Céu escrita por Liminne


Capítulo 58
Capítulo 45 – Não importa o caminho




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- Rukia-chan! Bem vinda! – Momo levantou os olhos da lição de casa e sorriu para a jovem que acabara de abrir a porta do apartamento.

- Uau! – Rangiku, que estava espalhada no sofá assistindo TV, levantou-se para ver a colega de quarto. – Que olheiras são essas? O que você e o Kurosaki ficaram fazendo esse fim de semana, hein? – seu tom de voz tinha aquela malícia brincalhona de sempre.

Mas Rukia não estava bem para qualquer tipo de brincadeira, nem diálogo, nenhum contato!

Ignorou as amigas e foi direto para seu quarto.

A libriana e a geminiana entreolharam-se.

- Er... Seja lá o que eles ficaram fazendo, não foi bom. – a loira concluiu esparramando-se no sofá novamente.

- Não mesmo! – Momo voltou os olhos arregalados para a lição.

 

****

 

- Valeu Tessai. – o ruivo ainda manteve um pingo minúsculo de educação.

- Ordens do chefe. – o grandão respondeu um tanto indiferente enquanto entregava a chave do carro para Ichigo. – Vou indo. Se cuida! – e saiu andando pela noite.

Por um segundo Ichigo ficou pensando se ele voltaria a pé para a loja de Celeste-sama...

- Tsc! Aquele maldito... – murmurou para si mesmo indo até a porta de casa. – Ele deveria ter vindo nos trazer em casa e não mandado um subordinado. Quem ele pensa que é? – por causa do sono e da dor de cabeça, demorou a encontrar as próprias chaves. Mas assim que entrou em casa, quase teve vontade de chorar de emoção e de alegria.

- Itsugoooo! – Nell apareceu correndo sem se importar com a barriga pesando. – Por que você estuda tanto, Itsugooo?! Senti tanto sua falta! – agarrou-o com os olhos e o nariz escorrendo em cima dele.

- Nell, por favor, para de gritar. – ele pediu com os dentes cerrados, tremendo, quase explodindo. Tudo que NÃO precisava naquela hora era de alguém gritando em seu ouvido.

- Itsugooo! – mas ela continuava soluçando em cima dele. – Itsugooo, não me deixe sozinha mais!

- NELL, CALA A BOCA! – ele afastou-se dela bruscamente.

Ela parou o choro e ficou olhando-o chocada.

- Onii-chan! – Yuzu apareceu correndo. – Você está gritando com a Nell-chan?! – ficou visivelmente furiosa.

- Me... Me desculpe... – ele coçou a cabeça sem jeito. – Eu só... Estou muito estressado... Passei noites em claro estudando e preciso dormir... Desculpe... – deu as costas para as duas e subiu correndo os degraus para o quarto.

Antes que seu pai aparecesse e aí sim ele tivesse um colapso de vez.

 

****

 

- É bom estarmos aqui totalmente livres... Sem nenhum choro, sem balançar nada no colo... – Ichigo dizia durante o almoço. Sua cara ainda não estava das melhores, mas certamente estava aliviado.

- Eu não sei até agora como consegui levantar para vir para a aula... – Rukia confessou. Realmente seus olhos nem pareciam tão grandes e vívidos.

- Eu pensei seriamente em não vir... Mas se eu não viesse... – ‘A Nell ia ficar me perturbando’, ele ia dizer. Mas achou melhor ficar quieto e encher a boca com a comida.

Silêncio.

- Hum... – ela quebrou-o. – Já recebeu mais uma carta infernal?

- Não... – ele respondeu. – Eu gostaria que ele nos desse uma trégua essa semana. – revirou os olhos.

- Eu também. Se a próxima missão incluir mais dor de cabeça, eu mesma me interno num hospício.

- O que acha de não abrirmos nenhuma carta essa semana? – ele sugeriu.

- Foi a melhor idéia que você já teve. – ela respondeu.

Mais silêncio.

