Céu escrita por Liminne


Capítulo 20
Capítulo 20 – Grades da liberdade




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A quarta-feira mal havia amanhecido e o maldito celular já estava tocando irritantemente. Abriu devagar os olhos sonolentos e praguejou num sussurro. Parecia que tinha acabado de pregar os olhos... Que injusto!
- Alô... – arrastou a voz esfregando um dos olhos com a mão que não segurava o celular.
- Estabilizado? – veio a voz do outro lado, com aquela mesma palavra em pergunta tão maçante.
- Ahn... Sim... – suspirou e sentou-se na cama com os olhos ainda fechados e a mente a se situar. – Encontrei um pequeno apartamento. – bocejou.
- Precisamos conversar. – a voz dura continuou como se não houvesse ouvido a boa notícia. – Sobre aquela mulher.
Rangiku. Sabia que era sobre ela. Os olhos então se abriram e o rosto ficou sério como nunca ficava. O sono fugiu-lhe como um passarinho finalmente livre da gaiola.
Tivera sorte de não ter morrido por ela. Não. Talvez não.
Talvez não fosse tão relevante. Talvez o chefe confiasse mesmo nele... Mas então... Por que de novo ela na conversa?
- Que... Mulher? – soltou cauteloso.
- Vou fingir que não ouvi seu cinismo. – ele cortou com um curtíssimo riso desdenhoso. – E seu envolvimento com ela?
Segurou a testa e fechou os olhos novamente. Imagens vieram-lhe à mente. Principalmente dos olhos dela... E da voz... Do riso... De quantas vezes ela havia lhe mostrado uma vida que não conhecia... Dos beijos que compartilharam sem pensar em mais nada. E as milhões de vezes em que ela afirmara que o amor era maior que tudo. E o fizera rir. E no fundo acreditar. Plantou aquela sementinha. E quando entrou naquele programa maldito, aquele tal de Céu, só para ver a cara do charlatão idiota... Maldição. Que maldição!
Mas sentia falta daquele bracelete... Tanto que até aquela traição fora quase totalmente apagada de sua mente.
- Vocês continuam se encontrando? – o homem do outro lado da linha insistia.

- É. – ele respondeu tentando que saísse bem firmemente. – Sim. Mas não há com o que se preocupar. Não estamos mais sendo rastreados e muito menos... Bem, acabou. Não estamos mais juntos pelos motivos de antes. Depois de tudo, acabou. – cerrou o punho.
- É bom para você que não esteja tentando mentir pra mim. – a voz dele era séria, mas despreocupada. – Porque o único que acaba se ferrando na história sempre, por causa dessa mulher, é você. E não vai ser diferente se quiser me enganar. Vai ficar sem ela por bem ou por mal. – fez uma pausa sombria. – Entendeu?
- Nem precisava dizer. – o sorrisinho macabro voltara aos lábios. Tinha que ser assim. Não tinha outro jeito. – Eu estou ciente de todas as conseqüências e não vou errar de novo.
- Acho ótimo. Pois estamos acabando. Encontramos o desfecho perfeito. Ainda no fim deste ano quero estar bem longe daqui. E não precisar me preocupar mais com essa merda toda. Parar de viver como um imbecil.
- Que bom. – disse Gin. – Então encontrou...
- Nos falamos depois... Há algo que quero lhe dizer. – fez uma pausa antes de desligar. – Com essa mulher... Não precisa cortar todas as ligações. – outra pausa assustadora. – Somente aquela que liga seu sangue com seu coração. Não repetirei.
- Certo. – afirmou com a maior força que conseguiu e ouviu o barulhinho da ligação terminada do outro lado. Desligou também. – A ligação do meu sangue com meu coração, hã? – caminhou até a janela fechada. A manhã estava começando. O céu tão claro e límpido que nem parecia de verdade. Assim como seu rosto sorridente.

****

Algumas horas depois, quando o sol já estava bem confortável no céu da manhã, a dupla acorrentada terminou o café da manhã no restaurante do hotel.
- É hoje o passeio no jardim. – Ichigo disse tomando seu último gole de chá.
- É. – Rukia reprimiu um sorrisinho. Quase um riso. – Porque será que regularam por tanto tempo? Deve ser mesmo um jardim especial!
- Não é? – ele entrou na pilha. – O que acha de irmos visitá-lo? Estou curioso...

