Céu escrita por Liminne


Capítulo 37
Capítulo 34 – Poder [estanque]




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O trajeto de carro estava silencioso. De vez em quando Ichigo dava umas olhadas na sua parceira sentada no banco ao lado. Não era a mesma. Não parecia a mesma. Mas de qualquer modo seria uma espécie de restauradora de orgulho ao ser apresentada para a sua família. Isso com certeza.
- Parece uma espécie de Rukia ao contrário. – ele abriu a boca de repente, deixando escapar um sorrisinho.
Ela olhou para ele com os olhos diminuídos.
- Totalmente. Nunca pensei em ser loira... E nem usar um vestido desse tamanho! – puxou o vestido para baixo com as bochechas rosadas. – Isso nem é um vestido de verdade. – disse baixinho, fitando a blusa propositalmente comprida de Mai que lhe serviu mesmo como um vestido.
- Está... Com raiva de mim? – ele perguntou hesitante, mas sorrindo para a direção. Não estava com medo da resposta positiva, pelo contrário!
- Não. – ela o contrariou sem dó. – Já disse que depois da minha vingança, não estou mais com raiva de você. – olhou venenosa para ele. – E afinal, eu só estou te ajudando a consertar sua imagem
em casa. Eu gosto de fazer caridade.
Ele apertou o volante e os lábios com força.
Ela riu.
- Não adianta Ichigo. Eu sempre ganho.
Maldita! Ela ia ver só!
Estacionou o carro e os dois saíram caminhando até a entrada da casa.

****

- Cheguei! – o ruivo anunciou da porta. Rukia estava logo atrás.
- Onii-chan! – Yuzu apareceu sorrindo. – Estou fazendo o jan... – percebeu a figura falsamente loira entrando logo em seguida. -... tar... – sua boca se abriu exageradamente. Seus olhos tomaram um brilho intenso assim como as bochechas incandescentes.
- Olá! – Rukia cumprimentou sorrindo, parecendo até bastante natural para alguém que interpretava um outro papel. – Ah, Ichigo. – caprichou na vozinha melosa e agarrou o braço do ruivo. – Essa deve ser a sua irmãzinha. – depois de uma olhada cheia de piscadas para o seu cúmplice, voltou o olhar para a loirinha boquiaberta.

- Bom trabalho, Rukia. – Ichigo cochichou aprovando.
- O-olá... – Yuzu estava confusa, totalmente aparvalhada. – Onii-chan... Nã-não vai... Não vai apresentá-la? – a surpresa e a curiosidade se acotovelavam para sair em grandes quantidades pelos poros da garota. Seu olhar estava fixo e imóvel sobre a loira de vestido vermelho.
- Eu ouvi uma voz diferente, eu ouviiii! – Isshin apareceu cantarolando.
Nesse momento, Ichigo deu um passo para trás. Quase desistindo da própria idéia para se engrandecer. Afinal, não sabia o que seu pai era capaz de fazer ou falar. Mas Rukia continuava agarrada ao seu braço. E pelo modo como estrelas de todos os tamanhos apareceram brilhando nos olhos daquele velho barbudo, o ruivinho assegurou-se de que tudo daria certo. Afinal, naquela pesquisa maldita do Infernal-sama, Rukia já tinha visto e ouvido tudo que precisava ouvir de perigoso e vergonhoso. Não tinha mais o que temer. Levantou o queixo. Antes que seu pai pudesse gritar qualquer coisa, foi dizendo:
- Essa é a... Tsuki. – inventou e as bochechas coraram. Levou a mão à nuca, como sempre fazia quando estava nervoso. – Ela é uma colega da faculdade e... E veio para estudarmos juntos. – concluiu forçando o maxilar, tentando parecer o mais confiante e convincente possível.
- Prazer. – Rukia, sob seu novo pseudônimo de Tsuki, fez uma reverência educada e sorriu para os dois já conhecidos. – Espero não estar incomodando. Mas o Moranguinho-kun foi tão amável deixando que eu viesse! – agarrou-se mais ao braço do ruivo e encharcou a voz de mel.
Moranguinho-kun.
Ichigo cerrou um punho. Ela não ia aproveitar a situação para tirar uma com a sua cara, ia?

