Céu escrita por Liminne


Capítulo 73
Capítulo 52 – Trégua pela Lua Cheia II




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Não podia negar que ela estava mexendo com alguma coisa no fundo do seu coração naquele momento. Não sabia se era porque estava tão linda. Ou se era por causa dos lábios vermelhos. Ou ainda porque sentira saudade de sua beleza atordoante.

Não... Não era nada disso. A verdade mesmo, é que o olhar dela o estava revirando por dentro. Sim, o olhar. E o que ele continha quando encontrava o seu. Ela parecia aquela Rukia obstinada de sempre... Parecia ter voltado àquela antiga teimosia. Parecia ainda mais... Furiosa. Viva. Apaixonada. Mais do que já havia visto. E aquilo tudo era... Por ele?

Não. Não podia ser... Ele só estava enlouquecendo por causa do tempo que ficou sem mergulhar naquele azul. Ele só estava... Deixando o coração criar expectativas de novo. Não podia cair na mesma historinha de sempre. Não era tão idiota assim.

Desviou mais uma vez os olhos e tirou a mão dela de cima de seu braço devagar, quase como se quisesse demonstrar nojo.

- Ichigo. – a voz dela saiu contida quando ele a desprezou de novo. Mas dava para sentir as pequenas fagulhas de frustração. – Eu te fiz uma pergunta. E já disse que vou quebrar os copos. – ela estava tremendo de nervoso. E de medo.

Ele continuava fazendo seu trabalho. Segurando o olhar e as palavras.

- Ichigo! – ela gritou com a voz aguda demais. E temeu que começasse a chorar ali mesmo. Porque ele continuava fingindo que ela nem existia... Então o que ele estava fazendo ali afinal? Era para isso que o destino o tinha colocado naquele exato lugar, naquela exata hora. Então porque ele estava ignorando? Por quê?

Sem mais saber o que fazer, deu um tapa em mais um dos copos fazendo-o estilhaçar-se pelo chão com mais escândalo que da última vez.

- Rukia! – a agonia do ruivo chegou ao limite e ele encarou-a com a fúria saltando dos olhos. – Para com isso agora! Olha só o que você está fazendo! Está acabando com a sua própria festa, merda! – seus olhos geralmente melancólicos estavam duros. E sua voz que sempre reverberava por todo e qualquer lugar que estivesse daquele jeito histérico e afetado, parecia espremida. Parecia fria. Parecia severa de verdade.

- Eu só estou pedindo uma resposta! – ela sentiu a impotência formigando no estômago. Sentiu as bochechas quentes de pavor e a insegurança nos olhos. Mas não podia desistir. Mesmo perdendo para si mesma vergonhosamente, não podia desistir.

Não agüentava mais. E aquilo era para ser um sinal, não era? Se havia aprendido alguma coisa nos últimos oito meses, era que coincidências não existiam.

- Pare de agir como se estivesse sempre certa. – ele pôs-se a secar a pia como desculpa para não olhá-la mais. Mas seu tom de voz agora não era mais tão frio. O azul daqueles olhos o tinha transformado em mágoa. – Pense bem. Você não merece resposta nenhuma. Você não está no direito de exigir [i]nada[/i] de mim! – parou o pano e suspirou com força, como se aquelas palavras o tivessem custado a própria respiração por longos minutos.

Ela ficou parada olhando-o. Mesmo que ele não a olhasse de volta. Não se mexeu. Não tocou nos outros copos. Não abriu a boca.

Só ficou sentindo aquela dor no peito. Aquela dor esmagadora que só a verdade pode causar. Aquela dor que talvez ela o tivesse feito sentir aquele tempo todo.

Ele estava certo. Não devia nada a ela. Absolutamente nada.

Não podia culpá-lo por estar dando as costas para aquela chance do destino. Porque não era dele que o destino esperava uma atitude. Não daquela vez.

O destino estava chamando a ela. Ukitake Rukia. A pessoa que deveria mudar tudo era ela. Ela. A pessoa que havia fechado os olhos por tanto tempo.

