Eu estava conversando com Apolo calmamente, enquanto Ares resmungava antipático como sempre, quando Tio Edgar desceu as escadas.

- Bill! Bill onde está você, garoto? – Chamou olhando em volta. Franzi o cenho sem entender o que ele estava fazendo.

- O nome é Will, Tio Ed. – Corrigi.

- Não estou chamando seu pai, menina tonta! Estou chamando Bill! – Ele não gostava de ser corrigido, mas eu insisti.

- Não tem nenhum Bill na família. – Falei revirando os olhos.

- Eu sei disso! Fecha essa matraca. – Reclamou voltando a chamar por um desconhecido. Olhei para Apolo e Ares e girei meu dedo indicador perto da cabeça. Eles riram um pouco, mas todos nós paramos quando tio Edgar deu um tapa em nossas cabeças uma á uma – Está me chamando de maluco, sua democrata de uma figa?!

- Não! – Menti irritada – Não precisava bater!

- Pois saiba você que quando o Bill chegar você vai entender o que é um exemplo de verdade á seguir. – Falou apontando para mim. Seu dedo se voltou para Apolo – Se você acha legal ter amiguinhos nazistas, você precisa de umas boas lições, mocinha!

- Ele não é nazista! – Reclamei.

- Quieta! Antes que eu te dê umas belas palmadas no seu bumbum para você aprender a ouvir os mais experientes! – Meu rosto corou ao ver o sorriso malicioso que Ares lançara para mim. Revirei os olhos e me encolhi no sofá. Tio Ed voltou a procurar por Bill.

- Da próxima vez que você discutir comigo vou te dar palmadas no bumbum, Kelly. Assim você aprende que não se discute com os mais experientes. – Zombou ele.

- Cala essa boca, seu pervertido. – Disse desviando o rosto.

- O que eu estou vendo é um rostinho vermelho? Levou a minha fala para o mau sentido? – Perguntou rindo de mim. Eu lhe dei uma cotovelada e Ares abriu a mão – Olha as palmadas no bumbum.

- Você não tem mais o que fazer, não é? – Perguntei irritada. Ele mandou um beijo para mim só para implicar, e eu suspirei pesadamente.

Quando Apolo abriu a boca, pensei que ele diria algo para me ajudar, mas ao invés disso...

- Se ele te machucar, eu cuido de você. – Comentou com um duplo sentido e um sorriso malicioso.

- Nenhum de vocês dois presta. – Murmurei passando a mão pelo cabelo.

- Bill! – Exclamou tio Edgar – Até que enfim!

Virei para trás para olhar de quem ele estava falando. Pensei que fosse algum cachorro, ou que ele tivesse dado o nome de “Bill” a algum objeto. Mas quando vi meu pai retribuindo alguns tapinhas nas costas de tio Edgar, fiquei surpresa.

- Ei, democrata! Preste atenção! – Chamou ele com impaciência. Pisquei os olhos já de pé olhando para tio Ed – Esse aqui é Bill, membro do grupo contra comunistas. Ele veio para arrecadar fundos para a causa.

- Causa? – Repeti olhando para Hermes – Que causa?

- Você acha que proteger a nossa nação dessa gente não é uma causa boa o bastante? – Perguntou em um tom tão áspero que não parecia ser meu pai. Aquilo me pegou desprevenida.

- Não dê atenção é essa rebelde. – Falou tio Ed revirando os olhos – Acho que você poderia ensinar muitas verdades para ela.

Hermes começou a farejar o ar, e depois olhou para mim com um olhar assassino.

- Isso é cheiro de democrata? – Rosnou sacando uma faca. Arregalei os olhos para ele. O que tinha acontecido com o meu pai?!

- Qual é o seu problema? – Perguntei incrédula ao vê-lo apontar a lâmina da faca para mim. Tio Edgar sorriu feliz por ter alguém que o apoiasse, e não pareceu se importar com o fato de um estranho estar apontando uma faca para mim.

- Ei! – Exclamou minha mãe saindo da cozinha. Ela deu um tapa na mão de Hermes jogando a faca longe, e se colocou na minha frente – Não aponte uma faca para a minha filha. Você ficou maluco?

Ele negou firmemente com a cabeça.

- Estou vendo que vou ter muito trabalho a realizar nessa casa. – Falou em um tom cansado – Senhor Edgar, creio que seus familiares não sejam casos perdidos. Talvez com uma boa conversa, nós possamos resolver esses problemas.

- É tudo que eu sempre quis. – Disse extremamente emocionado – Eles não entendem os perigos que os comunistas representam. Nem entendem a importância da nossa liberdade que está sendo ameaçada por esses democratas.

- Você é um velho louco. – Deixei escapar.

- Alice! – Repreendeu minha mãe.

- E comece por essa daí e pelo amigo nazista dela! – Disse Tio Ed apontando para mim e para Apolo com nojo. Depois apontou para Ares – Aquele ali está salvo. Está tentando trazê-la para o bom caminho, só que vai precisar de reforços.

Hermes assentiu.

- Se não for incomodar, creio que tenha que ficar por aqui. – Comentou.