- Acho ótimo! – sorriu teatralmente. – Mal posso esperar!
Levantaram-se e foram andando atrás de todos os hóspedes que seguiam o mesmo caminho. Lado a lado, sem se olharem por um tempo. Rindo de si mesmos e sentindo-se muito mais relaxados.
- É mesmo lindo não é? – já dentro do jardim, Rukia olhou para o rosto de Ichigo.
Ele a encarou também. Ela sorria. Não pôde evitar fazer o mesmo, bem rapidamente, e logo pousar os olhos nas flores de seu canto.
- É. Só não entendo porque as flores desse canto estão faltando uma pétala...
- Por que será? – ela inclinou a cabeça fazendo cara de dúvida.
E continuaram aquele mesmo caminho, agora de recordações, sem aquela que sabia todos os segredos, sem a maior cúmplice da dupla: a Lua. Ao invés disso, o Sol os vigiava, apontando os raios sem parar para eles, como se desconfiasse da sua culpa. E eles caminhavam como se não se importassem. É. Não tinha mais nada pra se importar tanto.

****

Depois do almoço, lá estava ela de novo. Aquilo já tinha se transformado numa rotina. Uma rotina do feriado. Não queria que acabasse nunca. Era mil vezes melhor que ter viajado ou algo assim.
- Então quer dizer que você cozinha melhor que sua prima de mais de vinte anos? – sorria o homem como sempre gentil. – Não me espanto tanto.
- Verdade? – os olhos dela brilharam.
- Claro. – ele assentiu colocando os biscoitinhos na mesa junto com o chá e sentando-se à frente dela em seguida. – Aquela vez que você fez almoço aqui
em casa... Era sua primeira vez e já deu pra ver seu talento.
- Ah, não é assim... – as bochechinhas coraram. – Qualquer pessoa pode cozinhar melhor que minha prima desastrada. – olhou para baixo.
- E você a deixou sozinha para vir pra cá? – ele fez cara de quem sente pena e serviu o chá para os dois.
- Ah, tudo bem! – Momo agitou as mãos. – Ela disse que estava com dor de cabeça e queria dormir o dia inteiro... Então achei melhor não ficar pra atrapalhar já que o apartamento é minúsculo.

- Você é mesmo muito gentil, Hinamori-kun. – ao terminar de servir o chá, ele sorriu para ela.
Ela sorriu de volta timidamente e tratou de ocupar metade do rosto com a bebida para não ficar tão sem graça.
Ficaram algum tempo
em silêncio.
- Ahn... Aizen-sensei
... – ela resolveu falar o que estava preso desde... Bem. Desde aquele dia. Mas fechou a boca. Não podia. Talvez naquele momento nem combinasse tanto... Se ele não lembrou de dizer, vai ver que não era mais necessário... Continuou a frase curiosa de outro modo. – Não tem... Não tem mais trabalho para eu te ajudar?
- Ah, não. – ele continuava a sorrir. – Ter até tem. Mas não quero mais envolvê-la nessas coisas chatas. Prefiro tomar um chá e conversar com você. Acho que já fez bastante, não vou te explorar.
- Que é isso! – ela arregalou os olhos. – Aizen-sensei... Assim sinto como se estivesse atrapalhando o senhor!
- Ah, nem pensar! – ele pousou a xícara de chá na mesinha. – Estamos num feriado, certo? Quando você vem aqui, sinto que posso relaxar... É como se fossemos amigos também, não acha?
Os olhos dela estavam completamente estrelados. Não mexia nem a boca. Ele a considerava mesmo algo mais que uma aluna...
- O que foi? – ele franziu as sobrancelhas diante da expressão paralisada dela. – Me acha muito velho para ser seu amigo?
- N-não! – ela sacudiu a cabeça com força. – Eu estou muito feliz, Aizen-sensei! Muito feliz de ser sua amiga.
- Eu também. – ele assentiu sem tirar o sorriso terno dos lábios. – A propósito... Acho que sei bastante de você para dizer que sou seu amigo. – mastigou um pedacinho do biscoito. – E queria que você soubesse mais de mim também.
- C-claro! – ela segurou com força a saia azul escura de estrelinhas coloridas na lateral. – Eu adoraria!
Aizen levantou-se.
- Então... Há algo que eu queria te mostrar. – sorriu mais uma vez. – Siga-me.

