Céu escrita por Liminne


Capítulo 60
Capítulo 46 – Confiança [de olhos abertos]




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/20957/chapter/60

Estava vestida com uma blusa de mangas três quartos branca toda estampada com sombras de coelhinhos e lacinho preto no colo. A saia preta se estendia até os joelhos e a perna estava coberta por meias calças pretas. Calçava suas sapatilhas pretas e tinha uma faixa branca no cabelo. As noites de outono já começavam a ficar bem frias.

Rezou mentalmente para que ninguém questionasse sua saída enquanto atravessava o corredor do apartamento. Viu que Mai cochilava no sofá e Momo estava sentada no chão, junto à mesinha ouvindo música no rádio. Rangiku havia saído, para sua sorte. Se passasse rápido para a porta, talvez a geminiana nem notasse...

- Rukia-chan! – ela girou a cabeça e olhou para a jovem de cabelos negros. – Aonde você vai assim tão bonita?

Rukia ficou sem graça. Temeu ter ficado vermelha.

- Ahh... Eu... Vou jantar fora. – disse. Não era nenhuma mentira.

- Humm... – Momo deixou crescer um sorrisinho nos lábios. – Vai sair de novo com o Kurosaki-kun!

Rukia apenas sorriu sem jeito. Talvez se mudasse de assunto...

- Vocês podem pedir uma pizza. – ela disse. – Já que não vou fazer o jantar.

- Pizza! – Momo ficou alegre.

- Então, estou indo! – precipitou-se para fora da porta. – Tchauzinho! Logo eu estou voltando! – fechou-a antes que a menina pudesse bombardeá-la com mais perguntas. – “Mas por que é que estou escondendo tudo isso afinal?” – pensava enquanto entrava no elevador. – “Não é como se eu estivesse traindo o Ichigo...” – lembrou-se do ruivo gritando na hora do almoço. Daquele rosto vermelho, das sobrancelhas mais juntas que nunca e dos olhos cada vez mais melancólicos. E principalmente daquela frase que ele repetira. Ele não a tinha traído! – “Eu também não estou traindo ninguém.” – ela levantou o queixo. – “Nunca houve nada. E agora é a pior hora para haver.”

 

****

 

- O que está fazendo aí fora? – Yoruichi perguntou intrigada.

O loiro guru havia saído havia mais de uma hora sem dar explicações. Sentindo sua falta, sua esposa foi procurá-lo e acabou encontrando-o sentado na varanda da loja, observando o céu.

- Eu precisava entender... – ele respondeu sem tirar os olhos do alto.

Ela sentou-se ao lado dele e pôs-se a observar as estrelas também

- O que aconteceu? – ela quis saber.

- Mudança de planos... – ele respondeu parecendo milhas distante. – O Céu é mesmo imprevisível... Apesar de o destino já estar traçado.

Ela ficou em silêncio. Sabia que suas palavras eram inúteis. Quaisquer que fossem. Ele sempre estava certo.

- O Kurosaki Canceriano-san e a Ukitake Capricorniana-san. – ele resolveu explicar. – Acho que chegou a hora.

Mesmo sabendo que não adiantaria discutir, a mulher arregalou seus olhos amarelados.

- Mas eles... Eles ainda vão completar seis meses no Plano Celeste!

Ele sorriu para o céu.

- É... – suspirou. – Mas tem vezes que... Tem vezes que o destino precisa esperar os corações. E você sabe... Ele trabalha lentamente.

Ela ficou alguns segundos olhando para o rosto dele. Depois se voltou para o céu de novo.

 - Aquela Capetinha... – ele diminuiu os olhos, mas continuava sorrindo. – Eu sabia que não gostava dela.

Yoruichi riu.

- Não pode culpar a garota. É o destino, não é?

- Não estou culpando-a por não terminarmos como deveríamos. – ele se defendeu calmamente. – Até porque, não estou me sentindo inferior por isso. O meu papel eu já fiz. O grande Céu e o Destino que vão dar o toque final, como sempre. Mas a minha missão terá sido completamente cumprida.

- Então por que está xingando a pobrezinha de novo? Só para não perder o costume? – ela zombou com um sorrisinho.

- Não. – ele fez bico. – Porque certamente ela vai querer o dinheiro da recompensa no final. – cruzou os braços.

- Mas ela ainda vai devolvê-lo. Você sabe disso.

- Sim, mas... Só de ter que ver aquela cara de ‘Eu ganhei’...