- Ohhh, mas é claro que não está incomodando! – Isshin quase dançava pela sala, incapaz de segurar seus ímpetos de felicidade. – Estude com o Ichigo! E jante conosco, tem sempre espaço para mais um não é, Yuzu? – cutucou a filha que ainda estava imóvel. – Ah... – aproximou-se indiscretamente de Rukia e cochichou para quem quisesse ouvir. – E se quiser dormir aqui, o Ichigo tem uma cama de casal, ahn? – piscou cheio de intenções maldosas.
- Ah. – Rukia sorriu fingindo encanto com a idéia. – Seria maravilhoso! – cochichou de volta.
- AI MEU DEUS! – Isshin saiu correndo e quase explodiu no meio da sala, jogando os braços pra cima como se agradecesse aos céus por aquele dia.
- Bom, é melhor a gente parar de perder tempo e ir logo estudar. – Ichigo já começava a tremer com as coisas que seu pai falava. E mais ainda com o jeito como aquela... Aquela maldita respondia! Ela tinha feito curso de teatro por acaso?
- Podemos estudar no seu quarto, Moranguinho-kuun? – Rukia piscou os olhos cheios de rímel de novo, toda manhosa. Mas logo em seguida da pergunta, lançou um olhar sério para o mesmo, obrigando-o a responder que não.
- Ahn... – ele ficou meio perdido. – Vamos estudar aqui na sala mesmo. – foi arrumando os livros em cima da mesa tomando cuidado para as mãos trêmulas não derrubarem tudo. Sabia que aquilo tudo era uma farsa então por que é que estava tão nervoso? – E vocês! – apontou para Yuzu e Isshin. – Deixem a gente em paz, ouviram?
É claro que ele quis provocar o efeito contrário com aquela ameaça. Sabia exatamente como eles se comportavam e quais eram suas reações diante de qualquer situação.
- C-claro! – Yuzu finalmente despertou do transe. – Eu vou lá terminar o jantar. - sorriu. – Se precisar de qualquer coisa, Tsuki-san, não hesite em pedir!
- Obrigada! – Rukia sorriu.
- Mi casa, su casa! – Isshin fez uma referência cheia de floreios para a loira de olhos azuis.
Rukia ficou rindo até que os dois se afastassem para a cozinha.

Quando começaram a ouvir o movimento das facas e panelas, o ruivo soltou um suspiro gigante e quase desmoronou em cima do livro.
- E então? – Rukia olhou para ele com seus olhos muito maquiados. – Satisfeito? – agora sua voz era a de sempre, tão firme e amarga. Alguma coisa tinha sugado todo aquele mel. – Fiz um ótimo trabalho, agora posso inventar uma dor de barriga e ir pra casa, né?
- Claro que não! – Ichigo desesperou-se. – E vê se fala baixo! – olhou para os lados e começou a sussurrar. – Eu os mandei embora, mas certamente vão fazer o contrário. Eles vão ficar espiando a gente, tenha certeza!
- E o que mais você quer que eu faça? – agora ela também estava sussurrando e virando os olhos pra lá e pra cá, esperando perceber os espiões em ação. – Eu já vou avisando que não dou beijo técnico!
- Você tá se achando a atriz de Hollywood né? – ele diminuiu os olhos para ela implicante. – Só por causa desse cabelo loiro aí!
- O que foi? – ela sorriu agora para provocá-lo. – Eu to parecendo uma, é? Ou você não gostou? – mexeu na franjinha da peruca.
- Deixa de ser besta, garota. – ele emburrou. – Não é que eu não tenha gostado... Mas eu prefiro sem a peruca... – ficou pensando no que disse. Olhou para os olhos azuis brilhantes e verdadeiros dela fitando-o. Corou violentamente. – Mas de qualquer maneira, não parece nada com uma atriz de Hollywood! – fez uma careta para disfarçar. – Tem que crescer muito pra isso, tampinha!
Ouviram um barulho. Uma risadinha abafada. Arregalaram os olhos um para o outro. Estavam sendo espionados.
- Ahh Moranguinho-kuun! – rapidamente a voz dela voltou àquele tom pegajoso e ela se aproximou dele roçando o rosto em seu braço. – Me ensina direito. Eu não consigo entender isso... – apontou para alguma coisa aleatória no livro aberto.
- Okay, vamos de novo. – Ichigo tentava dar seu melhor parecendo concentrado e tentando não vacilar diante da proximidade dela. – Temos que raciocinar por partes...