Momo levantou-se rapidamente e foi atrás dele largando chá, biscoitos e qualquer outra coisa que não tivesse a ver com aquele sentimento que formava uma bolha de felicidade ao seu redor, pra trás.
Andaram pelos corredores da casa do professor, que não era nem tão grande nem tão pequena, apenas aconchegante e bem simples, até chegarem a uma porta lá no fundo. Ele hesitou.
- Aizen-sensei... – ela corou violentamente. – O que tem aí? – será que ele ia mostrar seu quarto? Algo assim tão pessoal? Não... Era bom demais para ser verdade...
- Antes, prometa que não vai rir de mim? – sorriu para ela fazendo mistério segurando a porta entreaberta.
- Claro que não vou rir! – a curiosidade na pequena geminiana estava a ponto de explodir.
- Certo então. – ele espiou dentro da porta ainda hesitando, e só depois de algum tempinho abriu-a de uma vez.
E os olhos castanhos da menina puderam percorrer o cômodo todo. E era um quarto relativamente grande. Tinha um grande armário encostado na parede branca. E o piso de madeira clara. Pareceria um pequeno dojo se não fosse pela câmera fotográfica daquelas profissionais.
- O... O que é isso? – ela franziu a testa confusa.
- Esse é o meu segredo. – ele aproximou-se dela.
Os dois entraram na sala espaçosa que fazia eco.
- Lembra que conversamos sobre fazer aquilo que gosta? – olhou para o nada parecendo meio sonhador. – Pois então... O que eu realmente queria era ser um fotógrafo...
Momo continuou encarando o professor. Então era esse o segredo... Ele queria ser um fotógrafo... Era algo realmente inesperado!
- A-Aizen-sensei... Mas o senhor é... É tão bom como professor...
- É. – ele balançou a cabeça. – Eu gosto das salas de aula... Mas essa seria minha segunda opção. – caminhou um pouco mais pra dentro da sala. – É uma paixão maior a fotografia... Mas é bem difícil viver disso... – soltou um risinho curto.
- Entendo... – agora olhava a câmera curiosa. O que será que ele gostava de fotografar?

- Então... – virou-se finalmente para ela, ainda com aquele calor de sempre no rosto. – Pode manter esse segredo?
Ela sorriu iluminada. Estavam sendo cúmplices. E ele estava confiando aquilo para ela.
- É claro que sim. – ela respondeu com o rosto afável. – Nem precisava perguntar.
Ele manteve o sorriso agora como agradecimento.
- E então, Aizen-sensei... Poderia me dizer... O que o senhor gosta de fotografar? – piscou os cílios toda intrigada e animada.
Ele riu um pouco. Desviou os olhos dela, parecia pela primeira vez meio sem jeito.
- Mulheres. – respondeu enfim.
O que assustou a moreninha e fez com que seus olhos se arregalassem.
- Mas não pense mal de mim. Não pense que sou um pervertido! – ele continuava com aquele risinho suave. – Eu queria fotografar modelos... Acho incrível o poder de uma fotografia... E as diferentes belezas que podemos capturar com a câmera... E as mulheres são muito misteriosas, ideais para esse tipo de trabalho.
Os olhos voltaram ao tamanho normal. Então era isso... Ele queria apenas fotografar modelos... Ele apenas admirava a beleza misteriosa das mulheres...
E já tinha dito a ela uma vez que era bonita...
Seu rosto ficou quente na mesma hora e o olhar pulou para os pés. O coração batia em todos os cantos do corpo.
- Será que... – o homem foi se aproximando da câmera com pose de ação. – Será que você se importaria de posar para uma foto, senhorita? – sorria.
Agora, os corações em todos os cantos do corpo pareciam ter se multiplicado. O sangue corria uma maratona incansável. Ela tinha mesmo... Ouvido aquilo?
Lentamente subiu os olhos para aquele sorriso convidativo. A mão dele na câmera. As palavras do outro dia... Seu desejo de sempre... O desejo dele.
- Claro que não. – ela sorriu de volta do melhor modo que conseguiu.
- Muito obrigado! – ele foi até ela. – Você é uma menina muito bonita e gentil. – meneou a cabeça. – Agora vamos prepará-la...

****

A quarta-feira passou rapidamente.

