Céu escrita por Liminne


Capítulo 15
Capítulo 15 – União e Lua cheia




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Voltavam para o carro. Para ela aquele pequeno caminho parecia uma estrada sem fim. Para ele, pareciam duas.
Não que ele estivesse mais triste que ela. Achava até que era impossível, mesmo com qualquer problema que teria com aquelas correntes... O sentimento que tornava aqueles enormes olhos lentamente mais líquidos e opacos o sufocava como se evaporasse no ar e se transformasse em fumaça embaixo do seu nariz. Não sabia dizer por que... Mas sentia que seu coração quase acompanhava o ritmo lento e melancólico do dela.
Detiveram-se diante do veículo. Ela fitando a sapatilha lilás de estampa quadriculada e lacinho na ponta. Sem abaixar muito a cabeça. Mas o suficiente para demonstrar sua derrota interior. Ele sem saber o que fazer. Preferia mil vezes que ela o estivesse xingando e jogando-lhe em cima toda a culpa pela prisão... Ei! No que estava pensando?!
- Ahn... Rukia... Temos que entrar juntos no carro.
Ela hesitou por algum tempo. Do tamanho de um passarinho esse tempo.
- Eu... – abriu a boca depois da primeira palavra, mas nada disse. Forçou-se a mostrar um tom menos patético. – Eu preciso fazer uma ligação antes de qualquer coisa.
Fitou-a por três segundos e assentiu. O que mais podia fazer?
Estava pensando na mesma coisa que ela... Seria impossível.
- Ichigo... – olhou ferida para ele, sem conseguir disfarçar. Mas logo sua testa enrugou-se e suas sobrancelhas juntaram-se. Tinha puxado o braço e se sentido presa. Não ia poder nem ter privacidade para uma ligação! – Aff, esquece. – revirou os olhos e virou-se de costas para ele começando a teclar no celular.
O ruivo afastou-se o máximo que a corrente permitia.
A baixinha então colocou o celular no ouvido. As mãos tremiam ligeiramente e o coração... Que coração? Estava em mil pedaços no peito...
O telefone começou a chamar. Mordeu o lábio inferior e sentiu os olhos esquentarem. Evitou uma ligação para Kofu o máximo que conseguiu... Sabia que sua reação no fone seria frágil demais para demonstrar aos pais...

E dessa vez estava sendo obrigada a utilizar esse recurso... E mostrar-se certamente mais frágil do que jamais pensou parecer... Mas não podia... Não. Ela tinha que orgulhá-los. Tinha que ser forte e mostrar somente essa determinação a eles.
- Alô. – ouviu a voz do pai.
Seu coração virou a cara para seu cérebro e começou a palpitar dolorosamente, fazendo com que seus olhos começassem a transbordar irritantemente.
Engoliu as lágrimas amargas, aquele gosto de choro na garganta. Não podia deixar que ouvisse... Não podia.
- Papai... – a voz saiu melosa e milagrosamente controlada. Mas a melancolia estava se esvaindo por todos os poros de seu corpo.
- F-filha?! – ele pareceu surpreso, a voz elevando-se. – Filhinha! Meu bem! – certamente tinha agarrado o telefone ao ouvido e agora estava fazendo festa com aquele seu tom de voz incontrolavelmente alegre e emocionado. – Meu amor, que saudade!
- Papai... – repetiu tentando ganhar confiança. Cerrou um punho ao lado do corpo e tentou imaginar que aquilo molhado em sua face não era uma lágrima. – Tudo bem?
- Tudo ótimo! – ele com certeza exibia um sorriso iluminador de qualquer treva. – E com você, pequena? Você já está a caminho?
Conteve um daqueles ruídos que se faz ao chorar. O conteve com força! Não estava chorando!
- Eu estou bem, papai... – uma pausa de contrair todos os músculos. - Mas... Tem algo que preciso dizer...
O olho esquerdo resolveu imitar o direito e derramou uma gotinha inconveniente daquelas.
- O que foi? – agora ele ficou sério. – O que aconteceu? – quase num sussurro paternal preocupado.
- É que... – fechou os olhos bem apertados. Não ia mais ficar pensando sobre aquele aguado em seus olhos... Eles não deviam estar ali. – Eu... – lutou tão forte quanto lutava a cada dia pelo seu maior objetivo para não tremular a voz. – Estou tendo alguns problemas com uns trabalhos da faculdade e... E não vou poder viajar pra casa.
O tempinho entre dizer as palavras, deixar que elas chegassem ao ouvido do pai e ter uma resposta foi quase eterno.