Enquanto ele arengava sobre alguma coisa que Rukia estava cansada de saber, ela continuava atuando. Tinha que cumprir com o combinado, certo? E eles estavam sendo espionados!
Largou então o braço do canceriano e apoiou o cotovelo na mesa e o rosto na mão, fitando-o profundamente enquanto explicava para o nada.
-... Entendeu? – ele olhou para ela. E então percebeu que ela estava ali sorrindo para ele, em estado de contemplação. – Você estava prestando atenção?
- Claro... – a voz dela continuava miando. – Estava prestando atenção na sua voz tão grave... E nos seus olhos tão inteligentes... – riu de leve. - Vai ser um médico tão sexy...
Então o ruivo transformou-se no próprio morango. Tão vermelho quanto um. E paralisado. Não... Morangos não têm dois olhos escancarados daquele jeito.
Alheia ao coração de Ichigo que pulava como se estivesse numa cama elástica, a branquinha dos olhos azuis continuava na mesma posição, com o mesmo sorriso, com aquele olhar...
Naquele silêncio então, puderam ouvir o ofegar de duas pessoas surpresas e certamente excitadas.
Rukia fez sinal com os olhos para Ichigo fazer alguma coisa. Eu hein, por que é que estava olhando pra ela com aquela cara de bobo?
- Ah-ah... – ele abriu a boca, mas só conseguiu gaguejar. – N-nós viemos aqui para estudar, certo? Então preste atenção no que eu falo e não como eu falo! – tentou dar uma de durão, mas sem ser grosseiro.
O que só fez Rukia rir. E de verdade.
- Tá bom, tá bom... – suspirou teatralmente e voltou a encostar-se no braço do canceriano. – Me explica de novo!
- Papai, você está vendo isso? – Yuzu sussurrou para o pai chocada.
- Estou... Mas juro que não estou acreditando! – o homem quase babava, a boca não fechava!
- Por que, papai? – Yuzu franziu o cenho para ele. – Eu sei que a Tsuki-san é muito bonita, mas eu acho que o onii-chan tem toda a capacidade de conquistar uma mulher assim!

Veja só! É um fato! Ela está doidinha por ele! – ficou olhando a suposta Tsuki agarrada no braço do irmão. – Ela até disse que ele é sexy! – ficou vermelha ao pronunciar a palavra.
- Eu, sei, eu sei! Isso tá óbvio! Ela está se jogando nele! - Isshin não tirava os olhos escuros daquela cena. – O que eu não estou acreditando é que... É que ele... É que ele...
- Oh meu Deus! – Yuzu fungou algo errado no ar.
- Você também percebeu? – Isshin quase gritou, olhando desesperado para a filha.
- Percebi! – ela largou o pai e saiu correndo. – O arroz está queimando!
Isshin então suspirou. Ainda tinha esperanças no desfecho dessa história!

****

Sentaram-se todos à mesa. Agora havia mais uma personagem, a outra irmã de Ichigo. E Karin era muito mais atenta e desconfiada que a irmã.
- Engraçado... – ela comentou enquanto todos comiam alegremente. – Você me lembra alguém... – ficou olhando mais de perto o rosto da capricorniana. As sobrancelhas franzidas e os dedos em volta do queixo.
Rukia sentiu um arrepio na espinha.
- Ah! – virou o rosto. – É mesmo? Deve estar me confundindo com alguma loira de Hollywood. – riu. – Todos me confundem!
- Oh! – Isshin iluminou-se. – É verdade, Tsuki-chan! Você é tão bonita que realmente parece uma atriz!
- Ah, como o senhor é gentil! – ela sorriu para o pai de Ichigo e depois virou o rosto para o ruivo toda triunfante.
Tá bom, ela era mais bonita até que essas atrizes americanas. Mas ela não precisava saber disso, que droga!
Karin, do seu canto, continuava observando a tal da Tsuki. Com certeza já tinha visto aqueles olhos antes... Aquele jeito de falar... Olhou para Yuzu e para o pai e os dois conversavam animadamente com a convidada sobre qualquer coisa que fizesse o irmão fazer aquela careta azeda. Será que eles não percebiam? Aí tinha coisa... Ah, se tinha!

