Céu escrita por Liminne


Capítulo 62
Capítulo 47 – Confiança [de olhos vendados]




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- Byakuya! – os olhos de Rukia arregalaram-se quando, naquela sexta-feira tão comum, ele apareceu na saída da faculdade. – Q-que surpresa!

- Rukia. – ele pegou a mão dela gentilmente. – Como foi seu dia?

Ela ainda estava um tanto quanto atordoada. Sabia que Ichigo estava logo atrás.

- Foi... Ótimo. – tentou sorrir o mais naturalmente possível. E lutou contra a vontade de olhar para trás.

- Uhh... – uma vozinha maliciosa foi serpenteando até o ouvido do ruivo canceriano. – Parece que está tudo explicado afinal. Com um bonitão desses, por que ela ia continuar saindo com você?

Ele segurou a vontade de virar com um grito.

- Fuu. – olhou para a garota que vinha atrás dele. – Achei que tinha se mudado ou morrido.

Ela não se sentiu afetada pelo comentário dele.

- Se eu fosse você, desistia das bonitonas da faculdade. – piscou irritantemente, como se estivesse dando um conselho amigo. – Afinal, parece que você é um bom amigo. Mas não serve para elas como... Você sabe. Um homem. – prendeu o riso nos cantinhos dos lábios.

- Me dá um tempo. – ele revirou os olhos. – Por que você não vai correndo espalhar pra todo mundo que eu fui trocado por um... – observou o homem que levava Rukia pela mão. – Por um milionário? Não se esqueça de acrescentar que a Rukia é uma interesseira, que tal? – virou a cara e foi andando mais depressa.

Fez questão de passar rápido pelos dois.

Então agora tinha aquele rosto em mente. Era ele o tal. Era ele que podia dar mais segurança a ela. Ainda tinha algo que ele pudesse fazer?

 

****

 

- Então, acho que devemos ir à Kofu o quanto antes. – o nobre dizia para Rukia enquanto andavam de carro.

- Sim. – ela balançou a cabeça sentindo uma dorzinha no peito. – Precisamos contar para os meus pais... – seu rosto esquentou de repente e ela não conseguiu mais manter os olhos nele. – Você... Você tem certeza de que quer fazer isso? – perguntou tímida.

- É claro que eu quero. – ele olhou para ela com uma pontinha brilhante de afeto. – Afinal, vamos noivar. E eu não tenho mais nada a esconder sobre o nosso relacionamento.

Ela meneou a cabeça afirmando. Subiu os olhos acanhada para ele e sorriu pequenamente.

- Foi um pouco por isso que não quis oficializar o noivado desde já. – ele explicou-se subitamente. – Eu achava que seus pais deveriam saber primeiro. E também me achava no dever de provar a todos o que eu realmente sinto. E não só para me redimir. – continuava olhando para ela. – Então... Vou te pedir em casamento novamente na nossa festa de noivado. E te entregar o anel. Fazer tudo como deve ser feito.

Ela não podia negar que se sentiu bem com aquilo. Seu peito parecia ter inflado. O coração estava assim tão feliz? Ou era somente seu orgulho, seu ego?

- Não quero que seja nada grandioso. – ela disse enfim. – Eu só quero que as pessoas que gostamos estejam lá e que... E que todos fiquem felizes com essa decisão.

- Vai ser como você quiser. – ele pegou de novo a mão dela. – Por isso temos que ir à Kofu também. Para ver os detalhes da celebração.

- Certo. – ela fez que sim. – Será que poderíamos ir na próxima semana? É que... Eu tenho um compromisso nesse sábado.

- É claro que sim. Estarei ansioso.

Ela sorriu mais uma vez para ele. Aquele homem a encantava inegavelmente.

Chegaram à porta da república.

- Eu te ligo, Rukia.

- Ótimo. – ela fez menção de sair do carro. – Até...

Mas ele ainda segurava a mão dela. E agora seus rostos pareciam mais próximos.

Ele ia...

Sim. Estava encarando o cinzento dos olhos dele quase dentro dos seus próprios olhos. Suas respirações começavam a se colidir.

Ela não podia. Não podia.

- Eu preciso ir. – ela disse tentando dissimular o desespero que seu coração sentia. – A gente se vê em breve. – fez um pouco de força para soltar-se dele.

