Linha Vermelha escrita por NaruShibuya


Capítulo 7
Capítulo 7




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/214886/chapter/7

• Usui PDV •

Entrei no quarto vagarosamente, com medo do que poderia vir após a discussão entre as duas.

Suspirei ao ver Ayuzawa virada novamente para a janela, observando as nuvens escuras e pesadas com certo fascínio.

Bati levemente a porta atrás de mim e andei em sua direção. Observei o aparelho que havia, de princípio, vindo buscar, descansando cuidadosamente em cima do criado-mudo ao lado de sua cama.

– Ayuzawa? – parei atrás da garota, esperando uma resposta, qualquer que fosse.

Ela se virou, e me encarou surpresa. Ela olhou para baixo rapidamente, desviando o olhar.

Com cuidado, coloquei a mão em seu rosto e o ergui, para que pudesse olhar em seus olhos. Ele estava vermelho, a marca exata da mão de uma pessoa em sua face esquerda.

– O que houve com o seu rosto? – ela suspirou. A resposta era meio óbvia: levara um tapa. Ela puxou minha mão de seu rosto, soltando-a em seguida. Suspirei. – Você entendeu o que eu quis dizer com a pergunta. O que houve de verdade está bem óbvio, Ayuzawa.

– O passado... Foi isso o que aconteceu. Este lugar está fazendo muitas pessoas recordarem coisas que já haviam sido enterradas no fundo de nossas memórias... Para alguns, no fundo dos corações também.

A agarrei pelos ombros o mais gentilmente que podia e a fitei.

– Por que não explica propriamente?! – disse, o tom de voz um pouco mais alto do que eu tinha a intenção de usar.

Novamente ela se soltou de minhas mãos, dizendo:

– É passado, Usui! E eu não vivo mais lá. Não há o que explicar, não há o que relembrar. Não me faça lembrar ainda mais de coisas desnecessárias que vão trazer apenas memórias ruins sobre um passado incompleto e que eu deixei para trás há muitos anos – apertou a mão que, sem perceber, ela ainda segurava. – Por favor... Não me faça ter que lembrar novamente o que eu tentei esquecer...

Eu a abracei, tentando acalmá-la.

– Venha, Ayuzawa. Deite-se na cama e descanse. Você não parece muito bem, talvez tenha sido a chuva.

Ela me seguiu obedientemente, deitando-se na cama logo a seguir.

– Hey, Usui... – chamou. O ar brincalhão de seus olhos e seu tom presunçoso haviam retornado.

– Sim?

– Posso te fazer duas perguntas? – dei de ombros, sentando perto de suas pernas.

– Por que voltou? – ri. Claro que ela iria perguntar. Apontei para o aparelho em cima da cômoda, perto de seu travesseiro. Ela sorriu. – Imaginei que fosse seu.

– Então, qual é a segunda pergunta? – questionei, curioso.

– Você acha que vai ficar uma marca? – disse, e apontou para a bochecha.

Gargalhei, olhando sua expressão.

– Irá. Aliás, já está uma marca. E está bastante vermelho também. Aquela garota tem uma mão e tanto – sorri. Ela arqueou a sobrancelha, e eu me lembrei, um pouco tarde, que ela não sabia que eu estava do lado de fora do quarto no momento da briga.

Ela se sentou, puxando o cobertor consigo.

– Você escutou, não foi?- acusou.

Ah, ela vai ficar brava...

– Não foi minha intenção. Depois de revirar o quarto inteiro atrás de meu celular, eu tive que voltar para ver se não o havia deixado aqui. Quando eu cheguei à porta do quarto, a garota já estava aqui, e vocês já estavam discutindo.

– Qual foi a primeira coisa que você escutou?

– ... Algo como: se afaste de Usui Takumi, se não me engano.

Ela me olhou, carrancuda. Ela ficou brava.

– Por que você não foi embora e voltou outra hora?! – quis saber.