- Ichigo... – deixou que a humildade enchesse seus olhos. E não se importou daquela vez. Nem quando uma lágrima ameaçou cair. – Eu te amo...

Ele estremeceu. O coração bloqueou sua respiração. A mente paralisou seus movimentos. Ele só queria virar-se e abraçá-la como nunca havia feito. Ele só queria parar aquele momento e nunca mais soltá-la... Ele só queria...

Mas não podia. Tinha que ser firme. Engoliu as batidas loucas do coração. Obrigou a mente a devolver-lhe os sentidos. E, mesmo trêmulo, não se permitiu agir. Não se permitiu acreditar.

- Tsc. – ele fez, contrariando sua esperança. – Eu não entendo você, Rukia. Teve o tempo todo para me dizer isso... E escolhe logo o momento que vai noivar! Não sei se dá para acreditar nisso...

Os olhos dela já transbordavam. O coração fervia. Ela não podia evitar.

- Eu sei que eu dificultei esse tempo todo. Eu sei que eu não fiz a minha parte. Eu sei que eu deveria ter acreditado, Ichigo... Eu sei de tudo isso, mas... Eu fui covarde! – a voz estava embargada. E agora lágrimas caminhavam monotonamente pelo seu rosto. – Mas... Mesmo que tenha sido tarde eu percebi que... – cerrou os punhos tentando ganhar força. – Eu percebi que... Que a minha felicidade só existe do seu lado. E que eu te amo mais do que achei que fosse amar alguém!

Ele engoliu um nó colossal na garganta. Seus olhos queimavam e ele estava aterrorizado com o modo como seu coração reagia.

- Não diga isso, Rukia. – ele falava com cautela e dificuldade. Como se alguma coisa fosse explodir com um pouco de seu esforço. – Você vai noivar agora. E você foi bem clara quando quis acabar com a nossa união. Foi bem clara quando disse que não tinha mais espaço para você. Você desacreditou no nosso destino. Desacreditou em tudo! Foi você que escolheu essa cena aqui! – ele virou-se para ela enfim.

Os olhos castanhos e duros estavam derretendo. Estavam tornando-se melosos novamente. As lágrimas os estavam invadindo e amolecendo aos poucos.

- Ichigo... Você vai ter um bebê! Eu não podia ficar no caminho! – ele ameaçou virar-se de novo, como se estivesse decepcionado. Então ela emendou rapidamente. – Mas não vou dar justificativas agora. Eu sei que estava errada. Porque foi decidido que estaríamos juntos e eu... Eu fui fria o bastante para ignorar tudo... Por uma simples questão de fazer o que é certo e isso... – fez uma pequena pausa. Os olhos úmidos e desolados correndo de um lado para o outro sem rumo. - Isso custou tudo pra mim, Ichigo! – desabafou junto com um suspiro.

Aquela era a expressão mais verdadeira que ele já tinha visto. Ela estava se despindo de seu orgulho e de seu ceticismo. Ela estava se entregando.

Mas ele não podia jogar tudo para o alto e agarrar o que tinha agora. Ela não havia feito isso quando ele mais precisou.

Aquilo era vingança? Talvez... Mas mais do que isso, era com certeza o medo e o desamparo. Ele não queria ser abandonado de novo. Ele queria ter certeza. Já havia entregado a ela seu coração uma vez. E agora, ela estava pedindo seus cacos. Não podia entregá-los de qualquer jeito... Eram mais delicados.

- Então me prove... – ele pegou-se dizendo bem baixinho. Como se não tivesse controle sobre suas próprias palavras. – Então me prove, Rukia! – o tom aumentou e ele encarou-a com intensidade. – Me prove o quanto eu sou importante pra você. Me prove que não vai me deixar de novo!

As lágrimas que caminhavam pelo rosto alvo dela, agora corriam. Seu passeio não era mais sombrio e monótono. Era um desafio. Era uma nova possibilidade.