E sumiu do carro. Quase como num passe de mágica.

 

****

 

Era a última vez que eles iam fazer aquele caminho. Era a última vez que iam ter que participar de mais uma tortura preparada por aquele loiro estranho e desumano. Era a última vez que estariam juntos naquele carro, naquele silêncio, naquela expectativa.

Os dois sentiam uma dor estranha no coração. Era forte. Sufocava e amargava. Era como se eles quisessem fazer aquele momento durar o máximo possível e ao mesmo tempo quisessem que ele voasse num estalar de dedos.

Sabiam bem o que queriam. Mas mesmo assim estavam desnorteados.

Ele nunca esperou que a última missão celeste fosse ser daquele jeito... Nem sabia o que o guru queria deles dessa vez. Mas na sua imaginação, nunca ia ser desse jeito... No seu coração, desde o começo, fantasiou tanto esse dia... E nem de longe ele seria assim.

Já ela, esperava exatamente que fosse como estava sendo. No começo. Mas por algum motivo... Bem no fundo do seu peito... Nunca pensou que estariam daquele jeito. Nunca pensou que fosse acontecer realmente o que esperava.

- Chegamos. – foi a primeira palavra que ele disse durante todo aquele tempo.

- É. – ela respondeu também abrindo a boca pela primeira vez.

Saíram do carro e foram guiados na loja até o Celeste-sama.

E por mais incrível e inédito que parecesse, não estavam com medo do que ele lhes proporia.

 

****

 

- Essa é a última missão de vocês. – Celeste-sama foi dizendo enquanto encaminhava a dupla mais uma vez para o subterrâneo. – E ela é importante para medir o quanto vocês estão em sintonia, em companheirismo. Essa missão é a que vai me dar a prova de que suas almas estão realmente unidas como uma só.

Ichigo e Rukia entreolharam-se sem querer. E desviaram os olhos um do outro logo em seguida. Mas naquele segundo, podiam perceber que compartilhavam de um certo ceticismo.

- Certo. – o loiro parou de repente e encarou os dois. – Ururu-chan, traga os equipamentos! – ele gritou para trás e a menininha de marias-chiquinhas apareceu com uma caixa nas mãos.

- Aqui está, Celeste-sama! – ela entregou a caixa com aquela vozinha assustada.

- Obrigado, Ururu-chan! – ele fez um cafuné na menina e começou a abrir a caixa. – Temos aqui duas escutas com microfone... Algemas e uma venda para os olhos... – ele ia conferindo.

E os dois pares de olhos do casal de signos opostos arregalaram-se com força e espanto.

- Q-que porra é essa?! – Ichigo conseguiu perguntar quando viu aqueles objetos.

De repente o medo parecia estar voltando para ambos.

- Meu jovem! – o guru repreendeu-o e tapou os ouvidos da menininha que trouxera a caixa. – Temos crianças no recinto!

- E daí? Você não hesitou em mostrar esses troços aí! – apontou para o que ele tinha nas mãos. – Isso parece tão pervertido! – suas bochechas esquentaram sem querer quando ele resmungou a última palavra.

- Pervertido? – Celeste-sama sorriu com prazer. – Hahaha! Bem que você queria, Canceriano-san!

Agora ele estava pegando fogo. Estava quase roxo de vergonha.

- Isso não está me parecendo pervertido. – Rukia interveio. – Está me parecendo... Uma tortura!

- Calma, Capricorniana-san. Relaxem os dois. Eu sou mais bonzinho do que o que vocês pintam nessas cabecinhas. – lançou um olhar significativo para Rukia.

- Hunf! Não sei disso não. – Rukia murmurou para si mesma cruzando os braços.

- Tá. Já que você é “bonzinho”, faz o favor de explicar que missão esquisita é essa. – Ichigo estava claramente tendo um dos seus dias mais azedos.

- Okay. – ele sorria. – Bom... Vocês vão ficar trancados na...

- AH NÃO! – os dois gritaram juntos.

- Se você quer me enlouquecer, me leva pro hospício agora! – Rukia juntou os pulsos e estendeu-os para o homem vestido de verde. – Pega essas algemas aí, me amarra com essa venda e me leva! Mas não me tranque de novo com aqueles bebês do demônio!

