Linha Vermelha escrita por NaruShibuya


Capítulo 8
Capítulo 8




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/214886/chapter/8

• Misaki PDV •

Acordei ao sentir algo em meu rosto. Abri os olhos e olhei em volta. O quarto estava claro e não havia ninguém dentro dele, exceto Usui, que estava deitado na cama comigo, apagado. Limpei as lágrimas de meu rosto, suspirando. Vou começar a sonhar com essas coisas agora...?

Já passava das 7h da manhã. Como eu havia dormido tanto?!

Afastei vagarosamente o braço de Usui de minha cintura para não acordá-lo. Imagino o que as outras garotas pensaram quando nos viram dormir abraçados. Dei de ombros. Não me interessa nem um pouco a opinião delas.

Passei a mão no rosto para tentar afastar o sono. Quando senti o local onde levara o tapa arder, lembrei imediatamente de Yui, e em qual foi a reação dela.

Já fazia bastante tempo desde que eu havia vindo a essa cidade... Desde que eu me mudara daqui. Suspirei, pensando novamente que, se eu soubesse que a excursão fosse para cá, eu teria provavelmente inventado uma doença ou qualquer coisa apenas para não precisar vir. Depois de tanto tempo, não há necessidade de relembrar certas mágoas...

Mas eu acho que, apenas dessa vez, ficará tudo bem se eu for à minha antiga casa. Não é muito distante do hotel onde os alunos estão... em questão de 30mins eu acho que consigo chegar lá.

Fui para o banheiro para me arrumar e poder sair. Não pretendia ficar muito tempo fora... Afinal, também não estou nem um pouco a fim de levar bronca hoje. Mas a curiosidade em saber se já haviam comprado a casa e como era a família que morava ali era maior do que a prudência. Talvez, se eu não demorar demais, ir a alguns lugares que eu gostava de ir enquanto morava aqui, nada mais, e voltar para o hotel.

Saí do hotel e comecei a andar em direção a parada de ônibus. Espero realmente que os professores não deem por falta de mim tão cedo...

Pouco tempo depois, estava parada em frente a minha antiga casa – uma delas, pelo menos...

– Parece que a casa ainda está à venda... – murmurei para mim mesma.

Me aproximei, apoiando as mãos no portão. O ambiente aqui continua o mesmo: tranqüilo e leve; o ambiente, agradável. Embora aqui seja um ótimo lugar, a casa continua vazia.

Deslizei a mão pelo portão, levando-a até o trinco. O segurei, insegura se devia entrar ou se era melhor dar meia volta e voltar para o hotel agora.

– Com licença – soltei o trinco e apertei o portão. Não é só o pessoal do Seika que adora dar susto nos outros, afinal de contas... – Desculpe me intrometer, mas você será a nova compradora da propriedade? – eu conheço essa voz de algum lugar...

– Ah, não, me desculpe. Eu estou apenas de passagem – continuei a olhar para a construção a minha frente. Por algum motivo, eu não queria me virar... Eu sabia que não devia me virar. Eu sentia que não podia.

– Não se preocupe – ouvi barulho de trinco. – Você já morou aqui? Parece ligada à casa de alguma maneira.

– Sim... Me mudei para essa casa quando tinha 13 anos – já faz quase 5 anos que eu não venho a esse lugar... Como o tempo passa tão rápido? Parei para pensar e percebi que eu não sei o que eu estou fazendo aqui.

– Eu conheci a última família que morou aqui. Era pequena, e teve alguns problemas pessoais, mas ainda sim era muito unida e alegre. Diferente de maioria das outras desse lugar – senti tristeza em sua voz.

Bem, acho que está na hora de ir embora... Não irei me arriscar a tomar outra bronca dos professores.

Comecei a me virar para o caminho de onde eu havia vindo, com certa pressa.

– Ah, desculpe-me, eu esqueci de me apresentar: meu nome é Tsuchiura Ren, prazer – paralisei ao escutar o nome. Como é possível que essas coisas sempre aconteçam comigo?