Para os que se divertiam, para os que resolviam sua vida, para os que dormiam ou simplesmente para os que passavam seu tempo.
Depois do passeio cheio de recordações no jardim, Ichigo e Rukia decidiram passear um pouco pela cidade. A capricorniana fez algumas compras. Não contaria de jeito nenhum o que aconteceu entre eles, acorrentados, para ninguém. Então tratou de comprar algumas lembrancinhas para as amigas de quarto por lá mesmo, rezando para que não percebessem que não vinham de Kofu. Conversaram, caminharam, brigaram algumas vezes... Mas como era impossível cada um seguir para o seu lado, permaneceram juntos até voltarem ao acordo.
Ichigo pôde mostrar alguma coisa de Tóquio para a pequena do interior.
Quando regressaram ao hotel, o sol já havia se posto.
- Então não tinha mesmo vindo a Tóquio... Incrível... – iam conversando enquanto adentravam novamente o quarto de madeira.
- É. Acho que estive aqui quando era bem pequena... Mas não me lembro muito bem. Meu pai costumava vir para visitar um amigo... O Shunsui-san, o dono da república onde moro. Mas na maioria das vezes, era ele quem ia até nós...
- Sei, sei... – o ruivo sentou-se cansado na cama. – Ahh... – suspirou. – Andamos muito não é?
- Verdade. – ela sentou-se também. – Mas valeu à pena pelas compras. – sorriu para as sacolas.
- Pensei que capricornianas não gostassem de gastar dinheiro. – ele observou com uma sobrancelha arqueada.
- É, eu sei. – ela remexeu em uma das sacolas que colocara no colo. – Mas é uma ocasião especial, não acha?
- Hun... Pode ser. – ele deu de ombros. Mas era bom ver que ela estava animada.
- Olha. – ela tirou algo da sacola e jogou em cima dele. – Segura.
- Ai! – ele pegou o pequeno embrulho no ar. – O que é isso?
- Abra, ora essa! – ela mandou séria.
Ele então, meio desconfiado, abriu o embrulho. Tirou de dentro, um saquinho transparente... E dentro dele tinha... Um pedaço de tecido?
Tirou-o lá de dentro de uma vez. Virou-o nos dedos.
- Uma munhequeira... – murmurou para si mesmo. – De caranguejo?

Ela sorriu.
- Gostou né?
- É... – continuou virando-a nos dedos. Era preta com um caranguejo laranja estampado. – É meio gay...
Mais uma vez, ela deu uma arrancada com a corrente.
- Ai, desgraçada... – ele grunhiu.
- Mal agradecido! – ela empinou o queixo. – Você mesmo sabe que capricornianas não gostam de gastar dinheiro. E eu gastei o meu com você. Só porque achei que era legal... E... Do seu signo e tudo mais... E dá pra tampar o bracelete e tudo... – ficou quieta meio indignada. – Mas se não gostou, eu devolvo pra loja!
- Não. – ele sorriu sem ela perceber. – Eu vou ficar com ela. Obrigado.
Olhou para ele meio desconfiada.
- Não precisa aceitar por pena. – sentia a dignidade ferida.
- Não é por pena. – ele respondeu agora com aquele tom conhecido de impaciência. – Até que eu gostei mesmo... – ficou olhando para o caranguejo estampado. Parecia mesmo com ele, não é?
Ele tinha gostado, não tinha? Era bom que tivesse.
- Para agradecer também... – ela disse baixinho, olhando para a mesma estampa que ele. – Pelas pétalas... Pela patinação... Pelo passeio... – fez uma pausa difícil. – Pela paciência.
Ele olhou para ela. E ela olhou também.
- Eu sei... Isso é pouco... – sentiu as bochechas corarem. Não estava entendo o motivo daquilo. – Mas sabe...
- Não precisa ficar se explicando. – ele cortou-a. – E nem agradecendo... – desviou os olhos, impotente. – Eu fiz porque eu quis, certo?
Ela ficou ali, embasbacada. Olhando paralisada para ele. Então ele... Realmente ele...
Sorriu.
- Foi divertido, não foi? – olhou para ele mais viva.
- É. – ele sorriu também. – Menos a parte da ressaca... E o tombo! – pôs a mão na testa.
Ela riu um pouco.
- Vamos tomar um banho? – ele convidou.
- É. Vamos. – ela concordou.
E os dois saíram para o banheiro.

****

Quinta-feira.
Era cedo, nem mesmo nove da manhã. Mas a loira milagrosamente estava de pé no hall do prédio da república.
Estava se sentindo tão perdida... Dormira quase o dia anterior inteiro. E agora não tinha mais sono.