Mordia o lábio com tanta força que seria capaz de machucá-lo. Retesava o corpo todo com medo. Não sabia exatamente de quê. Mas tinha medo.
- Ah... – finalmente o pai disse. – Problemas com a faculdade, hein? – ouviu um risinho dele. Era tão compreensivo que lhe doía nos ossos. – Entendo. Imaginei que teria alguns probleminhas com a adaptação... Talvez eles puxem mais aí em Tóquio, né?
- Papai... – quase gritou esmagando o telefone entre os dedos curvados e a orelha. – Me perdoe... – fechou os olhos como se assim pudesse fugir da imagem do pai. Aquele sorriso como um afago... Aqueles olhos doces como se estivessem derretendo...
- Minha filha... – as palavras eram um abraço consolador. – Está tudo bem. Nós entendemos. Não fique triste! Nós vamos esperar você na próxima oportunidade. Ou então, quando menos esperar aparecemos aí, que tal?
- É. – tentou sorrir para si mesma para que pudesse passar a convicção de que não estava precisando daquele colo desesperadamente. – Tem razão. – abriu os olhos e evitou uma fungadela, evitou mais uma vez pensar no molhado dos olhos. – Peça desculpas a todos por mim, certo?
- Ah, não se preocupe com isso, meu amor... – fez uma pequena pausa. – Eu te amo. – sussurrou.
A última lágrima escorreu até a ponta do queixo, bem ligeira.
- Eu também te amo.
E desligaram.
Guardou o celular na bolsa e ficou ali parada, esperando que a brisa secasse as lágrimas marcadas em seu rosto, sentindo o calor daquela voz de segundos atrás se transformar em frio congelante.
- Rukia... – Ichigo, porém fez questão de quebrar o silêncio, mesmo que cautelosamente.
Era hora de continuar, né? O que mais poderia fazer?
- Vamos. – ela respondeu.
Os dois então, num silêncio amargo, fizeram algum esforço para entrar no carro. Acomodados no banco, os pensamentos começaram a circundar pelo pequeno espaço. Foi inevitável que os dois se entreolhassem com a mesma dúvida.
- Para onde vamos agora? – foi ela que perguntou primeiro.
O ruivo bufou e virou os olhos para cima.

- Não tem como irmos nem para minha casa nem para a sua. – o tom de Rukia começava a ter aquela irritação que deveria ter tido desde mais cedo.
- Então vamos para um hotel, certo? – ele disse sem encará-la. Pensamentos estranhos começaram a formar-se em sua mente e o estavam deixando perturbado e vermelho.
- Hotel? – ela pareceu atônita. – Isso quer dizer que vamos dormir juntos?! – berrou com os olhos arregalados.
- Shhhh! – ele pôs o dedo indicador na frente dos lábios pedindo desesperado por silêncio. Não queria ouvir aquela realidade. Meu Deus do Céu! – N-não fala assim, Rukia! – as bochechas estavam
em brasas. E as orelhas também.
- Mas é a verdade! Estamos acorrentados, ora essa! – ela bateu a mão livre no banco enquanto continuava elevando a voz.
- Mas Celeste-sama disse que podemos aumentar a corrente aqui... – ficou olhando para onde a corrente estava presa no bracelete evitando qualquer parte do corpo de Rukia.
- Será que aumenta tanto assim? – ela começou a examinar a própria corrente.
- VAI TER QUE AUMENTAR! – ele berrou. Sentia que sua pele emanava uma fumacinha, de tão quente.
Primeiro ela ficou assustada com o grito dele. Mas depois, empertigou-se no banco.
- É. Vai ter que aumentar. Não vou dormir e tomar banho com você nem que para isso eu me torne quadrilionária!
- Nããão! – ele abaixou a cabeça no volante. Pra que ela tinha que falar essas coisas?
Agora ela estranhou de verdade a reação dele.
- I-Ichigo? – inclinou-se na direção dele preocupada.
- V-vamos logo procurar um hotel. – ligou o carro atordoado, sem olhá-la nem de relance. – Vou mandar a conta toda para aquele desgraçado.
- Certo. – ela assentiu com o rosto sério. – É o mínimo que ele pode fazer depois dessa.
E o ruivo começou a andar, tentando apenas ter sua atenção focada na estrada.
Enquanto a raiva do rosto da pequena capricorniana ia se dissipando e se transformando em melancolia de novo... Foi só olhar para aquela mala...

