Céu escrita por Liminne


Capítulo 22
Capítulo 22 – Perspectivas




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- Eu achei que você ia querer ficar um pouco longe da fofoca. – ele só explicou quando estavam bem afastados daquela confusão, nos fundos do campus.
Havia um gramado e os dois sentaram ali. Não estavam totalmente livres, era verdade. Mas com certeza o ar fresco estava mais presente e as pessoas mais escassas.
- Como você sabia? – ela sorriu sem olhá-lo. – Eu... Te devo mais essa agora, não é?
- Não. – ele olhou para as tantas nuvens do céu. – Estamos quites. Desde aquela conversa que tivemos... Perto dos portões... – fez uma pausa. – Desde aquele dia eu pude recomeçar a agir a minha vida. Muito obrigado. Eu estava mesmo precisando que alguém me sacudisse e me lembrasse dos meus objetivos.
Agora ela o encarou. Ele ainda ficou algum tempo sonhando com as nuvens. Mas logo percebeu o olhar azul dela e correspondeu-a. Sorriram suavemente um para o outro. Era como receber uma massagem... Estavam aliviados.
- Então... – ela desviou devagar os olhos. – Então você já tá sabendo também, não é?
- É. – ele respondeu. – Foi inevitável...
Ela semicerrou os olhos. Estava tão confusa... Se ao menos soubesse antes... Se ao menos não tivesse chegado tão atrasada... Se ao menos...
- Eu não vou cobrar de você uma verdade. – ele disse, parecia que para tranqüilizá-la. – As pessoas podem ser muito maldosas. Falam demais. – ponderou. – Você se destacou por ser bonita, inteligente e andar com pessoas mais conhecidas. E ele sempre foi meio destacado... Não sei qual dos dois a pessoa quis atingir. Ou se de repente ela quis apenas se divertir... Talvez não pensou que ia causar problemas. A intimidade das pessoas...
- Não! – ela cortou-o com a voz aguda demais pro seu gosto. – Não! – cobriu a metade do rosto com uma das mãos. – É tudo um mal-entendido... E não sei como vou sair dele! Eu não sei como...
Ele observou-a. Parecia mesmo bastante atordoada. Não fazia idéia do que estava acontecendo. Se aquilo era verdade ou não... Não queria saber.

Só queria que ela não ficasse com aquele rosto... Aquele rosto que conheceu no primeiro dia dela... Perdida. Preferia o rosto de quando ela sabia para onde estava indo.
- Você não deve nada a ninguém, por mais que falem. – ele recomeçou. – Não se deixe pressionar. Mesmo que suas amigas estejam eufóricas com isso. Você sabe como elas são... – puxou um pouco o canto dos lábios. – Com tantos problemas que têm... Preferem fugir de si mesmas e tomar conta dos outros. Então não seja como elas. Tome conta só do que quer fazer, de você. Não se importe com que os outros vão pensar. Não tome conta dos outros.
Ela sorriu para ele. Os olhos brilhando de gratidão.
- Você é tão legal, Ashido... Obrigada de novo. – apertou o punho. – Eu vou resolver isso, não se preocupe. – balançou a cabeça e mostrou seu olhar confiante que ele tanto apreciava.
- Isso. – ele assentiu também com um sorriso. – Essa é a Rukia.
- E você, Ashido... – ela olhou mais cuidadosamente no rosto dele. – Pelo que senti nas suas palavras... Aquilo ainda te incomoda...
Ele suspirou.
- Bem... Eu ainda tento entender o que aconteceu... Eu ainda tento não me sentir tão perdido com uma ilusão que desaparece assim, sem mais nem menos... – os olhos estavam opacos. – E eu ainda tento entender esse sentimento... Eu realmente amei alguém que eu criei? Ou um ser falso? Ou... Ou isso não tem a ver com o amor? Ou eu continuo amando-a de qualquer jeito? Parece que as respostas nunca irão aparecer...
Ficou pensativa. Lembrou-se do que Ichigo tinha dito... Sobre Mai querer ser uma escritora... Depois se lembrou daquela vez que a admirara quando dissera que queria ser oncologista... Lembrou-se da Mai confiante que andava em seus saltos todos os dias, de queixo em pé, sendo seguida por tantos e tantas... Admirada, bajulada... E de repente aquelas palavras de Ichigo sobre uma Mai cansada, triste e insegura, em lágrimas, invadiam sua imaginação.
Como podiam ser a mesma pessoa? E por qual dessas pessoas Ashido se apaixonara? E por que era iludido?