Misaki, você é uma idiota. Se esqueceu do simples fato de que ele era seu vizinho e que ainda poderia estar morando no mesmo lugar! Na verdade, eu nem sequer havia ponderado essa hipótese.

– Me perdoe pela minha indelicadeza, Tsuchiura, mas eu preciso ir agora – respirando fundo, me virei em sua direção, pronta para sair correndo dali. Por favor, que ele não me reconheça!

– Já? Mas você chegou ag... – observei seu rosto. A cada segundo que passava ele ficava mais claro e seus olhos se arregalavam mais. – Misaki...!

É, a minha esperança dele não me reconhecer falhou completamente.

Lentamente ele desceu o olhar de meu rosto para meu pescoço, parando-o quando encontrou o colar prateado que me dera no dia em que eu fui embora.

– Você... Você... – tentava falar, mas parecia confuso demais para conseguir formular alguma frase. – A-Ayuzawa Misaki? Como? – se apoiou no muro de sua casa e abriu o portão, largando as sacolas que havia em suas mãos. Em alguns passos largos estava parado em minha frente, me observando.

Fiz um gesto afirmativo com a cabeça.

– Você não mudou em nada... Nem a voz. Eu achei que poderia ser, mas eu não queria acreditar. Eu não podia... Achei que se me apresentasse, você também o faria... Por... Por que está aqui?

– Ren, se acalme! Respire. Nós temos tempo para conversar... Pelo menos um pouco.

Ele se aproximou mais um pouco, passando as mãos por meus ombros, parando-as em minhas bochechas.

Senti seu olhar pesar em meu rosto.

– Por que está aqui, Misaki?

– Eu vim para Sendai por causa de uma excursão escolar. Eu acordei pensando se já haviam comprado a casa, então decidi conferir.

– Você ainda o guarda... – arqueei uma sobrancelha. – O colar, quero dizer... Você ainda o guarda.

– Foi um presente, apesar de tudo que havia acontecido no dia. Ren, eu preciso ir. Acabei de me lembrar que quando os professores perceberem que eu não estou lá, ficarão furiosos.

– Você gostaria de sair? Conhecer as coisas novas que tem na cidade ou algo do tipo? – perguntou, a voz cheia de esperança. Suspirei. Por que ele tem que sempre se empolgar tanto?

– Claro, Ren. Por que não? Mas agora não dá. Preciso voltar ao hotel antes que os professores me amarrem em algum canto para que não fuja mais – sorri, descontraída. Realmente, não era nem um pouco difícil imaginar a cena...

Ele pareceu surpreso por um sorriso ter aparecido em meu rosto tão facilmente.

– Me passe o número de seu celular para que eu possa marcar com você a hora e o local para nós nos encontrarmos – pedi.

Tateei meus bolsos em busca de meu celular, mas lembrei que saí com pressa, e o esqueci no quarto, embaixo de meu travesseiro. Ótimo. Cocei a nuca, pensando uma maneira já que eu não havia me dado ao trabalho de decorar o meu próprio número...

– O seu número ainda é o mesmo? – perguntei por fim. Improvável, mas não custava perguntar.

– Bem, sim... – respondeu sem entender muito bem. Sorri aliviada. – Por quê?

– Eu ainda me lembro... O seu número, eu ainda me lembro...

Ele sorriu e tirou o aparelho de seu bolso, abrindo-o, o levantou na minha frente. Meu nome estava escrito ali, e embaixo, meu número de telefone.

– Eu não te liguei porque achei que você não fosse querer mais escutar a minha voz... Ainda mais depois de ter que ir embora daquele jeito.

Peguei o celular de sua mão e o fechei, colocando-o em seu bolso. Me aproximei e o abracei forte, enterrando meu rosto em seu pescoço.

Lembrei que eu sempre fazia isso quando o abraçava e me surpreendi em ter feito isso de forma tão automática, mesmo depois de tantos anos.