Até que a nova parceria deles não estava indo tão mal. Eles continuavam conversando normalmente. E mesmo as pausas e os silêncios eram confortáveis. Algumas ligações não podiam ser facilmente desfeitas. Um já havia entrado na vida do outro. Isso era inevitável. Talvez... Talvez os sentimentos também fossem imutáveis. Mas quando a razão assume o controle e decide ditar as regras, a primeira medida a ser tomada é vendar os olhos do coração. Amarrá-lo. Imobilizá-lo. E enquanto a consciência puder agüentar o peso de tê-lo calado à força, aquela barreira fria e ilusória não será quebrada.

- Então... – ele pegou-se dizendo. Eles eram amigos agora, não eram? Parceiros... Não tinha nada de mais no que estava deixando sair. – Como vai aproveitar seu sábado? – estava vermelho e suando, mas não se importava. De algum modo podia convencê-la...

Ela espantou-se um pouco.

- Provavelmente vou estudar, mas... Se essa sensação de pavor não sumir até lá, acho que vou dormir mesmo. – tentou manter-se distante. – Por quê?

- Bem... Eu pensei que... A gente podia fazer alguma coisa legal... – o que estava falando? Ia tomar um fora memorável, por que continuava insistindo como um idiota?

- A... Gente? – ela tomou uma postura defensiva. Mas tentou parecer natural. Estava dando na cara que estava abalada com aquilo. Como ele ainda tinha coragem de chamá-la para sair? – Tipo o que? – ela sorriu pequenamente com descaso.

- Não sei... – ele não a encarava. – Podíamos nos distrair um pouco... Patinar...

Patinar! Ele estava jogando sujo! Muito sujo!

Mas eles eram amigos... Ela não tinha nada o que reivindicar dele. A relação tinha que continuar. Mais harmoniosa possível. Para que cada um pudesse viver sua vida em breve.

Ela não ia aceitar isso por querer estar com ele no sábado. Era apenas porque gostava de patinar e porque eram amigos. Mesmo que não fosse por isso. Deveria ser. E seria.

- Patinar seria legal. – ela disse enfim.

Ele olhou para ela iluminado. E os olhos dela ficaram subitamente mais brilhantes.

- Certo. Então eu te pego à tarde. – ele disse sentindo uma alegria quase palpável.

- Combinado. – ela tratou de desviar os olhos daquele rosto tão satisfeito e concentrou-se em terminar de almoçar.

 

****

 

Na sexta-feira daquela semana, Ichigo estava ansioso. Havia apanhado há pouco tempo a carta de Celeste-sama e escondido em um de seus livros. Naquele sábado que estava por vir, não seria por causa daquele envelope que eles se encontrariam. Era tão raro isso acontecer que ele sorriu para o nada. Era certo que eles não estavam na melhor sintonia, mas... Como saber quando aquele Céu poderia mudar? Ele era sempre tão imprevisível!

E mesmo que aquela mulher de lindos olhos azuis estivesse indo dentro daquele bloco de gelo... Mesmo que por trás da barreira... Ainda era ela. E ainda poderia ver seu rosto. E talvez tocar suas mãos... E ver seu sorriso... Só precisava mantê-la. O desgraçado do pai da filha da Nell ia voltar. O plano ‘brilhante’ dela ia funcionar logo. E então Rukia não teria mais motivos para desconfiar que o bebê não era seu. Perceberia que tudo não passara de um mal entendido e até ficaria chateada consigo mesma por não ter confiado... É. Ela ia aprender que devia ter confiado. Aquela cética... Só acreditar no que pode ver, provar, tocar... Mesmo que custasse, mesmo que parecesse ora tão longe, ora tão perto, ia fazer com que ela mudasse de pensamento.

Mesmo tentando ser o mais realista possível, ainda tinha a tola esperança de que ela ainda pudesse, em algum momento abençoado, enxergar a verdade em seus olhos. Ouvir a voz do coração. Simplesmente...

- Itsugo... – Nell se revirou na cama. Passava da uma da madrugada e ela tinha pegado no sono poucas horas atrás. – Itsugo... – o murmúrio ficou mais manhoso e ofegante.

Ele levantou-se preocupado.

