A Pedra Vermelha escrita por Cambs
Notas iniciais do capítulo
Hello.
Dez Anos Depois
Ela cerrou os olhos tentando concentrar-se na leitura, mas assim que eles encontraram a linha ela desistiu e suspirou enquanto levantava da cama. Com a música alta martelando em seus ouvidos, desceu as escadas e encontrou Carfax tirando pó dos móveis da sala, ela revirou os olhos, aquilo era ruim para a alergia da outra.
— Hey! — falou por cima da música.
— Oi — Carfax olhou para ela com os olhos azuis brilhando e sorriu.
— Pode abaixar um pouco o volume da Madonna? Eu tenho prova.
— Boa desculpa Lyra, mas estamos de férias e a recuperação já terminou — Carfax abaixou o volume do rádio e fitou Lyra.
— Você sabe que eu nunca fiquei de recuperação e a prova é para o curso de literatura.
— É sobre o que?
— William Shakespeare.
— É lindo, mas para estudá-lo...
— Eu não acho — Lyra mordeu o lábio inferior, sendo pega por sua mania — Precisa de ajuda?
— Não, qualquer coisa peço ao Allan quando ele...
Carfax não terminou de falar e Allan entrou pela porta do hall. Ele caminhou sorridente até a sala de estar com todo seus 1,85m, os cabelos cor de areia continuavam bagunçados, os olhos azuis transmitiam alegria e a pele bronzeada parecia brilhar.
— Hey garotão, como vai? — Lyra o cumprimentou enquanto ele ia até o lado de Carfax. Carfax era mais baixa que Allan, os cabelos loiros eram, juntamente com os olhos azuis e a pele, mais claros. Ela também tinha os traços mais delicados e alguns até mesmo infantis que lhe davam uma aparência de bonequinha.
— Bem Moony e você? — ele lançou-lhe um olhar travesso antes de dar um beijo em Carfax. Lyra riu sem humor e revirou os olhos, ela odiava esse apelido, que a fora dado por causa de seu sobrenome. Ok, o sobrenome de Allan é Skyscraper e ela não ficava por ai o chamando de Empire State.
— Ficaria melhor se você parasse de me chamar de “Moony”.
— Eu já abaixei a música, pode voltar a estudar — Carfax disse no exato momento em que Allan abriu a boca.
Allan saiu do lado de Carfax e parou à frente de Lyra, colocou as costas da mão direita no pescoço da garota e em seguida a palma da mesma mão em sua testa.
— Não está com febre — ele declarou depois de alguns segundos.
— E porque eu estaria com febre? — Lyra perguntou com uma das sobrancelhas arqueadas, vindo de Allan tudo era possível.
— Você está estudando, tem certeza que não está doente?
Lyra levantou o dedo do meio enquanto Carfax ria.
— Nossa você é tão engraçado Allan, eu estou com falta de ar de tanto rir — ela disse com a ironia soando alta.
— Eu sei, muito obrigado — ele sorriu sarcástico e mandou beijos pelo ar antes de se jogar no sofá.
— Vou voltar para Shakespeare antes que eu tenha que escutar mais alguma piada sua — Lyra foi para a escada que ficava mais ao fundo da sala de estar.
— “Se quiseres suportar a vida...” — Allan disse.
— “... fica pronto para aceitar a morte.” — Lyra completou subindo os degraus devagar. — Isso é Freud e não Shakespeare, mas não me surpreende que você não saiba disso.
Lyra desviou da almofada trabalhada que Allan jogou. Subiu até seu quarto, fechou a porta e se jogou na cama onde seus livros de literatura inglesa estavam abertos. Os raios de sol do fim de tarde que entravam pela sacada a atingiram e alguns reflexos vermelhos se espalharam pelo quarto, sentou-se na cama e analisou a pequena joia em seu pescoço.
Ela tinha aquele colar desde os sete anos de idade. Era uma história um tanto longa, mas lembrava bem de como e de quem o havia ganhado. Depois que a história do colar foi dita a ela, Lyra acreditou seriamente que estava louca ou que o homem que a tinha explicado estivesse drogado ou bêbado. Riu consigo mesma recordando da primeira visita que a Morte lhe fez, ou Tânato como ela o chamava. A possibilidade de conversar com a Morte e continuar viva era demais para uma garota de dez anos.
