucretia, associada com um bando de bancos acusados de sonegação e mais uma cacetada de coisas, mas que nunca sequer foi interrogada porque a polícia não consegue ver a cara dela através da multidão de advogados que a defendem. O barrigudo ruivo é Ignatius, marido dela, igualmente safado, imagine só, advogado."

"Você disse que eles não gostavam de você," mamãe pareceu tomar mais coragem agora que Roger estava com a língua solta, "porque Donna ficou grávida com dezessete anos. "

"Donna estudava em Stovington, uma escola pública na cidade. E ficou grávida com dezessete anos. Do filho rebelde da família. Que tinha dois furos na orelha e tinha sido expulso de Eton porque tocou fogo na sala de química e chamou a diretora de safada porque ela tentou extorquir os meus pais em troca de me deixar ficar."

Por um segundo tentei imaginar Roger, com o uniforme do colégio mais caro e tradicional da Inglaterra, com dois furos na orelha, todo chamuscado e xingando a professora.

"Ok, sem detalhes, por favor." Minha mãe continuou, mas eu percebi que ela devia estar imaginando a mesma imagem que eu, porque estava se segurando pra não rir. "Entendi, eles não gostam de você porque era rebelde, e agora querem ver se deixou de ser para voltar para a família."

"Não sei o que eles querem de mim dessa vez. Eu nunca aceitei nada deles, e vão precisar me fazer uma proposta irrecusável se quiserem que eu volte a ter qualquer coisa a ver com essa família. Desculpa arrastar vocês dois pra cá."

"Não tem problema..." Mamãe se deixou sorrir, e Roger enterrou as mãos nos bolsos. "Sabe, eu sempre imaginei como seria ser da nobreza, quem sabe esse natal não me ensina uma coisa ou outra?"

Roger sentou na cama ao lado dela, e Sirius sorriu solidário. "Dona Mere tem razão. Pelo menos aqui tem comida pra caramba, dá pra encher a barriga pra vida toda e ainda guardar pra próxima."

"Você conhece todo mundo aqui?" Perguntei a ele, curioso. Sirius riu amargamente.

"Eu conheço a maioria. Mas sério, meu pai estava sendo sincero quando falou que são uns sem-vergonha. Ganharam dinheiro desde a Idade Média matando e roubando, e continuam até hoje. Os poucos que tem o caráter minimamente melhor caem fora enquanto podem. E falando nisso, será que o Primo Alphard vai estar aqui?"

Roger soltou uma risada nasal. "Sei lá, ele não passava as festas num cabaré em Paris?"

"Essa família é uma desgraça." Regulus resmungou debaixo do braço.

"Não diga isso na frente do seu vô, Reg." Começamos a descer para o café. "Senão minha dor de cabeça vai me fazer desmaiar."

A sala de jantar era igualmente enorme, e igualmente pomposa. Uma mesa comprida, bem servida de todos os tipos de comida que conseguir imaginar, era o centro das atenções, e Lucretia e Ignatius já estavam lá, comendo e conversando com um casal mais velho. Os dois aparentavam uns setenta anos, por aí. O homem usava um bigode, o rosto mais fino, que lembrava Reg, mas o olhar cinza e arguto. A mulher tinha os cabelos cacheados grisalhos, mas provavelmente deviam ser negros como os de Lucretia. Seus olhos eram pretos, o nariz meio curvo, e o rosto com as maçãs do rosto meio altas, o que davam a impressão de que ela estava julgando todo mundo com quem falava.

Entramos, e os dois pararam a conversa para nos observar. A mulher se levantou com mais agilidade do que eu supus que ela tivesse, e o homem demorou um pouco mais para acompanhar o passo. "Oreon."

"Oi, mãe."

"Os garotos estão enormes!" O homem caminhou meio hesitante até Sirius, e o encarou como se fosse um cientista analisando uma amostra complicada. "Daqui a pouco Sirius já vai ter postura de caçador. Ainda bem, ou não vou ter ninguém para deixar minhas armas quando eu morrer."

"Não fale assim, papai." Lucretia sorriu sem muita paciência, e o pai de Roger abanou a mão para a filha.

"Deixa ela pra lá. E quem é a moça?" Ele chegou perto da minha mãe, que corou e sorriu com a palavra "moça".

"Meredith, meus pais. Meus pais, Meredith."