- Nell? – chamou baixinho, perto do rosto dela. – Nell, você está acordada?

- Estou... – ela respondeu de olhos fechados e com uma expressão de dor.

O coração dele deu uma estocada violenta no peito.

- Nell! Você está bem?! – agora ele estava muito preocupado.

- Não muito... – ela respondeu com a respiração pesada.

Ele percebeu que seu rosto estava cheio de gotinhas de suor, apesar de o calor do verão já ter começado a abandoná-los.

Ela segurou a mão dele com força.

- Você está suando frio! – ele olhava atônito para ela. Não estava acostumado a cuidar de uma mulher grávida. Era uma situação muito delicada... E além de tudo ela era sua prima enérgica de sempre, podia contar nos dedos de uma só mão quantas vezes a tinha visto passar mal.

- É normal, Itsugo... – ela abriu os olhos marejados para ele. – Mas esse enjôo parece que nunca vai acabar.

- É melhor você levantar um pouco. – ele disse tentando ser o mais frio possível. – Recosta sua cabeça na cama que...

É... Lento demais. Foi só ela erguer um pouquinho o corpo que não deu mais pra segurar. Acabou vomitando na cama.

 

****

 

- Planos para hoje. – na mesa do café da manhã, Mai estava animada com a conversa de todos os sábados, quando as amigas sempre exibiam seus planos para o resto do dia.

- Vou fazer um trabalho... – Momo suspirou entediada.

- Vou ao aniversário de uma amiga à noite. – Rangiku disse. – E ao shopping comprar roupa e presente à tarde, lógico.

- Não vou poder ver o Ashido... – Mai fez uma carinha triste. – Acho que vou fazer companhia para a nossa amiga mal humorada! – sorriu implicante para Rukia.

- Não sou mal humorada. – ela se defendeu e as outras tentaram comprimir um riso. – Eu só estava acabada essa semana.

- Huummm... – elas fizeram cúmplices umas com as outras.

- Mas que droga, será que vocês nunca vão me perdoar? – ela reclamava, mas estava sorrindo. – Me desculpem, por favor! Eu não sabia que duas noites mal dormidas e com dor de cabeça pudessem estragar minha educação tão facilmente.

- Tudo bem Rukia. – Mai riu. – A gente te entende. Só é difícil ver a Perfeitinha sendo grossa e tal.

Rangiku riu da ironia da escorpiana.

- Não sou ‘perfeitinha’. – Rukia lançou um olhar azedo pra ela.

- Não mais! – Mai empinou o nariz. – Descobrimos a sua fraqueza hahaha! – forçou uma risada maléfica.

- Você é impossível, garota! – Rukia riu.

- Mas e então? Gostaria da minha presença impossível ou prefere que eu me mande daqui enquanto você hiberna tranqüila? – continuou alfinetando.

- Não tenho nada contra sua presença impossível, Mai. – encarou-a fingindo dureza. – Sou perfeita demais para me incomodar com qualquer coisa.

- Menos com chorinho de neném. – Momo cutucou.

- Até você! – Rukia abriu a boca simulando indignação. – Bem... A verdade é que provavelmente vai sobrar pra você ajudar a Momo com o trabalho escolar. Eu vou sair.

- Mais uma missão? – Rangiku fez uma careta de pena. – Eu achei que ia querer dar um tempo depois dessa.

- Sim, na verdade eu e Ichigo resolvemos dar um tempo mesmo. Mas ei! Eu não saio só em motivo de missão! – sorriu meio chateada, meio orgulhosa.

- Que bonitinho! Os dois vão sair juntos para esquecer os problemas que o Infernal-sama causou-lhes! – os olhos claros de Rangiku cintilavam.

- Oh, Rukia-chan! – Momo empolgou-se com as bochechas coradas. – Vocês vão sair juntos! O que vão fazer?

- Vamos patinar... – Rukia não quis captar os olhares delas. Estavam todas tão empolgadas... Não sabiam de nada que tinha acontecido. Na perspectiva delas, era mais um enorme avanço. Na mente de Rukia, ela tentava se convencer de que era só um passatempo sem compromisso entre os dois. Embora soubesse bem que não queria fazê-lo com mais ninguém.