- Eu vou te provar isso, Ichigo. – ela disse com os olhos doces e firmes, mesmo marejados. – Acredite. – um pequeno sorrisinho começou a surgir em seus lábios. Como os raios de sol depois de uma noite fria e escura. E parecia ser inteiramente dele. Para ele.

Ele estava entregando devagar os pedacinhos quebrados do seu coração... Nas mãos dela... Aquelas mãos que destruíram tudo... Estava lentamente acreditando, confiando que iam curá-lo de novo...

- Rukia. – a voz profunda de Byakuya quebrou o momento em milhares de pedaços, jogando-o junto com os restos dos copos no chão.

Os olhos de Rukia arregalaram-se e seu primeiro instinto foi o de secar o rosto do melhor jeito que pôde.

- Procurei você por toda a parte. – ele continuava, alheio. – Os convidados já estão chegando. E eu tenho algo para te mostrar antes de irmos recebê-los.

Ela olhou mais uma vez para Ichigo. O olhar doce de desafio permanecia em seu rosto. E o sorriso continuava parecendo pertencer-lhe.

Mas, contraditoriamente, ela pegou um copo inteiro na bandeja, bebeu um gole da água e virou-se para o futuro noivo.

- Sim. – respondeu. – Então vamos... – e acompanhou-o casa adentro.

Ichigo voltou ao estado de choque. O que aquelas palavras significaram? O que aquela última expressão queria lhe dizer? Por que ela estava indo embora?

Por que... Ele deixara que ela levasse os pedaços do seu coração? Por quê?

Ela iria provar... Ela iria provar... Era o que a esperança no fundo do seu peito repetia. Mas seus olhos... Seus olhos vendo aquela cena...

- O que é que você quer provar, Rukia? – murmurou para si mesmo. A amargura borbulhando novamente. – Como é que é que você quer provar?

 

****

 

- Rukia... Você está bem? – Byakuya perguntou quando os dois chegaram a uma das salas no interior da mansão.

- Eu... Estou. – ela respondeu vacilante. Tinha esquecido que, depois de chorar, o nariz e os olhos ficam vermelhos.

- Você parece... Agitada. – ele concluiu olhando para ela. – E seu rosto está vermelho. Você por acaso está... – deixou a frase no ar enquanto aprofundava os olhos cinzentos no rosto atordoado dela.

- Eu... Eu... Só fui tomar um pouco de água. – estava se atrapalhando mais. E sabia disso. E o que ela queria afinal? Continuar enganando-o até quando? Porque ela não ia se enganar mais. – Eu... Tenho que tomar uma decisão difícil hoje. – esforçou-se para corresponder o olhar dele com dignidade.

Ele hesitou antes de deixar as palavras saírem pelos lábios entreabertos. Então era uma [i]decisão[/i]? Não era apenas uma resposta?

- Certo. – ele assentiu como se compreendesse. – Rukia... Você é uma mulher forte, correta e eu sempre admirei o seu altruísmo. – tirou de cima de um dos móveis uma caixa azul de veludo. – Eu te dei a opção de escolher noivar ou não comigo diante dos seus pais e amigos. E eu quero que saiba que... Sua resposta sendo sim ou não... Você vai sempre ser uma pessoa muito importante para mim. – abriu a caixa e revelou um lindo colar de prata com pedras vermelhas intensamente brilhantes. Parecia caríssimo só o ato de respirar perto daquela jóia. – Se escolher aceitar esse compromisso, te farei a mulher mais feliz do mundo. Até que nos casemos. E então eu possa te fazer mais feliz ainda. – abriu com habilidade o fecho do colar e colocou-o delicadamente no pescoço dela. – Mas se escolher que não está pronta... – ele fechou o colar. – Eu não vou mentir. Ficarei muito magoado. E também muito decepcionado. Eu achei que já estivesse tudo decidido, mas... – soltou o ar devagar, perto do pescoço dela. – A palavra final é sua. E a decisão está em suas mãos.