- Claro, claro. Ah, William! – Chamou Tio Ed ao ver Will descendo as escadas. Ele franziu o cenho para Hermes, e se aproximou de nós – Esse aqui é Bill, um amigo meu. Bill, esse é o meu sobrinho William.

Hermes estendeu a mão ainda com um ar sério. Will assentiu e apertou a mão dele também. Sacudiram-nas uma única vez, e se separaram.

- Will, você não vai ter problemas em ceder o seu quarto para ele, não é? – Disse Tio Edgar. Minha mãe arregalou os olhos e esperou a resposta de Will. Ele franziu o cenho, e olhou para Hermes.

- Ahm... – Ele ia discordar, mas Hermes resolveu entrar com a sua mágica – É claro que não me importaria.

- Se importaria sim. – Confirmou minha mãe olhando para ele com raiva – Will, se você ceder a cama para ele, onde nós vamos dormir?

- Jenny, nós arrumamos algum lugar. – Falou tentando acalmar minha mãe – Acho que a minha mãe tem uma cama sobrando...

- Você acha que eu vou dormir com a sua mãe? – Repetiu irritada. Will negou com a cabeça.

- E tem o sofá. – Completou Will. Minha mãe cruzou os braços e olhou para tio Edgar com um olhar faiscante de raiva.

- Não é o seu amigo? Cede você a cama para ele e dorme no sofá. – Falou.

- Está querendo colocar um velho para dormir no sofá?! – Exclamou tio Ed – Por acaso você não tem um coração debaixo desse peito, mulher?!

- Não, não tenho. Vai para o sofá. – Respondeu. Os dois estavam prestes a sair no tapa, quando Will a puxou para trás pela cintura. Ele ficou de frente para Hermes, e os dois se encararam por um longo minuto.

- Acho que não entendem ainda o quanto isso é importante. – Comentou meu pai.

- Explique, por favor. – Pediu Will em um tom de voz tão sério quanto o dele. Apolo e Ares já estavam debruçados no sofá esperando para ver onde aquilo tudo daria.

- Estou caçando comunistas, William. Não estou aqui de brincadeira. – Falou colocando as mãos nas costas como se fosse militar – Se acha que tenho o mínimo interesse em causar a discórdia entre você e sua esposa, está errado. Mas eu não medirei esforços para que complete minha missão.

- Missão? E você é da onde? Exército? – Perguntou erguendo uma sobrancelha.

- Essa informação é confidencial. Tudo o que precisa saber é que ficarei aqui durante um tempo, e que precisarei de conforto para que minhas energias estejam sempre carregadas. Nunca se sabe quando aqueles insanos irão atacar. – Falou olhando para as unhas. Ele se manteve em silêncio por alguns instantes e depois berrou dando um susto em todo mundo – Bum!

Will estremeceu por alguns instantes, e Hermes colocou a mão sobre o ombro dele.

- Isso poderia ter sido um ataque. Uma bomba explodindo. Deus sabe o que mais. – Disse apressado – Eu preciso agir, e rápido. Para a segurança de todos, é claro.

- É claro... – Murmurou franzindo o cenho – Acho que... Acho que, pelo bem da nação, eu e Jenny podemos fazer esse sacrifício.

- Pelo bem da nação o cacete! – Reclamou minha mãe já morrendo de raiva – Coloca ele para dormir no sofá, Will! Eu não vou...!

- Está desafiando a minha autoridade? – Perguntou Hermes olhando para ela. Minha mãe retribuiu o olhar do mesmo jeito.

- E se eu estiver? – Perguntou.

- Posso prendê-la por desacato. – Falou.

- Vem aqui se tem coragem. – Desafiou rangendo os dentes. Will colocou-se entre os dois com um rosto de preocupação.

- Não será necessário. Ela entende bem a situação. – Falou lançando um olhar repreendedor para minha mãe – Eu vou com o Edgar para o quarto preparar as coisas para você. Jenny, não arrume confusão.

Will beijou a bochecha dela, pois minha mãe virou o rosto quando ele foi em direção aos seus lábios.

- Vai logo! – Reclamou ainda irritada com ele. Will subiu as escadas com tio Edgar e nos deixou á sós com Bill.

Apolo negou com a cabeça.

- Você é muito mentiroso. – Falou rindo incrédulo – Não acredito que inventou essa história toda só para ficar aqui.

- Chucrute. – Meu pai fez uma careta para ele.

- Trapaceiro. – Rebateu.

- Nazista. – Retrucou.

- Feio. – Continuou Apolo.

- Dá para as criancinhas pararem com essa palhaçada? Isso está ridículo. – Falou Ares revirando os olhos. Os dois fizeram caretas para Ares.

- Aquele não parecia nem você. – Comentei ainda surpresa. Aquela atuação tinha sido extremamente convincente. Hermes sorriu para mim.

- Eu não ia te atacar com uma faca. Não sou louco. – Falou piscando para mim.

Mesmo ouvindo aquilo, minha mãe deu um tapa no braço dele. Hermes olhou surpreso para Jenny, que apontava para ele de um jeito ameaçador.

