Meu Bônus Infernal escrita por Mandy-Jam


Capítulo 70
Uma pessoa boa


Notas iniciais do capítulo

Não atrasei dessa vez! Olha que linda eu.

Boa leitura, pessoal!



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POV Apolo

Alice respirou fundo e assentiu, como se estivesse confirmando consigo mesma que conseguiria falar sobre aquilo. Olhou para mim e depois checou para ver se Heather continuava afastada procurando sinal de celular.

— Ele e eu nunca nos damos muito bem. – Contou por fim – A gente discute desde que eu aprendi a falar.

— Ele batia em você? – Perguntei sentindo a raiva percorrer o meu corpo. Alice olhou para mim assustada.

— O quê? Não! É claro que não. – Disse como se estivesse assustada com a ideia. Fitei-a não entendendo porquê ela tinha negado. Alice fitou meu rosto em retorno e percebeu do que eu estava falando – Espera. Bem, uma vez. Ele me bateu uma vez, porque ele perdeu a cabeça, mas isso não era frequente.

— Porque a sua mãe não deixava. – Ela avaliou minhas palavras e confirmou, sem jeito.

— É. A minha mãe ficava no pé dele toda vez que a gente discutia, porque ela tinha medo que ele fizesse algo assim. Ela não gosta de educar por violência, mas a família do Will inteira acredita nessa filosofia. – Respondeu.

— Então para não te bater ele te trancava em um quarto escuro. – Concluí sem perder a raiva – Isso não parece tão melhor.

— Isso começou quando o Joe me empurrou na lama quando eu era menor. Aí eu fiquei com raiva e bati nele de volta. Só que o idiota caiu e bateu com o queixo no degrau da escada da varanda, bem na frente da casa. O queixo dele abriu, começou a sangrar, aí ele chorou e fez um escândalo. – Contou revirando os olhos – Só que não foi de propósito. Eu não queria rasgar o queixo dele, eu só revidei para me defender. Will não quis saber.

Alice chutou uma pedrinha no caminho, frustrada com o rumo que sabia que a história tomaria.

— Ele me levou para aquele escritório velho e disse que era para eu ficar lá até ele dizer que eu poderia sair. – Falou e pude ver os músculos dela ficando tensos, como se precisasse se proteger de algo – E as coisas ficaram tão calmas sem mim que ele esqueceu de me tirar do castigo. Aí ficou de noite e... Eu tinha medo do escuro. E tinha aqueles bichos empalhados, e tudo rangia.

— Isso é horrível. – Falei cerrando os punhos.

— Quando ele me tirou de lá, era quase dez da noite. Já estava escuro fazia muito tempo, e eu tremia de medo. – Falou e cruzou os braços – Aí ele percebeu que eu tinha medo daquele quarto, e passou a usar isso para me controlar. “Se você fizer algo errado, vai para o quarto sozinha”. E eu fui muitas vezes para aquele quarto.

— Mas se você tem medo de escuro, porque faz aquele desafio de ficar na floresta de noite? – Perguntei, confuso.

— Porque o nojento do Joe ficou zombando de mim, falando que eu era medrosa. E o único jeito de calar a boca dele era fazer aquele desafio. – Reclamou.

— Deuses, eles são horríveis! – Exclamei incrédulo. Parei de andar e olhei para Heather, que estava muito lá na frente – Eles sabiam o que você estava passando e ainda te tratavam assim?!

— É. – Ela confirmou balançando a cabeça forte – Eles são. Mas nem todos eles.

Eu repassei a cena na minha cabeça, e de repente percebi.

— Dwayne. – Falei e fiquei surpreso pela descoberta – É por isso que você gosta dele!

— Eu morria de medo, sabe? Ás vezes eu sentia tanto medo que molhava as calças. – Alice corou contando isso – Dwayne sabia. E ele também via que Joe e Heather viviam me provocando. Por isso ele não achava justo eu ficar ali de castigo. Ele vinha de vez em quando e sentava do meu lado, para me fazer companhia. Era um alívio.

Lembrei da expressão de preocupação do jovem ao falar para eu sair em busca de Alice. Vai escurecer logo.

— Ele é o único sensato. – Murmurei revirando os olhos.

— Mas... – Alice franziu o cenho, como se estivesse em debate consigo mesmo – Eu não sei. Eu passei muito tempo odiando Will por isso. Mas ele é uma pessoa ruim por causa disso?

Parei imediatamente, indignado com o que ela falara. Queria gritar que ele era um homem ruim sim, e que merecia desprezo. Mas então eu fui pego na mesma briga interna que ela.

— Meu pai jogava raios em mim. – Deixei escapar, refletindo sobre aquilo em voz alta. Alice observou-me – Eu lembro que eu disse para ele que não queria ir no aniversário de Dionísio, porque ele quebrara um dos meus instrumentos. E ele me atingiu com um raio, sem nem se dar ao trabalho de falar comigo.

— Acho que atingir os outros com raios é um nível acima de maldade. – Comentou.