Ela virou-se para o espelho decorado da sala e viu a jóia reluzindo em seu pescoço. Os olhos dele também cintilavam levemente atrás de si. Seus dedos pequenos e finos tocaram o colar. Era lindo e incrível. E agora também podia sentir a textura das palavras dele. Eram profundas e sinceras. Eram raras também. Eram mais valiosas que aquela jóia.

Mas...

De repente ela se lembrou daquele outro colar. O coração. O K. O significado. E o modo como seu coração palpitava por tê-lo...

Sua escolha já havia sido feita. De algum modo, ele tinha razão.

- Muito obrigada, Byakuya. – ela disse com a garganta se contraindo. Não era fácil. Virou-se para ele e tocou suas mãos. – Você sempre será uma pessoa muito importante para mim também. – suas palavras foram verdadeiras.

 

****

 

- Nossa, a festa ficou linda! – Rangiku elogiou quando chegou ao jardim. Olhava para as mesas e todos os arranjos de flores. Tinha ficado simples como Rukia dissera, mas mesmo assim, elegante.

- Mas essa casa é linda, não é? – Chiharu observava ao redor. – Adorei conhecer Tofu, gente! – seus olhos verdes cintilaram.

- É Kofu, Chiharu! – Mai e Ashido corrigiram em uníssono entediado.

- Ah. – ela ficou vermelha. – Foi o que eu disse, poxa! – encolheu os ombros.

- Mas a Chiharu tem razão. – Mai mudou de tópico. – A cidade é muito bonita. Cidades do interior são sempre mais bonitas. Era assim na Inglaterra também. – suspirou com a lembrança.

- Ei, prima! – Momo cochichou com a libriana. – Onde está a Rukia-chan, hein? O que é que ela foi fazer afinal?

- Não se preocupe, Momo. – Rangiku cochichou de volta. – Ela foi a algum lugar fazer alguma coisa certa. – piscou como quem mantém um segredo importante.

- Hum... – a geminiana ficou curiosa. – Você está me escondendo isso, é?

A loira peituda riu.

- Na verdade, eu não sei. Só estou acreditando! – fez figas com os dedos. – Mas não fique esquentando a cabeça. Vamos nos divertir enquanto isso, certo?

Momo sorriu. Agora seu coração podia entender um pouco da mensagem.

- Claro! – balançou a cabeça afirmativamente. – Ei, Shiro-chan! – puxou o braço do garoto. – Vamos dançar!

- D-dançar? – ele quase engasgou com nada. – Mas não tem ninguém dançando! – ele sinalizou para as pessoas que estavam conversando umas com as outras.

- E daí? Sempre alguém tem que começar! – riu animada. – Vamos, vamos! É a primeira vez que vou acompanhada a uma festa! – ela continuava puxando-o pelo braço.

Ele corou.

- O que quer dizer com isso? – ele conseguiu perguntar.

Ela ficou olhando docemente para ele.

- Quer dizer exatamente o que eu disse! – suas bochechas rosaram. – Vamos, Shiro-chan! Não vai me rejeitar, não é?

Ele não tinha escolha. Ela estava apelando!

- Vamos logo. – enfiou a mão livre no bolso da calça e apertou as sobrancelhas. – Mas se ninguém aparecer pra nos acompanhar até a metade da música a gente volta, okay?

Ela fingiu que nem ouviu e foi levando-o para o espaço vazio.

- O que acha de darmos uma força à Momo? – Mai sugeriu a Ashido com um sorrisinho típico.

Ele correspondeu o sorriso.

- Ótima idéia! – pegou a mão dela com carinho e conduziu-a.

Logo os pais de Rukia também foram dançar e até mesmo um casal da família Kuchiki resolveu imitá-los.

Rangiku e Chiharu sentaram à mesa onde Renji estava, todo emburrado, diga-se de passagem.

- Parece que sobramos. – Rangiku suspirou.

A pisciana encolheu-se.

- O que foi Chiharu? – a loira sorriu maldosamente. – Está tremendo aí?

