- Então... - começou Lily quando Hugo finalmente entrou na sala de aula - Está tudo bem? Você agiu de uma forma muito estranha na hora do almoço.

- Estou ótimo - cortou Hugo, mesmo que sua expressão no rosto parecia dizer o contrário - Aqui - disse jogando o pergaminho na mesa.

O garoto parecia evitar seu olhar. Lily não sabia dizer se ele estava zangado, magoado ou triste, mas algo estava errado.

- Acredito que tudo esteja certo - disse Hugo quebrando o estranho silencio que se formara entre os dois - Só a questão dois está incorreta.

Lily acenou com a cabeça, mas obviamente o primo não viu, porque agora olhava rigidamente para frente. 

- Fiz algo de errado? - ela perguntou sem entender o que estava acontecendo.

Hugo a olhou de esguelha, mas suspirou.

- Lily - ele disse sério a olhando profundamente nos olhos. Por um momento parecia que a estava examinando, investigando algo. - O que você anda fazendo todas as noites?

As bochechas da garota coraram imediatamente.

- Quer deixar esse assunto pra lá? - sua voz saiu mais nervosa do que pretendia.

- Não. - respondeu com uma expressão determinada no rosto - Você não tem dormido bem, se eu não te desse as pilulas para insônia é provavel que talvez até ficasse doente. Você anda distraida e muito estranha e bem... eu só queria saber o que está acontecendo.

- Nada!

- Chega de mentir pra mim, Lily! - ele gritou, fazendo de repente que todos da sala virassem seus rostos para a dupla. Hugo por um momento pareceu muito desconfortável com aquela atenção e puxou Lily para mais perto dessa vez falando em um sussurro - Lily, eu me pergunto se realmente te conheço.

- Como? - a garota estava confusa. Se ele a conhecia? É claro que sim, se conhecem desde que nasceram. Ninguém sabia mais sobre ela do que seu melhor amigo. - Claro que você me conhece! Por que não iria?

- Oras, porque você nunca me contou que... - mas sua voz falhou. Ele abriu e fechou a boca algumas vezes, pensando muito bem no que iria falar - Você nunca me contou o que realmente anda fazendo as noites.

Lily estava cansada de discutir sobre esse assunto. No momento em que ela pretendia pedir a Hugo que a deixasse em paz, o professor de feitiços entrou na sala, fazendo que todos os alunos se calassem imediatamente.

"Então? Por que você anda acordada?"

Lily revirou os olhos. O garoto havia escrito em um pedaço de pergaminho e puxado para seu lado, esperando a resposta.

"Pode deixar isso pra lá?"

Hugo olhou para as palavras escritas da garota. Olhou para ela completamente incrédulo. 

Ele murmurou algo, mas tudo que a ruiva entendera fora "Como" e "cega". O ruivo molhou sua pena como umas quatro vezes e escrevera de uma forma tão brusca que quase rasgara o bilhete.

"Não!" 

Ele sublinhou a palavra várias vezes e observava o rosto de Lily como se esperasse algo. Como se quisesse que ela percebesse algo.

- Você anda bem da cabeça? - perguntou a prima em sussurro estranhando o comportamento do outro.

Hugo ofegou desacreditado e deu uma palmada na própria testa. De repente, ao retirar a mão de seu rosto, sua expressão que antes era de raiva se transformou rapidamente em magoa. Lily por algum motivo, se sentiu profundamente culpada. Abrira a boca pra falar, mas então percebera que o professor estava olhando para eles. Tentando não chamar a atenção dela, ela fingia que estava escrevendo anotações da aula, mas escrevera mais uma vez uma frase para dar a Hugo.

" Você está bem? Sabe que pode me contar qualquer coisa que anda te perturbando."

" Posso? Sinceramente parece que não"

"Deixe de ser bobo, claro que pode."

" Ah mesmo? Como eu posso confiar em você se parece que você nem mesmo confia mais nada a mim?"

Mais uma vez ela se sentia desconfortável. Por que ele anda insistindo com isso? Por que ele simplesmente não deixa isso pra lá?

Aquilo era asssunto dela e somente dela. Por que ele tinha que se meter?