- Hahahahaha! – a mulher riu se divertindo. – Você não existe mesmo! – deu uns tapinhas nas costas dele. – Só não esqueça que quem ri por último ri melhor. E que você ainda vai ter que vê-la se humilhar e reconhecer que você estava certo.

O sorrisinho voltou aos lábios dele.

- É. Tem razão...

- Certo, então vamos voltar lá pra dentro. Está ficando frio.

O homem levantou-se e deu mais uma olhada para o Céu. Sorriu mais amplamente. Era incrível como nunca errava. Mesmo que tudo parecesse perdido e irrecuperável. O Céu nunca errava.

 

****

 

Tinham acabado de pedir o jantar. Aquele sem dúvidas era o melhor restaurante de Tóquio. Aquele homem nunca escolhia nada que não fosse o melhor.

Rukia sentia o coração enlouquecido no peito. Fazia tanto barulho que temia que outras pessoas pudessem ouvi-lo. Tinha que controlar aquilo de uma vez! Não conseguia parar de tremer! Mas por que estava tendo aquela reação? Será que... Ainda sentia aquilo por ele?

Subiu os olhos sutilmente para a figura sentada à sua frente. Aquele olhar frio, sério e cinzento nunca demonstrava mais que indiferença. Os traços finos e claramente nobres, porém, eram suficientemente atraentes para neutralizar aquela sensação gelada. E ela sabia que havia mais do que isso... Além daquele rosto plácido havia um homem inteligente, confiante e até romântico. Sim! E por mais que fosse orgulhoso... Por mais que fosse orgulhoso ele havia cedido para ela. Havia lhe feito uma reverência. Estava disposto a trocar toda aquela pose pelo seu coração. Por um segundo teve certeza que era esse o motivo de sua inquietação interna.

- Como está indo na Universidade de Tóquio? – ele perguntou tirando-a do transe.

- Ahh... – “Sem gaguejar, Rukia! Sem hesitar!” – Estou indo muito bem. E como eu disse antes, acho que vou ter mais oportunidades estudando aqui.

- Sem dúvidas. – ele assentiu.

Ela queria perguntar... Aquela dúvida estava rondando sua cabeça desde que aceitara ir a esse encontro. Mas sentia-se ousada em perguntar. Quase convencida.

Devia haver um jeito mais delicado de abordar aquele assunto...

- Byakuya...-sensei... – ela ainda se sentia estranha dizendo o nome dele. – O senhor está aqui a semana toda... Não tem problema? Eu digo... Por causa da universidade...

- Não tem motivos para haver problemas. – ele respondeu naquela voz macia. – Eu tirei uma pequena licença. – fez uma pausa. Mas foi significativa demais já que naquele momento ele olhou diretamente nos olhos dela. – Eu estou decidindo ainda se continuo ou não a ser professor.

- C-claro que continua! – ela respondeu se exaltando um pouquinho. – Sempre foi algo que o senhor se orgulhou muito em fazer! Mesmo sendo de uma família nobre... E o senhor é um ótimo professor! Seus alunos vão sentir muita falta!

Ele absorveu por alguns segundos o que ela disse. Sentiu o coração mais quente. Essa era a Rukia que ele conhecia.

- Na verdade... Eu vou depender de uma outra decisão para fazer a minha escolha.

Os olhos dela arregalaram-se e ela sentiu faltar-lhe o ar. Sem saber direito o motivo.

- Que... Decisão? – perguntou com o maior cuidado.

O garçom então chegou e interrompeu-os com o jantar.

 

****

 

Algum tempo depois, a conversa continuou. Mesmo tomando outro caminho.

- Rukia... Você conheceu alguém? – no meio da conversa ele perguntou diretamente.

Diretamente demais! Ela quase engasgou.

- Como assim alguém? – ela estava corada. Tentava não encará-lo. E, acima de tudo, não se sentir descoberta e culpada. – Eu fiz muitas amizades...

- Isso é ótimo. – ele disse. – Mas disso eu tinha certeza. Não é difícil gostar de você.

Ela foi atingida pelo elogio e teve que reprimir um sorrisinho.

- Mas... Você sabe sobre o que eu estou me referindo com “alguém”.

A sombra do sorriso evaporou. E sem querer os enormes olhos dela alcançaram o rosto dele.