– Porque vocês estavam falando de mim... E admito que a curiosidade falou mais alto quando escutei a sua resposta – sorri, lembrando-me do que Ayuzawa respondera.

Ela suspirou. Parecia frustrada.

Se jogou na cama novamente, cobrindo o rosto. Ficou quieta por alguns segundos; parecia pensar sobre o que deveria fazer a seguir. Por fim, rosnou para mim:

– Vá embora.

Ri e me deitei ao seu lado, apoiando o cotovelo na cama, e suspendendo minha cabeça com a mão.

– Você não está com raiva, Ayuzawa. Também não está chateada, e sei que não quer que eu saia de verdade – puxei vagarosamente o cobertor para baixo, para poder ver seu rosto novamente. Como eu imaginei, a garota não estava com raiva, mas sim corada.

– Faça como quiser – respondeu por fim, emburrada e embaraçada.

– Então você quer que eu fique? – provoquei.

– Eu não disse que queria que você ficasse – rebateu, contrariada.

– Mas sabe... A Ayuzawa não é muito sincera quando se trata do que quer, principalmente se eu estou envolvido – sorri. Ela bufou. – Quando você diz que não quer que eu fique, ou que eu devo ‘’fazer o que eu quiser’’, na verdade, Ayuzawa está dizendo que não quer que eu vá. Apenas quer que eu fique por perto – ela me olhou de forma estranha, mas deu de ombros e se virou, ficando de frente para mim.

– Seu ego é a maior parte de você, Usui.

Dei de ombros.

– E você gosta que eu seja assim, não é, Ayuzawa?

Ela fechou os olhos, me ignorando.

• Misaki PDV •

Estou cansada. Muita agitação em um único dia. Por que mesmo eu não perguntei para onde era a excursão antes de me meter dentro do ônibus escolar?!

Bem, ficar zangada não adiantará de nada. Já foi. Tudo. Pena que o passado sempre esteja presente em todas as nossas escolhas, ou em todas as nossas lembranças.

Senti Usui deslizar lentamente os dedos por meu rosto em uma carícia despreocupada. Me arrepiei quando ele passou do rosto para o pescoço, depositando um leve beijo ali.

Abri os olhos e o encarei. Ele sorriu, travesso, como se dissesse ‘’não irei me comportar, mesmo que você não queira, e eu sei que você quer’’.

Fechei os olhos novamente e o deixei fazer o que bem entendesse. Eu estou morrendo de sono, quanto mais me estressar com esse idiota, mais tempo irei levar para conseguir adormecer.

Apertei um pouco os lábios ao senti-lo passar os dedos no local onde Yui me batera mais cedo. Ele afastou a mão no mesmo instante, me perguntando em seguida:

– Está ardendo?

Concordei com a cabeça.

– Yui sempre teve jeito para esse tipo de coisa... Espero que a marca suma antes de voltarmos para casa, ou minha mãe irá ficar preocupada comigo.

Cuidadosamente ergueu minha cabeça e a colocou em seu ombro, aninhada em seu pescoço. Senti o seu cheiro invadir minhas narinas. Um cheiro leve, e gostoso de sentir. O cheiro perfeito. Então, para a minha surpresa, ele começou a cantarolar, inicialmente baixinho, como se quisesse manter a canção apenas para si, mas quando percebeu que eu o observava, sorriu e piscou para mim, aumentando a intensidade.

Eu o observava, mais que boquiaberta. A voz dele é simplesmente... incomparável! Eu não entendo como ele pode ter uma voz suave, e tão gutural. Um jeito de cantar tão gentil e tão agressivo. Um modo de cantar tão distante, mas que toque tanto as pessoas?

Quando a música chegou ao fim, ele me encarou, sorrindo. Parecia feliz com a minha reação.

Limpei a garganta. Por alguma razão, não conseguia falar... Eu a sentia fechada, apertada, como se algo a estivesse prendendo.

– Des-desde quando você canta, Usui? – ele soltou uma risada leve, despreocupada.