- Eu só estou com frio. – ela se defendeu. – Eu devia ter escolhido um vestido mais quentinho.

- Se quiser... – Renji resolveu falar, o rosto levemente avermelhado. – Eu posso te emprestar meu...

- Não! – Chiharu quase berrou. – Não obrigada. – refez a compostura e mexeu nos cabelos para disfarçar. – Eu vou ficar bem.

Rangiku abafou o riso com a mão.

- Por que está parecendo tão triste e solitário, hun... Renji? – dirigiu-se ao tatuado. – Brigou com a namorada?

- Eu não tenho namorada. – ele respondeu com sua voz rouca. – Eu só não sou muito a favor desse noivado, só isso. Não quero ver a Rukia perto do altar. Ela é... Como uma irmã, sabe?

- Sei, sei... – a libriana meneou a cabeça. – Bem... Temos isso em comum. Também sou contra o noivado! – falou baixinho a última frase.

Ele arqueou uma das sobrancelhas pintadas.

- Por quê? – parecia incrédulo.

Um garçom apareceu servindo bebidas e Rangiku pegou uma.

- Saúde! – estendeu o copo para ele e bebeu.

- Olha lá! – Chiharu apontou. – A Rukia-chan e o futuro noivo dela!

Rangiku e Renji se viraram para ver. Era verdade, os dois apareceram finalmente. E agora estavam cumprimentando os convidados.

Rukia passou os olhos pela festa e engoliu em seco. Estava tudo tão bonito... E todos os convidados bem arrumados... Olhou para os pais e os amigos que dançavam. Não pôde evitar sorrir, mesmo que fraquinho. Alguns olharam de volta para ela.

Os brilhos dos olhos só queriam vê-la feliz. Eles só queriam... Que ela fizesse a escolha certa para ela. Para seu próprio destino.

Encorajou-se. Ela só precisava desligar a mente e pensar apenas com o coração. Só isso.

- Rukia. – Byakuya pegou a mão dela e olhou-a nos olhos. – Você quer dançar comigo?

Ela ficou olhando para ele. O sorriso voltou aos lábios.

Ia compartilhar aquele momento com ele.

- É claro. Eu adoraria. – respondeu com a voz suave, quase como se estivesse agradecendo.

E os dois deslizaram para o meio dos casais, aproveitando sinceramente aquele momento especial.

Ichigo apareceu no jardim e viu aquela cena. Os olhos caíram para o chão.

É... Talvez fosse melhor ela ter levado os estilhaços de seu coração com ela. Assim pelo menos ele não precisaria mais sentir a dor causada por aqueles sentimentos. Amor, esperança. Aqueles sentimentos doces e venenosos.

 

****

 

 A festa já estava no auge. Os convidados bem à vontade, já cansando de dançar, rindo, bebendo e conversando animadamente. A família Kuchiki conheceu Rukia e Byakuya conversou com os amigos de sua futura noiva.

Era então chegado o momento mais importante da festa. O momento de mais enfoque ao casal. Aquele que sufocava a família Ukitake. Aquele que causava um aperto no peito de todos os amigos da pequena de olhos azuis.

E, principalmente, aquele que parecia querer matar a própria.

O semi-silêncio reinou no jardim perfeito e agora os olhares eram todos para os dois abaixo da majestosa cerejeira.

Byakuya tomou a palavra e começou um pequeno e objetivo discurso sobre a festa e aquele grandioso passo que estavam prestes a dar.

Mas Rukia só conseguia ouvir esparsas palavras. Elas batiam em seu peito e voavam para longe, como se nunca tivessem existido. A presença daquele homem ali ao seu lado era só uma sombra. Os olhares brilhantes em cima deles, eram apenas luzes desfocadas para ela. Só conseguia ver a enorme Lua cheia acima de todos. Acima de tudo. E ele. A outra metade de sua alma. Estava ali, parado em um canto, junto com um ou dois garçons. Não sabia o que estava fazendo. Não fazia idéia do que estava pensando. Mas era só o que conseguia enxergar. Sim. Porque seu coração decidido só tinha um desejo: alcançá-lo.