Lyra não sabia o motivo de ter sido escolhida para receber a joia, mas sabia que era melhor ficar calada sobre o assunto, a menos que desejasse ir para a ala psiquiátrica de algum hospital, o que fora exatamente o que a tia dissera no enterro de seu pai quando ela tinha falado que havia visto o homem de olhos prata e capa bonita andando junto com seu pai, logo após o caixão ter sido enterrado.
— Ly, vou sair — Carfax apareceu no quarto fazendo Lyra ficar de pé em um salto.
— Encontro com Allan? — a morena sorriu vendo a amiga usar o vestido rosa bebê de mangas curtas que havia dado.
— Ficou tão óbvio assim? — Carfax sorriu e colocou uma mecha dos cabelos loiros atrás da orelha.
— Sinceramente, esse seu ar de felicidade entregou tudo.
— Não nos espere tá? Vamos passar em lugares diferentes.
— Isso. Vão sair e me deem um momento de folga dessa pegação de vocês dois — Lyra levantou o dedão em sinal de positivo.
— Também te adoro — Carfax riu fechando a porta.
Lyra escutou o salto alto de Carfax na escada e olhou para seus livros abertos e espalhados na cama.
— Sra. Moritz que me desculpe — ela fechou os livros e desceu indo para a cozinha pintada de laranja pelo sol que entrava da grande janela aberta em cima da pia.
— Você viu minhas chaves? — Allan apareceu tateando a calça jeans e quase ficando nervoso. Para Allan, qualquer acontecimento ruim em relação ao seu carro era sinônimo de desespero.
— Ali — Lyra apontou para o balcão de mármore branco.
— Obrigado — Allan sorriu e segurou as chaves com força, assegurando-se de que elas não iriam cair. Ele levantou os olhos e viu a expressão de espera de Lyra — Você não vai fazer aquele discurso outra vez, vai?
— Está vendo, nunca mais tento ser uma boa amiga que diz que é para vocês tomarem cuidado — Lyra fez bico. Melodrama era uma das coisas que Allan não gostava nela.
— Aposto que boas amigas dizem “Se algo ruim acontecer eu quebro isso que você chama de cara” — Allan encarou Lyra cético, mas tudo que ela fez foi mostra-lhe a língua antes de sorrir indiferente. Ele riu apertando as chaves novamente e virou-se em direção ao hall de entrada. — Até depois Moony.
— É Lyra! — ela gritou pouco antes de Allan fechar a porta.
Lyra suspirou e caminhou até a sala de estar. Talvez devesse parar de ameaçar Allan, mas era o jeito particular dela de demonstrar seu afeto por ele e Carfax. Ela sentou-se em um dos sofás entediada e ligou a TV em um canal de culinária, deitou-se no sofá e só não chegou a dormir porque o gato de Allan, Ottis, pulou em cima dela.
— Oi — ela disse levantando a cabeça para olhar para o gato, que agora passeava por sua perna. — Só se lembra de que existo depois que o dono sai, parece até algumas pessoas que conheço.
Assim que conseguiu alcançar o animal, Lyra coçou-lhe a orelha o fazendo ronronar e deitar a cabeça. Ottis pulou para o chão e afofou o tapete com as unhas antes de se esparramar com a barriga branca virada para cima e olhar para Lyra pedindo carinho.
— Não te alcanço e não vou levantar — ela virou os olhos para a TV, observando o apresentador temperar um frango. Ottis miou fazendo Lyra revirar os olhos antes de suspirar e sentar no sofá — Gatinho manipulador folgado e preguiçoso.
Ela pegou Ottis no colo e saiu da casa indo sentar-se na varanda, o gato enrolou-se em seu colo enquanto ela passava a mão em seu pêlo enquanto olhava para a rua. Algumas crianças apostavam corrida de bicicleta enquanto as mais novas tinham uma pequena dificuldade para pedalar, alguns vizinhos conversavam entre si e outros olhavam as crianças assegurando-se de que nenhuma delas havia se machucado ainda. O bairro estava mais vazio já que a maioria dos vizinhos tinha ido viajar.