– Desde sempre, eu acho... A Ayuzawa gosta? Se quiser, eu canto sempre que você quiser, mas somente para você – e piscou novamente.

Os truques desse garoto nunca acabam? Ou será que sou eu que ainda tenho a capacidade de me surpreender com qualquer coisa que ele faz?

– Quer que eu cante outra? – sua voz estava desprovida de escárnio ou sarcasmo. Ele estava realmente me perguntando, e preocupado, se eu havia gostado.

Confirmei com a cabeça sem sequer perceber, enfeitiçada com seu cheiro e com a lembrança de sua voz. Eu queria escutá-lo novamente, e não somente agora. Alguma coisa dentro de mim dizia que eu precisava escutá-lo cantar.

Ele fechou os olhos e tomou fôlego. O prendeu por alguns instantes, indeciso, e então sua voz preencheu novamente o ambiente. A letra tratava de uma garota que havia sofrido no passado, e que ainda sofria, mas que, com a sua força de vontade, conseguiria fazer tudo, pois ela era forte e bela.

Ele deu uma pausa e me observou, sussurrando:

– É o solo do piano. Um dia cantarei essa música para você propriamente, Ayuzawa.

O observei, encantada, e me perguntei o que ele quis dizer com ‘’propriamente’’. Será que ele sabe tocar piano? Novamente, minha capacidade de me surpreender foi testada por esse garoto.

Ele voltou a cantar, baixando a voz alguns tons¹, e então encerrou a canção, abrindo os olhos e me encarando sério. Sem perceber, me aproximei e apoiei minha testa a sua, fechando os olhos.

– Essa música... De quem é?

– É minha. Eu a escrevi – senti um calafrio na espinha, seguido de um arrepio ao senti-lo prender os dedos nos cabelos de minha nuca. – Ayuzawa, se você não se afastar, eu não sei quanto tempo agüentarei até quebrar essa ínfima distância até seus lábios – avisou-me, mas não afrouxou o braço que, sem que eu notasse, rodeou minha cintura.

Eu sei. O problema é que eu também não agüento mais, Usui... Eu não quero mais resistir. Suspirei e me estiquei, alcançando seus lábios. Ele estagnou, surpreso.

Quando se recuperou do choque, virou, prensando meu corpo sob o seu. Não pareceu se lembrar de que eu era menor que ele e que provavelmente muito mais leve também.

O braço que me rodeava passou a apoiá-lo parcialmente, diminuindo um pouco do peso de seu corpo sobre o meu; o outro desceu para a minha coxa, a acariciando e apertando por cima do cobertor.

Agarrei seu uniforme, puxando-o com urgência, arrebentando um botão no processo. Corri a mão por seu peito, sentindo-o, então o afastei, apenas parcialmente consciente de que eu iniciara o beijo. A culpa certamente viria mais tarde.

Ele abriu os olhos e me encarou, os olhos verdes estavam quase negros. Estiquei a mão para passá-la em seu rosto, mas ele a interceptou, segurando-a e entrelaçando os dedos. Se jogou na cama novamente, mantendo-se no lugar onde estava pouco antes, ainda que segurasse minha mão.

Ele fechou os olhos e esperou, alguns segundos depois levou minha mão para o seu peito novamente, colocando-a na direção de seu coração.

– Consegue sentir, Ayuzawa? – perguntou, ainda de olhos fechados. Apertei um pouco os dedos em sua pele, sentindo mais intensamente. – É assim que eu fico quando estou perto de você.

Levemente ele soltou minha mão e direcionou a até meu peito, colocando-a na direção de meu coração também.

– Você pode negar, mas também fica assim quando está perto de mim. O seu coração não consegue mentir nesses momentos, Ayuzawa.