****

Depois do jantar, Rukia decidiu que estava na hora de ir embora. Tinha que cuidar ainda das pestinhas de suas colegas de quarto.
Ichigo concordou sem problemas.

Afinal, achava que já estava de bom tamanho a restauração.
- Vou levar a Tsuki em casa. – Ichigo disse à família.
- Ahhh... – Isshin fez beicinho triste. – Por que não vai dormir aqui, Tsuki-chan?
- Ah, eu... – tentou pensar rápido numa desculpa. – Eu acho que não sou muito bem-vinda. – teve uma inspiração súbita e olhou com raiva simulada para Ichigo. – Mas muito obrigada pelo convite e pela hospitalidade. – sorriu rapidamente para os três. - Vamos logo, Kurosaki. – foi batendo pé até a porta.
Ichigo, tentando entender o jogo dela, foi seguindo-a até lá fora.
- O que foi isso, maluca? – ele perguntou baixinho. Tinha certeza que depois desse chilique, o pai estaria agarrado na janela bisbilhotando-os de novo.
- Eu tinha que inventar alguma coisa para não ser obrigada a dormir aqui, né? – ela olhou duramente para ele. – Ah! Olha! Seu pai está olhando pra cá! – Rukia percebeu na janela. – Não quer fazer um desfecho?
- D-desfecho? – ele paralisou e deu um passo atrás. – Q-que desfecho?
Foi então que ela fez o coração dele dar alguns tantos saltos mortais no peito. No peito? Nem sabia mais se ele continuava lá... Batera tanto que sentia o corpo dormente.
Estava ali olhando ela chegar mais perto. Fechar os olhos e colocar-se na ponta dos pés para aproximar seus lábios dos dele.
O que diabos ela estava fazendo? Aquela loira de vestido vermelho... Tinha sugado a Rukia?! Não! Não era a Rukia de jeito nenhum! Era só a Tsuki, não era?
Sim... Um personagem que ele mesmo tinha inventado... E que ela levara tão, tão a sério. Por que ela fazia isso?
É. Era apenas a Tsuki. A Rukia... A Rukia não estava ali naquele momento.
Então ele tomou a atitude certa. Bloqueou com as mãos a proximidade dela, fazendo-a descer da ponta dos pés e abrir os olhos.
- Não. – ele disse assim que ela se afastou consideravelmente. – Não, Tsuki. Nós somos apenas colegas. – não tinha certeza que seu pai podia ouvi-los da janela, por isso se sentia um tanto quanto patético com aquela ceninha.

- Ah, Ichigo! – Rukia fez uma pose engraçada e exagerada de indignação. Com mão no peito e boca escancarada, digna de uma novela mexicana. – Então tá bom. – fungou e franziu as sobrancelhas numa cara sofrida. – Me leve logo para casa. – entrou no carro batendo o pé, tão à vontade com aquela ceninha que fez Ichigo sentir-se mais leve.
Que peste era aquela garota.
- Certo. – ele entrou no carro também e deu partida, tentando imaginar o que passava agora pela cabeça do pai e da irmã mais nova.
Ficaram um tempo em silêncio, mas subitamente a baixinha de olhos azuis começou a rir.
- O que foi? – Ichigo perguntou, mas também estava com vontade de cair na gargalhada. – Depois de toda humilhação você está rindo, é? – ele já tinha um ar de riso nos lábios.
- É! – ela continuava rindo. – Não foi tão humilhante assim. Afinal, não era eu.
Ele soltou um risinho curto.
- Então eu te rejeitei, né? – perguntou olhando para ela.
- Exatamente. E é melhor você me deixar logo em casa pra eu poder chorar. – ela fez beicinho fingido de choro.
- Você não existe! – ele balançou a cabeça voltou a atenção para a direção. – E eu achando que ia me vingar...
- Ah! – ela mostrou-se indignada para ele com exagero. – Eu pensei que você só quisesse uma restauração da sua imagem!
Ele ficou sem graça e apenas balançou os ombros.
- Mas achei que viria de brinde a vingança. – resolveu explicar-se depois de pensar um pouco. – Mas você é tão boa atriz assim... Como ia imaginar?
Ela riu de novo.
- Bom... O seu objetivo você alcançou. Agora seu pai vai achar que você tem a maior moral tendo uma loira linda dessas dando em cima de você e ainda rejeitá-la como se tivessem outras muito melhores. – mexeu na peruca loira com uma pose de quem se acha a estrela.
- É. Obrigado srta. Estrela de Hollywood! – ele parou o carro na calçada da República.
Os dois ficaram se olhando por pequeníssimos segundos.
- Ichigo... – o tom de voz brincalhão dela mudou para um intrigado. – Posso te fazer uma pergunta?
Mesmo com medo, ele resolveu aceitar.