Depois que a noite caíra e os pernilongos começaram a ficar insuportáveis, Lyra entrou com Ottis e seguiu para a cozinha onde faria alguma coisa para sua janta. Ela decidiu voltar para a TV depois de ter escolhido uma daquelas lasanhas pré-prontas que só precisavam ir ao forno de microondas. Quando ela finalmente percebeu que Ottis havia sumido de sua vista também percebeu que a temperatura da sala havia ficado mais baixa, seus braços ficaram arrepiados e teve a agitação emocional de que alguma coisa iria acontecer, além de sentir receio de continuar ali.
Foi só depois de um minuto cronometrado que Tânato apareceu.
— Olá Lyra.
Tânato era um homem — ou aparentava ser — de vinte e tantos anos. Ele mudava os cabelos e a cor dos olhos todas as vezes que visitava Lyra, às vezes os cabelos eram prateados ou totalmente negros, indo até os ombros, curtos e espetados ou no meio termo, já os olhos se alternavam entre prata e diferentes tons de azul. Hoje ele tinha resolvido aparecer com os cabelos prateados caindo em uma linha reta até os ombros e olhos azuis gelo, o contraste acontecia em sua pele branca perolada e as roupas pretas.
— Olá Tânato — Lyra desligou a TV.
— Sua teimosia é mesmo memorável. Creio que já pedi para não me chamar assim.
— Eu acho mais bonitinho do que andar por ai te chamando de Morte, mas também posso te chamar de Anúbis se quiser.
— Quero que me chame de Morte, porque esse é o certo e não desses desdobramentos de nomes que me atribuem.
— Ok, decidiu aparecer aqui para termos uma longa e interessante discussão sobre os nomes que a humanidade lhe dá? Acho que você não tem o dia inteiro e algumas pessoas certamente não tem.
— Começando pelo fato de não ser mais dia pra você — Tânato sorriu de canto. Passara a gostar de provocar Lyra desde que a garota tinha catorze anos.
Na Austrália provavelmente é dia. Lyra pensou enquanto engolia em seco a vontade de responder, ela não iria discutir com ele. O apito do forno de microondas soou avisando que a comida já estava pronta.
— Quer lasanha? — ela perguntou enquanto passava direto por ele indo para a cozinha, Tânato riu baixo e a seguiu.
— Está bem, vamos parar de enrolar — ele encostou-se no balcão de braços cruzados.
— Quem está enrolando é você rapazinho — ela retirou a comida do eletrodoméstico com um pano de prato e levou até a pia, onde pegou um garfo e foi até o lado dele — O que faz aqui? Pelo o que eu saiba ainda não sofri nenhuma EQM.
— Você ainda vai me ver mais vezes, mesmo sem ter sofrido uma EQM, mas eu vim aqui apenas para falar que sua missão finalmente irá começar.
— Minha o que? — Lyra interrompeu o movimento de levar o garfo com lasanha à boca para encará-lo.
Antes que ele respondesse a campainha tocou e Lyra suspirou, largou o garfo e antes de ir para o hall de entrada apontou o dedo para Tânato.
— Não fuja.
Ele apenas riu e trocou a posição dos braços os cruzando novamente enquanto Lyra caminhava. Assim que chegou à porta sentiu uma brisa fria atravessando o cômodo e olhou para trás xingando Tânato mentalmente por ter sumido.
— Boa noite, estou procurando a Srta. Moonthrough — uma mulher sorriu assim que Lyra atendeu a porta. Lyra encarou a mulher adquirindo certa simpatia pela mesma já que ela era ruiva, aparentemente natural.
— Sou eu — disse.
— Lyra Moonthrough? — a mulher perguntou visivelmente surpresa. Lyra forçou um sorriso, parte da simpatia inicial já estava se esvaindo. — Não imaginei que seria tão nova. — a ruiva olhou para o pescoço da garota — Preciso falar-lhe, é sobre a joia.
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!