- Eu... Conheci. – ela disse. Mas o que estava dizendo?! Seu coração a acalmava alegando que ela estava apenas sendo sincera. Mas sua mente gritava e protestava. Não! Ela não tinha conhecido ninguém especial! Não! – Mas... – por causa daquele conflito, foi obrigada a explicar-se se enrolando ainda mais. – Não deu certo. – completou enfim, erguendo levemente o rosto.

- Rukia... – o tom sério dele mudou. Surpreendentemente havia algo mais... Doce ali. – Você decidiu se aceitaria o meu perdão?

Poucas vezes o coração da capricorniana esteve tão louco e disparado. Sentiu-se ligeiramente tonta, mas não ia cair.

- Eu decidi... – olhou para os olhos frios dele. E não sentiu sua temperatura abaixar. – Eu decidi perdoar.

Ele ficou feliz.

- Não quero que me perdoe por perdoar. – pareceu ter ficado mais perto dela. – Eu quero um perdão verdadeiro. Assim como eu estou verdadeiramente esquecendo tudo por você.

Ridiculamente ela sentiu um nó na garganta. Era tudo que queria ouvir... Durante tanto tempo foi o que mais quis ouvir.

- Eu te perdôo com todo meu coração. – ela disse sinceramente. – E estou muito feliz com isso. – sorriu pequenamente.

Foi a deixa dele. Ela não percebeu quando, mas ele atravessou o espaço que os separava com a mão e alcançou a dela gentilmente.

- Rukia. – ele não estava frio. Não estava! – Eu quero me redimir com você. Mais do que isso... Eu quero fazer desaparecer o buraco que eu fiz na nossa relação.

A boca da jovem abriu-se, mas nenhum som saiu. Seus olhos estavam brilhando de surpresa. Suas bochechas rosavam de um sentimento que nem ela conseguia definir.

- Eu realmente te amei Rukia... E todos os momentos que passamos juntos foram únicos... Foram os melhores. Não os esqueceria por nada. – acariciou a mão dela de um jeito amável que ela bem conhecia e gostou de se recordar. – Eu ainda te amo Rukia. Talvez ainda mais.

- Byakuya-sensei... – foi a única coisa que ela conseguiu ofegar sufocada.

- Rukia... Case comigo. – ele arrematou com aquela proposta atordoante.

 

****

 

- Então ele... Me pediu em casamento. – ela finalizou sem encarar as amigas.

Silêncio. Choque total. Ninguém ousava piscar. Ninguém conseguia respirar. Foi assim por quase um minuto.

- Uau! – Mai foi a primeira a se expressar. – Talvez eu deva anotar sua história para meu próximo romance... – soltou o ar com dificuldade.

- Eu fiquei tonta... – Rangiku tinha a mão na testa. – Pensei que eu fosse desmaiar! – deu um risinho nervoso.

- Rukia-chan... Sua vida parece uma novela! – os olhos de Momo estavam dez vezes maiores.

A pequena de olhos azuis ainda não conseguira erguer o rosto para as colegas de quarto. Ela apertava as próprias mãos e mordia o lábio inferior. As sobrancelhas quase esmagavam a testa.

- Mas e então? – mesmo trêmula, Mai serviu-se de mais chá. – O que você respondeu afinal? – olhou ao redor as outras apreensivas. – Mesmo com o coração na boca acho que já podemos ouvir!

- Eu... Eu aceitei. – ela respondeu bem baixinho. Uma parte de si esperava que ninguém tivesse ouvido.

- O QUE?! – as três gritaram juntas.

- Calma gente! – ela finalmente encarou-as. Com o rosto queimando, verdade. – Eu aceitei, mas... A gente ainda vai noivar! Essas coisas demoram! E ainda não está nada totalmente oficializado... Eu ainda nem ganhei o anel...  – desviou de novo os olhos.

Rukia havia contado toda a história. Desde a gravidez de Neliel até o pedido feito na noite passada.

- Mas Rukia-chan... – Rangiku estava séria. – Você o ama?

Ela queria responder rápido, mas não conseguiu.

Amar...

Ele fez seu coração disparar. Ele a deixou imensamente feliz com o pedido de perdão tão sincero... Ela gostou muito de ter o carinho dele mais uma vez.

Mas... No fim do encontro ele tentara beijá-la. E ela achou melhor adiar esse momento. Mas por quê? Por que se eles iam se casar, afinal?