"E ela veio com um presentinho?" A mãe de Roger olhou criticamente para mim com aqueles olhos penetrantes. Ele olhou sério para ela.

"Veio sim, esse é James, filho dela. Um ótimo garoto, se você soubesse reconhecer algum."

"Ah, lá vem vocês de novo," o pai de Roger rolou os olhos, irritado, "estão juntos faz dois minutos, santa paciência!"

"Arcturus!" A mãe de Roger olhou irritada para o marido. Ele retrucou com o mesmo tom:

"Melania! Ora essa, se eu já não tenho idade pra escutar essas besteiras de vocês dois. Calem a boca!"

"ROOOOOGEEEER!" Uma voz pomposa e extravagante retumbou no lustre de cristal, nos espelhos decorativos, e até no bigode arrepiado do Sr. Arcturus, e um homem alto e magro entrou na porta lateral com um sorriso largo. Estava na casa dos quarenta anos, mas se vestia igual a um jovem de vinte. Uma jaqueta de couro tipo aviador, calças jeans surradas estrategicamente, os cabelos puxados para trás e uma corrente de ouro pendurada no pescoço. Ok, talvez me expressei mal. Ele se vestia como um jovem que teria vinte anos na década de setenta, sei lá.

Roger sorriu de volta, e Sirius foi o primeiro a correr na direção do homem. "Primo Alphard!" Os dois se abraçaram, e o homem deu um forte tapa nas costas de Sirius, que o fez perder a respiração por um segundo. "O que você vem dando pra esse garoto, Roger? Sinceramente! Quantos anos você tem, Sirius?"

"Dezessete." Sirius sorriu amarelo, e percebi que tinha esquecido do aniversário dele. Meu deus, passei o mês de novembro todo no laboratório praticamente, me esqueci totalmente que ele tinha feito aniversário. Constrangido, sorri quando nossos olhares se encontraram, e ele fez uma careta que eu sabia que queria dizer "é, você achou que eu não percebi que você esqueceu, né, seu babaca".

"DEZESSETE?" O tal do Alphard exclamou. "Assim que você fizer dezoito você vai me ligar, entendeu? Roger não leva jeito pra isso, mas eu vou te apresentar pra Mimi. Ah, a Mimi é deliciosa–"

"Ok, Alph, é bom te ver também!" Roger tirou Sirius de perto do primo e o abraçou. "Graças a Deus a ala divertida da família veio."

"Esse cara parece legal." Disse, em tom apologético, quando Sirius voltou para perto de mim. Ele riu.

"Alphard é o cara mais vida louca que tem aqui, James. Sério. Meu pai disse que ele teve uns problemas aí com jogo, e com essas garotas que ele conhece, mas é um cara bacana. Pelo menos não é maluco que nem o resto."

"Seu avô parece não ser tão ruim." Nem olhei para os dois idosos que tinham voltado a sentar, com medo de a mãe de Roger voltar a me encarar daquele jeito desconfortável que ela fazia. Sirius rolou os olhos.

"Agora que ele tá velho resolveu virar doidão, dizendo o que quer pra qualquer um. Meu pai disse que quando ele e Lucretia eram crianças, o meu vô era pior que um ditador em casa. Ameaçou rasgar a orelha do meu pai quando ele furou."

Nos sentamos, e enquanto Alphard contava umas histórias malucas para Roger (algumas muito, muito obscenas), e Lucretia fofocava com os pais ("você devia ver a roupa que ela estava usando, mamãe. É a rainha, eu sei, mas pena que não podemos depor monarcas por parecerem manequins de padaria...), uma senhora idosa, mais ou menos da idade dos pais de Roger, chegou acompanhada de um senhor parecido com ela, provavelmente irmão. Os dos sentaram nas primeiras cadeiras à direita e à esquerda da ponta, e não falaram com mais ninguém.

"Quem são aquelas simpatias?" Cutuquei Regulus, já que Sirius estava ocupado escutando uma das noitadas de Alphard em Paris ("Mimi e eu simplesmente não estávamos conseguindo mais aguentar, você sabe como é, a comida, a dança, quando vi ela estava sem roupas naquele elevador-"). Ele nem virou o pescoço.