- Não seja egoísta, Rukia! – Ichigo irritou-se. – Eu também quero que me levem!

- Tá, eu escolho a venda. – ela disse, ainda com os pulsos estendidos.

- Que droga. – ele bateu o pé.

- Estou aqui pensando se isso foi um teatrinho ou se vocês estão mesmo traumatizados. – o capricorniano ria. – Ai, ai, vocês me divertem!

Ele deu então a caixa para Ururu segurar e pegou a venda para os olhos. Andou até Rukia e amarrou-a ao redor de sua cabeça bloqueando-lhe a visão.

- Ei! – ela gritou. – O que você está fazendo?

- Você escolheu a venda, meu bem. Estou fazendo conforme sua escolha. – ele falava calmamente enquanto posicionava a escuta nela. – Agora você! – ele pegou as algemas e foi até Ichigo.

O ruivo deu um passo atrás.

- Calma, calma! – Celeste continuava sorrindo. – Como vocês estão assustados, nossa! – pegou as mãos de Ichigo e juntou-as nas costas dele. – Eu não vou torturar vocês, já disse. – prendeu os pulsos do canceriano com as algemas. – Vocês vão ficar trancados no mesmo lugar que cuidaram dos bebês. Mas dessa vez, um vai cuidar do outro. – terminou de arrumar a escuta dele. – Já que um não pode usar as mãos e a outra não pode usar os olhos. Terão que se apoiar um no outro.

- E por quanto tempo vamos ficar nisso? – Rukia já sentia vontade de chorar de desespero.

- Até vocês descobrirem uma palavrinha. – ele respondeu olhando a dupla todo satisfeito. – De hora em hora, vou me comunicar com vocês pela escuta e vocês terão trinta segundos para dar os palpites sobre qual palavra libertaria vocês. A cada hora, vou dar uma dica. Quando descobrirem, estarão livres. Para sempre.

Aquele “para sempre” consolou o coração deles. Mas, como estavam tão contraditórios, também os mergulhou numa tristeza sem fundo.

- Podemos começar agora! – ele abriu a porta da casa. – Vamos, entrem!

Rukia ficou parada.

- Deixa eu te ajudar. – Ichigo foi até ela. Ia pegar suas mãos, mas percebeu que ia ser meio difícil. – Er... Vai andando em frente. Isso. Agora vira a direita. Isso, agora pode entrar.

Assim que os dois entraram, o loiro fechou a porta e desejou:

- Tenham uma última missão estrelada como o Céu. – sorriu.

 

****

 

- Que ótimo. – Rukia começou reclamando. – Por que é que eu fui escolher a porcaria da venda?

Ichigo fez uma careta indignada. Mas ela não podia ver.

- E você acha que algemas são muito confortáveis, né? Daqui a meia hora meus braços vão ficar dormentes. – sentou-se no futon. – Pode sentar Rukia. Nessa mesma direção que você está.

Ela obedeceu e sentou.

- Mas não enxergar é muito mais incômodo! – ela continuava resmungando.

- Ah, ta. Você trouxe analgésicos hoje?

- Não.

- Então continuo em desvantagem. – ele deitou-se na cama e fez bico.

Ela bufou irritada.

- Que horas são, Ichigo?

- Três horas. – ele respondeu.

- Ai Deus! – ela choramingou. – Eu espero que a gente não fique aqui para sempre! Como se eu não tivesse uma vida pra cuidar!

- Pelo menos não tem bebês gritando aqui. – Ichigo ainda tentou ser otimista.

- É... – Rukia suspirou. – E então? O que vamos ficar fazendo aqui?

Ichigo abriu a boca. Poderia contar toda a verdade, não é?

Olhou para o rosto dela. Aqueles lindos e imprescindíveis olhos azuis estavam vendados.

Não. Não podia.

Não queria que ela apenas ouvisse sua voz. Queria que ela o enxergasse. Que seus olhos fizessem contato e entrassem em sintonia.

- Qual palavra será que ele quer? – ele resolveu dizer enfim.

- Alguma coisa bem gay que seja a cara dele. Tipo... Estrelinhas, brilho, purpurina.