- Ahhh! Que bom! A Rukia-chan adora patinar, não é? – Momo suspirava.

- E o Kurosaki sempre faz as vontades dela, que gracinha! – Mai arrematou alegremente.

Sempre faz as vontades... Talvez ele estivesse querendo comprá-la. Mas não importava a intenção dele. Por mais que fosse difícil resistir àquele olhar. Ela iria pela sua própria vontade. Os dois iam se divertir e esquecer um pouco os problemas. Mais nada. Depois que saíssem da pista branca, tudo voltaria a ser como era. Aliás, tudo ainda era o que sempre fora. Só precisava reaprender a colocar os sentimentos no lugar certo.

Sim, um ainda era necessário na vida do outro. Sim, foram unidos pelo destino. Mas não por... Amor. Eles eram apenas cúmplices. Eles eram apenas aqueles que tinham um objetivo em comum. E que por determinação do destino, gostavam de estar um com o outro. Apesar das desavenças... Um precisava do outro para crescer. Nada mais.

- Bom, já que não vou fazer nada hoje... Vou ajudar a Rukia a se arrumar! – Mai sorriu empolgada.

- Que ótima idéia! – Momo aprovou.

- Ela nem me pergunta se eu quero. – Rukia brincou conspirando com Rangiku.

- Tem certas coisas que a gente não tem que querer. – Rangiku respondeu sabiamente, sem ter a intenção.

 

****

 

Pela milésima vez leu aquele poema. E pela milésima vez fez menção de queimá-lo, mas perdeu a coragem assim que acendeu o isqueiro.

Ela atormentaria sua vida. Não importava o que ele fizesse. O rosto dela... Os olhos tão claros e quase sempre cheios de lágrimas... Os lábios apertados da dor que ele sempre a causava. A voz demonstrando o quando precisava dele... A pele sempre quente e convidativa... O sorriso mais despreocupado do mundo. E as palavras... As malditas palavras... Elas tinham o poder de entrar em sua mente e se instalar lá para sempre. Com uma facilidade irritante de entrar e uma dificuldade enlouquecedora de sair.

Aquele papel com aquele poema trágico tinha o cheiro dela, mesmo que fosse só um ordinário papel. Ele podia ouvir a voz dela declamando cada verso. E ferindo-o com cada palavra. Envenenando-o aos poucos.

Exato. Ela o envenenava. Ia chegar uma hora que não ia suportar mais.

Dobrou cuidadosamente o presente e guardou-o no seu melhor esconderijo. Se Aizen descobrisse aquilo...

Ela como sempre fora a única a lembrar de seu aniversário. E mesmo com tudo, lhe mandou um presente. Um presente bem amargo, verdade. Mas um presente. E ele não poderia querer nada melhor do aquele poema. Era sincero. Era a lamentação do coração dela. Era o jeito que ela encontrava de dizer que o amava. E era o jeito que ele acabava por aceitar aquele amor. Forte. Destruidor. Doloroso.

Não existiam mais dilemas. Cada pedaço da falta dela o fez escolher aquele caminho. Por mais idiota que parecesse. Por mais contraditório e perigoso que fosse...

 

****

 

- Nell, por favor, coma alguma coisa. – Ichigo entrou no quarto com o almoço em uma bandeja. – Você colocou pra fora todo o café da manhã. Já passa da uma da tarde, você não pode ficar esse tempo todo sem comer.

- Eu estou bem, Itsugo. – ela sorriu para ele e logo voltou os olhos para a televisão. – Mas se eu comer vou passar mais mal... Melhor esperar esse enjôo passar.

- E se você não comer vai ficar fraca. – ele usou um tom de voz mais severo. – Não quero ver você caindo pelos cantos. Você não pode ser dar o luxo de não comer agora. – abaixou-se perto dela. – Olha, estão todos preocupados. A Yuzu fez um prato que você gosta só pra você...