— É. E ele sabia que eu tinha medo daquilo também. – Falei assentindo – Se eu começasse a fazer algo que ele desaprovava, a sua mão tocava o raio mestre e seus olhos encontravam os meus. Eu morria de medo.

— Mas ele é uma pessoa ruim por causa disso? – Perguntou ela, buscando a resposta para o seu próprio problema. Seus olhos castanhos tinham um brilho de esperança, achando que eu saberia encerrar a discussão.

— Sim. – Respondi, por fim – Quero dizer, ele é uma pessoa que fez coisas ruins. Como alguém pode tratar uma criança dessa forma e ser uma boa pessoa?

— Acho que você tem razão. – Ela encolheu os ombros e voltou a andar, ainda pensativa – Eu me senti mal quando Hermes apareceu. Quando eu descobri tudo.

— Por quê? – Quis saber erguendo as sobrancelhas – Não queria que ele fosse seu pai?

— Não, porque eu queria. Eu me senti bem. – Ela balançou a cabeça – Eu devia me sentir mal, não é? Porque o Will me criou a vida inteira. Era para eu gostar mais dele, porque ele foi mais o meu pai do que Hermes. Mas quando eu soube que ele não era o meu pai, eu fiquei aliviada.

— Não há nada de errado com isso. – Respondi segurando seus ombros e olhando nos olhos dela – Alice, o que ele fez com você foi terrível. Foi abuso psicológico.

— Eu não odeio ele completamente, mas não morro de amores. – Ela ponderou – Acho que eu consegui superar.

— Você ainda tem medo do escuro, não é? – Adivinhei.

— Tenho. Um pouco de pavor, na verdade. Mas se essa história toda de semideusa me ensinou alguma coisa foi que nós não podemos nos render ao nosso medo. – Respondeu.

Observei-a com um orgulho que não poderia medir em palavras. Sorri satisfeito em saber que Alice era uma heroína antes mesmo de descobrir que era uma meio-sangue, e meu coração disparou ainda mais.

Deuses, como eu amava aquela garota.

— Não conta nada disso para o Ares, por favor. – Falou repentinamente preocupada – Ele ia implicar comigo para o resto da vida, se soubesse.

— Por mais que eu goste de falar mal do Ares, não acho que ele implicaria com você. – Neguei contra a vontade – Acho que ele abriria a cabeça do Will na parede, e ia guardar o crânio rachado como troféu. O que não seria de fato tão ruim de assistir.

Alice prendeu o riso.

— Argh! – Gritou Heather frustrada. Ela virou-se para trás e andou até nós – Já chega, já deu para mim. Acho que ele morreu.

— Ele não morreu, Heather! Está por aí em algum lugar graças á você! – Rebateu Alice. Heather olhou para ela confusa.

— O quê? Não! Estou falando do meu celular, idiota. – Encarou Alice como se ela fosse burra – A tela apagou e não quer mais ligar. A bateria deve ter acabado, e antes de eu conseguir abrir o twitter.

— Você só pode estar de sacanagem. – Falou Alice abismada – Você lembra do Thomas, por acaso? O seu primo de carne e osso que está desaparecido.

— A polícia espera 24 horas até determinar que alguém está desaparecido. – Rebateu colocando o celular no bolso.

— Ah, você quer sentar e jogar cartas até completar as 23 horas restantes? – Perguntou em sarcasmo.

— Eu quero, Sedex, é voltar para a minha casa com wifi, hidromassagem e sistema de som. Bem longe dessa mata nojenta cheia de insetos e dessa sua cara horrorosa. – Respondeu com nojo – É isso que eu quero. Agora seria bom se você e o seu amiguinho com dois pés esquerdos aí encontrassem logo aquele pirralho chorão, para eu poder voltar. Tudo bem?

— Continua andando. – Disse Alice controlando a raiva e apontando a luz da lanterna para frente. Heather bufou, mas seguiu caminho – Toda vez que eu lembro que você beijou ela, eu sinto uma vontade quase incontrolável de lavar a sua boca com detergente.

Prendi o riso por um instante, e depois lembrei de tudo que tinha descoberto sobre a família de William Hanks.

— Eu nunca teria beijado ela se soubesse de tudo aquilo. – Declarei com uma careta.

— Nossa, se ao menos alguém tivesse te avisado que ela não prestava. – Alfinetou.

— Eu achava...! – Interrompi-me ao perceber que era melhor não discutir – Eu sinto muito, tudo bem? Foi um grande erro, e eu lamento.

Um segundo de silêncio.

— O que você viu nela? – Perguntou em um murmuro.

— Ela... – Hesitei. Olhei para Alice e não sabia dizer se esse era um daqueles momentos em que as mulheres querem ser elogiadas, ou se realmente querem ouvir a verdade. Resolvi misturar os dois, inteligentemente – Ela é inteligente, mas não tanto quanto você. Ela... Ela sabe dançar muito bem, mas você dança bem melhor, minha musa. Ela também escreve poesia, mas a sua é melhor também.

