Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 68
Capítulo 68




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                Imladris não conseguiu dormir direito como imaginava. Não era insônia, nem vontade de ficar acordada, era preocupação vinda de algum lugar que ela não conseguia saber onde. Oxkhar estava tão cansado pela briga toda com a barraca que estava pregado no sono. Ela saiu das cobertas quentes sem o marido perceber e se esgueirou para dentro de seu casaco de Nethercloth na cor púrpura. A luz da Lua estava iluminando parte do terreno do Torneio, algumas nuvens carregadas encobriam a luz de vez em quando, mas a noite parecia totalmente tranqüila ali. Sentia o corpo letárgico, mas não estava com sono. Como se estivesse há milhares de milhas dali, sua mente passeando entre suas viagens quando mais nova e as aulas com Aelthalyste, logo seu corpo sentiu a friagem do chão coberto de neve e ela estava em outro lugar e não na frente da tenda. Era uma parte de uma encosta em algum ponto do litoral para o Norte. A clériga se levantou rapidamente, sentindo que o perigo estava bem mais perto do que imaginava, ela nunca tivera desmaios espontâneos! Levantando-se como pôde ela seguiu por uma trilha recém-aberta no chão, dava para se ver o chão pedregoso da praia no rastro, até que a cena foi mudando. Sangue e pedaços de roupa seguiam o caminho aberto, uma cimitarra quebrada ao meio, um corpo mais adiante. A clériga correu como um raio, suas pernas descobertas e pés apenas cobertos por pantufas fofas a assegurando de se manter em pé. Ajoelhou-se ao ver o cadáver, entrou em pânico.

 - Não, não!! – ela instintivamente revirou o corpo e tentou identificá-lo não sendo quem pensava. Com um suspiro de alívio e pesar, constatou que não era quem pensava. A Arqueira Sombria caída morta ao chão não era sua Majestade. Mas estava com graves ferimentos e uma das mãos cortadas. A clériga olhou para os lados e não viu mais nada além na praia, mas a letargia a atingiu novamente e a derrubou por completo em cima do cadáver fresco.

                Assoprou o ar frio para ver sua respiração condensar. Essa era Sorena em sua vigília secreta aos Portões de Angramar. Ninguém a via dali já que estava há exatas 2 milhas da terra firme. Já se sentia letárgica por ficar ali e as costas doíam, os joelhos e os ouvidos coçarem irritantemente. O frio ali em cima também não era fácil e manter-se aquecida por mágica era mais estafante ainda. Suspirou longamente e se divertiu com o ar condensado a sua frente, bocejou duas vezes e nenhuma mudança. O alarme vindo de Dalaran fora falso pelo jeito, nada daquele pequeno esquadrão de Arqueiras Sombrias indo fazer missão suicida nos portões dos fundos. Queria tanto dormir! E estar abraçada com Kali, ao pensar nisso ela amoleceu a mão do manche por algum motivo fazendo a sua Geringonça Voadora Turbo dar uma guinada brusca e a despertando da letargia.

                Oxkhar percorreu o caminho todo que levava as tendas da Horda, perguntou a todos os guardas, até para quem não devia (Aliados de Stormwind e anões de Forja-ferro). Immie desaparecera. Desesperado e com frio, Oxkhar Atwood tentou pensar em um plano, mas tudo que pensava era na sua esposa quando foram dormir, do quanto ele estava cansado e nem dissera boa noite ou a beijara como beijava antes de dormirem juntos. Esfregou os olhos para se manter acordado e viu uma cena incomum. O grupo de Abandonados que costumava ficar de vigília na frente da Tenda da Horda estava em um estado estranho de paralisia e dormência. O ex-paladino foi até eles e os cutucou. A mandíbula de um guerreiro deslocou do lugar, mas nenhum acordou.

                Algo ali estava seriamente errado.

                Lady Annie se esgueirava entre as fissuras de rochas e derrubava quem for que fosse antes que percebessem que ela estava ali. O seu poder oculto de se camuflar em seus trajes especiais de ladina deu a oportunidade que ela queria, atacar o Cavaleiro Negro rapidamente e sem grito. Trocou o punhal de mão e mordeu o lábio inferior dentro de sua máscara improvisada com um lenço escuro. Com um pulo certeiro atingiu o inimigo na nuca e depois aplicou um breve golpe no rim esquerdo e antes que o inimigo conseguisse identificar, ela o chutou firmemente no rosto, quebrando ossos e espalhando sangue e saliva esverdeada no chão. Teria sua vingança nem que fosse a ultima coisa que fizesse repetidamente nos próximos 10 mil anos.