****

O primeiro dia da Golden Week já começava a ficar tedioso.

Rukia devia estar entrando no trem uma hora daquelas, pensou quando bateu os olhos no relógio de parede. Balançava as pernas na cadeira, já estava cheia de ler aquele romance chato que pegou com a prima para disfarçar. Falando em prima... Ela já estava cochilando no quarto... Preguiçosa!
Levantou-se da cadeira então e abriu a porta do apartamento. Atravessou o corredor, tocou a campainha da porta da frente e esperou.
Não demorou muito para que aquela cara emburrada aparecesse, aqueles olhos azuis esverdeados embaixo de sobrancelhas claras e franzidas, aquele garotinho pequeno de calças escuras e camiseta bege.
- Shiro-chan! – ela sorriu ao vê-lo.
- O que você quer? – encostou-se ao batente da porta arqueando uma das sobrancelhas.
- Hmm... É que eu não estou fazendo nada e... Resolvi te chamar pra conversar, sei lá! Você está ocupado? – tentou espiar pra dentro do apartamento.
- Claro. – ele ficou reto e cruzou os braços. – Estava fazendo um trabalho.
- Ahh... – ela fez beicinho. – Você não pode terminar outra hora? – piscou para ele com os olhos líquidos e pidões. Aquele tipo de olhar irresistível. Mais ainda se é da garota por quem o seu coração bate mais forte.
- Hmm... – fingiu ponderar e ainda olhou pra dentro de casa. – Tudo bem.
- Oba! – ela saltitou e agarrou o pulso dele. – Vamos para o terraço! – e saiu puxando o garoto escadas acima.
Já estavam uns bons degraus acima. Não puderam ver quando o elevador parou e dele saiu um homem. Um homem que já conhecia bastante aqueles corredores, aquelas portas sem números, aquela abertura lá no fundo para os degraus, a iluminação mal ajambrada. Um homem alto e bem magro com um sorriso incansável nos lábios, apenas nos lábios. Quase como maníaco. Os olhos que mal se abriam, o rosto pálido. Os cabelos lisos acinzentados caindo pela testa. Tinha um cheiro forte de perfume, banho tomado e cinismo. O coração acelerado debaixo da camisa branca...
Parou na porta da esquerda e hesitou um pouco. Respirou e foi
em frente. Não queria mais perder tempo.

Aquele lugar continuava o mesmo. Tocou a campainha. Esperou algum tempo e ninguém respondeu. Não ia desistir. Não depois de tanto tempo. Tocou mais uma vez, duas, três...
Até que, resmungona e com fios amarelos quase ruivos fora de ordem nas ondas que desciam de sua cabeça, a belíssima mulher com a cara inchada e os olhos sonolentos apareceu.
- Olá, Rangiku. – expandiu o sorriso de raposa. – Quanto tempo!
Foi o suficiente para ela abrir totalmente os olhos azuis e despertar. E sentir as pernas bambearem por causa de toda a velocidade do coração e do sangue.
- G-Gin... – foi perdendo a cor. Ficou muito pálida, trêmula... E desmaiou.

****

Foi Rukia quem escolheu o hotel. E não economizou. Estava com muita raiva e precisava descontar
em alguém. E com certeza seria em Celeste-sama e sua conta bancária.
- E se eu que tiver que pagar no fim das contas? – Ichigo ia perguntando entre os dentes enquanto os dois se aproximavam da recepção do hotel.
Havia pessoas bonitas com roupas de marcas caríssimas por todas as partes. Era tudo muito branco, caramelo e bem iluminado. Tinha cheiro de ar condicionado e barulho de telefones, saltos e vozes. Talvez por causa do feriado estivesse mais cheio.
- Não reclama. – Rukia rosnou de volta enfim.
- Pelo menos tive a sorte de não ter ninguém em casa para pegar minhas coisas... – era a milésima vez que ele falava isso. E em todas as vezes Rukia podia notar as gotinhas de suor ou na nuca ou na testa do espetadinho.
- Vamos logo fazer nossa reserva! – Rukia foi andando na frente obrigando Ichigo a segui-la.
- Ai! Avisa primeiro, pô! – ele ia tropeçando.
Enquanto a baixinha marchava sem olhar pros lados e ignorando suas falas, o canceriano pôde perceber que as pessoas olhavam para eles. E como não iam olhar? Eles estavam acorrentados!
Já podia ouvir os burburinhos, ver as pessoas formando conchas com as mãos para cochichar, estalidos de línguas... Seu rosto foi ficando da cor de uma pimenta, e tão ardido quanto uma. O que deviam estar pensando?