— Eu não escrevo poesia. – Alice franziu o cenho para mim.

— Ahm... – Ela abriu a boca para falar algo, mas eu agi mais rápido – Thomas! Onde está você? Thomas! Por favor, volte! Nós te amamos!

— Tá. – Ela falou por fim – Mas... Mas o que você... – Só pelo tom de voz, eu já previ qual seria a pergunta. Alice perguntara aquilo para mim mais vezes do que eu podia contar. Passei a mão pelo rosto de forma dramática e encostei a cabeça em uma árvore perto de mim.

— Eu não acredito que eu vou ter que repetir tudo de novo. – Falei incrédulo.

— Eu só...!

— Eu amo você. – Falei como se estivesse afirmando que o céu era azul – Eu amo você porque você é inteligente, porque você é bonita, porque você faz um ótimo cafuné, porque você gosta de arte, porque você sabe cantar a Macarena sem gaguejar, porque você foi a garota que mais me chamou atenção em mais de um século! Por que você sempre me pergunta isso? Não consegue acreditar que eu possa gostar de você?

— Não! Não, porque é estranho! – Falou incrédula.

— Por que é estranho? – Perguntei sem entender, e então algo nos olhos dela me fez perceber a sua insegurança. Eu já a vira nos olhos de outros amantes, devo dizer. Só que ver aquilo nos olhos de Alice me irritou – Porque eu sou bonito. Você acha que eu sou bonito e perfeito, então eu não posso gostar de você, porque a sua beleza é comum.

As bochechas dela coraram.

— É. – Admitiu.

— Você acha que eu sou fútil, não é? Que só porque eu sou o deus da beleza, eu só vou me apaixonar por pessoas tão divinas quanto eu? – Alice negou com a cabeça – Acha sim! Você acha que eu nunca poderia gostar de você, porque você não é, eu sei lá, a Afrodite! Porque você é só uma garota comum. É isso, não é?

— Eu não me acha interessante ao seu nível, é só isso. – Respondeu sem jeito.

— Meu nível? Você acha que sabe qual é o meu nível? – Perguntei avançando na direção dela. Alice recuou uns passos – Você tem noção do quanto eu já sofri por causa disso? Não que eu odeie ser bonito, mas é justamente esse tipo de pensamento que me dá raiva. Eu não sou fútil, Alice Kelly.

— Desculpa, eu não queria ter insinuado isso. – Falou envergonhada.

— Você acha que qualquer outra mulher com mais beleza poderia tomar o seu lugar? Você não consegue ver porquê eu gosto tanto de você? – Ela não falou nada – Responde!

— Ahm... Sim. – Respondeu.

— Ok. Deixa eu te fazer uma pergunta. – Cruzei os braços – Você me acha inteligente?

— Inteligente? – Repetiu ela, sem saber qual era o sentido daquilo.

— Sim, inteligente. Você acha que eu sou inteligente? – Perguntei novamente.

— Acho. – Confirmou ela. – Você pode ser infantil às vezes, mas é muito inteligente.

— Você sabe quantas pessoas me acham inteligente? – Perguntei – Eu sei lá, Alice. Não sei, porque elas não se importam com isso. Elas olham a minha beleza e pronto, não precisa de mais nada. Todas as mulheres, mortais ou divinas, e homens também, que tem algum interesse em mim se limitam a isso. Ninguém me pergunta o que eu acho do movimento cubista, ninguém discute comigo sobre os novos caminhos da medicina. Ninguém quer saber o que eu penso.

— Eu quero. – Ela murmurou, finalmente entendendo.

— É, você quer. Tem noção do quanto é difícil encontrar alguém que goste de mim além da minha beleza? – Falei aliviada por ela ter entendido – Alguém que não tem medo de falar o que pensa, só porque eu sou um deus e posso reduzir qualquer um a pó com um estalar de dedos?

— Na verdade, isso é um pouco assusta-

— Por isso eu gosto tanto de você. – Cheguei mais próximo de Alice. Com um movimento eu podia beijá-la – Porque, acima de tudo, você não é fútil ou superficial. Você também não é como seu padrasto. – Ajeitei uma mexa de cabelo que escapara do rabo de cavalo para trás da orelha dela – Você é uma boa pessoa.

Alice sorriu e se aproximou de mim por impulso. Estava prestes a beijar sua boca, quando seu rosto virou para o lado devagar, e acabei acertando sua bochecha.

— Você também é uma boa pessoa, Apolo. – Disse com um tom triste enquanto sua mão escorregava pelo meu peito, até pender livre ao lado do corpo dela. Alice passou por mim e continuou andando.


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Notas finais do capítulo

Gostaram? Deixa aquele review maravilhoso, por favor, que isso me faz ficar muito feliz.
Vocês me motivam muito a continuar, sério.
Vou responder todos vocês nesse capítulo, juro juradinho.

Beijos!



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