E sobre o pedido... Sobre seu aceitamento... Por que aceitara tão depressa depois que imagens daquele ruivo passaram pela sua mente? Todas aquelas imagens que faziam seu coração doer e gelar. Foi por causa delas? Foi por vingança? Foi para provar para si mesma que o amor é uma escolha? Que o amor pode ser escolhido adequadamente de acordo com os seus interesses? Ou foi para apagá-lo de vez de seu peito?

Amor... O que era o amor afinal? Era mesmo aquele sentimento que se molda convenientemente... Ou era aquele atrevido e devastador que escrevia seu nome nas estrelas e nada, mas nada no mundo conseguia apagá-lo?

- Amor... – ela começou a resposta. Sorriu com sarcasmo para si mesma. – Eu preciso de algo que me faça bem agora. E não de mais sofrimento. E não de... Algo impossível... – não queria mais sentir aquela dor. – Não há mais lugar para mim. Será que vocês entendem isso? – olhava para o chão.

As três entreolharam-se com dó. Os olhos de Rangiku começaram a pinicar.

- Eu só preciso encontrar um lugar ao qual eu pertença melhor. Um lugar seguro. Que não vai abalar nada na minha vida. É só disso que eu preciso. – ergueu finalmente o rosto com um semblante digno.

- Sem querer ser a vilã da história, mas... – Mai interveio. – Quando e como você vai contar isso para o Kurosaki?

Rukia já havia decidido sobre isso.

- Em breve. – respondeu o mais friamente que conseguiu. Tentando não pensar nos olhos dele.

- E hoje tem missão, né, Rukia-chan? – Momo lembrou.

- Sim. – ela respondeu. – Eu vou dar o meu melhor para que isso acabe logo. – levantou-se da mesa do café da manhã. – E eu quero a ajuda das minhas queridas amigas para o meu noivado. – sorriu.

As três entreolharam-se mais uma vez.

- Claro. – Mai respondeu. – Vamos te ajudar no que você decidir. – sorriu carinhosamente.

- A Mai-chan está certa! – Momo balançou a cabeça afirmativamente.

Rangiku permaneceu calada.

 

****

 

O trajeto até a loja do Celeste-sama foi num clima bem estranho. Os dois não se falavam, mas havia algo pior do que isso: pareciam estar com raiva um do outro. A verdade mesmo é que estavam seriamente ressentidos.

- E então? – a voz dele saiu dura. – Como foi o encontro?

Ela olhou para ele com os olhos diminuídos. Pensou em nem responder. Mas acabou abrindo a boca.

- Foi ótimo. – olhou para a janela do carro.

- Ah, claro. – ele apertou as mãos no volante, claramente furioso. – Você deve confiar bastante nele.

Agora foi a vez dela de virar o rosto irado para ele.

- Escuta, Ichigo. – tentou manter a calma. – Se você não estiver bem, não quero fazer essa missão, okay?

Ele ficou encarando-a.

- Eu quero que façamos tudo direitinho. Para podermos nos livrar disso logo. Então trate de guardar seus chiliques.

Ele respirou fundo ruidosamente.

- Eu nunca faria uma missão só por fazer... Por que ao contrário da sua fé, a minha é verdadeira.

Ela se sentiu afetada por aquelas palavras. Seu coração doeu bastante. Mas segurou-se. Estava acostumada a fazer isso.

- Chegamos. – ele anunciou ainda com o maxilar travado e estacionou o carro.

 

****

 

Conheciam aquela sala. Definitivamente a conheciam. Aquele tom amarelado e os planetas pintados nas paredes... As almofadas azuis...

- Vocês devem estar se perguntando... – Celeste-sama sentou-se nas almofadas. – O que estamos fazendo nessa sala de novo? Mais jogo da verdade? – sorria. E não segurava o leque dessa vez.

Ichigo e Rukia entreolharam-se sem dizer nada. Preferiram deixar que o guru chegasse logo onde queria chegar.

- Então sentem-se, meus caros. – ele fez um gesto com a mão para que eles também ficassem à vontade entre as almofadas. – Porque é exatamente isso que vamos fazer hoje. Jogar o jogo da verdade.

A dupla de signos opostos franziu as sobrancelhas.

- Mas dessa vez tem uma pequena diferença! – ele deu uma ênfase assustadora à palavra pequena. – Dessa vez eu farei as perguntas. E vocês sabem... Essa sala não admite nada além da verdade. – aquele sorrisinho encapetado cresceu no canto dos seus lábios.