O que deviam estar comentando? Que eram um casal de pervertidos?!
- Boa tarde. – sem se importar, ou fingindo não se importar, Rukia chegou ao balcão. – Queremos um quarto com duas camas para a Golden Week, por favor.

****


- O que vai fazer no feriado? – a geminiana perguntou sentando-se junto à grade do terraço. A brisa estava fresca e suave.
- Provavelmente nada. – ele respondeu cruzando os braços atrás da cabeça e fechando os olhos. – Trabalhos talvez...
- Hmm... – ela ficou observando-o. – Ainda está bravo comigo, Shiro-chan?
Ele não respondeu.
- Shiro-chaan! – ela gemeu batendo o pé e franzindo o cenho.
- Não tem nenhum Shiro-chan aqui. – respondeu enfim sem abrir os olhos.
- Okay, Hitsugaya-kun. – ela cruzou os braços, mas quase sorria. – Está chateado comigo?
- Olha... – ele abriu os olhos. – Eu só acho você uma burra.
- Ah! – ela entreabriu os lábios indignada. – Como assim?
- Não vamos discutir isso de novo, certo? – virou o rosto e fitou a rua lá embaixo. – Esse assunto vai fazer a gente brigar de novo. E eu já estou cheio de ver você batendo pezinho.
Agora foi a vez de ela ficar quieta. Ele tinha razão. Toda vez que conversavam acabava nisso. Era o mesmo assunto e a mesma briga. Não queria se afastar do seu melhor amigo. De jeito nenhum!
- Então... Shiro-chan... – ficou olhando para ele mesmo que ele não estivesse olhando de volta. – Tem alguma garota que você esteja a fim?
Os olhos dele quase pularam das órbitas e caíram lá embaixo. Na mesma hora faltou-lhe o ar e o rosto certamente corou.
- D-do que v-você está falando, sua louca? – ele gaguejou agora olhando para ela com uma careta nervosa bem engraçada.
- Hahaha. – ela riu. – Então quer dizer que eu acertei né?
- Não fale besteiras! – cruzou os braços no peito irritado, os olhos queimando. – Sua idiota!
- Me conta, Hitsugaya-kun... Como ela é? – os olhos castanhos espremeram-se investigadores. E ela sorria, adorava esse tipo de situação.
Ele apertou as mãos nos braços cruzados e enrugou mais o rosto.

- Ela é muito mais bonita e muito mais interessante do que você. – respondeu enfim sem ousar encará-la.
- Ahhh! – ela sentiu-se atingida. – Hitsugaya-kun está se desfazendo de mim...
- Não estou me desfazendo de você. Só estou dizendo que ela é mais bonita e mais interessante do que você... O que não é difícil... – acrescentou a última frase em voz muito baixa, não tinha certeza se ela tinha ouvido.
- Hunf! – ela inflou as bochechas e empinou o queixo. – Eu duvido. Deve ser mais velha, né?
- Pode ser, pode não ser... – não sabia por que, mas estava gostando daquele joguinho.
- Ahh! Fala de uma vez o nome dela! – ela quase morria de curiosidade, mas já havia abandonado aquela expressão alegre e divertida.
- Não posso falar. Não quero que você descubra. Dá pra ver que você ta morrendo de inveja dela sem nem vê-la!
- Eu não estou com inveja! – irritou-se. – Não estou!
- Como se eu não te conhecesse... – ele disfarçou um sorrisinho.
- Vamos mudar de assunto, vamos. – milagrosamente, ela que pediu.
- Por mim tanto faz. – ficou quieto e voltou a fitar a rua.
Ficaram em silêncio por algum momento. Cada um com seus pensamentos...
Era bom estar ali com ela, com a brisa, no terraço. Era bom que estivessem conversando depois de tanto tempo...
- Ei, Shiro-chan! – ela apontou para o céu. – O sol está se pondo... – recostou-se melhor na grade e ficou olhando para cima, relaxada, como se aquela mistura de cores no horizonte tivesse sido pintada em cima de sua furiazinha anterior.
- É... – ele agarrou-se à grade e ficou olhando o céu na posição oposta a dela. – Grande coisa... – deu de ombros fingindo descaso, mas os olhos azuis gelo continuaram presos lá
em cima. Como se fosse a melhor pintura já vista. A melhor mistura de cores. A mais bela confusão de sentimentos...
Nada mais precisava ser dito. Só sentido... Só vivido...