- Pode.
- Por que... Por que você colocou o nome de Tsuki na sua personagem? – continuava com aquele olhar intrigado debaixo das pequenas sobrancelhas franzidas.
Seu coração acelerou. Que droga de pergunta! Desviou rapidamente o rosto, como instinto de caranguejo. Mas se estavam ali... E se ela estava perguntando... Daquele jeito...
Olhou para ela mesmo que tremesse.
- Porque a única coisa que eu conseguia pensar que combinasse com você era a Lua. – não agüentou continuar sustentando aquele olhar azul tão brilhante e surpreso dela. Segurou o volante e desviou de novo o rosto. – Desculpe se foi muito idiota.
Ela sorriu sem nem perceber que o fizera. Mas ele não pôde ver.
- É um belo nome, Ichigo. – respondeu numa voz suave.
Ele olhou para ela sem ação.
- Bem... Eu preciso ir. – ela abriu a porta do carro e saiu. – Vá para casa e descubra uma imagem restaurada! – riu, parecia que estava fazendo propaganda ou alguma coisa assim. – Até amanhã.
Ele sorria levemente.
- Até amanhã nada. – respondeu. – Amanhã eu vejo a Rukia. Vê se tira essa peruca! – apontou para a cabeça dela.
Ela pôs a mão no cabelo falso. Realmente, tinha esquecido de se desfazer da personagem.
Então ele partiu. E ela, tirando a peruca e ajeitando os cabelos negros, atravessou o hall de entrada do prédio.
Pegou o elevador e chegou até os corredores mal iluminados. Quando ia pôr as mãos na porta do quarto das meninas, percebeu que havia um bilhetinho cor-de-rosa colado que informava que as três tinham ido jantar fora e continha o endereço do restaurante, caso Rukia quisesse encontrar-se com elas.
Já havia jantado e estava cansada do dia todo que teve. Então, ao invés de ir atrás das colegas de quarto, decidiu seguir pouco mais em frente e subir as escadas do terraço.
- “Tsuki...” – ia pensando enquanto chegava ao topo. – “Combina comigo...” – riu e meneou a cabeça levemente. Chegou ao seu destino e teve aquela linda visão do céu nem tão estrelado. E da Lua.

Respirou fundo a brisa da primavera e foi sentar-se junto às grades que protegiam o terraço.
Depois de um tempo contemplando o céu, levou seus olhos ao redor. Continuava sendo aquele terraço que juntava tanta poeira. Mas... Também juntava, certamente, lembranças.
Imagens daquele último sábado começaram a rodar em sua mente. O jantar, o tapete vermelho, as palavras, a voz, a música, a dança... O ritmo.
Sem querer entender, o coração apertou-se. Estavam tão bem há alguns dias atrás, estava tudo seguindo um curso tranqüilo... E de repente... De repente aquele Infernal-sama conseguiu acabar com tudo. Com uma missãozinha só.
Expirou o ar. Meneou a cabeça e riu de si mesma. A quem estava tentando enganar?
A culpa não era do Celeste-sama. E a missão dele com certeza tinha algum sério objetivo. O poder... E como se lida com ele... Como se pode acabar passando por cima dos outros e de si mesmo por causa de um pequeno poder nas mãos. Por causa dos empecilhos, da falta de preparo...
É. A culpa não era de Celeste-sama. Não dessa vez. A culpa era da intolerância. A culpa era da vingança. A culpa era da insegurança, do medo.
Pôs a mão no peito. O medo... Ainda sentia medo, não é? Grudou-se então nas grades, uma mão em cada uma e olhou lá para baixo. Um vento mais forte soprou carregando consigo, talvez as últimas pétalas de cerejeira tão vivas e rosadas da primavera. Acompanhou-as com os olhos.
É... A primavera estava indo, carregando suas pétalas... Esperava que, junto com essas pétalas, fosse carregado também aquele sentimento remanescente de seu peito e que chegasse logo o verão. Sem mais resquícios daquela amargura... Que o vento a carregasse para bem longe.
Suspirou mais uma vez e sentiu uma gotinha em sua testa. E mais outra segundos depois. Droga. Chuva!
Saiu correndo do terraço então antes que a chuva apertasse e refugiou-se no seu lar.

