Céu escrita por Liminne


Capítulo 5
Capítulo 5 – Sob o mesmo céu [não está equivocado]




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O resto da semana se arrastou preguiçosamente. Esperar pelo sábado foi como esperar por um precioso feriado, uma viagem marcada. Mesmo que seus dias não tivessem sido tão pacíficos e morosos. Não para a baixinha de olhos azuis. Parecia que alguma força divina não gostava de vê-la parada.
Na quinta-feira, foi à faculdade pela segunda vez e no meio da primeira aula recebeu um telefonema.
- Rukia-chan! – ouviu o gemido do outro lado da linha. – Você está muito ocupada? – sua voz estava mole como se tivesse acabado de acordar, mas continha uma ponta de urgência lá no fundo. Mas sabia que não se tratava de sono. Ela nem tinha dormido em casa na noite anterior.
- É claro que estou muito ocupada! – retrucou num sussurro, colando o celular no ouvido e fazendo uma concha com a mão para que a voz circulasse apenas por aquele espaço. – Estou estudando!
- Ahhhh... – prolongou demais a interjeição, beirando um bocejo. Mas conhecia aquele tipo de voz. – Eu sinto muito... Mas será que podia me fazer um favor?
- Que favor? – continuou falando baixinho para ela, já impaciente com aquela conversa.
- Busca a Momo no colégio... – arrastou as palavras toda molenga. – Ela está passando mal... Parece que está com febre...
- O quê!? – não pôde evitar falar um pouco mais alto. Olhou espantada ao redor, mas ninguém percebeu sua agitação. Tinham outras pessoas conversando ao seu lado, a projeção de voz do professor era bem alta e muitos alunos estavam tão ligados
em seus Ipods que não ligariam se o teto caísse fazendo estrondo. – E por que é que você não vai pegá-la? Onde é que você está? – recorreu àquele seu tom de bronca.
- Ahh Rukia-chan... – soltou um risinho. – Você que é médica, você sabe o que fazer... – riu de novo. – E eu... Bem... Não estou
em condições... A festa ainda ta bombando, sabe?
Quase deixou o queixo cair. Como ela podia ser tão... Irresponsável?
Segurou o celular com mais força, era a indignação, e num suspiro empertigado só restou-lhe dizer:

- Deixa comigo.
E desligou. Afinal, era perda de tempo discutir com uma bêbada.
Levantou-se da sua carteira e foi caminhando com a cabeça fervendo até a porta. Quando passou por uma fileira mais à frente, porém, seu braço foi segurado.
- Querida, aonde vai? – era aquela garota loira do outro dia, os olhos pequenos e escuros opacos a encarando indecifravelmente, os cílios piscando brilhantes de rímel, os lábios formando um sorrisinho simpático.
- A minha companheira de quarto está doente... Eu vou ao colégio dela buscá-la... – respondeu em tom de desculpas.
- Oh, que gracinha! – lançou um olhar significativo para a amiga de cabelos cor-de-rosa que estava ao lado dela. – Ela vai deixar a aula para cuidar da amiguinha doente! Com certeza vai ser uma excelente médica. – sorriu de novo para Rukia, toda doce.
- Ah... Obrigada. – respondeu meio sem jeito. – Bem... Eu preciso ir... – abaixou a cabeça, de novo como se pedisse desculpas.
- Não, não! – Mai censurou. – Não quero que vá preocupada, Rukia-chan. Por ver o quão bondosa está sendo, fico comovida! Vou copiar as matérias pra você, a Fuu vai me ajudar, não é Fuu? – piscou pra amiga.
- Oh, claro! – a outra sorriu se remexendo na cadeira.
- Puxa... É muita gentileza... Não precisa... – a pequena de cabelos pretos estava tocada. Nem todas as pessoas da cidade grande eram tão cruéis assim, afinal.
- Ah, eu faço questão! – a loira colocou as mãos em cima de um caderno com capa de coelhinhos que Rukia segurava. – Em troca você me diz onde comprou esse vestido lindo e está tudo certo. – sorriu de novo como se já fossem velhas amigas.
Olhou para o simples vestido azul franzidinho abaixo do peito com fitinhas roxas e depois para a garota brilhando com sua tomara-que-caia rosa de bolinhas e a elegante saia preta que caía com classe e leveza sobre suas pernas e estranhou um pouco. Mas sentiu-se lisonjeada.