Sentia falta de Rukia... Queria se abrir com alguém.
Mas mais do que isso... Queria ir a uma festa. Queria beber até cair. E não queria levantar. É. Queria entrar em coma alcoólico. Não importava o que aquela baixinha autoritária dissesse. Essa sempre fora a melhor solução para seus problemas.
Mas... Sem saber o motivo, não estava procurando nenhuma de suas amigas festeiras. Ou nenhum de seus ficantes. Não. Só estava ali, reprimindo aquela vontade, assim como aquela tristeza. Parada diante do balcão de recepção, pensando no próximo passo a dar.
- Bom dia, Rangiku-chan! – Shunsui apareceu de repente, com cara de sono, mas todo sorridente.
- Ah! – ela sorriu de volta. – Bom dia!
- Parece que o tempo não está lá essas coisas, né? – o homem barbudo espiou lá fora. – Vai chover.
- Uau! – a libriana conferiu. – É verdade... Por essa eu realmente não esperava...
Nanao passou pelos dois com seus livros espremidos entre os braços e os peitos.
- Bom dia, Nanao-san. – Rangiku cumprimentou.
- Bom dia. – ela ajeitou os óculos e balançou a cabeça educadamente.
- Não é uma gracinha a Nanao-chan quando acorda? – Shunsui perguntou todo animadinho para a loira. A face corada e aquele sorrisão.
- Ah, é. – ela riu. – Nanao-san é muito bonita.
- Hunf! – ela empinou o nariz e saiu andando para trás do balcão. – Já começa o dia...
Esperou que ela estivesse longe e com a cabeça distraída em seus afazeres para aproximar-se de Rangiku e começar a cochichar.
- Você sabe... Quem esteve aqui num outro dia? – ele perguntou alternando o olhar entre Rangiku e a mulher de cabelos presos.
- Q-quem? – ela fez-se de desentendida.
- O Gin! – ele respondeu ainda alternando as olhadas. – Ele queria voltar... Sabe, por mim eu até deixava... Mas a Senhora Encrenca ali o expulsou aos gritos... – apontou disfarçadamente para Nanao com o dedo.
- Sério? – ela segurou-se para não rir. – Ela deve achar mesmo que ele é muito perigoso...

- E quem não acha? – ele sorriu. – Admiro a sua coragem, moça... – deu um tapinha amigável no ombro dela. – Ou, seu amor...
Quando ela se preparava para responder, seu celular tocou.
Falando no diabo...
- Com licença, vou atender... – sorriu e saiu de perto. – Gin! – não conseguiu não parecer ansiosa. Embora estivesse sussurrando.
- Rangiku. – a voz dele era a mesma de sempre. – Consegui um lugar para morar. Me mudei.
- Isso... Isso é ótimo! – ela sorriu genuinamente contente. Mas não deveria estar... Não queria estar.
- É. – ele fez uma pausa. – Você... Vai vir me visitar?
O coração deu um salto doído. Por que ele fazia isso o tempo todo? Se sentia uma criança brincando de bobinho. No caso, ela era o bobinho sempre. E havia dois Gins, um de cada lado, confundindo-a com a bola de um lado para o outro.
- Eu... Posso? – mesmo assim, parecia não se esforçar pra se concentrar na bola.
- É meio arriscado... – ele disse deixando-a irritada de novo. – Mas... A gente dá um jeito, certo?
- Gin... Eu...
- Não apareça sem avisar. É mesmo muito arriscado.
- Não entendo o que... – ficou quieta.
Ele estava frisando que era arriscado. Mas mesmo assim fazia questão que ela dissesse que o iria visitar.
- Certo. – respondeu então, com uma sementinha de felicidade germinando. – Eu... Te amo. – não teve como evitar.
Ele não respondeu de imediato.
- Eu também.

****

- Não tô acreditando... – Ichigo estava sentado na cama, ouvindo o barulho lá fora.
Rukia abria os olhos devagar.
- O que aconteceu, Ichigo? – bocejou enquanto espreguiçava-se.
- Acho que está chovendo... – ele disse ainda olhando para a janela fechada.
- Chovendo?! – agora ela despertou. – Não pode ser... – afundou-se no colchão com cara de poucos amigos.
- Ahh... – ele suspirou. – Isso quer dizer que vamos ficar o dia inteiro nesse hotel sem fazer nada... – segurou a testa e balançou a cabeça contrariado.
Rukia então se levantou, obrigou o jovem a fazer o mesmo e eles foram até a janela conferir. Abriram a dita cuja e conferiram.