Rukia teve um mau pressentimento. Mas já estava acostumada com aquela sensação ao olhar para aquele rosto.

- E... – Ichigo resolveu dizer alguma coisa. – E se nos recusarmos a responder?

- Eu ficarei muito satisfeito de propor alguma conseqüência em troca. – o loiro respondeu à altura, naquele seu tom cantarolado e irônico.

- Ótimo. – Rukia levantou o queixo desafiando. – Isso parece fácil depois de tudo que passamos.

- Bem... Essa é a penúltima missão de vocês. É quase como enfrentar o chefão, então eu não diria que será tão fácil.

Os olhos de Rukia cresceram. Seu coração quase parou. Com Ichigo aconteceu quase o mesmo. Sentiu-se trêmulo no mesmo segundo. E seu queixo quase caía.

- Penúltima... Missão...? – Rukia conseguiu fazer sair as palavras e a interrogação junto com o ar.

- Sim, sim. – Celeste-sama meneou a cabeça. - Penúltima missão.

A respiração do ruivo ficou mais pesada. De repente teve a sensação de que o chão estava se abrindo debaixo de si. Sentiu como se tudo estivesse sendo soprado para bem longe, fora do alcance de suas mãos. Quase sentiu vontade de chorar. Quase deixou que a esperança escapasse para sempre.

Entretanto, Rukia pensava diferente. Seu coração estava disparado. Mas alguma coisa no fundo de sua mente, dizia que isso sim era o destino agindo. Estava tudo caminhando corretamente... Para um caminho conveniente à sua escolha. O plano celeste ia acabar logo... No exato momento em que havia decidido para onde ir em sua vida. Para onde deveria ir. E para onde deveria deixar aquela pessoa ir... Aquela pessoa que foi tida por todo esse tempo como sua suposta alma gêmea.

- Então vamos começar. – Celeste interrompeu o choque. – Preparados?

Os dois fizeram que sim com a cabeça.

O homem de chapéu tirou do bolso um papel dobrado.

- A minha primeira pergunta é: O que levou vocês a se inscreverem no programa?

Pela primeira vez, Ichigo se pronunciou antes que Rukia pudesse abrir a boca.

- Meus pais participaram do programa no passado. E foram muito felizes. Eu... – ficou vermelho e a segurança desapareceu de sua voz. – Eu sempre quis encontrar o amor como eles encontraram... Foi por isso.

Os olhos do loiro dirigiram-se à Rukia.

- Eu entrei no programa por... Por insistência de uma amiga que participava. Mas o meu interesse maior era o dinheiro da possível indenização.

- Humm... – Celeste olhava para o papel. – Muito bom. Vocês são bem honestos. Mas também, não há escapatória mesmo! Hahahaha! – ficou rindo da própria piada.

Mas a tensão entre aqueles dois fez com que ele parasse rapidinho.

- Er... Vamos para a próxima. – olhou o papel. – O que vocês achavam do programa no começo? Digo... Vocês acreditavam mesmo ou a curiosidade era o que os impulsionava?

- Eu sempre acreditei. – Ichigo respondeu imediatamente, sem mover os olhos de algum ponto fixo à sua frente.

- Eu... Eu não acreditava. – Rukia admitiu com a voz fraca.

- E então... – a expressão de Celeste mudou. Parecia estar ficando mais animado. – E vocês mudaram de idéia?

Hesitação. Os dois começaram a olhar para dentro. Será que tinham mudado de idéia?

Será que ele ainda acreditava?

Será que ela tinha realmente deixado de acreditar?

- Eu mudei de idéia. – Rukia disse de repente. – Eu mudei completamente de idéia.

Ichigo olhou para ela. Foi inevitável. Seu coração palpitava quase em sua garganta. Seus olhos estavam arregalados e congelados. Então era mesmo verdade... Ela tinha realmente acreditado e se apaixonado por ele... Uma parte de si já sabia disso... Mas outra parte... Outra parte queria ouvir daquela boca. De novo e de novo. Queria ter provas...

- E-eu... – ele gaguejou. – Eu nunca mudei de idéia.

Também estava falando a verdade. Por mais que as coisas ficassem difíceis... Por mais que restasse pouco tempo... Ele ainda acreditava.

- Certo... – Celeste tentava esconder um sorrisinho. – E qual das missões vocês mais gostaram?

- A da troca de papéis. – Ichigo disse, lembrando daquele momento de paz e completa sintonia em que eles se encontravam.