– Você continua a enterrar seu rosto em meu pescoço quando me abraça – sussurrou em meu ouvido. – Fico surpreso que você ainda se lembre – corei.

– Para ser sincera, também me surpreende que você se lembre.

Ele se afastou e depositou um beijo em minha bochecha, de forma incerta.

– O que houve?

– Estou com medo de te irritar... – confessou.

– Eu não irei me irritar por um beijo na boch... – gelei ao sentir seus lábios contra os meus novamente. Senti algo em meu peito pulsar, forte. A sensação era a mesma de quando ele me beijou a primeira vez. Era como se essa fosse a primeira vez que nós nos beijamos.

Sem me dar conta eu havia fechados os olhos e comecei a corresponder ao beijo.

Me surpreendi com a urgência de ambos. Era como se nós aguardássemos que esse momento chegasse há muito e muito tempo.

Olhei para seu rosto e percebi que ele sorria. Ele tocou minha bochecha, parecendo se dar conta apenas agora da marca que estava ali.

– O que houve? – perguntou preocupado. Suspirei.

– Yui... – ele colocou a mão sobre a marca com delicadeza para que não me machucasse.

– Por quê?

– Ela reagiu um tanto... diferente, de mim ao chegar aqui... – ele arqueou a sobrancelha, perguntando o que eu queria dizer com aquilo. – Ela ficou irritada com as lembranças, apenas isso. Você não deve se preocupar com ela, Ren, nem comigo, eu estou bem.

Ele beijou o local e depositou outro beijo em meus lábios. Me afastei dele o menos rude possível.

– Eu preciso voltar, Ren. Mais tarde nos encontramos novamente.

Segurando minha mão, entrelaçou os dedos e disse já andando:

– Eu te levo.

Como ele pode ser tão diferente, mas tão igual ao Usui?

Ah... O Usui. Ele provavelmente ficará bravo comigo... Imagino qual será a reação dele em ver o Ren... Ou qual será a reação dele ao vê-lo de mãos dadas comigo...

– Está tudo bem, Ren, você pode me soltar. Eu prometo que não vou fugir ou qualquer coisa que você pense que eu farei.

– Não é isso, Misaki... Eu... Eu senti sua falta. Desde o dia que você foi embora, eu nunca deixei de pensar em você, e não saber se você iria desgostar se eu te ligasse era suficientemente ruim também.

– Eu também senti sua falta, Ren, mas algumas coisas mudaram... – o vi fechar os olhos, provavelmente escondendo a dor que estaria transparecendo tão claramente neles.

– O que mudou, Misaki? Você não gosta mais de mim? Ou tem um namorado? Eu sei que nós moramos longe, mas nós podemos dar um jeito se você quiser e estiver disposta a tentar novamente... Sabe disso – passamos direto pela parada de ônibus. Resolvi não apontar este fato, uma vez que ambos sabíamos um caminho para chegar ao hotel sem precisar do ônibus, o que levaria apenas alguns poucos minutos a mais, talvez em 40mins estivéssemos lá.

– Eu não tenho um namorado, Ren... – apertei sua mão. Eu posso responder apenas a metade da pergunta, uma vez que nem eu entendo mais o que eu sinto. Eu passei tanto tempo gostando dele que não consigo compreender o que mudou, apesar de, quando o vi novamente, eu me senti como antes... Pelo menos, era algo muito parecido.

– Você não respondeu tudo, Misaki. Está fugindo da pergunta como sempre fez – ele tinha que ser tão atento assim?

– Eu não sei, Ren. Eu estou confusa. Esse lugar me deixa confusa.

– Existe outro? Existe outra pessoa que você aprendeu a gostar? Alguém diferente de mim, e que a fez... E que a fez ser essa mulher que sabe lidar melhor com as coisas agora? Que consegue sorrir e ser descontraída?