Era verdade. A água caía do céu como se nem ligasse que fosse feriado... Como aquele amigo mala que teima em aparecer para estragar os melhores momentos.
- Que ótimo... – ele bufou.
Ela, porém, ficou quieta, olhando a janela. A chuva molhava o jardim... As flores sem pétalas... O céu não estava mais tão azul. Estava se sentindo um pouco contrariada. Mas não estava tão irritada quanto o ruivo que não parava de fazer caretas.
O frio estava gostoso. E a verdade é que estava bastante cansada do dia anterior. Estendeu a mão pela janela e deixou algumas gotas molharem seu dedo.
O canceriano olhou então para ela. O rosto era suave, quase sorrindo. O que o fez abrandar o seu próprio. Olhando para aquela pequena mulher... Tinha acabado de acordar e já esboçava um sorrisinho minúsculo tão encantador. Os olhos levemente inchados ainda eram tão grandes e brilhantes. Vestida naquela camisola branca de mangas compridas, parecia uma... Uma...
- Por que não ficamos o dia inteiro fazendo algo que não precise sair da cama? – ela sorriu para ele tirando a mãozinha da chuva.
Ele recuou um pouco, o rosto enrubescendo no mesmo minuto e a boca abrindo.
- Ru-Rukia... Você...
- Ei! – agora as sobrancelhas dela apertaram-se. – Por que essa cara? Eu falei alguma coisa errada, idiota? – plantou uma mão no quadril com força.
- N-não! – o coração batia a trilhões por segundo. – Eu só... Er... Só...
- Pervertido! – berrou irritada. – Eu não quis dizer nada assim! – também estava vermelha enquanto marchava para o banheiro sem se importar em estar puxando o ruivo atrás, fazendo barulho no piso de madeira. – Aliás, pensa bem! Até parece que eu vou fazer uma coisa dessas... Com você! Argh! – sacudiu a cabeça. Os punhos iam estourar a qualquer momento.
- E-Eu não pensei em nada disso, droga! – o rosto queimava e queimava.
- Hunf! – entraram no banheiro e começaram a preparar-se para escovar os dentes. – Acho melhor a gente ir pra rua, na chuva! Estou com medo de ficar aqui com você!

- Fala sério! – ele emburrou. – Se eu quisesse fazer alguma coisa, já tinha feito há muito tempo!
Ela girou o rosto indignado para ele.
- O que quer dizer com isso? – diminuiu os olhos.
- Er... – mais besteira, será que não podia ficar calado? – Quando você estava bêbada... – coçou a nuca e desviou os olhos, mas continuava com aquela expressão que dava medo nas pessoas. Menos naquela baixinha, é claro.
- O quê?! – ela berrou mais indignada ainda. – Então quer dizer que este tipo de pensamento passou pela sua cabeça de verdade? – afastou-se dele o máximo que a corrente permitia. – Celeste-sama, socorro! Estou amarrada com um pervertido sem escrúpulos!
- Cala essa boca, garota! – ele esbravejou. – Eu não sou um pervertido, sua imbecil!
- Celeste-sama! Celeste-sama! Pode me ouvir?! – ela continuava, falando para o bracelete como se realmente pedisse socorro.
- Pára com isso, porra! – agora foi a vez dele de dar um puxão com a corrente.
Ela parou. Mas continuou com a cara fechada, como se estivesse na defensiva. Escovaram os dentes
em silêncio. Mas ela continuou olhando para ele de rabo de olho.
Não era possível! Ela queria tirá-lo do sério!

****

- E a ala pediátrica... – rabiscou mais um pouco no caderno com suas canetinhas coloridas. – Vou fazer questão de acompanhar cada milímetro! Principalmente da decoração. – estava séria para o papel, mesmo que os desenhos fossem totalmente infantis. – Vou encher de coelhinhos e desenhos... Vou doar toda a minha coleção.
O ruivo franziu o cenho para a folha desenhada. A verdade é que estava se esforçando, mas não estava compreendendo bem.
Os dois haviam juntado as camas de solteiro do quarto e estavam deitados de bruços, fazendo planos. Ela os concretizava no papel. Já era de tardinha. Como dava para ver, já tinham esquecido a briga.
- Huum... – ele continuava se esforçando no exame. – Eu acho legal, mas... Eu não entendo bem de esboços... Vamos desenhar direito agora, certo?
Ela olhou para ele.