- Ahn... Na verdade foi um presente que os alunos do meu pai me deram de aniversário esse ano. – sorriu orgulhosa de terem elogiado o presente que lhe deram com carinho.
- Ah... Entendo... – torceu levemente o nariz empinado. – Bom, mesmo assim eu vou copiar a matéria pra você. – se apossou do caderno. – Agora vá tranqüila, Rukia-chan! Ainda queremos almoçar com você! – acenou pequenamente.
- Muito obrigada mesmo. Vocês são muito gentis. – abaixou a cabeça em agradecimento e saiu da sala bem mais aliviada.
Celeste-sama tinha razão... Andava tendo muita sorte!
Não muito distante daquela conversa, certo ruivo abanava a cabeça frustrado. De certa forma estava com pena da pobre prodígio de ter caído tão fácil na lábia de Mai. Daqui a pouco tempo ia se tornar mais uma de suas escravas idiotas.

Depois que saiu dali, Rukia não perdeu tempo
em pegar Momo no colégio. Viu a garota vermelha, queimando como se tivesse exposto a pele a um sol fortíssimo de verão, os olhos marejados e baixos, sonolentos.
- Rukia-chan... – murmurou mais mole que Rangiku ao telefone ao ver a pequena. – Que bom que você veio...
E o sorrisinho que ela se esforçou em abrir cortou o coração da capricorniana que odiava injustiças, que odiava ver os outros sofrerem.

****

Levou Momo ao médico imediatamente. Seu sangue fervia de ressentimento de Rangiku... Como ela podia fazer uma crueldade dessas? Ela que era responsável pela menina afinal de contas! Então toda vez que ela ficava doente era assim?
O médico constatou uma forte inflamação no ouvido. Receitou os remédios e disse que Momo tinha que cuidar melhor da otite, pois já tinha um histórico da doença desde muito pequena. E as coisas pareciam ter piorado.
Rukia imaginou o porquê, mas resolveu assumir tudo de uma vez. Se deixasse do jeito que estava, a inflamação só ia piorar e ninguém ia fazer nada por isso. A mãe estava voando em algum lugar por aí. E a prima não estava muito longe de estar fazendo o mesmo.
Foi então à farmácia e comprou todos os remédios.

Leu e releu o que o médico escreveu na receita. Ela precisava repousar por causa da febre. Parecia estar ficando resfriada também.
Chegaram em casa e Momo foi direto para a cama.
- Rukia-chan... – resmungou afundando entre os cobertores quentinhos. – Pode voltar para a sua aula... Não se preocupe comigo!
- De jeito nenhum! – respondeu mergulhando um paninho numa vasilha d’água morna. – Você está péssima e não pode ficar sozinha! Por causa da febre vai dormir bastante e quem vai lembrar-se de colocar o remédio no seu ouvido? Fora que está ficando resfriada, vai ter que se alimentar melhor. – disse séria, mas num tom gentil e protetor. Colocou delicadamente a compressa na testa da menina e ficou olhando-a preocupada.
- Rukia-chan... – resmungou de novo, os olhos semicerrados e tão úmidos quanto o pano que tinha da testa. – Obrigada... Você é muito gentil, está sendo como uma mãe pra mim... Uma mãe que eu nunca tive... – sorriu e fechou finalmente os olhos, deixando uma gotinha escorrer pela lateral do rosto. Não se sabia se a compressa estava molhada demais. Não se sabia se eram seus olhos exprimindo o coração.
Mordeu o lábio inferior e segurou a mão quente da menina.
- Não é nada demais... – sorriu ternamente, mas a garotinha já tinha pegado no sono.

****

A quinta e a sexta-feira se passaram assim. Nada de Rangiku aparecer. E Momo tendo febre e dores e sendo cuidada por Rukia do jeito que as coisas deveriam ser desde que assumira a responsabilidade.
Tentava contatar a loira peituda pelo celular, mas ela nunca atendia. Quando Momo estava acordada, assistiam a filmes ou liam um pouco dos mangás de Rukia... Ou ficavam desenhando juntas. Numa hora dessas em que dividiam cadernos e canetinhas, a garotinha deixou escapar que Rangiku havia recebido um telefonema estranho durante a consulta de Rukia com Celeste-sama e desde então estava esquisita. Disse também que sempre que ela ficava profundamente deprimida, extravasava na bebida e nas festas.

Alguma coisa estava acontecendo. Mas Rukia ainda assim não achava justo deixar Momo doente sozinha por conta do que quer que fosse. Ela não estava responsável pela garota, afinal!?