E por que raios ela tinha que ser mais de uma?
De repente se sentia tão confusa quanto seu amigo pisciano.
- As respostas vão aparecer. – ela disse a ele. – Isso tudo também é um mistério pra mim... Mas eu sei que as respostas vão aparecer. A verdade sempre aparece, de um jeito ou de outro.
- É. – ele assentiu. – Acho que o mesmo serve para seu problema, não é?
Olharam-se de novo. Sorriram cúmplices... Como se nada mais importasse. Com a certeza do Sol por trás daquelas nuvens fofinhas.
- Vamos comer alguma coisa? Você deixou seu almoço na mesa praticamente intocado. – ele disse levantando-se e batendo a calça.
- É. – ela fez o mesmo. – Que desperdício!
Os dois então, lado a lado, voltaram para o almoço, como que
em bolhas. Tentariam não ser atingidos... Tentariam. Mesmo que as bolhas fossem frágeis e até o próprio ar pudesse estourá-las...

****

Não entendia bem o motivo, mas não estava na faculdade. É. Estava em casa, encarando aquela pilha de livros havia mais de uma hora.
Por alguma razão desconhecida, as palavras daquele moreno rodopiante não saíam de sua cabeça... Era verdade. Tinha doze anos e agia como se o mundo fosse acabar logo...
A propósito... Se o mundo fosse realmente acabar logo... O que seu diploma da faculdade ia ter lhe dado de tão importante?
Tinha apenas doze anos... Doze anos. Todas as outras crianças de sua idade iam acabar junto com o mundo ainda sendo sustentadas pelos pais. E iam ter em suas memórias, se do outro lado da vida houver memórias, a leveza da infância... Aventuras... Começos de amores... Travessuras... Inconseqüências... Quase nenhuma preocupação.
E o que ele ia levar? Seu diploma para garantir seu emprego? E os sentimentos? E as experiências?
Levantou-se da cama. Tocou a superfície do primeiro livro da pilha.
Só devia tocá-lo num futuro... Talvez nem devesse tocá-lo nunca. Talvez se vivesse mais, iria escolher outro curso... Ou talvez fosse trabalhar em alguma coisa que não precisasse de diploma.

Caminhou além dos livros. Foi até a porta do apartamento e abriu-a. Andou pelos corredores mal iluminados. Subiu a escada que dava para o terraço nu. Sentiu a brisa e observou as nuvens múltiplas ao céu. O Sol estava escondido...
Esticou a mão para o céu e pôde ver o rosto dela. Então... Ela estava mesmo se distanciando, não é? De alguma forma... Era ela que o estava deixando para trás. Recolheu a mão e suspirou fundo. Enfiou a mão no bolso e procurou o celular. Discou o número mais familiar que conhecia e aguardou um pouco. O coração martelando no peito. Pela primeira vez... Talvez... Ia deixar que ele decidisse. Aquele pulsar.
- Vovó? – ele ouviu a voz do outro lado da linha. – É, sou eu... – sorriu fracamente. – Será que... Será que posso te ver? Preciso dizer algo...

****

O intervalo para o almoço havia terminado. Estava muito mais relaxada.
Ashido já havia se despedido alguns minutos atrás. Ela então subia a escada sozinha, ainda dentro daquela bolha.
- Rukia... – de repente, sentiu alguém segurar-lhe o braço. E imediatamente, as paredes arredondadas que a protegiam estouraram... Frágil demais. – Acho que precisamos conversar...
Os olhos arregalaram-se. Aquele incômodo no estômago estava de volta. O dono da voz era um Ichigo arrasado, que mal olhava no seu rosto.