No momento em que ela planejava escrever uma bela de uma resposta para o primo, de repente fizera o grande erro de encará-lo.

Seus olhos azuis brilhavam, seu rosto estava levemente corado e sua postura caida. Do nada, a garota percebera o que estava lhe incomodando.

Eles eram melhores amigos desde pequenos. Eles cresceram juntos, ele sempre estiveram juntos. 

Como é que poderia manter segredo de algo assim dele? Principalmente algo que obviamente parecia estar afetando seu dia-a-dia. Algo que claramente a estava modificando. Por um momento, ela pretendeu estar no lugar dele.

Se Hugo começasse a agir distante, se ele começasse a ficar mais distraido, sonhador e de certo modo diferente, ela também tentaria procurar saber o estaria o afetando e se sentiria insultada se ele resolvesse não contar-lhe.

Amigos não escondem esse tipo de coisa uns dos outros, não coisas que obviamente os deixam felizes a ponto de se sentirem mais radiantes.

Lily suspirou. 

Se ela tinha certeza de algo, é que se ela fosse contar seu segredo a alguém, a única pessoa que ela contaria seria Hugo.

x-x-x-x

- Ei, onde você está me levando? - perguntou Hugo.

Assim que a aula de feitiços havia terminado, Lily segurou Hugo pela mão e o começou a puxar em direção aos jardins. A garota não dissera nada ao caminho, simplesmente puxava o primo com tanta força e rapidez que o garoto tinha que ter cuidado para não esbarrar nos outros.

- Aqui! - exclamou a garota satisfeita.

Sem esperar que o primo dissesse algo, ela o empurrou para que se sentasse debaixo de uma árvore e rapidamente sentou-se ao seu lado.

- Certo, sua loucura subiu em um nível completamente diferente, sabia? - comentou Hugo olhando para Lily como se esta tivesse ficado insana.

Lily sorriu e abraçou suas próprias pernas.

Ao redor andavam os alunos de Hogwarts, como quase sempre, os jardins estavam cheios.

- Hugo... Você acredita na possibilidade de se apaixonar pela ideia de uma pessoa?

A garota perguntara aquilo com tanta normalidade que ele não sabia o que dizer. Lily fechou os olhos e voltou a viajar em suas lembranças. Em cada carta escrita, no show das criaturas d'água e por ultimo no local onde estavam, a árvore das flores que lhe lembravam um arco-íris.

- Você queria saber por que eu passo as noites acordadas, pois bem, irei te contar. - ela disse docemente. Por algum momento contar a Hugo sobre aquilo aparentava ser muito mais facil do que ela esperava que seria.

Hugo a ouvia atentamente. Lily contava sobre como recebera a carta de uma coruja e que lá continha o texto sobre alguém que aparentemente fora vomitado por um gato. Depois contara sobre como do nada o Destinatário Desconhecido desabafou com ela.

Ela comentava sobre como os dois viraram amigos, mesmo não sabendo quem é quem na vida real.

Contara absolutamente tudo, até mesmo as missões que DD criara para ela. De como ele fez que ela visse o mundo de uma nova forma.

De como agora toda vez que ela sentia-se mal, somente se lembrava daquilo.

Da sensação da brisa, do sol batendo em sua pele dos sons da natureza e de como ele fez enchergar que não é mais preciso do que isso para fazê-la feliz.

O único que deixarara de fora em sua estória é sobre o que DD desabafou que aparentemente era um segredo dele e de seu próprio segredo. Havia dito que ela desabafou com ele, mas nunca lhe dissera sobre o que.

Não lhe contara como as vezes desejava que sua infancia tivesse sido diferente e de que as vezes gostaria de mudar um pouco seu modo de ser.

Hugo por algum motivo não parecia querer aprofundar isso de qualquer jeito. Não forçou a garota a contar mais do que pretendia.

Para a surpresa de Lily, apesar de Hugo parecer um pouco mais feliz que ela tivesse compartilhado tal estória a ele, ainda assim não parecia satisfeito.

É como se ele esperasse algo mais, mas percebendo que provavelmente Lily nem mesmo perceberia o que ele realmente queria, simplesmente se levantou.