- Hummm... – ela começou a ponderar olhando para o rosto preocupado de Ichigo. – Tá bom, eu como. – ajeitou-se no respaldo da cama. – Mas só se você me der na boca! – abriu a boca pra ele igual criancinha.

- Você não está falando sério. – ele diminuiu os olhos pra ela. No fundo ele sabia que era totalmente a cara dela fazer aquilo.

- Aaaahhh! – ela nem respondeu, só continuou com a boca aberta esperando a comida.

- Okay... – o ruivo suspirou. Levou a comida à boca da prima e esperou que ela mastigasse devagar. – E aí? Está se sentindo bem?

- Estou! – ela falou de boca cheia. – A comida da Yuzu-chan é a melhor! – engoliu e abriu a boca de novo.

- Tá vendo? Acho que seu enjôo já passou! – ele comemorou interiormente e deu a ela mais comida.

Ela balançou a cabeça afirmativamente, parecendo mais alegre.

- Você vai ser um bom obstetra, Itsugo. – ela disse rindo.

Ele revirou os olhos.

- Eu não vou ser obstetra, Nell. – deu mais comida a ela. – E acho que cuidando de você assim eu to mais pra pediatra, isso sim.

- Ahhh! Tá todo nariz em pé só porque está na faculdade! – engoliu a comida. – Você se acha adulto, mas eu sou mais adulta que você, ó! – apontou para a barriga.

- E você acha que isso é ser mais adulta? Isso foi a maior criancice que você já fez. – ele retrucou mal humorado.

- Eu não acho não. – ela riu maliciosamente e acabou deixando o canceriano sem graça e com as bochechas coradas.

- Tá bom. – ele colocou o prato diante dela. – Agora acho que você pode comer sozinha, já que é tão adulta. – levantou-se.

- Ahh não! Itsugo! – ela agarrou a camisa dele. – Aonde você vai?

- Sei lá, vou tomar um banho. – ele tentou se soltar da mão dela.

- Não... – ela lançou um olhar carente quase irresistível para ele. – Dá comida pra mim... Se você não der eu não vou comer...

- Para com isso, Nell! – ele continuava tentando se soltar. – Você tem que saber se cuidar sozinha! Você vai ser mãe!

- Não quero ficar sozinha! Itsugo! – ela parou de choramingar de repente. Mas não soltou a camisa dele. – Itsugo... – murmurou e antes que ele pudesse decifrar o rosto pálido dela, ela vomitou de novo. Em cima dele.

 

****

 

Faltavam uns cinco minutos para as quatro da tarde, a hora que Ichigo havia marcado de buscar Rukia na república.

A jovem estava sentada no sofá assistindo a um seriado na companhia de Mai. Já estava pronta usando seu vestido de pétalas de cerejeira e meias grossas cor-de-rosa por baixo, para no caso de levar algum tombo na pista. Estava ansiosa, fazia tempo que não patinava. Imaginava o que aprenderia de novo dessa vez...

Distraiu-se com a série na TV e quando percebeu, o relógio já marcava quatro e quinze.

- Ei, Rukia... – Mai disse quando entrou o comercial e ela acabou pondo os olhos no relógio. – Você não marcou quatro horas? Acho que tem alguém atrasado, hein? – fez uma careta ameaçadora de brincadeira.

- É... Parece que está atrasado mesmo. – tentou parecer natural, mas tinha um leve pressentimento sobre aquele atraso. – Mas ele é enrolado, sabe como é. Daqui a pouco está chegando.

Mais quinze minutos se passaram e nada de Ichigo. Mai até fora lá embaixo dar uma olhada. Nem sombra do ruivo canceriano.

Pouco tempo depois, o celular da pequena de cabelos negros tocou.

- Alô. – ela viu que era ele.

- Oi... Rukia! – ele parecia ansioso pela voz. Talvez um pouco nervoso. – Eu... Eu queria pedir desculpas...

Ela inspirou e saiu do alcance de Mai.

- Desculpas pelo quê? – manteve-se indiferente.