Como a situação era irônica! Estava tão nervosa! Tremia tanto! Mas o seu coração... O seu coração batia seguro. Firme e seguro. Obstinado. Assim como sua personalidade. Ele sabia bem o que queria. E não vacilaria mais no caminho. Era uma contradição incompreensível para a razão.

De repente, ela foi acordada de seu transe por aplausos. Os olhos tentaram voltar para a realidade. Aquela que ela mesma havia criado com seus erros.

- Rukia... – os ouvidos captaram com dor. – Por favor, torne-se minha noiva. E um dia case-se comigo.

Ela ofegou. Ele estava curvado diante dela, mostrando-lhe um anel lindíssimo numa pequena caixa.

Mas, novamente, o brilho daquela jóia era apenas mais uma das luzes desfocadas aos seus olhos.

Inspirou e deu um passo à frente. Não na direção do anel. Mas na direção do público. Dessa vez... Dessa vez ia deixar que o coração decidisse tudo. Se aprendera algo valioso com aquela pessoa, era que aquelas batidas insistentes eram sempre mais sábias do que os emaranhados da mente. 

Ia deixar que a Lua a conduzisse.

- O que ela está fazendo? – Mai cochichou com as amigas. – Para onde é que ela está olhando tanto?

Rangiku apontou disfarçadamente para o canto onde Ichigo se encontrava.

- Ai meu Deus do céu! – os olhos negros dela quase saltaram longe.

Chiharu cuspiu a bebida sem querer.

- E-ele... E-ele está aqui! – sua voz saiu num fiozinho agudo.

- O que ele está fazendo aqui?! – Mai nunca esteve tão pasma em toda a vida.

- E a Rukia-chan? Será que ela vai sair correndo na direção dele agora? – Momo era incapaz de relaxar os olhos arregalados.

- No início desse ano, eu resolvi me mudar para Tóquio. Eu disse a todos que estava indo para encontrar oportunidades melhores nos estudos. Mas a verdade é que havia também um outro motivo: meu coração estava partido. E eu queria fugir.

Todos podiam ver que as mãos dela tremiam. E que até mesmo sua voz vacilava.

Ichigo revirou os olhos e continuou o seu trabalho.

Byakuya fechou a caixa do anel e pôs-se a prestar atenção nas palavras dela.

- Eu só havia me apaixonado uma vez. – ela continuava. – E tudo acabou de um jeito que... De um jeito que quebrou minhas expectativas. De um jeito que me fez começar a pensar nesse sentimento que as pessoas chamam de amor. Então eu comecei a procurar um sentido para esse sentimento. E minha experiência ruim me fez acreditar que o amor só existia quando duas pessoas eram parecidas o bastante para construir um caminho pelo qual pudessem passar juntas. Eu acreditei que o amor não passava de uma troca de interesses. Então fechei o meu peito para aquela magia na qual eu acreditei e todas as pessoas teimavam e dizer que existia. Eu cobri meu coração de gelo. – tomou fôlego e olhou para todos os rostos dessa vez. – Mas sabem... Eu estava errada. Estava completamente errada. Porque a magia existe. Sim ela existe. Em cada momento. Em tudo na vida. E não importa se você não acredita. Não importa se você enfiou na sua cabeça dura que o mundo é toda essa frieza que você pinta. Não importa se, mesmo carregando essa magia no peito, você ainda teime que está no caminho errado. Não importa. Porque é uma magia. E é mais forte do que qualquer coisa. É algo fora do controle que achamos que temos. E quando você menos espera, ela tomou conta do seu coração. Ela faz parte de você e você sabe disso, pois consegue senti-la o tempo todo. Ela começa a derreter todo o gelo e adoçar toda a amargura que você construiu para se proteger. Ela te mostra os caminhos que, querendo ou não, são aqueles que te fazem feliz. Que te provam que está vivo. Que te dão um sentido. Um lugar ao qual você sabe que pertence.