"Tio Pollux e Tia Cassiopeia. Os velhos mais chatos da face do planeta. Quer que eu apresente você? Tia Cassiopeia adora ficar cinco horas contando da vez que ela foi pra um safari e quase matou um menino porque ela 'confundiu com um macaquinho'. Pessoa legal."

Chocado, tentei ver, por trás da expressão pacata dos dois enquanto comiam seus ovos mexidos, qualquer sinal do tipo de gente que Sirius, Regulus, e Roger os pintavam, e depois voltei os olhos para o resto da mesa. Com os Black, pelo que eu começava a perceber, tanto fazia o que acontecia fora daquela casa. Ladrões, sonegadores, pervertidos, preconceituosos, todos escondidos atrás de facetas respeitáveis, belos o suficiente para que ninguém desconfiasse que, por trás de uma família inegavelmente bonita (literalmente bonita, porque todo mundo lá era a definição de beleza), se escondia uma sombra.

"Lucretia, querida, que bom vê-la aqui." Um casal entrou um pouco mais tarde, quando eu já estava terminando de comer. Ele era o mais parecido com Roger que eu já vira naquela manhã toda. Tinham o mesmo tipo físico, igualmente mantido provavelmente com exercícios, o mesmo rosto, as mesmas sobrancelhas grossas, e o mesmo cabelo, exceto que o homem cujo nome eu ainda não sabia tinha os fios negros rajados de prateado, como se alguém tivesse passado um pincel grosso com tinta das duas têmporas dele até a nuca. No braço dele, vinha uma mulher loira, com o cabelo solto e enrolado igual ao das mulheres dos anos 50 que Remus achava lindas, olhos castanhos com pálpebras pesadas, e lábios pintados em vermelho vivo, sorrindo artificialmente para todos sem desgrudar dos braços do marido.

"Dia, Cygnus, Druella." Roger cumprimentou sem sair do lugar, mastigando sonoramente um pedaço de pão. O homem estendeu a mão.

"Orion! Mas que beleza, a família reunida. Só falta a minha filha aparecer, mas essa esperança eu já não alimento mais."

"Andromeda é muito ocupada." Roger retribuiu o aperto de mão, e notei que tanto as veias dele quanto as de Cygnus estavam saltadas pela quantidade de força que estavam pondo naquele aperto. A loira estendeu a mão logo em seguida, com as costas viradas para cima, e pareceu desapontada quando Roger a apertou. "Meredith, estes são Cygnus e Druella, meus primos."

"Jim," Sirius se esticou na minha direção, "esses são os avôs da Tonks, amiga do Remus, sabe?"

"Mas eles são tão... novos." Franzi a testa, e Regulus grunhiu.

"Você não percebeu? Todo mundo aqui é novo. Essa família é bizarra."

Atrás do casal entraram duas mulheres, e notei que eram uns dez anos mais velhas que eu, no máximo. Uma era loira como a mãe, com olhos azuis delicados, uma pele que parecia porcelana, e com o rosto tão perfeito que eu não conseguiria dizer se estava ou não com maquiagem. A outra era mais alta, mais curvilínea, e usava um vestido preto apertado e decotado. Os cabelos eram escuros, com cachos longos que estavam amarrados, deixando bem à mostra os olhos de pálpebras caídas e os lábios arrogantes. Por algum motivo, eu achava que já as conhecia.

"Droga." Regulus reclamou, e tirou uma nota de dez libras do bolso para jogar em Sirius. Eu, que estava sentado entre os dois, só vi a nota passando, e Sirius enfiando no bolso com ar de vitória.

"Eu falei que ela devia estar gostosa." Ele riu, e se levantou subitamente pomposo para cumprimentar as duas.

"Sirius." A morena sorriu sedutoramente (ou foi impressão minha), e se aproximou para dar um beijo na bochecha dele. "Meu noivo chega daqui a pouco."

"Você é tão simpática, Bella."

De repente eu me lembrei de onde as conhecia, afinal. Elas tinham ido, há uns oito anos, no apartamento, não me lembrava porquê. Sirius não sabia o que jogar com elas, e alguém desencavara um jogo de Twister. No fim das contas, ele acabou tropeçando, e beijou uma delas por acidente. Ao que me lembrava, era justamente Bella.

Bellatrix.

"O meu também." A loira anunciou, sorrindo de um jeito presunçoso. "O meu noivo é super rico e lindo. Tem uma propriedade em Wiltshire."