****

- Mai-chan... Você está bem? – Fuu perguntou quando as duas se reacomodavam em seus lugares na sala.
- Estou. – ela tentava disfarçar, dar o melhor de sua máscara... Mas como estava sendo difícil! Ver seu verdadeiro objetivo tão longe, quase como se não existisse mais para alcançar... E o plano todo tomando um caminho errado sem controle. Olhou para um lado e para o outro. Não viu nem a baixinha com a saia de coelhinhos nem o ruivo espetado. O que estaria acontecendo? – Só estou preocupada com a Rukia. – mentiu.

- Humm... É verdade. Ela ficou bem estressada, né? Praticamente fugiu... – estava pensativa. – Você acha que eles estão namorando mesmo? – cochichou bem de perto, quase que inaudivelmente. – Você acha que ela ficou com vergonha?
- Fuu... – olhou para ela tentando se conter. – Você viu os dois juntos, não foi? – tomou o cuidado de falar bem baixo. – Então você sabe , não é?
- Eu vi! – ela afirmou. – Mas eles estavam acorrentados, amiga! – ela deu ênfase na palavra acorrentados. Deixou escapar um risinho. – Será que ele não a acorrentou para sair com ele? Quer dizer... Depois do escândalo que ele fez com o Ashido no ano passado, acho que ele seria bem capaz!
- Eu acho é que a sua imaginação já tá passando dos limites! – ela segurou forte a cabeça como se estivesse sofrendo de uma dor terrível.
- Então você realmente acha que eles estão juntos? – ela franziu as sobrancelhas meio chateada. – Ela parecia ter certeza de que não estavam... E depois que viu a foto ficou totalmente sem graça e atordoada. E em seguida fugiu. – olhou ao redor na sala. – E eles não estão aqui, não é? – riu. – Ela deve estar acertando as contas com ele agora... Queria estar lá pra ver!
Decidiu ignorá-la. Ela se divertia mesmo com a confusão na vida alheia. E com as humilhações que Ichigo sofria. Perguntava-se por que diabos ela não estava fazendo um curso de jornalismo ao invés de medicina.
Só esperava que ela não levasse seu plano pro lado oposto. Quer dizer... Ainda tinha jeito de resgatá-lo para o lado certo? Tinha ou não atingido Ashido?
Mas eles tinham que estar namorando... Tinham que estar juntos... De verdade. Seria tudo mais fácil.
A aula começou. Seu coração apertou ao ver que Rukia, que evitava tanto perder aulas, não voltara. Sentia-se egoísta agora.
Bem... Pelo menos Fuu ia calar a boca. Não queria mais ouvir a imaginação venenosa dela. Só a fazia sentir cada vez uma pessoa pior.

****

Foram parar no mesmo lugar que Rukia descansara com Ashido. Nenhum dos dois disse nada até chegarem lá e ficar um de frente para o outro.
Dessa vez, foi ele que começou.
- Você já deve ter sido atingida não é? – olhava para ela, mas não diretamente nos olhos. A voz parecia cansada. Mas na verdade estava com medo. Muito medo.
Ela teve vontade de gritar. Mas conteve-se. Segurou-se e inspirou com força. Expirou ruidosamente.
- Ichigo... – a voz saiu fraca. – O que você pensa que está fazendo? Por que você disse aquilo...? – cansada de girar os olhos de um lado para o outro, concentrou-se no rosto dele. – Por que você mentiu, Ichigo?! – a voz subiu consideravelmente. Mas não foi a raiva que a impulsionou. Não. Senão não tremeria no fundo. O que a fez subir na verdade parecia muito com insegurança.
Ele olhou para baixo. Enfiou as mãos nos bolsos da calça e apertou-as lá dentro. O que falaria agora? Estava tão envergonhado... Estava tão arrependido... Toda a força que ganhara com a Lua cheia tinha minguado junto com a mesma. Sentia-se desamparado.
- Você não entende... – ele começou num murmúrio. – Você não entende! – quase gritou. – Ela juntou todo mundo para me perguntar. Ela queria me humilhar de novo, eu não sei... – fez uma pausa hesitante. Ainda não olhava no rosto da capricorniana. – Ela me induziu! E eu tive que dar uma resposta... Ela mostrou a maldita foto, como eu podia negar? – tirou uma das mãos do bolso e passou pelos cabelos. – Iam nos perseguir.
- Só que eu falei que não estávamos juntos, droga! – agora foi a vez dela de explodir num grito. – Ela me mostrou a foto e eu continuei negando! Inferno! – bateu o pé no chão e soltou o ar com força. – Eu não podia dizer uma coisa que... Que não é verdade! – ela também não conseguia encará-lo. – E sobre você? O que eu ia fazer? Tinha certeza que você também diria a verdade! Eu não tinha como saber!
Fez-se silêncio assim que os gritos dela cessaram. O canceriano sentia-se cada vez mais perdido. Quanta estupidez!