Ichigo já não prestava mais atenção no que fazia. As palavras trêmulas dela o havia enfeitiçado. Os olhos azuis, mesmo de longe, refletiam aquele céu de primavera que ele tanto amava. Em pleno inverno! Seu coração batia de um modo, como se quisesse sair do seu peito e voar até o dela.

- O nome dessa magia é amor. – ela continuava. Podia ver as pessoas emocionadas com suas palavras. Mas não se importava. Apenas continuava. – E eu me sinto tão estúpida de algum dia ter acreditado que tudo não passava de uma troca de interesses. Fico pensando... Como pude ser tão fria, egoísta e superficial? Como pude ser tão cabeça dura? Mesmo vendo sua forma na minha frente, eu teimava em negar. Eu teimava em fechar os olhos. Eu teimava em fugir de mim mesma e criar verdades falsas para acreditar. E por quê? Por quê? – ela engoliu um nó na garganta. – Mas o amor não quis saber da minha rebeldia. Ele não quis saber da minha rejeição. Ele foi insistente. Ele foi eficiente em seu trabalho. Ele contrariou totalmente todas as minhas teorias. E me dominou inteira. Me dominou de um modo que... De um modo que... – deixou no ar. Riu para si mesma. – Ele era tudo que eu sempre odiei numa pessoa. Imaturo, chorão, inseguro, carente... Uma criança.

De repente, as expressões começaram a parecer confusas. Mas ela não podia parar.

- Eu tinha que cuidar dele o tempo todo. Tinha que ajudá-lo a combater seus medos. Tinha que estar ao seu lado. Tinha que tomar um cuidado imenso para não magoar seus frágeis sentimentos. Tinha que obrigá-lo a tomar atitudes. Tinha que olhar naqueles olhos tão melancólicos... E eu odiava aquilo tudo. Odiava muito. Tanto que eu não podia parar de pensar. Em todas as vezes que ele me envolvia com tantos sentimentos. Um mar deles. Em todas as vezes que eu tinha que ouvi-lo falar da vida e do amor como se fosse um conto de fadas. Como um deslumbrado. Eu não podia parar de pensar em todas as vezes que ele se contorceu para me arrancar um sorriso. E ficava todo satisfeito com isso. – seus olhos começaram a encher-se. – Eu não podia parar de pensar em como sua mão na minha era quente. E em como ele acreditava. Em como tinha fé. E em como estava disposto a continuar segurando minha mão até que eu pudesse aprender com ele. – sorriu e meneou a cabeça de leve como se estivesse reprovando a si mesma. – Aprender com ele... – repetiu num tom irônico. – Aprender com uma criança! Aprender com aquele que eu julguei ser tão frágil e precisar tanto de cuidados... É. O destino, o grande mago, estava rindo de mim. E eu me descobria a cada dia, precisando mais e mais daquilo que eu tanto odiava. Eu me descobria dependente, algo que eu nunca fui e sempre tive pavor de pensar em ser. Eu descobria que, eu achava que estava ensinando tanto. Mas na verdade, eu estava aprendendo. Na verdade... Eu era apenas uma humilde leiga recebendo grandes lições. Eu aprendi a acreditar. Eu aprendi a confiar. Aprendi a abraçar de olhos fechados. Aprendi a me apoiar inteira naquela mão, sem medo de cair. Aprendi a ouvir as batidas do meu coração e entendê-las. Aprendi que eu posso ser louca. Que eu posso rir e chorar mesmo sem motivos. Que eu posso gritar, mudar de idéia e ser eu mesma. Que eu posso ter medo e demonstrar. Que eu posso tudo o que eu quiser... – pôs a mão no peito. – Se eu tiver esse amor preenchendo meu coração. Se eu tiver a sua alma completando a minha.

Nesse momento, todos procuraram aparvalhados a pessoa para qual Rukia olhava.