"Que bom pra vocês."

Pedi licença e deixei a mesa assim que Sirius fez o mesmo, e seguimos para o hall para pedir ao mordomo por mais uma cama. Quando chegamos lá, Kreacher estava empurrando um senhor muito, muito velho, numa cadeira de rodas. Sirius parou subitamente ao meu lado, congelado no lugar, e eu já estava desconfiando daquele velhinho aparentemente inofensivo de tão idoso. A pior parte é que ele me lembrava Sirius demais. Era praticamente como ver o meu melhor amigo, velho pra caramba.

Kreacher perguntou algo na orelha do homem, e ele deu de ombros, quieto. Seus olhos estavam fundos, as bochechas caídas, e a pele do pescoço era flácida. Sirius continuava estático, e Kreacher parou o homem perto das escadas para chamar alguém dentro da sala do café. Aproveitei que aquele mordomo maluco estava fora e cutuquei Sirius, que reagiu como se meu dedo fosse feito de corrente elétrica.

"Sirius, quem é ele?"

"Sirius." Sirius murmurou, tenso, "Sirius Black."

"Esse cara tem o mesmo nome que você?"

"Reg tem razão, essa família é cheia de doidos." Ele parecia desgostoso só de estar no mesmo hall daquele homem. "Sirius é veterano da segunda guerra."

"Uau," arregalei os olhos, impressionado, "será que ele conhece o vô do Pete?"

Sirius tentou rir, mas só saiu um som estranho de escárnio. "Jim," ele finalmente me encarou, tão sério que fiquei me sentindo um idiota em perguntar qualquer coisa, "eu duvido que o meu bisavô tenha conhecido o avô do Peter. E se tiver, azar o do Sr. Pettigrew."

"Porque?"

"Porque, James," ele suspirou, "Sirius espionou pelos nazistas."

Narrado por: Sirius Black

Filme do Momento: A Mansão Mal Assombrada (Mais conhecida como: Natal com a família Black)

Ouvindo: Conversinhas e fofocas

"Porque o seu pai te daria o nome de um espião dos nazistas?" James insistiu pela milionésima vez naquela noite, quando já estávamos no salão de festas todo decorado para a ceia de natal. A mesa estava farta, mas ainda estávamos na fase das conversas jogadas fora.

"Foi ideia da minha mãe, ok?" Finalmente respondi. "Regulus também, é o nome do tio do meu pai. Ela não sabia, achou que fazer isso fosse melhorar as coisas entre os pais do meu pai e ela. Não adiantou muito."

"Ah, ok." Ele ficou quieto, graças a Deus. Estávamos sentados numas cadeiras no canto, e meus olhos percorriam as pessoas ao meu redor sem acreditar que aquela era a minha família. Um velho nazista e gerações e gerações de corruptos.

James não entendia como era ser assim, como ele era privilegiado por pelo menos não sentir vergonha de quem se é por causa da família. Bellatrix e Rodolphus, o noivo dela, estavam discretamente no canto, e eu podia jurar que uma trilha de pó branco marcava a mesa de vidro. Lucretia e Cygnus estavam no outro, trocando informações. Certa altura, meu primo passou uma flipeta larga de papel para ela, provavelmente um cheque.

E o natal seguia assim, desde sempre. Fiquei me lembrando de quando vinha aqui quando era criança, na época da mamãe, e consegui afastar meus pensamentos um pouco daquela festa irritante. Regulus ainda era muito criança pra lembrar, mas eu já tinha seis anos. Era a virada do século, a casa estava brilhando igual a um anel de diamante, todo mundo com roupas alegres, fogos preparados no quintal, e eu lembro de ter muito barulho, não importasse aonde eu fosse.

Mamãe estava tão linda, mas tão linda mesmo, que eu fiquei do lado dela a noite toda (ajudava também que Regulus morria de medo de fogos, então meu pai ficou com ele no colo boa parte da festa), segurando a sua mão enquanto esperávamos dar a meia noite pra poder comer. Ela tinha esse cheiro engraçado, que não era perfume. Era uma mistura de morango, chocolate, e uma flor, que eu nunca consegui sentir de novo, só perto. Eu lembrava de estar preocupado porque o Regulus ia perder os fogos, e ela só ria.

"Sirius, Regulus não gosta de fogos."

"Porque? Todo mundo gosta de fogos!"