****

Lentamente foi recobrando a consciência. Os olhos ainda estavam um pouco pesados, mas os foi abrindo com cuidado.

Voltou a sentir o corpo e a ter alguma idéia de quem era e de onde estava... Era quente e macio. Havia uma sombra sobre seus olhos. Uma respiração...
- Acordou. – viu o mesmo sorriso de antes. – Pelo visto ainda continua fraca para emoções fortes, né? Eu sempre te falo, é a bebida!
- Gin... – foi absorvendo aquela imagem e tentando assimilá-la à situação com a normal lentidão de quem acorda de um desmaio - Gin! – exclamou agora tirando forças de não se sabe onde para levantar o corpo. – O que aconteceu...? C-como...? O que faz aqui...? – atordoada era eufemismo para o estado da voz e dos olhos da libriana.
- Shhh! – ele tentou acalmá-la fazendo um sinal com as mãos e o barulhinho com os dentes cerrados. – Está tudo bem. Só estamos eu e você aqui. – continuava sorrindo.
- Gin... – agora os olhos dela semicerraram-se e estavam enchendo de lágrimas. – Gin... – a voz tremulou um bocado. – Você está vivo! – e agarrou-o sem pensar em mais nada, afundando a cabeça em seu peito, respirando fundo aquele perfume um pouco exagerado e despejando as lágrimas nervosas e aliviadas.
- É... – ele pôs as mãos frias e delgadas nos cabelos dela e afagou-os de leve. – Eu estou vivo, Rangiku... – sua voz cantada era suave.
Ela continuou chorando por algum tempo. E ele pacientemente, sorrindo, continuou acarinhando os cabelos dela. Até que ela teve a certeza de que ele estava mesmo ali. Sentiu a alegria de vê-lo de novo... Sentiu a realidade daquele cheiro, daquele toque, daquele fato. E parou de chorar. E encarou-o novamente. Estava mais pálido e mais magro... Os cabelos tinham sido recentemente cortados.
- Me conta... – secou os olhos com os dorsos das mãos. – O que aconteceu? Como aconteceu? – deixou escapar um sorrisinho. – A propósito, como fez pra entrar aqui?
- Você sabe que eu tenho meus meios... – ele sentou-se ao lado dela na cama. – Não se preocupe. Eu não vou morrer tão cedo. O chefe me aliviou dessa vez.
Agora ela fechou a cara. Ele aproximou-se do rosto dela, mas ela recuou.
- O que foi? – ficou preocupado.

- Vai continuar nessa? – perguntou séria.
Ele hesitou no silêncio. Tinha o rosto voltado para os joelhos.
- Você sabe que eu não tenho escolha...
Tornou a aproximar-se. E ela permaneceu na defensiva.
- Rangi... Não seja dura comigo... Sentiu minha falta, não sentiu? Eu até me propus a esquecer o que aconteceu antes...
Sentiu as palavras como um choque. Agora ela sentia-se culpada. Suas bochechas rosaram-se de leve e ela teve que desviar o rosto. Arrependia-se daquilo... Uma fraqueza... E foi tudo culpa sua. Tudo culpa sua. Como pôde ter esquecido daquilo?
- Está mesmo disposto a esquecer...? – perguntou em voz baixa, quase inaudível.
Puxou o queixo dela e aproximou os rostos. Entreabriu os olhos puxados vermelhos e sussurrou:
- Vamos fazer uma troca de esquecimentos, que tal?
- Mas Gin... – ela ainda tentou dizer.
- Mas o quê? Não acha que dói muito esquecer uma traição?
Ela ficou em silêncio, tentando fazer o olhar escapar do dele. Mas era impossível. Ele quase não abria os olhos...
- Eu te amo... – ela murmurou.
E ele sorriu mais do que já sorria. E beijou-a.