- Eu... Eu também. – eles compartilhavam a mesma lembrança naquele momento. E a mesma dor.

- E qual foi a que mais odiaram? – essa ele queria mesmo ouvir.

- A dos bebês! – os dois gritaram juntos.

E não conseguiram evitar rir um pouco.

- Ohh, que tristeza... – o loiro tentou descontrair. – Logo vocês que escreveram na ficha inicial que queriam adotar crianças ou algo assim...

A graça acabou na hora. Como ele podia comparar crianças de verdade com aqueles demoniozinhos?

- Bem... – ele examinou o papel mais uma vez. – O que vocês aprenderam um com o outro?

Mais silêncio. Essa era uma pergunta muito complexa. Em menos de seis meses... Era incalculável o quanto haviam aprendido um com o outro.

- Eu aprendi a ser mais forte. Aprendi a ser mais independente, me livrar de medos e inseguranças do passado... Aprendi a seguir em frente e ser mais seguro do que eu sou e do que eu quero. Eu com certeza aprendi a crescer... – Ichigo finalmente disse depois de um tempo.

- Eu aprendi a ter fé. A ver a vida com olhos mais ingênuos... Ouvir mais o coração... – Rukia respondeu com o olhar perdido.

Mas Ichigo não gostou nada daquilo.

- Mentirosa! – ele gritou antes que pudesse se controlar. – Você não aprendeu nada disso!

- Qual é o seu problema?! – ela retrucou no mesmo tom. – Por acaso a máquina da verdade constatou minha mentira?! Eu não estou mentindo! Eu não disse em nenhum momento que gostei de aprender isso! Só estou dizendo que aprendi!

O olhar de Ichigo continuava cheio de rancor para ela. Cheio de revolta.

E o olhar que ela lançava de volta também era cheio de mágoas. Cheio de uma dor insistente.

Celeste-sama não se abalou.

- E vocês acham que o fato de serem signos opostos ajudou ou atrapalhou a relação de vocês?

Ainda se encaravam. A raiva diminuía... As expressões se amansavam lentamente.

Agora era como se quisessem chegar a uma resposta para aquela pergunta.

- Eu não sei... – Rukia disse com sinceridade, agora voltando os olhos para o guru.

A verdade é que no início ela achava que era algo bem ruim. Todas aquelas diferenças... Não podia! Como pessoas tão diferentes conseguiriam se juntar por um único ideal? Algo tão abstrato... Apenas um sentimento... Como era possível? Mas depois... Com o passar do tempo e do convívio ela foi mudando totalmente de idéia. Parecia que as diferenças simplesmente encontravam-se... E anulavam-se. Como um quebra-cabeça. Como se um precisasse da fraqueza do outro para unir-se. Como se um precisasse da fortaleza do outro para crescer. Como se, com essas pontas opostas, pudessem se unir de verdade e formar um só... Na mesma sintonia... Por causa daquele mesmo sentimento misterioso...

Mas agora... Agora não tinha mais certeza. Demoraram tanto para se completar... E em pouco tempo separaram-se como se nunca houvessem estado juntos. Como se fosse mesmo uma ilusão. Como se fosse algo verdadeiramente impossível.

- Eu... Eu também não sei. – Ichigo respondeu em seguida.

Por mais que juntos parecessem completos... Algumas diferenças o afastavam irremediavelmente.

- Vocês se recusam a responder a minha pergunta então?

- Ei! Não! – Rukia defendeu-se despertando do transe. – Eu disse que eu não sei. Essa é minha resposta!

- Ah... Então vou ter que dizer a conseqüência... – o homem de roupa verde ignorou totalmente a defesa da pequena.

- Ou! – Ichigo interveio. – A Rukia está certa! Não podemos responder algo que não temos certeza! “Não sei” é nossa resposta, ora!

- Então vamos brincar de estátua! – Celeste-sama continuava alegre com sua surdez seletiva. – Vamos, fiquem de pé.

Os dois estavam aborrecidos. Mas já estavam acostumados com aquele homem manipulador fazendo o que queria dos dois. Levantaram-se. Logo iam se livrar dele para sempre...

- Isso, ótimo! – ele sorriu quando os dois estavam de pé. – Agora... Fiquem um de frente para o outro.

Contrariados, os dois fizeram o que ele mandava.

- Agora dêem as mãos. – ele continuava se divertindo.