– Você quer mesmo falar disso? – ele fez que sim com a cabeça e esperou que eu continuasse. – Não existe outro... Não exatamente. Eu não sei, Ren. Desde que eu cheguei aqui que eu não consigo parar de pensar em tudo que aconteceu nesse lugar, principalmente a época em que eu estava com você, mas também não sai da minha cabeça quando o conheci. Eu não entendo, mas eu ainda gosto de você, e acho que também gosto dele...

– Quando você está com ele seu coração fica acelerado, batendo forte, e você não consegue pensar em outra coisa a não ser o momento que ele está com você?

– ... Sim... – lembrei da sensação de sentir o coração de Usui sob minha mão, pulsando forte e descompassado, e de que a sensação era a mesma em meu peito.

– O quão forte? – parou e me puxou, virando-me de frente para ele.

– Ren...

– O quão forte, Misaki? Você quer comparar?

– O q...? Não! Por favor, esqueça esse assunto, Ren.

– Eu não posso esquecer, Misaki, porque eu ainda te amo, e quero ter certeza de que você ainda gosta de mim, ou não... Só um beijo, Misaki, e se seu coração não acelerar ou bater forte como o meu – pegou minha mão e colocou sobre seu peito -, eu prometo que nunca mais te beijo ou tento nada, a não ser que você peça... – sorriu e colocou uma mão em minha nuca. – Posso?

Suspirei e dei de ombros.

Ele se inclinou e encostou seus lábios aos meus de forma doce, carinhosa. Aprofundou o beijo, pedindo passagem. Agarrou minha cintura e prendeu seus dedos aos meus cabelos, tornando o beijo mais selvagem. Quando se separou, colocou minha mão sobre meu peito, deixando a sua sobre a minha, e perguntou:

– O seu coração bate assim quando você está com ele? O seu coração bate assim quando ele te beija?

– N...ão... – parei para pensar na sensação que eu havia sentido no dia anterior quando eu beijei Usui, e não era a mesma coisa. Meu coração não ficara tão acelerado, ou pulsando tão fortemente. Minha mente não ficou o turbilhão que estava agora.

Ele sorriu e me abraçou, tomando cuidado para não me machucar ou me apertar demais. Novamente, sem que eu me desse conta, aninhei minha cabeça em seu pescoço, escondendo minha face ali.

– Eu preciso ir – murmurei. – Já está ficando tarde.

Ele sorriu e voltou a andar ao meu lado, só que mais ágil dessa vez.

O resto do caminho ele me contou sobre sua família e sobre a escola em que estava agora. Perguntou-me sobre minha família e como estavam todos, inclusive eu. Continuamos a conversar sobre assuntos quaisquer até chegarmos ao hotel.

– Obrigada por me acompanhar, Ren. Mais tarde eu te ligo e marcamos aonde nós iremos nos encontrar. Foi bom poder te rever – soltei sua mão e esperei que ele dissesse alguma coisa, mas ele apenas sorriu e me abraçou, depositando um beijo em minha testa.

– Até mais tarde, Misaki.

Sorri e me virei, batendo em alguém que estava parado atrás de mim. Arqueei a sobrancelha ao ver Usui encarar Ren com uma cara estranha.

Quando percebeu que o olhava, me fitou também. Ele parecia irritado... Sorri sem jeito.

– O que faz aqui fora? – perguntei.

– Quem é ele? – respondeu, emburrado.

Abri a boca para responder, mas Ren se aproximou e disse:

– Meu nome é Tsuchiura Ren, amigo de muito tempo de Misaki.

– Amigo? Como se conheceram?

– Eu o conheci da época em que eu morava aqui, Usui.

– Você nunca me disse que morou aqui...

– Eu não gosto de falar sobre o passado, muito menos sobre minhas casas antigas. Aliás, também nunca houve necessidade de tocar no assunto... E até chegarmos aqui, eu não sabia para onde estávamos indo. Acho improvável que eu teria entrado no ônibus se soubesse que era para cá...

Ren me olhou, parecendo magoado. Olhei para ele, pedindo desculpas sussurradas. Ele piscou para mim, sorrindo.