Até que amanheceu o sábado. Momo alegou pela manhã estar se sentindo bem melhor, embora os cuidados não tivessem que ser dispensados por conta de uma possível recaída.
Quando as duas terminaram de assistir a um filme meloso na TV, os olhos de Rukia caíram sobre o relógio que ficava na mesinha de cabeceira de Momo. Eram cinco horas.
- Rukia-chan... – a garotinha percebeu tudo. Vinha pensando naquilo desde cedo. – Não se preocupe comigo. Já estou bem melhor. Pode ir ao seu encontro, eu vou ficar bem. – sorriu tentando passar segurança.
- Não Momo, não diga besteiras! – Rukia ralhou enrugando as sobrancelhas. – Não vou deixar você para ir a um encontro idiota!
Fez-se então um silêncio entre as duas. Momo soprava a franja para cima sentindo-se derrotada, pensando em como convencer a pessoa que fora tão gentil consigo desde que a conhecera a aproveitar uma boa chance. Sentiria-se muito culpada por tê-la atrapalhado.
Rukia alternava os olhares entre o relógio e a caixinha branca que estava logo ao lado. Por que estava sentindo aquilo tão pinicante no peito? Aquela inquietação nas pernas? Aquela frustração crescendo como uma bola de neve que vai rolando...
- Rukia-chan... – Momo resolveu tentar de novo. – Vou me sentir realmente mal se não for. Vou me sentir muito culpada... – agarrou o braço da amiga e fitou-a intensamente nos olhos tentando persuadi-la. Lágrimas quase brotavam... Em parte por sentir-se mal em estar no caminho... Em outra parte, por estar sendo realmente importante para alguém pela primeira vez.
- Não posso ir. – afastou o olhar azul do castanho melado dela. – Não posso.
- Rukia-chan! – gemeu puxando o braço da coitada pra cima e pra baixo. – Por favooor! Olha, estou muito agradecida por tudo, mas juro que já estou melhor! Eu jurooo! – continuava chacoalhando sua protetora.

- Momo, pare com isso! – riu, não podia deixar de fazê-lo.
- Ótimo. – parou e levantou-se da cama num pulo. – Então vou separar a roupa que você comprou com a prima e você vai tomar um banho, ta?
- Momo, eu não...
- Isso, isso, muito bem! – foi empurrando a baixinha até a porta do banheiro. – Vá logo porque a hora voa!
A pequena, porém continuou parada na porta olhando para ela, um misto de ternura e preocupação.
- Eu prometo que vou te ligar se acontecer alguma coisa. – entendendo a mensagem, a garota de cabelos castanhos garantiu solenemente.
- Eu nunca mais te empresto nenhum coelhinho meu se você estiver mentindo, hein! – balançou o dedo indicador para ela com o olhar mais sério do que combinava com aquela ameaça.
- Certo! – bateu continência e sorriu exultante quando a porta se fechou.

****

- Pronto. Acho que está bom. – assentiu para o espelho e foi caminhando para a porta. Mas hesitou. Parou. Deu meia volta e retornou ao espelho, examinando pela milésima vez seu reflexo. – O que eu estou fazendo? – resmungou para a própria imagem refletida. – Desde quando me importei tanto com aparências? – desviou os olhos do seu “eu” de lado contrário e pôs-se a ajeitar a calça jeans só como pretexto para não sair por aquela porta. Sabia o que significava.
Apertou no braço aquele bracelete estúpido. Por que diabos tinham feito um símbolo tão feminino?

“Acha mesmo que uma garota decente sairia com um fracassado como você? Por favor! Cresça primeiro, faça-se presente como um homem!”

Aquela frase não saía de sua cabeça desde que ouvira. E aquele olhar cheio de desprezo... E os risos ao redor... E o jeito como não conseguiu se defender e saiu dali como um verdadeiro fracassado que era. Como o verdadeiro garotinho que não tinha crescido apesar da idade. Como um caranguejo se escondendo na própria carapaça. Um caranguejo se escondendo na própria carapaça. Era isso que era até hoje.

- Chega disso... – murmurou baixinho para si mesmo, os punhos apertados. – Chega disso. – e de uma vez, atravessou aquela porta, deixando que a adrenalina começasse a se derramar por todo o seu corpo provocando-lhe arrepios de nervoso, deixando que o coração batesse mais rápido do que podia respirar, mas seguindo em frente.