- Você não acha que está pedindo demais, não? – Rukia não conseguiu ficar quieta. – Quero dizer, coisas demais. Já ficamos de pé e um de frente para o outro!

- O que tem de mais? Vocês são almas gêmeas! Vamos, dêem as mãos! Não vai me dizer que sua religião não permite!

Ela revirou os olhos irritada e pegou as mãos do ruivo com má vontade.

Ele tratou de corresponder e segurou as mãos dela. Mas não com tanta má vontade. Ele simplesmente não conseguiu resistir.

Mas podia sentir que a resistência dela também não ia durar muito. Suas mãos estavam ficando mais gentis.

- Certo... – os olhos do loiro capricorniano brilhavam. – Agora... Meu último pedido. Olhem-se nos olhos.

Não discutiram nem fizeram cara feia. Obedeceram.

- Estátua! – Celeste gritou idiotamente. – Isso, que lindo! Adorei! – pegou uma câmera fotográfica sabe Deus de onde, e tirou uma foto dos dois.

- Ei! – Ichigo protestou.

- Não, não, não! – ele balançou o dedo no ar. – Estátua não reclama! – riu da careta do ruivinho esquentado. – Agora vamos prosseguir com a missão. – pegou o papel de novo. – Agora me digam, jovens... O que vocês acham que ficou faltando entre os dois?

- Você disse que estátua não reclama. Então estátua não fala. – Rukia resmungou toda espertinha.

- Vocês são estátuas de quem? Hein? Então acho que falam sim! – ele saiu por cima. – Não reclamam. Mas respondem ao seu dono!

Ela cerrou os dentes.

- Vamos, respondam!                                       

- O que ficou faltando... – Ichigo murmurou para si mesmo, sendo obrigado a encarar aqueles lindos olhos azuis. Mais uma vez eles pareciam estar drenando suas forças. Havia tanta coisa ali... Tantas coisas que mal conseguia distingui-las.

Rukia estava muda e pensativa. Também era obrigada a encarar aqueles olhos tristes. Sim. Era só olhar de perto. Tudo que eles emitiam era tristeza. E um pouquinho... Um pouquinho brilhante de esperança. Aquela criança nunca ia abandonar seu coração. Estaria sempre refletida em seus olhos. E ela se sentia feliz por isso. E ao mesmo tempo sentia um ódio maior que seu próprio coração.

- Confiança. – Ichigo respondeu enfim. E por causa daquele Infernal tinha que olhar nos olhos dela enquanto dizia. Mas será que não era melhor assim? – Com certeza o que faltou foi confiança.

- É isso. Faltou confiança então. – ela se rendeu diminuindo os olhos para ele.

Ela sabia que aquilo era uma alfinetada. Ele só queria que ela acreditasse que nunca houve uma traição. Queria que ela ignorasse o detalhe de que ele teria um filho e que continuassem juntos sem nenhum problema, do mesmo jeito que estavam antes.

Ela até podia acreditar que não houve uma traição. Afinal, Neliel provavelmente havia engravidado antes de o plano celeste começar. Mas o que ela deveria fazer a partir disso? O mais importante agora era o filho que ele iria ter. E Neliel nem sabia de seu papel na vida de Ichigo! Não queria estragar tudo para uma pessoa inocente. Além disso, Ichigo fora imprudente para quem queria tanto encontrar sua alma gêmea. Até fizera a tentativa de confiarem um no outro como apenas amigos e cúmplices... Mas... No fundo... O seu coração queria somente que ele a completasse. E isso não seria possível.

A culpa maior não era de Ichigo em sua opinião. A culpa era do destino. Ele os havia enganado. Os havia chamado de almas gêmeas. E de repente mostrado que um não cabia mais na vida do outro. Simplesmente.

Ela confiava em Ichigo. Mas não confiava mais no destino. Não queria se machucar. Não queria fechar os olhos e se jogar sem pensar nas conseqüências. Essa não era ela. E sua fé não era suficiente para permitir que fizesse isso.

Não tinha como não confiar naqueles olhos... E não tinha como não se apaixonar por aquelas mãos quentes... Mas... Ali não era mais o seu lugar. Almas gêmeas não existiam afinal.

Admitia então que não confiava o bastante no poder do destino.

- Agora, a última pergunta. – Celeste-sama disse depois de deixar que eles se encarassem mais um pouco.

Os dois estavam apreensivos. Podiam ver refletidos um no outro. Podiam sentir um no outro.

- Vocês... – suspense. – Vocês se amam?