- E eu não sei desenhar esboços. Onde foi que você viu um esboço aqui?
Ele sustentava o olhar mudo. Ela estava sem expressão, esperando a resposta dele. E ele não entendia.
Então...
- O quê?! – ele berrou de súbito. – Quer dizer que você tá desenhando sério desde o início?!
- Por que o espanto? – ela se conteve com força. – Por acaso o desenho está ruim?
- Ruim?? – ele olhou bem para ela. – Ruim?? – riu. – Antes estivesse ruim, aí dava pra entender. Isso aí tá horrível, terrível, não dá nem pra... Ahhh!
É. Fora atingido com uma canetinha no olho.
- Sua louca! – levou a mão ao olho ardido. – Idiota! Filha de uma...
- OLHA A BOCA! – ela ameaçou enfiar um punhado de canetinhas agora na boca aberta do espetadinho.
- Grr... – rosnou segurando-se. – Alguém já te disse que você é muito violenta pra alguém que não tem nem um metro e meio?
- Ah, pode apostar que já. – ela afirmou. – Mas são só meus inimigos que falam isso! – aproximou-se da bochecha dele com a ponta da canetinha.
- Ei, ei! O que você está fazendo? – ele tentava recuar.
- Te atacando de um jeito menos violento, já que você é frágil demais pra isso, sabe como é... – rabiscou o rosto dele.
- Ahh! Saai!
Ela não parava, continuava desenhando, se divertindo.
- A gente também podia pintar a cara do médico pras crianças ficarem rindo. – ria.
- Só se o médico for você! – ele continuava tentando recuar,
em vão.
- Eu
? Mas eu não tenho cara de espantalho... Já você... Com esse cabelo laranja... Já é meio caminho andado...
- SAI DAQUI, RUKIA! – ele finalmente parou o ataque dela segurando os bracinhos finos com força.
Os dois coraram instantaneamente. Estavam a pouquíssimos centímetros um do outro.
Ela parecia o estar engolindo com os olhos grandes de céu de primavera.
E os dedos dele em torno de seu braço pareciam a estar obrigando a não sair nunca mais... Pareciam querer que ela ficasse...
Ouviram batidas na porta. O momento de vidro quebrou em mil pedacinhos com as batidas. Não sabiam que o vidro era frágil?
Separaram-se.

- Q-quem é? – ela perguntou receosa.
- É da recepção. – responderam.
Eles se entreolharam.
- Vai ver esquecemos alguma coisa lá embaixo. – Ichigo deu de ombros.
- Pode entrar! – Rukia ordenou.
Um velhinho então entrou no quarto e sorriu para o jovem casal. Mas não era um sorriso gentil. Era uma estampa forçada.
- Já está na hora. – ele disse. As palavras soaram frias e cortantes.
- Na hora? – Rukia sorriu sem graça. – Na hora de quê?
- De vocês irem embora. – ele continuava com aquele sorriso medonho. Dava para sentir que a sua vontade real era sair expulsando-os a pontapés. – A estadia acabou.
A dupla entreolhou-se de novo.
- C-como assim acabou? – Ichigo perguntou atordoado. – Estamos hospedados por toda a Golden Week, não?
- Não. – o velho baixinho respondeu. – Está decidido que a estadia acaba hoje. – falava com força, mesmo sendo um velho. – Vai querer discutir, meu jovem?
Mesmo parecendo tão fragilzinho, ele dava medo. Vai saber por quê. Quando se trata de dinheiro, as pessoas realmente ficam ferozes.
- N-não. – Ichigo respondeu. – Vamos arrumar nossas coisas agora mesmo.
- Tudo bem. – o velho assentiu com a cabeça. – Os espero lá embaixo em dois minutos. Não tenham pressa. – e saiu.
- O que foi isso? – Rukia estava confusa.
- Eu não sei... Você não achou esse velho muito suspeito? Deu dois minutos e disse para não termos pressa! – os olhos castanhos estavam arregalados. – Ele me lembra meu avô...
- Não estou falando disso, idiota! – ela olhou séria para ele. – Estou falando do Celeste-sama!
Foi aí que a ficha de Ichigo caiu.
- É verdade! – agora ele tomara uma postura de alguém que deveria estar bem bravo na história. – Ele deveria ter pagado o hotel até o final da semana... – cerrou um punho. – Quem ele pensa que é...? Aquele...
- Infernal-sama! – ela completou com a melhor palavra que podia.
- Ele acha que agora nós vamos pagar do nosso bolso?!