"Ah, querido, sei lá." Ela riu, e até hoje eu não me conformo de nunca ter percebido que ela era jovem demais pra saber tudo nesse mundo. Mamãe tinha 24 anos. "O que eu sei é que você vai gostar."

Tia Lucretia nos olhava a distância, sem mamãe perceber, e falava alguma coisa para Bellatrix e Narcissa, adolescentes, que riam sem parar. Uma hora, Bella esfregou a mão na barriga como se estivesse grávida, e elas gargalharam. Fechei o punho com força, e fiz o que, na minha cabeça, era a coisa mais extrema a se fazer: contei pra minha mãe.

"Mãe, a tia Lucretia tá dando risada de você, mãe." Puxei a barra do vestido curto prateado que ela estava usando. Minha mãe voltou os olhos para minha tia, mas em vez de ficar brava, como eu estava esperando, deu risada.

"Ela só está com inveja, querido," senti a mão dela passar do meu cabelo para o meu rosto, e me encolhi quando ela me beijou, deixando uma marca forte de batom na minha bochecha, "porque eu tenho três meninos lindos, e ela é seca e sozinha."

"Ela é sozinha?" Não entendi o que mamãe queria dizer. Ela piscou.

"Ter marido ou mulher não é o mesmo que ter companhia, Sirius."

Sorri pra ela. Perto da meia noite, meu pai chegou com Regulus dependurado nas costas, adormecido, e sentou-se com a gente, e fiquei entre os dois esperando a contagem. Primo Alphard passou com a camisa aberta e duas mulheres que eu não conhecia penduradas em cada braço, distribuindo beijos pelo rosto e pescoço dele. Meus pais riam sem parar dele, e abaixei a cabeça quando meu pai se esticou para dar um beijo na minha mãe.

"Estavam se divertindo?"

"Tia Lucretia tava rindo da mamãe." Contei imediatamente, e meu pai também riu.

"Não precisa se importar com a tia Lucretia, Sirius, ela é uma invejosa de primeira. Está assim porque a sua mãe está mais bonita que todo mundo aqui."

Assenti. Quando os fogos foram lançados, ficamos os quatro ali, Regulus dormindo (depois ele acordou, mas aí não tinha como fugir), mamãe e meu pai me abraçando e sorrindo um pro outro.

Mas eu divago, como sempre. Mamãe não estava mais aqui para chamar tia Lucretia de invejosa, Regulus estava com o pescoço pendendo para trás urrando de tédio, e meu pai estava do outro lado do salão, falando com a Dona Mere, muito diferente daquele ano novo.

"Jantar!" Kreacher anunciou, e seguimos para a comprida mesa, com lugares marcados pra todo mundo. Na ponta da mesa meu bisavô, do mesmo jeito de sempre, seguido pelo tio Pollux, na direita, e tia Cassiopeia, na esquerda. A partir dele seguiam o meu avô, minha vó, minha tia e meu tio, Cygnus e Druella, as meninas deles, e três lugares vazios. Do lado esquerdo, os irmãos do meu avô, primo Alphard, meu pai, dona Mere, James, eu, Reg. Quando estávamos para sentar, senti a tensão de novo no ar, e cutuquei James o mais freneticamente que pude para ele olhar pra trás.

"Andy!" Roger levantou tão rápido que Dona Mere se assustou. Eu mesmo não acreditei quando vi Andromeda entrando pela porta, uma versão tão bonita quanrto Bellatrix, mas boa. Ela sorriu para o meu pai, e James sorriu quando vimos Nymphadora logo atrás, o cabelo metade em preto e metade vermelho, um batom escuro, e botas, com uma saia xadrez... Cara, ela veio de punk na janta da família.

"Remus precisa casar com ela, Jim." Sorri, e levantei para cumprimenta-la. Lucretia parecia que ia ter uma síncope, e Narcissa estava tão escandalizada que parecia que Nymphadora tinha aparecido sem roupa.

"Feliz Natal, prima!" Gargalhei, e meu pai parecia estar se divertindo pela primeira vez naquela festa. Ted veio atrás ainda segurando as chaves do carro, e os três se sentaram logo ao lado do noivo de Narcissa. Apesar de fazer muito tempo, eu estava começando a me lembrar porque gostava de Nymphadora, mesmo ela me lembrando a família. E que família.


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