Usui pigarreou, chamando a minha atenção.

– O professor responsável pelos alunos que fica no hotel quer falar com você. Ele parecia muito irritado – sorriu, travesso. – Parece que as garotas que dormem no mesmo quarto que você contaram para ele que eu dormi com você...

– Oh, céus... Ele poderia me dar bronca apenas por ter saído sem permissão. Por que essas garotas adoram se meter na vida dos outros? – resmunguei e entrei no hotel, pronta para escutar mais um bom sermão sobre ser irresponsável...

• Usui PDV •

Continuei observando o caminho que Ayuzawa havia pego para entrar no hotel mesmo depois de ela ter sumido de meu campo de visão.

– Aquele colar que ela usa... Foi você quem o deu para ela, não foi?

– Hã...? Por que isso de repente? – questionou, se esquivando da pergunta.

Me virei para encará-lo. Ele pareceu perceber que olhando no fundo de seus olhos não haveria motivos para mentir.

– Eu estou apenas curioso... Parece ser algo muito importante para ela.

– Eu dei. Dei como um presente de despedida.

– Você é o garoto que ela não consegue esquecer, não é? O garoto pelo qual eu a vi chorar, e perder a atenção em tudo desde que chegou aqui... O garoto pelo qual ela levou aquele tapa.

– Sobre o tapa... A Yui é uma pessoa muito manipuladora. Depois que eu conheci e passei a conversar com a Misaki, ela tentou se aproximar de nós. De início, ela queria me afastar da Misaki, para que eu não pudesse tê-la, mas como não funcionou, ela tentou afastar Misaki de mim, dizendo que sempre me amou. Como a Misaki sempre foi uma pessoa muito honesta, ela se sentiu pressionada, e ficou confusa por muito tempo. Boa parte desses acontecimentos começaram pouco antes de eu começar a sair com ela. Depois que eu finalmente tomei coragem e pedi para namorar com ela, a Yui endoidou, e se afastou de nós. Pouco tempo depois, Misaki teve que se mudar, e nós perdemos contato.

– Eu sei que a Ayuzawa não é o tipo de pessoa que faz amizades só por olhar a pessoa...

– Quando eu tinha 14 anos, ela se mudou para a casa ao lado da minha – me cortou. Levantou a cabeça, fitando as nuvens escuras. – Ela nunca conversava, estava sempre séria – me fitou, correndo a mão por seus cabelos e os bagunçando, então eu compreendi o que Ayuzawa quis dizer com ‘’bonito’’, e ‘’parecidos’’. Apesar de seus cabelos escuros e seus olhos de um azul profundo, o garoto tinha realmente algo de parecido comigo. Talvez fosse a postura... – Sua mãe a matriculou na mesma escola que eu estudava, mas ela raramente ia e, quando ia, geralmente fugia da escola. Me admiro muito de ela nunca ter sequer precisado fazer uma prova de recuperação... – soltou uma risada leve, nostálgica. – Ela de fato é uma garota especial. Bem, as pessoas da escola não gostavam muito de mim... Geralmente me maltratavam, fisicamente e psicologicamente. Começaram a fazer as mesmas ‘’brincadeiras’’ maldosas com ela, por ela ser sempre séria e reservada. Um dia resolveram humilhá-la na frente de todos do colégio fazendo piadas... Chegaram a tacar até tinta nela aquele dia. Eu acabei por brigar com alguns garotos por causa disso. Esse tipo de injustiça... Eu não gosto. E eu sempre via no fundo dos olhos dela: ela estava sofrendo. Ela estava sofrendo, mas nunca se queixou, sequer falou nada para se defender. Apenas desviava o olhar ou abaixava a cabeça e continuava quieta. Nesse dia foi a gota d’água. Para nós dois. Os garotos se reuniram ao meu redor e me bateram. Eu tentava me defender, mas eram muitos, e eles me seguraram para que eu não reagisse. Naquele momento, pela primeira vez, eu vi um sentimento além da tristeza preencher seus olhos. Ela estava preocupada. Ela me defendeu, me ajudou a levantar e me ajudou a voltar para casa também. Ninguém nunca disse uma palavra reconfortante para mim. Ninguém sequer se aproximou de mim com a intenção de me ajudar. Ver o que ela estava fazendo por mim... Mesmo que ela mesma tenha acabado de sofrer com os outros alunos da escola... Isso me fez sentir diferente. Eu criei admiração por ela, e logo essa admiração cresceu, tornando-se carinho, e assim, eu comecei a gostar mais e mais dela, até perceber que eu, de alguma maneira, a amava – ele sorriu tristemente ao relembrar. – Nós passamos a ir e voltar da escola juntos, a brincar e a conversar. Ela passou a sorrir com mais freqüência a cada dia mais. Ela sempre me preocupava com a sua falta de senso para coisas perigosas... – e então suspirou. – Um dia ela desceu um pequeno desfiladeiro para pegar um boné que ela havia deixado ser carregado pelo vento. Eu quase tive um enfarte quando seu pé escorregou, mas quando ela voltou para a parte onde eu estava, tinha um enorme sorriso estampado no rosto, e o boné em uma das mãos. Quando viu minha expressão, ela riu, alegre – lembrei-me do desfiladeiro em que eu a encontrara sentada em uma pedra, chorando. Provavelmente ela estava se relembrando do tempo que passou ali com ele... – Vê-la sorrir tão sinceramente, mesmo que ainda transparecesse dor e solidão em seus olhos... Eu não consegui agüentar mais, então eu a pedi em namoro. Ela aceitou, mas não durou muito tempo. Poucos meses depois Minako-san teve que se mudar por causa de seu emprego, depois disso, eu nunca mais a vi.