- Nem pensar! – Rukia estava cada minuto mais irada. – Vamos arrumar essas malas e ir reclamar direto com ele! E agora eu vou exigir que o final da nossa estadia seja naquele hotel cinco estrelas!
- Nem pensar! Não volto mais lá de jeito nenhum! – Ichigo berrou com medo.
- Você não tem escolha! – ela mostrou a corrente. – Está acorrentado comigo.
- E desde quando é você quem manda? – ele arqueou uma sobrancelha.
- E desde quando não é? – ela arqueou a outra.
Ele bateu o pé naquele chão medonho de madeira pela última vez. Aquela coisinha minúscula sempre tinha razão. Ela sempre vencia.

****

Estavam chegando. Podiam avistar a loja empoeirada daquele homem loiro e misterioso. A garotinha de marias-chiquinhas estava lá na frente, varrendo, como sempre, mesmo que estivesse um pouco frio e chovendo.
Ichigo estacionou o carro e os dois foram em direção a ela mais uma vez.
- Onde está o Celeste-sama? – Rukia soltava fumaça. Já estava preparada para fazer o maior escândalo com aquele homem que, conseguia tirá-la mais do sério do que certo caranguejo.
- E-está lá dentro. – ela apontou. – Eu levo vocês até lá.
E de cabeça baixa como de costume, a menininha os conduziu até a loja escura.
- T-Tessai-san... – ela dirigiu a palavra ao gigantão que estava consertando a mesa escura da loja. – Eles querem ver o Celeste-sama.
- Ah! – o homem olhou para a dupla que não estava nada contente e acenou. – Ukitake-dono! Kurosaki-dono! – pôs-se de pé. – Celeste-dono estará aqui em instantes. – apertou uma pequena campainha na parede e continuou olhando para os dois emburrados.
E então, pouco tempo depois, começaram a ouvir o som dos saltos de madeira do homem de capa e chapéu, daquele causador de confusões, chegando preguiçosamente, bocejando.
- Oohh, quem eu encontro aqui! – abriu um sorriso ao vê-los. – Kurosaki-san! Ukitake-san! – abanou-se com o leque de sempre. – Então vieram...
- É. – Rukia não afrouxou as sobrancelhas em nenhum momento. – Viemos! E queremos nossos direitos!

Celeste-sama arregalou levemente os olhos com o tom de voz dela.
- Isso mesmo! – Ichigo reforçou. – Não vamos aceitar todos os castigos que nos dá e ainda por cima sermos despejados sem mais nem menos do hotel!
- E muito menos vamos pagar do nosso bolso! – Rukia bateu o pé irritada. – Acho melhor o senhor soltar do cofre todo o dinheiro para um hotel cinco vezes melhor que aquele, só pela humilhação!
- Ei, ei, ei! – o loiro balançou o leque em direção a eles tentando acalmá-los. – Mas que estresse é esse, meus jovens? – ainda sorria. – Ururu, vá trazer um chazinho bem tranqüilizante para eles.
- Não queremos chá! – os dois gritaram juntos dessa vez.
- Uau! – ele segurava-se para não rir. – Então quer dizer que tudo que importa é mesmo o hotel, não é? Para que possam continuar a jornada de acorrentados...
Continuavam encarando-o bem sérios.
- É claro. – Rukia disse.
- E até quando vocês querem continuar juntos com a corrente? – o riso escapava pelos cantos da boca.
Ela apressou-se para responder com fúria, mas fechou a boca.
Então... Então... O que...
O que ele queria dizer...?
- Se querem ficar mais tempo acorrentados, tudo bem. – soltou um risinho quase imperceptível. – Mas devo dizer que, das raríssimas vezes que usei esse recurso, essa foi a primeira vez que vi algo assim, estou bem surpreso!
A dupla entreolhou-se. Foi inevitável corar de humilhação.
- Então... O senhor quer dizer que... – Ichigo foi dizendo cauteloso.
- É. – ele afirmou com a cabeça. – Não esperava que tivessem realmente gostado tanto de ficar tão próximos... – caminhou até mais perto deles. – Mas devo dizer que foram muito bem.
Rukia estava muda.
- E então? – com um sinal que fez, Tessai apareceu com uma ferramenta esquisita. – Vão querer mais tempo juntos, ou a declaração de que a missão está terminada, que já podem voltar para suas respectivas casas? – sorriu divertido e malicioso.

Continua...


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