- Então, você se apaixonou por esse cara?

- Acredito que sim - admitiu Lily, que continuava sentada e abraçava suas pernas fortemente.

Hugo olhou para a prima e ajoelhou-se em sua frente. Seus olhos azuis admiravam os lindos íris castanhos da ruiva.

- Como você imagina ele ser?

- Sinceramente? - perguntou sorrindo - Imagino ele ser do jeito que mostra em suas cartas. Sensível, divertido, engraçado... Imagino ele sentado em seu quarto, tocando no violão de seu amigo.

Hugo escutava atentamente, suas bochechas corando lentamente.

- Provavelmente ele também passa horas lendo! - continuou Lily agora com um certo brilho nos olhos. Sua voz modificando-se em um tom mais excitado - Romântico... Ah, sem falar que aposto que ele tem lindos cabelos castanhos! E seus olhos... Seus olhos devem ser os mais puros, mágicos e sensiveis que existem. Devem possuir uma cor espetacular! Quem sabe um castanho claro, tão claro que chega quase a ser amarelo? E ele... A Merlin, deve passar horas escrevendo poemas ou suas próprias canções. Sem falar que deve viver praticando feitiços, pois pelo que vi, ele parece ser super talentoso.Sem falar que ele é um gênio, tem que ser, vive se dando bem nos testes e em tudo mesmo sem estudar. 

Dessa vez, as orelhas de Hugo começaram a corarem, o que não era um bom sinal. Lily sem perceber a coloração das orelhas do primo, continuou sua lista de expectativas.

- Não me surpreenderia se ele também fosse cozinheiro - o garoto franziu o cenho ao escutar isso - Aposto que é alguém que não teme chorar. Pelas palavras sábias e sensiveis que vive escrevendo, sem dúvidas é um homem de verdade. Daquele tipo que não tem medo de demonstrar seus sentimentos. Ele provavelmente é incrivelmente esportivo e pelo modo que ele é com Tyto, deve amar todos os tipos de animais. E ah, ele deve saber dançar... É só fechar os olhos e eu consigo me visualizar dançando lentamente com ele. Sem dúvidas,deve ser um ótimo dançarino. Ele sem dúvida é...

- Perfeito. - terminou a frase em praticamente um sussurro.

- Sim! - suspirou a garota encostando suas costas no tronco da árvore e observando uma nuvem que nos olhos de Lily parecia ter a forma de um coração. Hugo observou o lugar onde sua prima encarava e tudo que viu foi uma nuvem na forma de uma nuvem. O garoto ofegou aparentemente furioso.

- Lily! - exclamou se levantando e assustando a garota - Sabe como isso tudo é ridículo? Você não está apaixonada por uma pessoa real!

- Ele é real! - defendeu-se soltando suas pernas e levantando-se bruscamente. Seus olhos encarando os do garoto.

- Sim! A pessoa por trás dessas cartas sim! - admitiu - O garoto que você imagina que seja não!

- Bem, eu sei que talvez esteja exagerando um pouquinho, mas-

- UM POUQUINHO? - o garoto gritou rindo nervosamente. Muitos alunos que estavam em volta os encararam - ORA! O QUE FOI? NUNCA VIRAM ALGUÉM GRITAR?

O pessoal sentindo-se incomodados com Hugo, simplesmente ignoraram a cena que estava fazendo e voltaram a suas atividades.

- Lily! - voltou-se Hugo sua atenção a garota - Você tem expectativas muito altas! E se esse tal de DD for um completamente idiota?

- Ele não é! - retrucou.

- Mas e se ele for? E se ele for um perdedor? E se ele for alguém completamente... sem valor? Você imagina um príncipe encantado! Você está certa! Você está apaixonada... não, quer saber? Você está  OBCECADA pela ideia de como essa pessoa pode ser, mas não a ama pelo o que é!

- Como você pode saber que ele não é assim? Você passou horas escrevendo com ele, você ficou recebendo e mandando cartas para ele? Acho que não!

- Pelo amor de Merlin, Lily! Se você o amasse já saberia quem ele é!