Ele hesitou. Ia dizer o motivo? Ia mesmo cancelar tudo? Olhou para trás e viu Nell deitada na cama, pálida, fraca, sem nada no estômago, chamando seu nome incessantemente. Não era o pai da criança. Mas de algum modo, era a única pessoa que aquela garota irresponsável tinha para ampará-la.

- Rukia eu... – ele uniu as forças e a coragem. – Não vamos poder sair hoje... Talvez amanhã...

- O que aconteceu? – ela franziu as sobrancelhas. Estava genuinamente preocupada. Será que algo havia acontecido com a filhinha de Ichigo? Isso seria horrível! Seu coração doeu no peito.

- A Nell... – agora não tinha mais jeito. – Ela está passando mal desde ontem... – o telefone quase escorregava das mãos suadas. Se Rukia pudesse ver o olhar daquele naquele momento... – Ela não para de ter enjôos e nada para no estômago dela... Eu não posso deixá-la sozinha assim...

Rukia suspirou um pouco mais aliviada.                                        

- Bom... Menos mal... Eu estava achando que era uma coisa mais grave, quase morri de susto.

Ela estava MESMO preocupada?

- Ahh... – ele ficou sem fala.

- Olha... Dizem que é bom para enjôos comer coisa gelada. Melhora. Dá gelo ou picolé pra ela. Logo ela vai estar comendo de novo.

E ainda dando conselhos...

- O-obrigado Rukia... – o coração dele começou a espremer-se. – E... De verdade, me desculpe. A gente pode remarcar para amanhã...

- Tudo bem, Ichigo. De verdade, tudo bem. – ela assentiu. – Acho que a Nell precisa muito de você agora. Eu não sou uma criancinha, eu posso entender isso. A Nell e sua filha precisam de você. Esteja com elas. Não vou tolerar que as abandone por nada, ouviu?

Ele engoliu um daqueles nós enormes que pareciam estar cheios de agulhas.

- Ouvi. – disse quase sem forças.

- A gente se vê na segunda, Ichigo. – ela deixou bem claro que não queria remarcar o encontro. – Cuida direitinho delas.

- Certo. – agora era ele que sentia o estômago embrulhado. – Se cuida também...

Ela desligou.

- E então? Ele vai trazer quantos caminhões de rosas para se desculpar? – Mai cruzou os braços na expectativa do que a capricorniana ia dizer.

- Eu vou... – precisava mentir. – Eu vou encontrá-lo por lá. – andou até a porta. – Tchau Momo, comporte-se!

- Tchau Rukia-chan! Divirta-se!

E saiu antes de captar a expressão desconfiada da loira escorpiana.

 

****

 

Saiu pelas ruas sem nem conhecê-las assim tão bem. Agora ela entendia mais claramente. O destino era certeiro. Era objetivo quando queria dizer algo. Tudo que ele queria dizer naquele momento para ela era:

- Não há mais espaço para mim. – Rukia murmurava sozinha andando pelas calçadas.

Mesmo depois de ver aquela cena quando chegou de surpresa a Tóquio... Mesmo depois de olhar nos olhos dele, insistir por palavras e só conseguir seu silêncio... Mesmo depois de pensar, repensar e reconstruir a barreira de gelo no coração... Mesmo depois de tudo isso... Só continuava com toda aquela contradição no peito. Recusava-se a se afastar dele. Iludia-se dizendo a si mesma que, mesmo que não fosse mais por amor, um precisava do outro. Acreditava debilmente que o destino os uniu por algum propósito maior. E criava desculpas para si mesma para continuar sentindo aquele perfume... Para continuar olhando a cor daqueles olhos... Para continuar sentindo o calor e a fé que ele emanava de forma tão natural, quase sem perceber...

Foi a gota d’água. Talvez um dia ele também percebesse, mas... Tudo não passara de um sonho efêmero. E finalmente desapareceu. Dando lugar a realidade crua. E que eles teriam que aceitar de alguma forma.

Riu de si mesma quando percebeu que seus olhos estavam começando a pinicar. Passou a mão sobre eles com delicadeza. Olhou para o céu. Logo o sol ia começar a se pôr... A tarde ia acabar como se nunca tivesse existido.