****

No dia seguinte, Rukia e Ichigo só foram se falar na hora do almoço.

- E aí, Ichigo? – ela quis logo saber enquanto eles se instalavam na mesa. – Como está sua imagem em casa agora?
A cara dele era tão, tão, tão azeda... Por um instante a baixinha pensou que nunca a tinha visto tão emburrada assim.
Mas como ele era esquisito e mal humorado mesmo, não pensou que fosse grande coisa. Quem sabe não fosse um jeito estranho dele de mostrar satisfação?
- Pior do que nunca. – porém ele respondeu coerentemente com sua expressão.
Mas totalmente divergente aos últimos acontecimentos!
- C-como assim? – Rukia estava incrédula. – O que foi que deu errado?
- Você não vai querer saber. – ele olhou para o outro lado, todo bicudo.
Não... Será que...
- Me conta Ichigo. – tentou manter aquela reação assustada e totalmente inocente. – Afinal, fui eu que prestei o serviço pra você! E olha que eu caprichei num desfecho e tudo.
- Pois esse foi o problema! – ele teve que se segurar para não bater na mesa. – O desfecho! Agora meu pai está mais convencido que nunca de que eu sou gay porque eu rejeitei você! – falou alto. Alto demais. Tanto que algumas pessoas olharam com as sobrancelhas erguidas e conseqüentes risinhos.
Rukia tentou se segurar, mas não deu. Acompanhou os risos. Ou melhor, acompanhou, mas desandou a gargalhar.
- Tá rindo do que, ô coisa? – ele irritou-se, o rosto em chamas. – Não tem graça! – como se pudesse consertar o escândalo, falava sussurrando e entre dentes.
- É que é incrível... – ela tentava respirar enquanto ria. – Como você consegue sempre se dar mal... – tentava prender o riso, mas estava muito difícil.
- Que ótimo. – ele tomou um grande gole de suco para ver se esfriava o sangue. – E ainda vou ter que agüentar ser seu escravo hoje. – bufou e revirou os olhos.
- Não. – ela parou de rir e agora enxugava o cantinho dos olhos. – Só porque a culpa foi parcialmente minha, hoje não vou perturbar muito você. – sorriu, mas porque ainda estava tentando se recuperar do ataque de risos.

- Como é que é? – ele aproximou-se dela com um olhar desconfiado. – Não vai se aproveitar do dia de hoje?
- Não. Quer dizer. Com pequenas coisas, sabe? Tipo... Com essa chuva toda vou pedir pra você ir até a biblioteca devolver os livros que eu peguei e me dar uma carona para casa. Mas antes, claro, você vai ao mercado comprar umas coisinhas pra mim. Mas só isso. Prometo que não vai ser nada além disso. – encheu a boca com o almoço.
- Não acredito que eu estou agradecendo mentalmente por ter que andar na chuva por você... Por SÓ ter que andar na chuva. – ele continuava a olhando ranzinza e desconfiado.
Ela franziu o nariz para ele numa pequena careta, enquanto estava de boca cheia.

****

A quinta e a sexta foram parecidas. Ambas chuvosas. Ambas tranqüilas. Ambas cheias de poças e poucas pessoas correndo pelas ruas tentando se livrar dos pingos celestes.
Em ambas, os desejos dos pseudo-doentes Ichigo e Rukia foram leves e sem grandes comprometimentos.
Até que chegou o sábado, com o sol brilhando novamente e com as nuvens negras desaparecidas.