Quis tanto fugir e mesmo assim caiu exatamente como deveria cair na armadilha de Mai.
- É tudo o que ela quer. – ele disse subitamente e puxou um risinho amargo. – Ela nos usou. Foi tudo armado. Tudo porque ela terminou com a porcaria do namorado dela! – falava como se estivesse xingando. – Aposto como ela tem a ver com essa história toda... Do jeito que ela fica por causa dele... – apertou os dedos fechados. – Ela só quer te tirar do caminho dele, entendeu? É isso. Ela não quis me humilhar dessa vez. Foi só um jeito covarde de pedir desculpas e se dar bem ao mesmo tempo. Tudo faz sentido se olharmos por esse lado! Filha da...
- Então se ela armou tudo isso, por que é que você caiu como um idiota?! – desafiou-o.
- Porque eu sou um idiota! – admitiu irado. – Porque eu estava obcecado achando que ela estava me perseguindo... Mas não! Ela não tem nada comigo. Ela não quer nada comigo, ela deixou bem claro daquela vez. Tudo que ela faz é por causa dele! Por causa dele! Eu devia ter imaginado antes...
A pequena fitou a grama absorta nas palavras do ruivo. Seria mesmo possível Mai ter feito tudo aquilo? Seria mesmo possível que a estivesse usando desse jeito?
É. Ela de fato não era a Mai que pensava que era. Estaria sendo injusta ou ingênua?
E Ichigo... O que ele sentia por ela?
- Rukia. – assustando-a, ele pôs as mãos nos ombros dela, olhando-a agora de perto. – Quando foi que você e a Mai se tornaram amigas?
- Foi... De repente. – respondeu. – Ela começou a ser gentil comigo...
- O Ashido teve alguma coisa a ver com essa amizade?
Pensou um pouco mais. Forçou a memória... Não tinha sido um pouco depois de conhecê-lo?
Não... Podia estar sendo influenciada por Ichigo a pensar assim.
- Eu não sei! – estava cansada de tanto pensar. – Talvez eu tenha o conhecido um pouco antes...
- Exato. – ele soltou-a. – Ela estava tomando cuidado com as garotas que se aproximavam dele. Talvez por você ser o que a Mai gostaria de ser. Dedicada, altruísta, ter tanta vontade de ajudar as pessoas.

- Não! – ela balançou a cabeça - Ela não pode ter feito tudo isso... – de repente, sentia-se ridiculamente triste. – Ela não pode... Ela é uma boa amiga... Ela é... É...
- Você não foi a primeira vítima. – ele afirmou, talvez duro demais.
- Mesmo assim! – berrou de novo. – Mesmo assim você não devia ter mentido só para provocá-la. Você também está me usando por acaso? – ressentida. Claramente ressentida.
- T-te usando? Eu não... – recuou com dois passos atrás.
- Está sim! Me usando para se vangloriar! Me usando para dizer que a esqueceu!
- Rukia, pare de falar besteiras! – ele gritou mais alto que ela. – Pare com isso! Eu nunca faria uma coisa dessas! Eu posso até ter me aproveitado da situação para recuperar meu orgulho. Mas... Mas eu não estou usando você pra nada!
- Está sim! Você acabou de admitir! – ela não desviava o rosto. Era forte. Os olhos chamejavam.
- Imbecil! – ele obrigava-se a continuar olhando naquele azul que não estava mesmo em calmaria no momento. – Você acha que se eu fosse escolher alguém pra usar eu não usaria alguém menos chata e difícil? Você acha que eu tô te aturando tanto só por um capricho idiota?
- Você não tem culpa de o Celeste-sama ter me sorteado pra você, ou qualquer macumba que ele tenha feito! – continuava na defensiva.
- Eu não paguei esse mico de me inscrever nessa porcaria de Céu pra usar uma garota. Eu não sou tão incompetente assim com mulheres! – agora seu rosto queimava tanto quanto os olhos dela. Por que estava dizendo aquelas coisas? Porque se sentia na obrigação de se humilhar daquele jeito? De fazê-la saber? – Eu... – abaixou o tom e desviou os olhos. O fogo dos olhos dela estava diminuindo. E aquele brilho doce ele não podia suportar tão diretamente. – Me desculpe... Se eu me aproveitei da situação por uma vingança. Por favor... Me desculpe.
Sem saber o motivo, não havia nem mais cinzas nos seus olhos. Eles voltaram a ser a calmaria do céu sem nuvens da primavera. Em contraste com seu coração que não parava de estremecer-lhe as costelas.