- De nada a adiantou esse tempo todo mentir para mim mesma e continuar com a minha teimosia idiota. – ela ignorava a confusão que estava causando. – Porque, não importa o que aconteça, esse é o único jeito de ser feliz. Porque o destino escreveu com as estrelas. E porque, enquanto estivermos embaixo do mesmo céu, estaremos sempre juntos. – Ela virou-se para Byakuya. – Me desculpe, Byakuya. Mas eu não posso aceitar o seu pedido. – voltou-se para seu alvo e uma lágrima escorreu de cada um dos seus olhos. E no mesmo instante, um sorriso raro e cheio de luzes encantadoras reluziu em seus lábios. – Ichigo... Eu sei que tenho sido uma idiota e medrosa. Eu sei que você tem todo o direito de me odiar, mas...  Eu te amo de verdade. Por favor, me perdoe. – o sorriso cresceu. – Ou pelo menos me dê uma trégua. – olhou para a bela e nostálgica jóia do céu. – Pela Lua cheia.

E, sem esperar, ela saiu correndo. O coração impulsionando-a. Corria sem ver ninguém. Corria com os olhos escorrendo e o rosto ardendo com o vento frio.

Chegou até Ichigo e agarrou-lhe o braço. Puxou-o e em seguida soltou-o. Continuou a correr. Se ele tivesse aceitado seu perdão, sabia que estaria logo atrás dela.

E foi exatamente o que ele fez. Correu junto com ela. E os dois sumiram pela noite, com a Lua vigiando-os.

 

****

 

Chegaram à colina. Estava tão frio, mas os dois suavam um pouco por causa da corrida. E também por causa dos corações em festa.

Estavam ofegantes quando se sentaram. Finalmente olharam um no rosto do outro. E foi inevitável. Caíram na gargalhada.

- Que loucura! Que loucura! – Rukia ria.

- O que aconteceu com você? – ele também não conseguia parar. – Por acaso é um robô celeste-estrelado?

Ela riu mais. Até que quase se sufocou. A respiração já estava ruim, o riso só piorou a situação.

Deitou-se então na grama. Fechou os olhos por um instante. Recobrou a calma.

- Eu disse que te provaria Ichigo. – falou séria. Abriu os olhos. Eles refletiram as estrelas do céu. Em seguida olhou para ele e aquele sorrisinho digno de Rukia já estava crescendo nos seus lábios. – Eu acho melhor você me perdoar. Porque eu vou ser o comentário da cidade durante séculos por sua causa!

Ele também sorriu. Do modo que só fazia para ela.

- Estou te dando uma trégua. – brincou. Mas era péssimo ator.

Ela riu e sentou-se novamente.

- Rukia... – ele ficou um pouco sério. Parecia preocupado. – Sobre a Nell, você...

- Shh! – ela pediu silêncio. – Não quero saber Ichigo. Eu confio em você. Vai dar tudo certo.

Ele ficou de pé. E ofereceu a mão para ela.

Ela agarrou-a sem pensar duas vezes. E os dois ficaram ali, fitando um ao outro de mãos dadas. A sintonia voltando a fluir entre aqueles corações.

- Então... Você finalmente confia em mim? – ele perguntou num sopro, olhando-a profundamente nos olhos.

- Eu finalmente confio. – ela respondeu no mesmo tom. – E você, Ichigo? Confia em mim?

Ele enfeitou a expressão solene com um ar mais doce.

- É claro que eu confio, Rukia. – apertou de leve a mão dela. – Com o coração? – ele perguntou.

- Com o coração. – ela respondeu.

- De olhos fechados? – ele insistiu. E seus olhos brilharam intensamente dessa vez.

Ela suspirou antes de responder com confiança:

- De olhos fechados.

Os dois então, quase que instintivamente, fecharam os olhos. Entrelaçaram os dedos das duas mãos. Curtiram o calor um do outro. Aproximaram os corpos. Ouviram o coração um do outro. E finalmente, tocaram os lábios. Beijaram-se com amor e sem pressa. No ritmo que era só deles.  E assim puderam sentir a alma um do outro, transformando-se em uma só.

 

 

Continua...

 


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