Agora mais que apreensão. Podiam ver e sentir um no outro aquele choque. Aquele sentimento aterrorizante. O medo. A resposta óbvia. A resposta certa e errada. A dor insuportável.

Ela comprimiu com força os lábios. Seus olhos umedeceram. Não teve como evitar. Estava fragilizada debaixo daquele olhar. Como dizer que não? Como manter-se fria? Como não derreter diante daquele calor intenso e doce? Quis afrouxar a mão, mas só conseguiu apertá-la ainda mais na de Ichigo. O que estava fazendo? Sentia os cílios pinicarem. O coração estourando em seus ouvidos. Aquele rosto... Aquele maldito rosto!

Ele acompanhava o ritmo em que se formavam as lágrimas naquele hipnotizante azul. Aquele azul da cor do céu de inverno... De repente parecia tão desamparado. De repente parecia tão ferido... De repente parecia mais uma vez tão vivo... Derretendo... Como se o inverno estivesse florescendo... E agora fosse primavera em seus olhos cor de céu. Seu peito nunca doera tanto na vida. E as mãos dela nunca pareceram tão pequenas, duras e macias ao mesmo tempo... E o que diria agora? O seu sim custaria o descer daquelas lágrimas? O seu não seria uma mentira descarada.

Os dois sabiam a resposta. As próprias respostas. A resposta um do outro. Mas não podiam dizê-la. Não podiam...

E se ele contasse? E se ele contasse toda a verdade? Aquilo tudo acabaria? A parede de gelo derreteria? Ela estava realmente merecendo?

Ou será que... Ou será que ele também não estava confiando nela? Ou será que a carência de confiança não era só da parte dela?

Sim. Ele também tinha medo. Medo de que ela não acreditasse. Medo de que pudesse piorar as coisas dizendo a verdade. Por isso esperava que ela pudesse confiar sem precisar se explicar. Muitas vezes uma explicação pode mudar tudo. E muitas vezes pode acabar de destruir tudo. Como saber?

Mas aquele tempo todo... Ele havia confiado e a ensinado essa confiança. Só queria que ela mostrasse que havia aprendido. Só queria... Só queria que fosse tudo mais simples.

Não sabia mais se estava certo. Não sabia mais se estava com medo. Não sabia mais se tinha desaprendido a lição que ele mesmo ensinara.

Mas de uma coisa sabia: que não podia responder àquela pergunta. Assim como não pôde beijá-la naquele dia sob as estrelas, no terraço... Eles não estavam em sintonia. Aquele não era o ritmo deles.

- Não quero responder isso. – ele tomou coragem para dizer.

Ela juntou as sobrancelhas. Conseguiu deter as lágrimas.

- Eu também não quero!

- Okay... – Celeste-sama cantarolou. – Então... Mais uma conseqüência para as minhas estátuas estreladas!

Continuavam se encarando daquele jeito. Os corações ainda estavam agitados. Mas sabiam que tinham feito a escolha certa. Ainda existia uma linha invisível que os unia.

- Eu quero... Que vocês se beijem! – o capricorniano sorriu maldoso.

Os olhos voltaram a arregalar-se.

- Você não pode fazer isso! – Rukia gritou desesperada.

- É! Isso é um absurdo! – Ichigo completou. Só seu coração para estar mais furioso do que ele mesmo.

- Não quero saber. Vocês não vão passar nessa missão se não se beijarem... – Celeste simulou uma cara de chateado, mas logo voltou a sorrir irritantemente.

 - Okay então. – Rukia apertou a mão de Ichigo. – Vamos acabar com isso! – pôs-se na ponta dos pés.

O ruivo estava estático. Congelado. Paralisado. Petrificado. E todos os outros significados existentes para alguém que não podia se mexer de choque.

Ela conseguiu com dificuldades alcançar o rosto dele e... Beijou-lhe a bochecha.

- Ah... – ele demorou um minuto pelo menos para conseguir se mexer de novo. – Ah... – olhou para ela que tentava reprimir um sorrisinho travesso. – Boa idéia. – ele inclinou-se e também beijou o rosto dela.

- Missão cumprida Infernal-sama! – Rukia bradou então, orgulhosamente.

Ele diminuiu os olhos e não conseguiu dissimular sua indignação.

- Okay. Terminamos. – prendeu o ar. - Tenham uma noite estrelada. – disse entre os dentes.

 

 

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Céu" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.