- Rukia! – Ichigo sussurrou assustado. – Ele pode nos ouvir agora! Estamos com microfone!

- E daí? – ela deu de ombros. – Ele ta cansado de saber dos meus sentimentos por ele!

- É... Tem razão.

Silêncio.

 

****

 

- Olá! Estão me ouvindo?

A voz de Celeste-sama de repente irrompeu nos ouvidos de Ichigo e Rukia.

- Sim! – Rukia gritou. – Estou!
- Eu também! – Ichigo segurou a escuta.

- Ótimo. Cada um de vocês vai ter quinze segundos para acertar a palavra.

- Ei! – Rukia protestou. – Não eram trinta segundos?

- E vocês são dois. Você não sabe fazer conta? – o Infernal provocou.

Rukia rangeu os dentes.

- Desgraçado...

- Okay, pode começar, Capricorniana-san.

- Estrela, estrelado, céu, Lua, brilho, purpurina! – ela disparou uma atrás da outra.

- Não foi dessa vez, minha cara... – ela conseguia imaginar aquele sorrisinho descarado dele. – Agora você, Canceriano-san.

- Ahn... – perdeu alguns segundos pensando.

- VAI LOGO, ICHIGO! – Rukia berrou eufórica.

- A-amor, Celeste, Astrologia, Dest-

- Também não foi dessa vez, meu jovem... Mas não se preocupem. Volto daqui a uma hora!

- E a dica? – Rukia lembrou-se.

- Ah, sim, a dica! Quase ia me esquecendo, hehe. – ele só conseguia tirá-la ainda mais do sério. Nem acreditava que tinha chegado lá tão fria. – A palavra começa com uma consoante.

E ouviram um irritante clique dando fim a transmissão.

- O quê?! – Rukia gritou, mas era em vão. - Eu não acredito que essa é a dica! – meneou a cabeça. Em seguida, apontou para o ruivo. – E você! Se você não fosse tão lento, íamos sair daqui! Tenho certeza que a palavra era destino!

- Ah, porra! – ele irou-se. – Então por que você não falou?!

Ela abriu a boca, mas percebeu que não tinha argumentos. Tratou de fechá-la novamente e jogou-se na cama desolada.

 

****

 

- Estou com fome...

Alguns minutos depois, Ichigo resolveu soltar a frase problemática.

- Eu adoraria brigar com você por isso, mas... Eu também estou com fome. – Rukia admitiu.

- O que vamos fazer? – ele quis saber.

- Vamos tentar preparar algo. Deve ter alguma coisa nessa casa. O Infernal-sama disse que não ia nos torturar, lembra?

- Se você não acha que cozinhar sem mãos e sem olhos seja tortura... Então não sei o que há de errado com você. – ele alfinetou com sarcasmo.

- Ichigo. Estamos com fome. Precisamos fazer alguma coisa. – ela ralhou e levantou-se da cama.

- Ru-Rukia! Espera! – ele foi correndo até ela. – Você não pode ir andando assim. Cuidado!

Misteriosamente o coração dela deu uma pontada mais forte e mais quente.

- Vamos, segure em mim. Estou bem na sua frente.

Ela não disse nada. Apenas obedeceu. Tocou sua mão no braço dele e segurou-o.

Os dois foram andando devagar até a cozinha. Ichigo olhando para trás constantemente, com medo de que ela se machucasse.

- Pronto, chegamos. – ele anunciou. – Er... Agora você precisa abrir o armário e pegar as coisas.

Ele deu as coordenadas e ela conseguiu abrir o armário.

- Só tem ingrediente para bolo aqui. – ele ficou com raiva. – O que esse cara ta pensando?

- Talvez esteja pensando que a gente não vá ficar muito tempo aqui. – ela deduziu. – Eu espero que seja isso.

- Ou que bolo é uma coisa que qualquer um sabe cozinhar.

- Que seja. Você não gosta de bolo? – ela perguntou ainda parada diante dos ingredientes, como uma verdadeira cega.

- Não é isso.

- Certo, então eu vou fazer. E vê se me ajuda! Acho bom que você saiba fazer também!

Ichigo ia dizendo a Rukia aonde ir e onde despejar a farinha, os ovos e as outras coisas.