- Tudo bem. – desviou o olhar do rosto dele.
- Eu... Não vou ligar pro que quiserem falar de mim. – ele disse. – Acho que não vale mesmo à pena. Deixe-a brincar de manipular as pessoas se ela acha que vai ser feliz assim.
Ela sorriu de leve. Ele tinha aprendido.
- Então acho melhor a gente voltar pra aula, né? Eu não vim aqui pra brincar de Gossip Girl e sim para me tornar uma médica.
- É. – relaxou os músculos. - Eu também.
Olharam-se. Havia acabado. Parecia que agora sabiam exatamente como lidar um com o outro.
Mas era só o que parecia. Eles continuavam os mesmos, lidando um com o outro do mesmo jeito de sempre. Era outro fator que havia mudado. Era um outro fator...
Andaram juntos de volta a sala de aula.
Pela primeira vez sem se importar com ela. E por que se importaria? Não havia mais motivos.
Pela primeira vez sem questionar sua própria mente sobre as intenções dele. O Céu, suas esperanças... Parecia haver esquecido que poderia haver outro motivo para tudo aquilo. Será que se lembraria num estalo? Será que não estava apenas atordoada demais? Será que não queria lembrar? Ou será que tinha realmente apagado da mente?
Parecia que ele também tinha esquecido... Não. Ele nunca tinha concordado...

****

- Rukia! – Mai foi atrás da pequena de cabelos negros quando a aula havia acabado e ela saía com pressa para os portões.
Virou-se para trás.
- Mai! – rezava mentalmente para conseguir lidar com ela do jeito que tinha que ser. – O que foi?
- Eu só... Queria saber se teve problemas com o Kurosaki. – disse, tentando não parecer tão preocupada.
- Oh não. Claro que não. – ela sorriu para tranqüilizar a loira. – A gente até que se dá muito bem, sabe? Não se preocupe com isso.
Se ela só queria chamar a atenção de Ashido... Por que é que estava ali? Tinha medo que o boato fosse desmentido?
- Olha... – a escorpiana continuava. – Se vocês estiverem juntos... Acho que não tem nada demais em me contar. Afinal, somos amigas, não é? – sorriu docemente.

Amigas... Eram amigas mesmo? Se ela ficasse cada vez mais próxima de Ashido ainda seriam amigas?
- É. – tentou imitar o sorriso. – Mas está mesmo na minha hora e eu tenho coisas mais importantes a fazer. Sabe... Comprei muitas coisinhas novas pras crianças da creche. Estou doida para ver as carinhas delas. – lembrando delas, não foi difícil continuar sorrindo.
- Ah... – sentiu-se um pouco envergonhada. Quer dizer... Rukia sempre estava fazendo algo importante enquanto ela ficava ali insistindo numa informação para um plano que já tinha ido por água a baixo. Um plano totalmente egoísta. – Tenho certeza que elas vão adorar.
- Então, até mais! – saiu andando. Viu Ashido conversando com um colega um pouco mais à frente e imaginou porque Mai devia estar tão preocupada com ela.
A loira então ficou suspirando ali sozinha. Perdeu Rukia de vista. Passou a olhar para Ashido.
É. Ele nunca a olharia de volta. Nunca mais.
O que teria de concreto em sua vida se não conseguia andar por nenhum caminho? Nem o caminho dos sonhos... Nem o caminho do coração.
- Mai, você está bem? – Chiharu apareceu e segurou-lhe os ombros preocupada.
- Não. – pôde dizer honestamente. Era tão aliviante. – Não estou bem, Chi.
E a morena, ainda segurando os ombros da amiga, levou-a para fora, foi com ela até em casa, acalmando-a do jeito que só ela conseguia fazer.
Não queria ver a amiga no fundo do poço de novo. Pediu aos céus que ela fosse forte e que a tempestade caísse logo daquelas nuvens suspeitas, para que o Sol aparecesse em seguida...