****

- Eu sabia que não ia dar certo. – o jovem foi falando enquanto ela abria a porta da suíte. – Eu tinha certeza que ele não ia querer pagar.
- Cala a boca! – a baixinha rosnou de volta. – Pelo menos eu tentei e ele concordou em pagar isso aqui. E você como sempre, ficou de braços cruzados.
- Eu é que não ia passar vergonha à toa!
- Ah, de qualquer modo estamos amarrados. E seu cabelo laranja com certeza é mais marcante do que eu.
Ele enrubesceu ao lembrar-se de toda aquela gente vendo aquela confusão de ligações e discussões. Tudo
em vão. E a cara da recepcionista? Estava claramente achando que eram caloteiros ou algo do tipo. Foi sorte não ter chamado a polícia. Estava pensando seriamente em pintar o cabelo depois daquela... Nem que tivesse todo o dinheiro do mundo voltaria àquele hotel!
Ela foi entrando no quarto arrastando o ‘parceiro’ atrás pela corrente.

- Aff... Acho que até eu pagava um hotelzinho desses. – ele bufou quando ela acendeu a luz.
- E dizem que esse hotel é três estrelas... – andou até as camas para espiá-las. Alguma parte do piso rangeu quando pisou mais forte.
- É tudo tão... Marrom. – ele fez uma careta olhando as paredes e o material da cama.
- É tudo de madeira, sei lá... – ela rodava a cabeça observando o lugar. – Parece que estamos num chalé.
- Em plena primavera...
A capricorniana decidiu ir andando em direção ao banheiro. Se a banheira fosse de madeira também ia ter um surto. Não que realmente ligasse para esses detalhes... Não que se importasse realmente em onde dormiria. Isso era o de menos para ela. Mas naquela circunstância, um quarto feito de ouro seria pouco. Ela estava muito, muito enfurecida.
Abriu a porta devagar, com Ichigo a tira colo. Espiou lá dentro. Para sua surpresa, parecia um ambiente totalmente diferente: era tudo branco e havia uma banheira consideravelmente enorme.
- Há. Eles devem achar que o hotel é o máximo por causa dessa banheira. – Rukia estalou a língua desaprovando.
- Olha, tem hidromassagem... E é enorme! – Ichigo avançou e mostrou a Rukia, tentando fazer aquela situação um pouco menos desconfortável.
- Grande coisa! – ela deu de ombros. – Eu sou pequena, podia ser um cubículo.
Aquelas palavras dela acabaram atingindo o caranguejo de novo. Que instantaneamente ficou vermelho.
- Er... – ele coçou a nuca nervoso. – Não acha melhor a gente estender a corrente toda pra ver até onde ela chega?
Pelo jeito dele de coçar a nuca e não encará-la enquanto falava, ela acabou captando o motivo do nervosismo dele.
- É... – ficou um pouco vermelha também. E muito incomodada. – É melhor que seja mais de dez metros!
Desenrolaram então a corrente de onde ela ficava presa e descobriram. Dois metros. Apenas dois metros de distância.
- Não acredito! – ela balançava a cabeça incrédula com um sorrisinho irritado. – Dois metros!