Era uma hora da tarde, quando na república, Mai deu as caras na cozinha.
- Bom dia... – ela bocejava e esfregava os olhos, vestida com um luxuoso roupão felpudo de sua cor favorita e os cabelos loiros presos.
- O que é isso? Ataque de estrelismo, é? – Rukia implicou do outro lado da cozinha, terminando de fazer o almoço, ao contrário da loira, equipada apenas com um vestidinho verde e um avental.
- É uma hora da tarde, uma hora! – Rangiku deu bronca também, como se tivesse grande moral. Só porque estava ajudando a pôr a mesa. – E você acordando agora!
- Tá falando do que, prima? – Momo interveio, a única a socorro de Mai. – Você acordou ao meio-dia.
Rukia riu.
- Okay. A Mai fica para lavar a louça. – piscou para elas.
- Vocês são tão cruéis. – Mai puxou uma cadeira e sentou-se ainda sonolenta. – Eu fiquei a noite inteira trabalhando. E ainda tenho uma sessão de fotos para hoje... – apoiou o rosto na mão.

- É incrível como você não acorda dormindo na sala! – Momo arregalou os olhos.
- Verdade! Que sono pesado! – Rangiku concordou.
- Hahaha. – Mai riu sem graça.
A mesa terminou de ser posta e todas começaram a comer.
- Depois do almoço eu vou sair. – Rukia anunciou sem mais nem menos.
- Um encontro de sábado? – os olhos de Momo brilharam quase que imediatamente.
- Bem... Pode-se dizer que sim... – Rukia sentiu irritantemente o sangue correr para as bochechas.
- Ohh! Que lindo! Parece que finalmente tem alguém se assumindo aqui! – Mai alfinetou toda contente. Era seu primeiro comentário com vida do dia.
Rukia fez uma careta para ela.
- Isso foi só pra avisar. – disse, a fim de encerrar o assunto. – Vocês vão fazer o que?
- Eu vou me encontrar com a Chi no salão. – disse Mai. – Me preparar para as fotos e tal. Estou pensando em cortar um pouco o cabelo. Um palmo abaixo dos ombros, o que acham? – ela perguntou. Seu cabelo atualmente estava batendo até o meio das costas.
- Se você tiver coragem... – Momo fechou os olhos sentindo o nervoso que é se livrar do comprimento do cabelo.
- Vai ficar linda. – Rukia disse sorrindo.
Rangiku estava totalmente murcha na conversa. Ainda segurava o celular.
- Se é assim, vou ficar no Shiro-chan, tem problema? – Momo perguntou a Rukia.
- Não, pode ir. – ela incentivou. – E você, Rangiku? Vai aprontar o que hoje?
- Eu... Bem... – seu sorriso era triste e sem cor. Até que, por dedo do destino, aquele aparelho que vinha segurando o dia todo nos últimos dias, começou a tocar cheio de esperanças. Seus olhos azuis cresceram vertiginosamente e o coração quase saiu do peito ao ver aquele nome piscando na tela. – Acho que já arrumei algo para hoje. – de repente seu rosto se transformou e ela correu para o quarto para atender, largando a comida intacta na mesa.
As outras meninas se entreolharam sem entender direito. Não sabiam se podiam ficar felizes, tristes, tranqüilas ou amedrontadas com aquela reação.
Na dúvida, continuaram comendo em silêncio.

****

Três horas e vinte e poucos minutos. O céu estava mais azul do que nunca tinha visto desde que chegara a Tóquio. Distraiu-se com as flores coloridas do parque e algumas borboletas. Acabou sentando-se no banco abaixo daquela grande cerejeira que servira como ponto de referência e pôs-se a apenas contemplar e esperar. Era sábado e o último dia daquela missão de bajulação. Como tinha feito até mesmo uma estratégia para ter aquele dia a seu favor, não quis desperdiçar. Faria um último grande pedido. Isso é, se ele chegasse. Já estava começando a ficar impaciente.
- Rukia! – ouviu a voz escandalosa, e levantou-se num impulso. Ele se aproximou. – Desculpe a demora... – ele coçou a nuca.
Ela sorriu levemente.
- Certo. – disse.
- Então... – estava sentindo-se meio tímido. – Por que me chamou aqui? – olhou ao redor. Era um belo parque para passear, ainda mais na primavera. De onde Rukia o conhecia...? Ah! Claro! Ficava bem perto do hotel de madeira da Golden Week. Mas ainda assim, não entendia os motivos dela.
- Bem... – ela olhou para baixo, para a sua saia curta e para as meias calças grossas que usava por baixo. – Primeiramente... – resolveu levantar o rosto para ele. – Primeiramente eu queria pedir desculpas. – ficou fitando-o com aquele azul tão sério.
O ruivo quase caiu pra trás. Pedir desculpas?! Estava mesmo ouvindo certo? Aquilo não era um sonho? Porque tinha tudo, tudo para ser!
- Ah-ah... – ele atrapalhou-se. – Pedir desculpas... Pelo que...? – diminuiu os olhos.
Ela sorriu meio nervosamente.
- Você sabe... Pela segunda-feira. – desviou novamente os olhos. Sua voz era tão mansa que claramente se via que ela estava diferente. – Quer dizer... Eu fui tão rude com você... Falei tanta besteira e aí comecei a me vingar e... – respirou fundo e soltou o ar ruidosamente antes de voltar a encará-lo. – E eu só estava com medo. Eu... – os olhos caíram rapidamente, mas voltaram para ele. – Eu só estava assustada... E confusa com meus sentimentos. Estava me escondendo de mim mesma e... Acabei estragando tudo.