****

- Então é aqui que está morando agora... É uma boa casa. – ela sorriu após correr os olhos azuis por todo o ambiente.
- É. Não é muito, mas também não é uma miséria. – ele disse também sorrindo. Mas quando é que não estava?
Ficaram um tempinho num silêncio incômodo. Ela não sabia muito o que fazer. Vivia ressentida com ele... Mas era impossível não sair correndo quando a chamava. E quando estavam ali, sozinhos... Tinha até medo de dar o primeiro passo.

Mas quando deu por si, ele já a estava abraçando por trás. Sentia mais de perto o perfume que cismava ter cheiro de limão.
- Sentiu a minha falta? – ele sussurrou no ouvido dela fazendo com que se arrepiasse da cabeça aos pés.
Como podia responder aquela pergunta naquelas circunstâncias?
- Você sabe que sim... – murmurou de volta fechando os olhos. Não havia resistências perto dele. Não tinha jeito. Era por isso que era tão complicado amá-lo.
Os lábios dele começaram a tocar o pescoço dela. Raramente quentes e ávidos. Os dedos longos e delgados passeavam atrevidos pelas curvas da loira, subindo perigosamente para seu decote.
- Gin... – ela ofegou tentando mais uma vez ser dura. – Gin! – e mesmo com dificuldade conseguiu desvencilhar-se dos braços dele. Ainda tinha algo que era maior que sua paixão: seu amor.
- O que houve? – ele surpreendeu-se, mas o sorriso não largava o rosto.
- Não quero Gin. – ela apertou as sobrancelhas e o encarou nada contente. – Não quero mais estar com você só pra isso. – sentia o coração martelando, mas tinha que dizer. – Já não usamos mais os braceletes... Já temos que nos ver tão pouco e escondidos... E não é isso que eu quero quando me arrisco ao vir te ver! – lutava para não deixar a sensibilidade vencê-la. – Você não me ama mais?
Ficou sorrindo para ela para não transparecer seus pensamentos. Como o destino era cruel, não era? Sempre lhe era exigido aquilo que era proibido.
“... Com essa mulher... Não precisa cortar todas as ligações. Somente aquela que liga seu sangue com seu coração.”
As frases não saíam de sua cabeça. Sabia muito bem o que significavam.
Mas por que será que elas perdiam totalmente o sentido, o perigo, a ameaça... Quando aqueles olhos tão claros começavam a umedecer?
- Rangiku... – ele deu alguns passos a frente. – Não fale assim comigo, como se eu fosse um insensível... – a expressão não mudava. Como saber se estava mentindo ou sendo irônico?
- Então diga se me ama ou não! – ela estava orgulhosa de sua própria firmeza.