Continuou andando. Ainda teriam outros caminhos que não aquele. Estava tendo um acesso de infantilidade por acaso? Sempre fora tão realista e madura... Aquilo não combinava com ela... Estava negando a dor como uma criança. Querendo voltar para o sonho e teimando que não havia mais outro jeito senão aquele. Hora de abandonar de vez a criança dentro de si. Acostumar com a dor. Encontrar um novo caminho dentro da realidade.

Quando a noite tivesse caído completamente, voltaria para casa.

 

****

 

A semana passou depressa. Rukia deu o seu melhor nos estudos, tanto que almoçava sozinha na sala de aula.

Ichigo percebeu que aquela mudança de atitude era reflexo do que acontecera no sábado. Conhecia aquela mulher muito bem, mesmo que não fizesse nem um ano que se viram pela primeira vez. Sabia que ela estava se mantendo longe somente para não atrapalhar. Ainda se sentia ferida e traída. Mas acima de tudo, queria o melhor para ele, para Nell e para a sua suposta filha.

Tinha vontade de rir e ao mesmo tempo de chorar. Como podia existir alguém assim? Como essa pessoa podia ser a sua alma gêmea? Como ela podia ser tão perfeita e imperfeita ao mesmo tempo? E por que diabos tinha que sofrer tanto por causa de um amor que já estava destinado?

- Rukia. – era sexta-feira e ele já estava cansado. Foi até ela mais uma vez. – Precisamos conversar. Sobre o Infernal-sama. – inventou. – Vem almoçar comigo hoje?

Ela hesitou, mas acabou aceitando.

- Certo.

Levantou-se e os dois foram juntos. Assim que se instalaram em uma mesa, Rukia foi a primeira a abrir a boca.

- E aí? Como está a Nell?

- O enjôo melhorou bastante. Obrigado pela dica. – ele respondeu.

Ela sorriu e voltou a olhar para a comida.

- Então, o que você queria dizer sobre o Infernal-sama?

Ela ainda evitava olhar para ele.

- A missão... Já passou uma semana, a gente tem que cumpri-la logo.

- A carta diz que devemos ir até lá. – ela disse. – Eu abri ontem.

- É... – ele assentiu. – Então... Posso te pegar que horas?

- Quando você puder. Só me liga e me dá um tempo de me arrumar.

Ele deixou cair os olhos.

- Certo.

Ficaram em silêncio. Mas ela parecia não se incomodar como ele.

- Rukia... Você está chateada comigo por causa de sábado, não é? Me desculpe, eu...

- Ichigo. – ela olhou séria pra ele. – Eu não estou. De verdade. – sorriu friamente. – Eu estava séria quando disse que queria você ao lado da Nell e da sua filha acima de tudo.

- Então por que está tão esquisita? Então por que não almoçamos mais juntos?! – ele estava começando a se exaltar. – Estou ficando cansado disso tudo!

Ela apertou as sobrancelhas.

- Não é hora de dar chilique, Ichigo. Cresce! – ralhou com ele. – Eu estive pensativa durante esses dias. Numa coisa minha. Estava tentando decidir o que fazer. Precisava de um tempo só meu.

Ele tentou se acalmar. Olhou agora intrigado para ela.

- O que? – perguntou com cautela.

Ela suspirou.

- Não sei se devo te contar. – balançou a cabeça.

- Eu pensei que ainda fossemos parceiros. – ele disse e lançou um olhar bem direto.

Ela não conseguiu desviar. Hesitou mais um pouco, mas com a insistência dos olhos dele, acabou soltando.

- Eu encontrei o meu ex em Kofu, Ichigo. – ela disse tentando não encará-lo tão profundamente. – E... E ele está em Tóquio agora.

Os olhos do ruivo quase pularam de susto.

- Como é que é? – mas mesmo assim ele manteve o cuidado ao perguntar. Não queria espantá-la, muito menos calá-la subitamente. Mas seu coração descompassado o estava quase matando.