Ele demorou a absorver todas aquelas palavras. Mas assim que conseguiu, começou a soltar desesperadamente:
- N-não! Rukia... Não! Eu é que devo pedir desculpas... Eu estraguei o ritmo que tínhamos combinado e...
- Não! – ela gritou interrompendo-o. – Não Ichigo... – a voz voltou à mansidão anterior. – Eu quero te pedir desculpas. Você deve imaginar que foi difícil... Foi difícil até eu perceber e chegar à conclusão de que eu deveria dizer isso a você. Então me deixe pedir desculpas. Por estar sempre na defensiva... E assustada... Você só queria que eu confiasse
em você... E você sabe... – sorriu tensa. – Eu até que confio muito para alguém que eu conheço há tão pouco...
O coração dele deu uma estocada violenta no peito.
- Então... Me desculpe por não demonstrar isso. – olhou para ele com aquele sorriso nervoso.
Ele ficou olhando-a. Não acreditava que vivera para presenciar aquela cena... Para ouvir aquelas palavras... E acima de tudo... Não acreditava que a sua paciência tão dura estava lhe dando frutos. Devagar, mas estava!
- É claro que eu te desculpo, Rukia... – ele conseguiu dizer, numa voz que esperava que soasse tão suave quanto a dela naquele momento.
Os dois ficaram sorrindo docemente um para o outro por alguns segundos. Até ele se lembrar de algo importante.
- Ah! – pôs a mão no bolso. – Mas você não me chamou aqui só por isso, espertinha. – lançou um olhar acusador para ela e tirou do bolso da calça uma caixinha conhecida.
Os olhos dela chegaram a tomar um brilho diferente.
- Por que... – ele abriu a caixinha e tirou de lá de dentro aquele famoso cordão com um lindo pingente de K. – Por que é que você me obrigou a trazer isso aqui?
O brilho dos olhos dela espalhou um ar jovial acompanhado por um sorrisinho divertido em seu rosto.

- É meu último grande pedido Ichigo. – ela disse ainda com aquela carinha zombeteira e as mãos atrás do corpo. – Me conte... O que significa esse cordão para você. Devo confessar que não consigo tirar isso da minha cabeça desde que o encontrei.
Ele engoliu
em seco. Malditos olhos azuis pidões! Maldito Infernal-sama!


Continua...


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Notas finais do capítulo

Informações extras
Personagem: Mayama Chiharu

— Tem 1,60m de altura e luta com a balança para manter seus 50 kg;
— Seus cabelos castanhos levemente ondulados batem nos quadris;
— Suas cores favoritas são verde e laranja;
— Seu pai é advogado e sua mãe é professora de universidade;
— Seu maior defeito é a preguiça;
— É muito vaidosa e é obcecada pelas unhas;
— Admira muito a amiga Mai e se sente em grande dívida com ela, pois por ser mais frágil, sempre foi protegida por ela;
— Seu sonho é seguir os passos de seu pai;
— Não tem muita sorte no amor;
— É otimista, pacífica, distraída e ingênua;
— Faria de tudo por Mai;
— Seu passatempo favorito é fazer as unhas e compras, mas também gosta de ler e falar;
— Tem uma inexplicável antipatia pela cara azeda de Ichigo;
— Odeia pessoas violentas e indelicadas;
— É claustrofóbica.



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