Estava contra a parede. Aquele sentimento era mesmo devastador... Era o que mais temia na vida.
- Eu te amo. – disse. E o sorriso até se tornou mais fraco. Sinal de honestidade? Talvez. Agora ele estava sério.
- Gin... – ela não pôde se conter, os olhos transbordaram. – Por que faz assim comigo?
E antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa com a voz embargada, ele a tinha empurrado no sofá e se colocado por cima. A olhava próximo, nos olhos. As respirações colidindo.
- Por favor... – ele praticamente soprava as palavras. – Acredite em mim.
- É que... É tão difícil... – ainda estava arregalada com aquela reação tão rápida.
- Você não tem idéia do que é realmente difícil. – ele continuou soprando.
- É ressentimento? – ela perguntou. – Foi a prisão? Acha que não deve se envolver comigo?
- Shh! – ele pôs o dedo indicador na frente dos lábios dela calando-a. – Você não sabe de nada... – o sorrisinho estava de volta.
- Então me deixe saber! Por favor... – a voz estava falhando. O coração a atrapalhava com tantos batuques.
Ele passou a mão pelos cabelos ondulados dela, devagar. Em total silêncio de contemplação. Os dedos foram mudando o rumo para seu rosto, seus lábios...
- Você me vence, Rangiku... – ele disse baixinho, enquanto contornava os lábios dela. – Você sempre me vence.
E quando ela pensou em responder, ele a estava beijando explosivamente. Sim. O beijo mais sincero que lhe dera desde seus meses
em prisão. Paixão, saudade, e principalmente ternura e entrega explodiram juntos.
Se teve medo de perdê-la, se o que é proibido é mais gostoso ou se simplesmente decidira deixar seus sentimentos fluírem honestos... Não sabia o que o estava fazendo se mover desse jeito. Ninguém sabia. Talvez nem ele mesmo. Mas aquele beijo foi uma boa resposta para as questões de Rangiku.
Não sabia se depois que cansasse ia mandá-la embora e só aparecer semanas depois. Não sabia se dali para frente seria diferente.
Mas sabia que era impossível fugir daquele sentimento.

E sabia que ele existia. E sempre acabava se jogando e confiando... No que quer que fosse. Nele.
- Eu te amo. – ele repetiu num sussurro. – Eu prometo, não importa o que aconteça.
Sorriu emocionada. Aquelas palavras eram completas para seu coração romântico. Os olhos brilhavam. Queria que o tempo parasse ali.
E ele não deixou que ela respondesse de volta. Beijou-a de novo e de novo e de novo.
Até que adormecessem juntos, como se assim pudessem fazer a união durar por mais tempo.

****

Chegou em casa, já era de noite. Foi procurar as cartas na caixinha do correio como sempre. E lá estava o envelope que tinha feito falta. Aquele brilhante e estrelado.
Entrou em casa impaciente para abri-lo.
- Onii-chan! – Yuzu veio correndo para o irmão. – Nem avisa quando chega!
- Ah. – ele tirou distraído os olhos da carta e escondeu-a atrás de si. – Oi!
- Hunn... – ela inflou as bochechas brava. – Oi. – respondeu contrariada com a falta de jeito do irmão. – Venha comer.
- Eu já vou, vou tomar um banho rapidinho.
- Ai, ai... – ela suspirou com as mãos nos quadris enquanto via o irmão subir as escadas. – Desde que entrou pra faculdade chega tão tarde
em casa... Papai disse que passou a golden week nas “noitadas”... Onii-chan, sei que você não é disso... Mas olha, não precisa fazer tudo que seus amigos fazem só porque o papai fica te pressionando.
Demorou mas caiu a ficha do ruivo. Parou no quinto degrau e girou para ela com a boca aberta.
- Como é que é?! – incrédulo.
- Isso mesmo! – ela continuava fazendo pose de autoritária, mas era meiga demais para assustar. – Você sabe que o papai é exagerado e nós sabemos que você é bom do jeito que você é.
- Não! – ele apertou mais as sobrancelhas. – Do que você está falando? O que aquele velho louco inventou?
- Ahn? – ela não entendeu.
- Argh! – ele sacudiu a cabeça com força. – Parece que é você que não sabe que ele é exagerado! Noitadas... Vê se pode! Velho idiota! – saiu fazendo estrondo nos próximos degraus acima.

- Onii-chan! – a loirinha ficou gritando lá de baixo. – O que deu em você?
Mas ele ignorou-a e bateu a porta do quarto quando entrou. Ainda estava xingando tudo quanto é nome. O que suas irmãs estavam pensando? Que ele virou noites seguidas na rua, bêbado? Ou pior... Não gostava nem de pensar!
- O que aquele anormal quer de mim? – o bico quase atravessava o quarto. – Não vou contar onde eu estive. – andou até a janela.
Abriu-a e sentiu a brisa da noite refrescar-lhe o rosto e a mente devagar. Havia uma estrela azul perto da Lua minguante. Quase sorriu.
Lembrou-se da carta e então a abriu depressa. Já nem pensava mais nas loucuras do pai. O que Celeste-sama proporia dessa vez?