- Mas que merda! O que esse Infernal-sama quer de nós? – Ichigo resolveu berrar também.
- Ele quer nos unir à força! – ela bateu o pé no chão e dessa vez ele não rangeu. – Será que ele não pensa que isso só vai piorar as coisas?!
Estava queimando, mas decidiu mudar o rumo daquela irritação toda. Afinal, ele deveria estar feliz, não é? Eles não se separaram... Celeste-sama não arrancou os braceletes... Podia ser essa uma chance...
- Ei... – a voz dele saiu subitamente mais suave. – Será que a gente não pode descer para jantar? Estou com fome.
Rukia, ainda com seu rosto todo contraído e irado, virou-se para ele. Nem tinha pensado em comida nesse tempo todo. Nem tinha pensado em nada afinal, se não fosse naquele trem chegando a Kofu.
- É... Mas eu queria tomar um banho primeiro. – emburrou e cruzou os braços. Bateu o pé direito algumas vezes no chão.
- Humm... Acho que não tem jeito, né? – com o coração saltitando na garganta e as orelhas ferventes, ele começou a fazer uma ginástica incrível para tirar a camisa com aquela corrente.
- Ei! – ela corou avidamente também olhando para ele boquiaberta. – O que está fazendo?!
- Eu quero tomar um banho também, ora! – ressonou com uma careta que só podia ser descrita como muito, muito tímida. – A banheira é enorme, ta? A gente pode ficar dois metros afastados.
Aquela era uma situação na qual nunca se imaginara. Deus! O que ia fazer? O que seu pai pensaria se visse uma cena daquelas?
- Então... Vira pra lá. – ela pediu envergonhada.
- Já estou virando! – ele virou quase robótico. – Por sorte eu não sou um tarado.
- Por sorte de quem? Só se for sua. Porque eu acabava com você! – ela falava duramente, mas se ele estivesse mirando no rosto dela, não ia poder evitar sentir uma certa simpatia pelo olhar inocente e as bochechas rosadas.
Foi abrindo os botões do vestido roxo com os dedos trêmulos. Livrou-se dele e esticou a mão para apanhar uma toalha dobrada encima da pia. Enrolou-se com ela. Teria que tomar banho como nas fontes termais.

Ele fez o mesmo. Deu uma espiadinha discretíssima para trás. Ela estava pronta. Prendendo os cabelos. Pôde ver os ombros totalmente nus, a nuca alva com ocasionais fios pretos que caíam do penteado. A toalha descia até uma parte de suas coxas. Desceu os olhos e chegou aos pés dela... Tão pequenos e infantis... Quando será que ela calçava?
- Estou pronta. – ela anunciou fazendo um choque percorrer toda a espinha de Ichigo.
- E-eerr... Eu também. – ele quase deu um pulo e começou a agitar os cabelos com violência, morto de medo de ela tê-lo pego
em flagrante.
Mas
nada aconteceu. Ela apenas caminhou para a banheira que deixara enchendo e pôs seus pezinhos delicados dentro dela.
Ele então fez o mesmo, ainda trêmulo pelo susto e pela situação.
Ficaram algum tempo sem trocar nenhuma palavra... Furtando olhares...

****

- Cheguei, prima! – Momo abriu a porta do apartamento. – Desculpe a demora, estava conversando com o Shiro-chan no terraço já que você dormiu e me deixou... – fungou o ar. -... Sozinha... – espremeu as sobrancelhas e encarou a loira. – Prima! Você está cozinhando!
- Pois é. – ela sorria toda orgulhosa. – Achou o quê? Que as palavras da Rukia-chan iam entrar por um ouvido e sair pelo outro? Não! Eu estou indo bem, até. – ela mexia a panela radiante em seu avental e com seu lencinho na cabeça.
Estava claramente de bom humor.
- Foi um sono inspirador, hein? – Momo sentou-se à mesa e voltou a atenção para o livro que continuava pousado ali a sua espera. Mala.
- Oh, foi. – balançou a cabeça sorrindo conspiratoriamente consigo mesma. – E como!
Pensou de novo naquele sorriso e naquele beijo que jamais esquecera... Em ver aquele bracelete de novo. Onde estaria morando? O que estaria pretendendo da vida? Por que a teria perdoado tão rápido?
O mistério dele sempre tirava seu sono. Mas a sua ausência era como uma hibernação. E preferia a insônia. Preferia estar acordada, estar viva... Para viver o que fosse. Para sentir aquele amor.

- Prima, cuidado! – Momo alertou quando viu que Rangiku havia deixado cair todo o sal do pequeno recipiente na panela.
- Ahh! – ela acordou de seus devaneios sobressaltada. – Droga! – bateu o pé no chão e encarou os miseráveis pontinhos brancos de sal que haviam sobrado no recipiente. Virou-se para Momo com um sorrisinho amarelo. – Hehehe... Você se importa de comer uma comida um pouquinho mais salgada?
Balançou os cabelos castanhos. E riu. Ela não tinha jeito mesmo.