A garota ficou pasma, seus olhos se arregalaram e sua boca caiu.

- Você por acaso sabe quem ele é?

- Hã?

- O que você quer dizer com "eu já saberia quem ele é"?! Você sabe?

- Bem, é que... - disse coçando a cabeça e ficando nervoso - Já faz algum tempo que você está escrevendo com ele, não?

- Um pouco mais de duas semanas.

- Ah Lily... - disse o garoto deitando-se na grama e escondendo seu rosto com as mãos. Estava completamente frustrado - Você não sabe quem ele é. Não tem a minima ideia, está escrevendo somente duas semanas com ele e já acha que se apaixonou?

- É por isso que não queria te contar! - argumentou a garota lembrando-se de por que estava escondendo aquilo de seu primo - Sabia que você iria julgar e dizer que é idiotice! - ela se sentou do lado dele, olhando para o horizonte do lago.

- Bem, o que você esperava? Lily, é só que... 

- Ele me entende. - ela o interrompeu.

- Como?

- De todas as pessoas que eu conheço, ele me entende. - ela disse sentindo a raiva subindo. Deveria ter deixado sua boca calada, mas ao invés disso, deixou que o estranho comportamente magoado do primo a fizesse confessar sobre DD - Ele me faz feliz! Quando estou triste, ele me escreve de volta. Ele inventou meios de fazer o dia da semana que mais odeio no mais especial! Sabe que agora, todas as quartas esta árvore irá florecer para me fazer lembrar de quão bela a vida pode ser? Ele sabe que eu sou bela por dentro, não importa o que. Ele sabe que eu sou especial, mesmo não sabendo quem realmente sou! 

Hugo balançou a cabeça negativamente.

- Lily, mais uma vez você está tornando essa pessoa melhor do que ela é. Talvez ele nem realmente acredite nas coisas que fez. Talvez ele somente fez para alegrar o dia de alguém... Você está descrevendo como se esperasse que suas ações fossem por ele sentir o mesmo que você sente por ele. Mas talvez nem seja isso...

- Talvez não! - concordou a garota - Mas mesmo que ele tenha feito tudo isso somente para alegrar o dia de uma desconhecida, já mostra um grande caráter, não?

- Ou hipocrisia - comentou em um tom baixo, mas que Lily ainda assim conseguiu ouvi.

- Não faça isso! - gritou apontando seu dedo para o garoto - Não encontre defeitos para uma boa ação de alguém.

-Lily, pessoas reais não são perfeitas - disse o garoto sabiamente, sentando-se ereto e olhando seriamente para ela - E pessoas perfeitas não são reais.

- Talvez ele não seja perfeito - concordou - Talvez ele não seja como espero que seja mas... Mas ele me faz feliz, isso não deveria ser suficiente?

- Eu só... - Hugo parecia querer esclarecer tudo, mas não achava as palavras corretas - Eu só não quero ver você ferida ao descobrir que talvez DD não seja quem você espera ser. O último que quero é vê-la machucada por algo assim... E se você acabar se decepcionando?

- Bem, será impossivel eu me decepcionar se eu não sei quem ele é, não?

- E o que pretende fazer? Viver em seu mundo de sonhos onde pessoas completamente perfeitas são reais?

- Acho que irei somente... - Lily voltou a abraçar suas pernas e apoiou seu rosto sobre elas. O sol aos poucos descia no horizonte para baixo do lago - Aguentar esse sentimento o máximo possível.

- Lily somente... 

Por um momento Hugo hesitou, mas então suspirou e levantou-se. 

- Somente abra mais seus olhos.

Antes mesmo que a garota tivesse a chance de perguntar ao primo o que ele queria dizer com isso, Hugo já estava a caminho do castelo, deixando sua prima sozinha, na frente do lago, observando o pôr do sol.

No local onde as coisas mágicas aconteciam. No lugar onde ela conseguia ser feliz.  Onde ela sentia-se ligada a ele. 

Olhou para a grande árvore e observava lentamente como as folhas caiam.

Não importa o que Hugo dissera.

DD era perfeito. Perfeito em seus olhos.