- Você está achando que eu vou dar a minha cama para você e dormir no sofá, só para sustentar essa sua brincadeirinha? – Perguntou com raiva.

- Dormir no sofá? O que? Claro que não! Não vou de fazer dormir no sofá! – Exclamou fingindo estar chocado. Ele sorriu torto para minha mãe e tocou o queixo dela com o dedo indicador – Você sabe que sempre vai ter um espaço para você na minha cama.

Minha mãe sorriu para ele e tocou seu rosto.

- Ah, Hermes... Você é tão... – Achei que eles iriam se beijar, mas ao invés disso ela o chutou com muita força na canela – Canalha! Você me tira da minha cama e ainda vem tentar me conquistar com cantadas como essa?! Vai para o inferno!

- Comunista! Maluca! Herege! – Xingou ele enquanto pulava.

Meu pai pulava em um pé só apertando a canela com força.

- Caramba! Isso doeu, droga! – Reclamou apoiando o pé no sofá e olhando para Jenny com uma expressão de raiva. Depois olhou para Ares e Apolo – Viu? A gente tenta ser cavalheiro, e é retribuído assim!

Eles não comentaram nada. Não queriam apanhar da minha mãe.

- Quer ser cavalheiro? Fica aqui no sofá! – Reclamou ela.

- Você não tem que dormir no sofá, Jenny! Você pode muito bem dormir com a Lauren! – Rebateu ele.

- Você só pode estar louco se acha que eu vou dormir com aquela velha! – Retrucou irritada.

- Sinto muito se você se casou com aquele idiota e agora tem que aturar a mãe dele, mas isso faz parte da vida. – Falou dando de ombros – A sua mãe me odiava, mas eu tinha que aguentar, não é?

- Minha mãe não te odiava. – Negou.

- Claro que odiava! – Disse e resolveu imitar minha avó – Lá vem aquele seu namorado! Ele não sabe se vestir, não? Vive desarrumado!

- Você vive desarrumado desde de sempre. – Comentou Apolo.

- E o que ela tinha a ver com isso? – Reclamou Hermes.

Minha mãe bufou e subiu as escadas quando Will pediu sua ajuda para arrumar o quarto. Hermes fez uma careta para o topo da escada.

- Toma, seu cretino. Acha que pode roubar minha mulher? Espero que ela te estrangule no meio da noite. – Falou maldoso. Eu neguei com a cabeça.

- Você sabe que você não foi nem um pouco cavalheiro, não é? – Comentei de um modo repreensivo. Hermes olhou para mim surpreso.

- Como assim eu não fui cavalheiro? Eu falei que ela podia dormir na cama comigo. – Rebateu. Eu abri a boca, mas Ares me interrompeu.

- Eu geralmente gosto muito de ver você se ferrando, mas vou tentar te ajudar dessa vez. Não comente mais nada. Para o seu bem. – Falou olhando para mim. Eu franzi o cenho e o ignorei. Infelizmente.

- A minha é uma mortal de quarenta e poucos anos. Se você acha ruim dormir no sofá, imagina o quanto vai ser ruim para ela? – Expliquei olhando para Hermes – Mamãe não vai durar para sempre, e ela não pode fazer as costas pararem de doer por mágica.

Hermes assentiu entendendo o que eu tinha dito.

- Tem razão. Seria injusto com a sua mãe. Mas não se preocupe, eu já pensei em uma solução. – Sorriu para mim. Eu sorri de volta sem notar o que ele queria dizer por alguns minutos. Mas então tudo ficou claro.

- Ah, não. Não! Qual é?! Você não vai fazer isso! – Reclamei.

- Se recusa a dar a sua cama para o seu velho pai? – Perguntou erguendo uma sobrancelha para mim.

- Sim! Ah, pai, eu não vou dormir no chão! Você não pode me colocar para dormir no chão! – Insisti batendo o pé no chão. Parecia uma criança mimada, mas a irritação estava me fazendo parecer assim.

- Claro que eu posso. Você tem 20 anos, está na flor da idade. Suas costas não vão nem sentir direito. – Falou sem dar importância. Eu tentei reclamar, mas ele ergueu a mão para mim pedindo que parasse – Alice, não enche meu saco. Estou cansado, irritado, e com um hematoma do tamanho da Austrália na minha canela. Você vai dormir no chão e ponto final!

- Eu não posso dormir no chão. Eu tenho asma alérgica e lá é cheio de poeira! – Tentei. Hermes deu de ombros.

- Eu faço toda a poeira sumir para você. – Respondeu.

- Mas pai...! – Tentei, só que não tinha mais argumentos.

- Mas pai nada! – Retrucou ele – Agora chega de chilique.

- Eu disse para você não comentar nada, mas você não me ouviu. – Falou Ares quase rindo de mim. Suspirei pesadamente, e Apolo sorriu para mim.

- Não se preocupe. Eu vou ser um cavalheiro, seguindo o exemplo do seu pai. – Falou colocando a mão sobre o ombro de Hermes. Apolo piscou para mim – Sempre vai ter espaço para você na minha ca...!

- Cala essa boca! – Exclamou Hermes batendo forte em Apolo com uma almofada.