“Kurosaki Canceriano-san!

Espero que esteja bem! Depois de tantos barracos e o difícil desafio de ser acorrentado à sua iluminada alma gêmea, sabemos o quanto deve estar cansado. Tanto é que demos uns dias de folga para os dois e, essa nova missão não vai ser difícil.
Bem... Só espero que ela não dê problemas tão sérios como da última vez. Porque, falando sério, não tenho outra tramóia se vocês teimarem em se separar de novo senão a corrente. Hehehe. E eu não gosto de ser repetitivo.
Enfim, a sua missão estrelada dessa vez é, reconstituir a lista de defeitos da sua alma gêmea, baseado no seu novo conhecimento sobre ela.
Seja sábio. Estamos lhe dando mais uma chance de consertar o que magoou tanto sua capricornianazinha difícil. Mas não vale mentir, hein?
Ah! E quando terminar a lista pode entregar pessoalmente para a sua alma gêmea. Afinal, agora vocês já sabem da pegadinha, nem tem mais graça, né?

Desejamos uma semana estrelada.

Celeste-sama e a equipe de Céu.”


Suspirou. Realmente era fácil. E sabia exatamente o que fazer dessa vez. Sem mentiras. E sem pré-julgamentos.
Tentou não ficar imaginando o que Rukia escreveria na segunda chance de sua lista... Isso se ela tivesse recebido essa missão!

Do Celeste-sama pode-se esperar qualquer coisa...

****

Terminou de ler a carta e guardou-a meneando a cabeça. Celeste-sama era muito inconveniente mesmo.
- Rukia-chan... O que tem aí na carta? – Rangiku quis saber toda empolgada.
- Nada de mais. Só a reconstituição de uma lista que fizemos... – fez pouco caso e largou a carta perto do seu pote de pétalas. – Onde está a Momo?
- Dever de casa. – ela respondeu sorrindo.
- Humm...
Ficaram um tempinho
em silêncio. Rukia tentava, mas não conseguia tirar aqueles tantos pensamentos da cabeça. Fora um dia muito cheio.
De repente, teve um estalo.
- Rangiku!
- Sim?
- Você conhece a Mai, não é? Sagatsuki Mai.
- Conheço sim. – ela afirmou. – A gente fez uns trabalhos de modelo juntas. Bastante tempo que não a vejo. Ela até morou um tempo aqui, quando os pais viajaram. Eu que indiquei. – sorria. – Mas por quê?
- Humm... É que estudamos juntas. – ela disse com os olhos perdidos. – Que tipo de pessoa ela era quando morava com você?
- Hum... – afundou-se mais no colchão, pensativa. – Ela não falava muito. Levava o maior jeito para as fotos e tal... Mas parece que ela não gostava muito, estava sempre mal-humorada durante as sessões.
- Mais o quê? – queria saber mais. Será que haveria uma terceira personalidade?
- Ela passava algumas noites em claro escrevendo num caderno. Mas nunca deixou eu ler. Ela saía muito também... E eu também, então... – riu. – Mas nas poucas vezes que conversamos, ela era simpática e agradável. Só que a Momo já a viu chorando algumas vezes... E ela nunca dizia o motivo pra gente... – fez uma pausa e pensou um pouco. – Acho que posso dizer que ela é bem misteriosa. Difícil saber o que passa na cabeça dela. – sorriu.
- É... – Rukia sorriu também. – Exatamente. – então era isso. Ela vivia mesmo uma vida de obrigações. Tinha medo demais de lutar pelo que queria. Tinha medo demais de mostrar o rosto.
- Mas por que, Rukia-chan? Não entendo...

- Ah, nada não. É que eu tenho conversado bastante com ela e pensei o mesmo. Ela é mesmo misteriosa.
Difícil. Mas ia conseguir resolver tudo. Com certeza ia.

Continua...



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