- Isso. – ele observava enquanto ela abria a caixa de leite. – Agora coloque no copo. É, segura para não derramar na pia. Agora... Jogue na... Não! Rukia! Mais pra direita! Mais pra frente! Não, não tanto! – ele fechou os olhos e fez uma careta medrosa.

- ICHIGO! – ela gritou irritada sentindo o leite derramado nas suas sapatilhas pretas e respingado em sua calça da mesma cor. – Me sujei toda, droga!

- E a culpa é minha? – ele se defendeu. – Eu juro que queria poder mexer meus braços pra te ajudar, mas não posso!

- Grr! – ela bateu o pé. – Infernal-sama maldito!

- Vamos tentar mais uma vez... – ele respirou fundo e rezou mentalmente para que ela se acalmasse.

 

****

 

Depois de derramar mais alguns ingredientes, sujar bastante a roupa e a cozinha, os dois finalmente estavam sentados diante do bolo.

- Hum... Certo. Agora como é que eu vou comer? – Ichigo parecia só ter levantado aquela hipótese naquele momento.

- Olá! Sou eu de novo, duplinha estrelada! Como vocês estão? – a voz de Celeste-sama os interrompeu.

- Toda suja. – Rukia respondeu carrancuda.

- Ohh, pobrezinha. – estava na cara que ele não estava sentido por isso. – Creio que a essa altura vocês já descobriram a palavra. Vai, ta muito fácil!

Nenhum dos dois se dispôs a responder aquela ironia cruel.

- Certo. Então... Quinze segundos para você, Canceriano-san.

- Ah! E-eu?! – ele assustou-se.

- Ichigo, para de empacar! – Rukia ameaçou entre os dentes.

- Destino! – ainda esperou para que ele dissesse que estava certo. Mas não aconteceu. – Er... Liberdade?

- Sinto muito, Kurosaki-san. A Ukitake-san é sua esperança para que não tenham que esperar mais uma hora. Vai lá, Ukitake-san!

- Câncer, capricórnio, signo, sol, relacionamento, sorte, planetas! – ela quase nem respirava para falar tudo de uma vez.

- Ai, ai... – ele lamentou. - Só me resta consolá-los com mais uma dica... – suspirou fingindo-se de solidário.

- Vê se dá uma dica decente! Eu quero tomar banho! – a voz de Rukia estava evidentemente agressiva.

- Okay, okay... Não precisa ficar tão nervosa! – Celeste não se abalava. Pelo contrário. Se divertia cada vez mais. – A minha dica é... Começa com a letra ‘C’.

E desligou.

- Argh, não acredito! – Rukia levou as mãos ao rosto. – Quantas palavras começam com ‘C’! Como foi saber?

- Eu tinha certeza que era destino... – Ichigo estava pensativo. – Se não é nenhuma das palavras que a gente tentou, deve ser alguma bem aleatória.

- Do jeito que ele é, não vou me surpreender se a palavra for caneca! – ela revirou os olhos, mas não dava para ver.

Começou então a tatear para cortar o bolo. Depois de algum esforço conseguiu.

Finalmente estava comendo. Nem acreditava que conseguira fazer tudo de olhos vendados!

- Er... Rukia... – ela ouviu Ichigo com aquela voz cautelosa. Estava querendo alguma coisa.

- O que é? – perguntou ríspida.

- Será que... Você pode me ajudar a comer? É que minhas mãos estão presas às minhas costas, sabe?

Ela riu. Não agüentou.

Riu de si mesma. De como foi egoísta. Estava com um pouco de raiva de si mesma. Apesar de tudo, ele a estava protegendo para que não se machucasse.

Mas também estava se divertindo um pouco. Não podia ver... Mas podia imaginar a cara que ele estava fazendo enquanto a via comer sem poder fazer nada.

- Desculpa, Ichigo. – ela balançou a cabeça. – Eu me esqueci que não podia pegar o bolo... Senta perto de mim.

Ele levantou-se e colocou a cadeira do lado dela.

- Estou do seu lado. – ele avisou.

- Certo. – ela pegou com o garfo um pouco do bolo e levou-o até ele. – Abra a boca.

Ele abriu e ficou um pouco envergonhado.