Ao chegar ao último degrau da escada, porém, deu de cara com quem não queria. Aquele ser de cabelos pretos e barba, jaleco branco por cima da camisa vermelha florida. Seu pai.
- Ichigo! – o velho abriu um sorriso luminoso. – Está usando um perfume novo, onde está indo, hã? – levantou as sobrancelhas grossas e escuras para o filho fazendo aquela cara maliciosa que o ruivo tanto odiava.
- Não interessa. – respondeu ríspido como de praxe, tomando o cuidado de cobrir o bracelete com a outra mão. Ele não podia ver aquilo de jeito nenhum. Pelo menos por enquanto, não podia saber! – Vou só dar uma volta. – e passou pelo pai o mais rápido que conseguiu, chegando trêmulo até a porta principal e saindo por ela sem dar-se tempo de ao menos pensar.
Isshin sorriu para a porta se batendo. Os olhos brilhavam satisfeitos. Será que tinha visto mesmo o que achava que viu?
Aquilo lhe fez lembrar um Ichigo adolescendo. Um Ichigo descobrindo os sentimentos. Um Ichigo curioso fazendo-lhe uma última pergunta, uma rara comunicação...

****

Andava pelas ruas quase se desequilibrando mesmo estando sem saltos. Os joelhos tremiam, era uma sensação muito desagradável de descontrole. Desde quando o coração tinha tomado aquele ritmo louco, parecendo um baterista sem limites? De repente aquelas perguntas, aqueles pensamentos e ponderações que tentara enterrar nesse meio tempo começaram a brotar novamente, parecendo ainda mais fortes e petulantes.
E se ele fosse um criminoso como a alma gêmea de Rangiku? E se fosse tudo uma fachada? E se estivesse perdendo seu tempo com algo que nunca ia dar certo? E se fosse se machucar mais tarde?

Isso com certeza atrapalharia seu desempenho nos estudos assim como aconteceu no ano anterior... Estava de novo tirando seu objetivo principal de foco? O que seus pais pensariam disso? E se esse lance de almas gêmeas realmente... Realmente existisse?
Continuou caminhando mesmo com os pensamentos fervendo e se multiplicando irritantes.
A brisa de primavera soprava seu vestido branco graciosamente. Sentiu um arrepio do pescoço até os ombros nus – por causa das mangas caídas – e encolheu-se. As borboletinhas pequenas e azuis espalhadas espaçadamente pelo tecido leve do vestido pareciam querer voar junto com o vento. Combinavam com os olhos azuis da jovem. Estava simples e linda. Mas ainda sentia-se insegura...
Estava vendo o restaurante aproximar-se a cada passo. Era uma sensação apavorante. De repente queria ser uma daquelas delicadas borboletas... Sentir-se carregada pelo vento. Abrir as asas e batê-las para longe dali. Mas continuava andando. Um pé na frente do outro. Não faltavam mais de dez passos para que entrasse no estabelecimento e não pudesse mais fugir.

****

Estava esquentando a comida que Rukia deixara pronta na cozinha quando ouviu batidas na porta. Parou o que estava fazendo com um arquear de sobrancelhas. Será que era Rangiku, finalmente voltando para casa, tão bêbada que tinha perdido as chaves?
Foi então até a porta e abriu-a um pouquinho, espiando só com os olhos castanhos.
- Sou eu, Hinamori. – a voz dele, já bastante grave para um menino tão novinho – e tão baixinho, diga-se de passagem – entrou pela brechinha da porta fazendo-a sorrir.
- Shiro-chan! – abriu a porta animada e receptiva. – Que bom vê-lo aqui!
O menino de cabelos brancos e rebeldes corou levemente. Os olhos verdes azulados espiavam disfarçadamente a menina a sua frente. Estava vestindo pijamas cor-de-rosa estampados de coraçõezinhos. Calçava pantufas brancas. Os cabelos castanhos caíam sobre os ombros, era raro vê-los soltos... E não entendia o porquê... Eram tão lindos... E brilhantes...

E tinham aquele cheirinho gostoso de xampu de alguma fruta doce...
- Ah... – ela corou também. – Estou de pijamas... – olhou para baixo, encabulada. – Me desculpe, não sabia que viria... – coçou a bochecha desviando os olhos numa expressão ainda mais doce do que o cheiro de seu cabelo.
Teve que se segurar para não sorrir. Ao invés disso, foi dizendo:
- Já disse para parar de me chamar de Shiro-chan. Eu já estou na faculdade afinal. – fechou a cara. – E até parece que eu vou realmente me importar com o que você está vestindo!
Riu. Era costumeiro dele falar daquele jeito.