– Você disse que tinha 14 anos, certo? Então imagino que ela tivesse 13. Imagino quantas vezes mais ela já se mudou antes de chegar à cidade que ela está agora...

– Você disse que algumas garotas contaram aos professores que vocês dormiram juntos... Que inveja – sorriu, zombeteiro.

– Que pena, mas a Ayuzawa é somente minha – sorri.

– Ela não me disse nada sobre você quando eu a beijei – disse, e enfiou as mãos nos bolsos. – Em nenhuma das vezes que eu a beijei.

Senti uma pontada no meu peito. Então ela deixou que ele a beijasse? Senti minha garganta fechar, e desviei o olhar, frustrado.

– Vocês parecem bem tranqüilos, não? – escutei uma voz atrás de mim.

Me virei e encarei Ayuzawa encostada ao muro e com os braços cruzados.

– Como foi com os professores? – perguntei.

– Mais perfeito, impossível – respondeu com escárnio. – Vou ter que pagar castigo quando voltar ao colégio. E você também, ao que parece – sorriu, satisfeita. Fiz uma careta.

– O que? Por que eu?!

– Era você que estava abraçado comigo na cama. É óbvio que vai ser você!

Ela começou a gargalhar, provavelmente da careta que eu deixei escapar... Ah, não, só de pensar em ter que ficar de castigo por causa de um celular...

– E outra coisa... – interrompeu as gargalhadas, parecendo se lembrar de algo, e ficando irritada com isso. – Por que vocês estavam falando sobre o meu passado? – se aproximou lentamente de mim. Um olhar assassino presente em seus olhos. – Você está se tornando alguém muito curioso, sabia? Agradeça a presença do Ren por enquanto – apertou minhas bochechas, sussurrando: - Depois eu te explico tudo, mas pare de ficar ouvindo a conversa dos outros ou perguntando para outra pessoa que não seja eu!

Concordei levemente com a cabeça. Olhei para os lábios da garota e me lembrei do que Tsuchiura havia dito minutos antes.

– Bem, eu vim apenas para me despedir de você, Ren, e avisar ao Usui que os professores estavam querendo falar conosco.

Ele fez um aceno com a mão e se virou, indo embora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Linha Vermelha" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.