Aquela cena era meio patética. Mas mesmo assim, era doce... Era a última dificuldade que ia vencer junto com ela. Era a última vez que iam compartilhar aquele momento agoniante. Em que um tinha que cooperar com o outro. E não importava quanta raiva um tivesse do outro. Estavam dando uma trégua pelo destino. Estavam unidos e...

- AAAIII! – ele gritou. – RUKIA, VOCÊ QUASE ACERTOU MEU OLHO COM ESSE GARFO!

- Me desculpa! – ela gritou de volta. – Mas é que eu não posso enxergar!

- Faz o seguinte. Só estende o garfo que eu vou até ele e como, ta?

- Tá bom. – ela estendeu o garfo. – Só vê se não baba na minha mão!

Mais uma vez ele fez uma careta que ela não pôde ver.

Uma missão em que não podia ver os olhos dele. Até que aquilo era confortável de certo modo. Mesmo que estivesse enjoando de ouvir as palavras ‘direita’ e ‘esquerda’ e que detestasse se sentir sem direção.

Odiava ainda mais olhar naqueles olhos e, além de perder a direção, perder a cabeça e o controle dos seus próprios sentimentos.

 

****

 

Os dois voltaram para a cama. Ichigo encontrou um pano para Rukia e ela conseguiu se livrar um pouco da sujeira do bolo.

Não estavam mais com fome e ela não estava mais desesperada para limpar a roupa.

Mas agora o ruivo não calava mais a boca, repetindo sem parar aquelas frases:

- Ai, que dor nos meus braços! Estou ficando com câimbra! Vou processar esse guru do inferno!

- Ahh! – Rukia soltou o ar entediada. – Por que o Infernal-sama não tirou minha audição ao invés de tirar minha visão? Não aguento mais ouvir isso, garoto! Muda o disco!

- É por que não são os seus braços! – ele berrou com raiva e na defensiva.

- Mimimi, é por que não são os seus braços! – ela remendou com uma vozinha fina e chorosa. – Seja homem, Ichigo!

Ele resolveu engolir aquilo, já que não adiantava fazer cara feia e agredi-la com palavras só pioraria as coisas.

- Falta pouco pro Infernal-sama falar com a gente de novo. – ele olhava o relógio da mesinha. – E então? Alguma idéia para a palavra com ‘C’?

- Sinceramente, não. – ela respondeu. – Vou mudar de tática. Como você disse, vou usar palavras aleatórias.

- Humm... – ele ficou pensando. – Acho que vou continuar tentando encontrar palavras que sejam a cara dele.

- Ah, é. E vê se dessa vez consegue falar mais de duas, por favor! – ela cutucou.

- Olá! Sou eu de novo! – ele reapareceu para a alegria dos dois.

- Sem enrolações, por favor. – Rukia não foi amigável.

- É isso aí. – Ichigo apoiou. – Eu preciso ir ao banheiro e não sei mais quanto tempo vou agüentar.

Rukia virou o rosto em direção ao ruivo. Ainda bem que não podia vê-lo.

- Uhh, coitadinho. – Celeste ainda fez questão de dizer. – Okay, então comece Capricorniana-san.

- Casa, cama, comida, carta, caneca, cano, cata-vento, cort –

- Sua vez Canceriano-san. – o capricorniano nem se deu o trabalho de dizer não à pequena de olhos vendados.

- Coração, compaixão... Hun... Cumplicidade? – ele não sabia mais o que dizer.

- Nossa, vocês são bem desatentos mesmo, hein? – Celeste-sama espetou. – Daqui a uma hora espero poder liberar vocês. Então vou dar uma dica mais direta.

Os dois apuraram os ouvidos ansiosos.

- A palavra é profunda. Tem um significado especial para vocês. Apenas pensem... É a chave dessa missão. Ou vocês acham que eu prendi um e vendei o outro só por diversão?

Na verdade mesmo eles achavam que sim, mas preferiram ficar quietos.

- Pensem... É o que falta para que vocês se libertem.

E o clique desconectou-os.

- Ichigo... – a voz de Rukia saiu mais suave que o normal. – Você faz idéia do que seja...?

Ele ficou mudo e pensativo por um tempo.

- Eu acho que se pensarmos um pouquinho mais podemos descobrir facilmente.