Pensei em responder, mas de repente me senti muito cansada para conversar. Talvez o estresse do dia tenha finalmente me alcançado por completo. Fechei os olhos e me ajeitei, apenas sussurrando:

– Eu sei... Eu apenas... Não quero... Me machucar... De novo... – e apaguei, sem saber exatamente o que dissera, ou se ele havia dito algo como resposta.

~//~

– Hey, Misaki – chamou Ren atrás de mim. – Para onde você está indo?! Aí é perigoso!

O garoto correu atrás de mim, tentando me impedir de prosseguir e resgatar meu boné que havia acabado de ser levado pelo vento.

– Não se preocupe, Ren. Eu já estive aqui inúmeras vezes. Não tem como eu me machucar – continuei a andar, sem me importar com o garoto me chamando de forma desesperada.

– Você já veio aqui inúmeras vezes? Agora entendo como você consegue um machucado novo todo dia. Volta aqui, sua doida!

O ignorei novamente, terminando o caminho até o fundo do pequeno desfiladeiro, pegando novamente meu boné. Quando voltei lá para cima ele me encarava, furioso. Sua face emburrada chegava a ser fofa. Ri do biquinho que ele fazia quando ficava emburrado.

– Eu aqui quase morrendo de preocupação e você ainda ri? – gritou, frustrado.

– Eu disse que não era necessário se preocupar... Se você tivesse um pouco mais de confiança em mim não teria se desesperado tanto.

– Seu pé escorregou duas vezes! Você quase caiu, sua doida – disse e me abraçou. Senti seu hálito fresco banhar meu rosto quando ele se afastou um pouco, fitando-me nos olhos. Nossos rostos um pouco perto demais. – Por favor, não faça isso de novo.

– Claro, claro. Eu prometo que não irei lá novamente.

Observei seu rosto suavizar, até ser contraído novamente. Ele parecia inquieto.

Sua respiração saiu pesada, numa lufada, e ele se aproximou. Senti sua mão subir para a minha bochecha, tirando uma mecha que parara ali devido a leve brisa que fazia. Ele se aproximou lentamente e fechou os olhos, encostando levemente seus lábios aos meus.

~//~

– Eu vou embora – falei, observando atentamente a reação do garoto a minha frente.

– Por quê? – perguntou apertando os lábios um contra o outro, como se quisesse reprimir um grito.

– Por causa do trabalho da minha mãe... Eu avisei que algo assim iria ocorrer, Ren. Me perdoe.

– Sim, eu sei, eu só não imaginava que seria tão cedo. Nós estamos juntos há apenas poucos meses.

Olhei para o céu procurando alguma memória para levar comigo. O céu estava escuro, negro, e começava a chover. A chuva não era nem um pouco gentil.

– Desculpe... – murmurei, acariciando seu rosto. – Eu não queria te magoar.

Ele segurou minha mão e a colocou em seu peito, descansando ali, e a apertou levemente.

– Não é sua... – a frase foi cortada por um soluço. As lágrimas escorriam pelo rosto do garoto sem nenhuma preocupação. Ele não tinha vergonha de mostrar seus sentimentos. – Não é sua culpa, Misaki – concluiu.

Me aproximei e o abracei, dando um leve beijo em seus lábios.

– Adeus – murmurei ao me afastar.

– Adeus – disse, com dificuldade e tristeza.

Me virei e comecei a andar, afastando-me o mais depressa que eu conseguia. Parei ao ouvir sua voz, chamando-me uma última vez. Virei em sua direção e esperei.

– Misaki, você poderia me fazer um último favor?

Afirmei calmamente com a cabeça. Ele se aproximou alguns passos, os braços levantados, as mãos atrás de seu pescoço, removendo o cordão que jamais tinha saído dali. Deu a volta em mim e o colocou em meu pescoço.

– Fique com ele – pediu, tocando meu rosto. – É o meu presente de despedida – sorriu tristemente.

Se aproximou e me beijou com ternura. Quando nos afastamos ele se distanciou, e esperou que eu sumisse de sua visão para que pudesse voltar para casa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

¹ = Tornar mais grave.