****

A banheira já estava cheia e os dois tomavam banho
em silêncio. Continuavam. Não se sabia se aquilo era mais relaxante ou incômodo. Ou talvez fosse só relaxante. Um banho depois de um dia duro... Ou talvez fosse incômodo apenas... Cada um com seus pensamentos estressantes...
Olhou para ela. Tinha ligado a hidromassagem. Estava de olhos fechados. Como queria saber o que ela estava pensando!
Começou a abrir os olhos devagar... Aqueles azuis voltaram a cobrir grande parte de seu rosto... Mas não daquele jeito estrelado... Não daquele jeito que o enfeitiçava inevitavelmente... Mas sim daquele mesmo jeito profundo e opaco... Que vai perdendo a energia... Que vai umedecendo e molhando...
- Ahn, Rukia... – ele quebrou o semi-silêncio em que só o barulhinho da hidromassagem e o canto leve da água se faziam presentes. – “Está muito aborrecida pela viagem, não é?” – era isso que pensara
em dizer. Mas não dissera. Seria inconveniente, óbvio que era por isso! Mas será que ela não queria conversar? – Você quer espuma? – perguntou debilmente no lugar. Revirou os olhos para si mesmo.
- Não. – respondeu. – Mas se quiser, fique à vontade.
Encerrou os movimentos. Soltou o ar disfarçadamente.
- Er... – tentou novamente, sem controlar a si mesmo. Ia dizer alguma outra besteira, tinha certeza. Mas não podia continuar quieto. – Me desculpe pela lista.
- Desculpar o quê? – ela foi fria como sempre. Não. Foi mais. – Era tudo verdade, não era?
- Acho que... Exagerei um pouco... – coçou a cabeça.

- Não, Ichigo. – olhou para ele impenetrável. – Não precisa ficar com peninha de mim por tudo que aconteceu. Não suporto que tenham pena de mim. Se tiver que dizer algo ruim, não hesite. Você não hesitou em escrever aquela lista.
Sentiu cada palavra como uma bofetada diferente no rosto. Era culpa sua. Era tudo culpa sua aquela situação.
Não! No que estava pensando? Ela tinha razão agora. Ele tinha razão. Não mentira na lista. Só estava buscando melhorar a relação dos dois... Mas ela parecia não acreditar nela... Parecia passar por ela como um fantasma, como se não existisse.
Mas essa era ela, não era? Dura, fria e inflexível. E aborrecida. E forte e independente. E linda. Sua alma gêmea.
Já havia passado por uma desilusão amorosa. Estava enfrentando uma terrível mudança em sua vida de uma hora para outra. E estava ali, acorrentada com ele ao invés de nos braços da família e do lar... E mesmo assim não estava pedindo piedade. Queria a realidade. Não fugia. E era o que ele sempre fazia. Evitava, corria, se escondia... Foi assim quando sua mãe morreu. Foi assim quando foi humilhado por Mai. Foi assim quando ela decidiu acabar com o plano de Celeste-sama.
Agora seria diferente.
Aprendera com ela. Encararia e seguiria em frente sem se esconder em sua casca. Mas ao contrário dela ainda acreditaria. E melhor: faria com que ela acreditasse também. Ensinaria a ela também.
- Bem, acho que já terminamos, não é? – ele disse enfim com sua voz em tom normal.
- É.
Ela levantou-se e ele fez o mesmo. Encaminharam-se para o quarto e fizeram nova ginástica para se vestir.
Sobre os olhares, alguns perdidos... Algumas coisinhas ganhas.
A ele um vislumbre rápido da cintura, de uma parte superior da coxa, um flash quase imperceptível do colo dela.
A ela o umbigo, as costas, um pedacinho mínimo do peito dele.
Corações enérgicos e correntes sangüíneas
em maratona. Peles levemente avermelhadas.
- Vamos? – ela perguntou dando uma última escovada desajeitada nos cabelos.
- Vamos. – ele borrifou um pouco de perfume.

Saíram caminhando juntos, desceram pelo elevador, chegaram ao restaurante do hotel.
- Olha! – ela apontou. – Não tinha reparado que o restaurante era ao ar livre.
Os olhos castanhos de Ichigo acompanharam alegres o dedo da jovem. Tinha razão. Ali, tão perto estava o céu estrelado de primavera. E ainda mais parecido com um jardim celeste. A mais bela e encantadora flor estava desabrochada: a lua cheia, como se sorrisse, como se fosse um sinal de toda e qualquer esperança. Um sinal para que fosse
em frente.
Sorriu
minusculamente. Enormemente em seu coração. Sentiu uma nova e poderosa energia dentro de si. Definitivamente era uma chance. Como nenhuma outra.


Continua...


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