Silêncio. Eles estavam refletindo. Estavam sintonizando os pensamentos e os corações sem perceber. Estavam tentando se complementar de novo. Só assim poderiam entender.

Ichigo fez um esforço para que sua mão, mesmo presa, tocasse a dela. E ficou surpreso quando viu que ela estava fazendo o mesmo.

Tocaram-se desajeitadamente. Mas precisavam daquilo. Sabiam que logo, quando descobrissem a tal palavra, aquelas mãos iam se soltar... E quem sabe até quando? Talvez para sempre. Sim. Era esse o plano agora. Separariam-se para sempre.

Celeste-sama esteve errado esse tempo todo. Não. Eles não estavam prontos para não soltarem mais as mãos. Eles precisavam seguir caminhos diferentes.

Rukia agradeceu mais uma vez, mesmo que parecesse tão absurdo, o fato de estar vendada. Seus olhos enchiam-se d’água sem que ela pudesse controlar.

Lembrava-se da primeira vez que viu o rosto do ruivo. Ver o seu rosto não era importante. Não foi importante para ela. O que realmente importou, foi quando dançaram naquele restaurante. E as mãos dele tocaram as suas. Foi ali que nasceu uma magia maior. Mesmo que somente no fundo de seu âmago ela admitisse.

Lembrou-se também da primeira vez que segurou naquelas mãos para se apoiar. Na pista de patinação. Onde os dois foram um só. Acorrentados e cúmplices. Ele se arriscara a cair todas as vezes que ela caísse. Apenas para fazê-la sorrir. E ela... E ela aceitou segurar nas mãos dele. Ela sentiu-se segura. Que sentimento era aquele? Tão quente que irradiava daquelas mãos?

Ele pensava em todas as vezes que teve que passar segurança para ela. Todas as vezes que provara, de inúmeras formas, que ele estava ali e que não ia deixá-la. E quando tinha aquele sorriso como recompensa... E quando via o azul céu de inverno nos olhos dela transformarem-se em céu de primavera... Era quando sabia que estava mais próximo do seu coração e de sua alma.

Lembrou-se do dia que ela o abraçou com força. Que ela admitiu estar precisando dele, só dele. E perguntou se podia abandonar-se naquele sentimento... Que sentimento era aquele?

Lembrou-se de quando ela lhe mostrou que o presente podia ainda ser lindo, não importava o quanto o passado tivesse sido e ainda fosse sombrio. Quando seu coração aceitou aquela lição... Ele sentiu aquele mesmo sentimento quente e confortável como nenhum outro.

E era nesses momentos que ele sabia que estavam unidos de um modo especial.

Era nesses momentos que os dois tinham certeza que nada, ninguém e nem caminho nenhum podia separá-los. Nesses pequenos momentos.

- Ichigo... – ela falou ainda naquele tom suave o nome dele. – Eu já sei qual é a palavra.

- Eu também sei, Rukia... Eu acho que sempre soubemos.

Sem se importar com o caminho que fosse escolher depois, ou com o que sua mente estava pensando, ela apertou a mão dele do melhor modo que pôde.

E os dois ficaram ali, esperando que Celeste-sama voltasse. Pela última vez.

 

****

 

- Agora tenho certeza que vocês descobriram! – a voz do homem deu um susto na dupla de signos opostos. Eles estavam tão concentrados naquele último momento!

- Sim, sabemos. – Rukia disse com confiança.

- Então podem me dizer! – a voz dele cantarolava.

Rukia não podia olhar para Ichigo. Mas podia apertar sua mão novamente.

- Vamos Ichigo. – ela sussurrou.

Os dois respiram fundo e disseram juntos:

- Confiança.

- Muito bem! Já estou a caminho para libertá-los.

 

Não demorou muito para que ele invadisse a casa e tirasse a venda e as algemas dos dois.

- Meus parabéns. Vocês conseguiram entender a essência da missão. – ele sorria largamente, mas de repente, ficou sério como nunca o tinham visto antes. – Mas eu espero que... Vocês consigam levar o significado dessa palavra para além dessa última missão. – olhou para os dois demoradamente. – Bem... Agora vocês estão livres, não é? – voltou a sorrir alegremente. – Vamos tirar os braceletes?