****

Já tinha uns quinze minutos que estava sentada naquela mesa. Aquela mesinha de canto, perto da grande janela que dava para um bonito jardim com grama, flores e um charmoso riacho cercado de pequenas pedras. Era um restaurante muito bonito. Em estilo ocidental, com mesas forradas de vermelho e até música bem suave. Alguns casais dançavam entrosados e envoltos por uma aura linda de romantismo.
Suspirou. No papelzinho que recebera de Celeste-sama, havia uma sugestão para que dançasse com sua suposta alma gêmea também... Mas se continuasse do jeito que estava não ia nem ver a tal da pessoa.
Uma voz dentro de sua mente começava a dizer que nunca devia ter dado ouvidos a uma maluca que ficava dias fora de casa bêbada. E muito menos a um surtado de uma loja de doces que se dizia um guru dos romances, mas parecia ser na verdade um comerciante e ficar brincando com a cara das pessoas nas horas vagas... Nem mesmo mostrava o rosto inteiro! Devia desde o começo ter confiado na sua intuição.
Remexeu-se irritada na cadeira. Mais um minuto e cairia fora dali, jogaria aquele bracelete idiota no rio mais próximo e esqueceria aquela loucura para sempre.
Até que, despertando de sua distração reparou uma mão masculina segurando a cadeira que estava a sua frente. E o coração quase parou. E sua respiração quase cessou.

Foi subindo os olhos devagar, com um sentimento esmagador subindo de seu estômago para seu peito, massacrante, receoso, detalhadamente indescritível.
- Ei! Onde está sua irmã? – a voz dele despejou.
Nem tinha chegado ao seu rosto ainda. Havia parado no peito, na camisa vermelha.
Mas ei... Tinha alguma coisa muito errada naquela frase.
Finalmente subiu os olhos pelo caminho que faltava e o encarou.
Aqueles cabelos laranja... Aqueles olhos castanhos debaixo daquelas sobrancelhas sempre franzidas de modo irritante... Ou de modo irritado... Não podia acreditar... Não podia...
- Como assim minha irmã? – perguntou levantando-se instintivamente, segurando a borda da mesa com força. – E o que é que você está fazendo aqui?
- Eu é que pergunto o que você está fazendo aqui! – elevou a voz empertigado, o rosto todo se retorcendo azedo – Por acaso a sua irmã não pôde vir?
- Que irmã!? – estava quase gritando, olhares e cabeças já giravam para a direção dos dois. – Eu não tenho irmã! – o coração batia tão forte que a estava deixando tonta.
- Então saia dessa mesa! – bradou ríspido. – Ela está reservada para mim e para a minha... – de repente a certeza e agressividade começaram a evaporar-se... – Para a minha... – as palavras, assim como o ar, começavam a faltar-lhe. Tudo por causa daquele bracelete...
Sentiu um choque por todo o corpo ao olhar para o braço dele. Então era ele. Era ele ... Mas como... Como assim?
Sentou-se a frente dela. Melhor dizendo, praticamente desabou em cima da cadeira. Não ousava encará-la de novo. Apenas ofegava com os olhos dez vezes maiores, estáticos, pregados na própria calça, o rosto apoiado pela mão.
Voltou a sentar-se também. Bebeu um pouco da água que pedira anteriormente. Tentava acalmar o peito conturbado... Tentava fazer a mente voltar ao normal... Tentava acima de tudo, acordar daquela confusão, daquele pesadelo.

*****

- Entre! – a garota convidou abrindo mais a porta e indicando a casa adentro. – Fique à vontade, Shiro... Er... Hitsugaya-kun. – sorriu.