- É... – ela desviou o olhar. – Parece ridículo... Parece até uma vingancinha... – riu nervosamente. – Mas é verdade. Ele apareceu do nada em Kofu atrás de mim... E agora está em Tóquio. Me ligou e pediu que eu pensasse em encontrá-lo.

O mundo parecia estar girando em câmera lenta para o canceriano. Ele só podia ouvir ao fundo as batidas fortes de seu coração. E perceber que lhe faltava o ar até para falar.

- E o que... – ele praticamente ofegou. – E o que você decidiu?

Ela olhou para ele por dois segundos. Mas aqueles pequenos segundos pareceram quase eternos para o ruivo. Tentou captar o máximo possível daquele azul. Mas quando finalmente pôde começar a compreendê-lo, ela tirou-o de seu alcance.

Então era assim que o destino gostava de brincar? Mandava a Nell. Mandava Rukia de surpresa. Mandava a mudez para não conseguir explicar-se. Mandava empecilhos. Mandava a fé que ela adquirira toda embora por mais algumas toneladas de ceticismo. Mandava agora o único outro homem que mexera com o coração dela. Num momento em que ele estava de cabeça para baixo.

Não sabia mais no que confiar.

- Eu decidi que... – ela disse devagar, escolhendo as palavras e quase matando o jovem com o suspense. – Eu decidi que eu vou encontrá-lo. – ergueu sutilmente o queixo.

- Mas Rukia... – ‘Você pertence a mim agora. Ao nosso elo. ’ Era o que ele queria falar. Mas não tinha nenhum direito. Se ela estava fazendo de vingança, por fuga ou por vontade própria... Não importava. Ele não tinha nenhum direito.

- Ele disse em Kofu que estava arrependido... E disposto a jogar fora o orgulho... – depois de correr os olhos pelas próprias mãos, voltou a olhar para ele. – Eu ainda não sei se posso acreditar nisso. Mas eu quero tentar. Ouvir o que ele tem a dizer. Afinal, isso me causou dor e... É importante para mim... Você sabe... Entender e compreender tudo.

- Sei... – ele disse. Mas cerrava os punhos com força. Queria segurá-la e não deixá-la sair do alcance de sua vista de jeito nenhum.

- Vamos nos encontrar hoje. – ela disse e quase fez o jovem cair da cadeira. – Deseje-me sorte.

Ele comprimiu os lábios e fez uma careta. Não era bom em disfarçar o que sentia. Estava em sua cara, sabia, que não ia desejar sorte porra nenhuma. Que sua vontade mais era de jogar aquela mesa pro alto e gritar até perder as forças. Dizer que ela não ia a lugar nenhum.

- Eu não quero te desejar sorte. – estava enfurecido. Ela não podia traí-lo. Ele não podia obrigá-la. Oficialmente eles não tinham nada, mas... Ele nunca havia quebrado aquela promessa com o destino. Nunca. Mesmo que ela pensasse que sim. Por que ela não podia acreditar nos seus olhos de uma vez?

Rukia ficou espantada com a frase tão sincera dele.

- Oh, nossa... – ela nem sabia como agir. Nem com ironia que era sua especialidade. – Foi você que insistiu para saber afinal. – tirou os olhos dele.

- Eu nunca te traí. – ele disse contendo a raiva na voz.

Ela voltou a olhar para ele inevitavelmente.

- Eu também nunca te traí, Ichigo! – quase gritou na defensiva. – E nem pretendo.

- Mas esse cara...

- Ichigo... Eu e você somos [i] amigos [/i]. Certo? Cúmplices. Nada mais.

Ele não ia agüentar mais. Ao contrário dela, não conseguia ser frio. Levantou e bateu as mãos na mesa.

- A gente se vê no sábado.

E saiu batendo pé como uma criança que ele sempre fora. Mas havia mais do que apenas infantilidade naquela atitude.

Rukia afundou-se na cadeira ainda com os olhos arregalados. Admirava mesmo como ele conseguia ser transparente, simples e sincero. E como ele podia continuar insistindo que nunca a havia traído. Como se ele fosse a vítima da situação.

Levantou-se também. Não tinha mais apetite.

 

 

 

Continua...


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