Os dois seguiram mudamente o guru até a recepção da loja. As mentes lotadas de um vazio confuso. As mãos frias. Os corações parecendo pela metade.

- Podem me dar os braços. – ele pediu quando chegaram lá.

Os dois estenderam os braços sem ousar pensar em trocar olhares.

Celeste-sama tirou-os com cuidado e guardou-os.

- Nós... Não vamos ficar com eles? – Ichigo quis saber.

Os olhos misteriosos do loiro atingiram em cheio os do ruivo e foi como se ele tivesse dito que sabia de tudo.

- E você vai querê-los, Canceriano-san?

Para Ichigo, a voz dele saiu medonha e melancólica ao mesmo tempo.

- Não. – ele respondeu e desviou o olhar para baixo. O coração estava doendo cada vez mais. Que pergunta estúpida que fizera! É lógico que ele sabia. É lógico que não ia precisar daquilo. Para que diabos ia querer?

Sentiu uma vontade patética de chorar e de ir embora correndo.

- E então... O que vocês tem a dizer agora? O Plano Celeste finalmente acabou. Depois de quase seis meses. É um recorde para um casal de signos opostos.

Ichigo cerrou o punho. Por que tinha que acabar agora então?

Rukia se perguntava a mesma coisa. Mas a resposta fria e dolorosa de sua mente realista estava clara: Aquilo tudo foi um erro e eles não pertenciam ao mesmo caminho afinal.

- Eu tenho a dizer que... Você estava errado, Celeste-sama. – Rukia foi rápida. Não queria prolongar a dor.

Em contrapartida, a dor que Ichigo sentia aumentara. E continuava aumentando.

- Então você quer dizer que... Continua acreditando que não são almas gêmeas? – o guru perguntou. E não fez questão de fingir surpresa. Pelo contrário. Estava mais para sorrindo do que para desapontado.

- Sim. Nós não somos almas gêmeas. – ela parecia quase um robô falando aquelas palavras. – Eu acho que pertencemos a caminhos opostos.

- Esse Céu é enorme, não é? A probabilidade de eu me enganar também é, justamente por isso. – ele continuava sorrindo. – Mas o destino ainda é maior e mais poderoso. E seu poder de atração é inacreditável. Faz parecer clichê, mas... Mesmo que os caminhos sejam opostos, eles podem acabar se esbarrando quando menos esperam. É isso que acontece quando se foge.

- Não estou fugindo! – ela se defendeu. – Eu só estou dizendo que você está errado. Não interpretou o Destino direito. Será que é tão difícil aceitar isso, Celeste-sama? – suas palavras deixaram de serem robóticas para serem venenosas. Aquele veneno chamado mágoa.

- Okay. Você tem o direito de pensar assim, jovem. – ele, sem parecer atingido pelo veneno dela, dirigiu o olhar para o ruivo. – E você? Não vai dizer nada?

Ele apertou o máximo que conseguiu o punho. E os dentes. E os lábios. Parecia que ia explodir.

- Eu faço das minhas palavras as dela, Celeste-sama. – ele disse, parecendo estar contendo algo muito grandioso. – Pertencemos a caminhos muito diferentes.

- Certo... – ele encarou os dois. – Então vocês devem estar querendo o dinheiro, não é? O dinheiro que eu prometi se estivesse errado.

Os dois fizeram que sim com a cabeça.

O homem de roupa verde e codinome então, entregou a eles um envelope branco cheio de estrelinhas.

- É a última vez que verão meu envelope estrelado. – ele sorriu. – Me desculpem o erro e os inconvenientes que fiz vocês passarem. Espero que o dinheiro faça sumir tudo de suas memórias.

Rukia segurou o envelope. Tocou as estrelas.

E de repente se sentiu a pessoa mais estúpida do mundo por ter entrado naquele programa visando o conteúdo daquele envelope.

- Vamos embora Rukia. – Ichigo deu as costas para ela.

- Vamos. – ela praticamente soprou a palavra.

E foi seguindo-o.

Havia finalmente chegado a hora de cortar aquela linha invisível para sempre.

Mas... Como? Como iam cortá-la se só quem a enxergava eram seus corações? E como fazê-lo se eles estavam vendados e de mãos atadas?

 

Continua...


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