- Hun... – estava claramente sem jeito pelo modo como seus olhos mantinham-se longe dos dela e o rosto parecia ainda mais contraído. – Obrigado.
Entraram os dois. O garoto com as mãos para trás, parecendo esconder algo.
- Shiro-chan... – os olhinhos de Momo brilharam. – O que está escondendo atrás de você, hein? – inclinou o corpo para espiar.
- E-eu? – as bochechas avermelharam-se avidamente. – Não estou escondendo nada!
- Está sim! – correu até as costas dele e pôde ver o embrulho cor-de-rosa. – Ahh! Shiro-chan me trouxe um presente! – saltitou empolgada.
- Não me chame de Shiro-chan! – repetiu a bronca de sempre mais para disfarçar a vergonha do que para fazê-la parar. Pelo menos dessa vez. – Toma. Já que isso te faz tão feliz... – cruzou os braços emburrado assim que ela arrancou de suas mãos o embrulho.
- Ahh, o que será o que será? – cantarolava. Em poucos segundos revelou o presente. Os olhos cintilaram, as sobrancelhas apertaram-se levemente numa expressão afável e ela sorriu. – Oh, Shiro-chan... Que coisa mais linda... – ergueu acima da cabeça o ursinho de pelúcia que segurava um pequeno buquê de flores de pêssego. – Obrigada... Muito obrigada... – abraçou o ursinho feliz da vida.
- Hunf! Não precisa fazer esse escândalo todo... – o garoto tentava não ficar fixado no rosto tão alegre dela. – É só um presentinho para levantar seu ânimo já que estava doente... Mas vejo que já está bem melhor, não é?
- Estou sim. – assentiu com a cabeça sem tirar o sorriso contente dos lábios. Uma imagem que já estava deixando o garotinho prodígio impaciente, palpitante demais para seu gosto. – Graças a Rukia-chan e a você.
- Eu... Não fiz nada... – desviou de novo o olhar, encostou-se na parede com os braços ainda cruzados em cima do peito.
- Sabe... A Rukia-chan teve que sair... – fez um beicinho. – Então fiquei muito feliz que tenha vindo me fazer companhia. Principalmente porque a Rukia-chan deixou janta pronta e é muito chato comer sozinha.

Que tal comermos os três juntos? – voltou a sorrir reluzindo pela idéia.
- Nós três? – o garoto voltou o olhar azulado para ela um tanto confuso.
- É. Eu, você e o Shiro-chan! – estendeu-lhe o ursinho. – A ele eu vou poder chamar assim, não vou?
Hesitou. Agora a estava encarando. Só rezava para que ela não percebesse que estava corando... Só torcia para que ela não percebesse que quase deixava um sorrisinho escapar pelo canto dos lábios.
- Pode Hinamori. Pode. – assentiu fechando os olhos.
- Ótimo! – bateu palmas alegre. – Agora pode sentar que eu vou servir nosso jantar!

****

O silêncio já estava ficando incômodo. Devia ter uns cinco minutos que não diziam nada, apenas suspiravam e mergulhavam mais fundo em seus pensamentos individuais.

“O que faço agora? O que faço? Essa é a minha alma gêmea afinal. Celeste-sama não erraria... O que eu faço agora?” – o ruivo pensava.
Levantou os olhos devagar para a garota que estava sentada à sua frente, olhando fixamente para a janela ao lado, os olhos tão grandes transbordando desapontamento.
Era ela afinal. Era ela, não tinha como correr dali.
Aquela era a Ukitake Rukia. A viciada
em coelhos. A que gostava de branco e azul. E se reparasse bem, era nessas cores que estava vestida.
Era ela. A capricorniana vinda de Kofu. Que gostava de observar as estrelas e de lugares altos. Que odiava infantilidades e roupas apertadas.
E agora podia ver... A sua colega de curso na universidade. A baixinha que julgou não passar de uma criança. A mulher que possuía olhos tão azuis e tão expressivos... A sua... A sua...
- Estou indo embora. Com licença. – de repente, como se o teto caísse sobre uma casa aparentemente quieta e perfeitamente projetada, ela levantou-se, pronta para dar um basta naquela humilhação idiota.
O que causou o desespero dele. Não podia deixar. Não podia assisti-la cruzando seu caminho e indo embora como se nunca tivesse aparecido. Alguma coisa em seu coração pulsava desesperada a dizer-lhe que não a deixasse.

Fosse quem fosse. Ela ainda tinha aquele bracelete. Ela ainda possuía aqueles olhos...
- Não! – de repente, antes que tudo pudesse desabar naquela casa perfeita, segurou o teto. Agarrou o braço fino dela dando a volta neste com sua mão.
Olhou espantada para ele. Que reação era aquela? Por que ele estava fazendo aquilo? Por que estava segurando seu braço com aquela força tão verdadeira? Com aquele calor?
Mergulhado agora nos olhos dela, o coração começava a disparar como uma metralhadora. As bochechas queimavam. As pernas queriam vacilar. Mas não a mão que a segurava. De jeito nenhum. Queriam ainda mais que ela ficasse. A cada segundo que se perdia naquele azul.
- Por favor... – antes que pudesse se controlar estava dizendo. – Fique Rukia. Fique.

Continua...


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