 - Se ferrou, babaca... – ela sibilou dentro de sua máscara. Algo pesado e rude a atingiu no topo da cabeça, ela cambaleou, mas escapou de um golpe certeiro e letal de uma espada que ela já vira muitas vezes. Uma lâmina rúnica. A criatura que ela atacara não fora o Cavaleiro Negro, mas sim um geist, monstro espião vindo de dentro de Icecrown para atormentar os vivos (E pelas informações que Lady Annie conseguira levantar, era espião do Cavaleiro Negro). – Hey! Não se ataca ninguém por trás!! – ela deu uma pirueta na neve e atingiu um chute certeiro no joelho do atacante. – É mal educado sabia? – girando sua adaga escondida na manga do uniforme de couro de ladinagem. Com precisão atingiu o coração do inimigo, mas ele não pareceu se sentir ameaçado.

 - Ninguém fica no caminho de um Cavaleiro da Morte e sua presa... – sibilou a voz fantasmagórica vinda de debaixo do capuz que portava a lâmina rúnica. O geist se contorcia no chão, sangrando sem parar e levantando as mãos em súplica. – NINGUÉM!! – gritou o outro monstro a derrubando no chão com uma incrível armadilha mágica vinda do chão e prendendo suas pernas ágeis. A espada refletiu o rosto mascarado de Annie e ela pensou que seria o seu fim. Uma flecha certeira atingiu a mão do atacante e a lâmina rúnica caiu ao chão. Mais flechas penetraram naquele ser poderoso e o fez se afastar, cabisbaixo e cambaleante. A armadilha de gelo dissipou em seus pés e Lady Annie aprontou seu golpe final. Não haveria misericórdia com aqueles que trabalhavam para o Cavaleiro Negro. Aprontou o seu punhal e pegou em um ferimento de flecha do Cavaleiro da Morte para atormentá-lo. Apontou a sua pequena lâmina para ele e iria fincar diretamente entre a nuca para o crânio.

 - Como eu disse... Se ferrou, babaquinh... – um soco a fez voar no ar e aterrissar metros de distancia e bem perto do Geist moribundo. Engoliu sangue e um dente quebrado. Seu nariz fora arrancado do lugar e a pele repuxara para o lado com tamanha força empregada no chão. Ela se encolheu em choque pela dor excruciante que sentia agora. Passos apressados cercaram o inimigo mortal e uma luta desigual começou. Arqueiras Sombrias duelavam com o estranho emissário de Icecrown, tão longe de casa e pelo que sabiam, sem missão alguma. Apenas perambulando.

 - Pela Dama Sombria... – sibilou uma Arqueira dando golpes de cimitarra contra o corpo protegido do monstro. Ele defendia com fortes golpes de espada e evitava outros golpes com a grossa armadura que usava nos braços. Uma Arqueira caiu vítima de uma aura nociva e as que restaram se afastaram imediatamente. Lady Annie tentou levantar a cabeça, mas apenas viu a lâmina rúnica cortar alguém ao meio e roubar sua vida para sempre. Um grito de horror veio detrás dela, a menina se esforçou ao máximo para se virar na neve e olhar quem era. Imladris subia o caminho com cansaço e lágrimas cobrindo sua face pálida na lua cheia de Icecrown. Uma flecha veio de um lugar ignorado e atingiu o geist que tentava chegar perto de Lady Annie com suas garras. A garota recuperava as forças lentamente, rosto sangrio se recompondo do soco implacável, dente ressurgindo novamente em sua boca. Ela pulou em cima do geist e o prensou no chão com intenção de sufocá-lo. A mão nodosa dele tocou sua face mascarada e tirou o lenço improviso.

 - Sorrow... – ele sussurrou com a voz rasgada e vinda de algum lugar maldito. O brilho azulado em seus olhos denunciava de onde vinham suas forças.

 - Sorrow é a mãe, seu inútil! – e fincou o seu punhal bem no meio da testa do geist furando seu olho amarelado e deformado e finalmente girando a lâmina para que pudesse rasgar tudo ali até o pescoço. O duelo continuava ali atrás, quando a segunda Arqueira se afastou com um ferimento grave no peito, o monstro se aproximava lentamente, dezenas de flechas em suas costas e em um dos braços. Logo parou estático impossibilitado de se mover, terror em seus olhos azulados e finalmente mostrando o rosto pálido e cadavérico com longas madeixas brancas.

 - Ninguém... se coloca no caminho... – dizia a voz fantasmagórica e Lady Annie não conseguiu se mover igualmente, mas de terror. Uma outra voz, alta e poderosa veio com o vento que assolou a parte da praia, uma aura enegrecida surgiu em volta do inimigo e o fez se contorcer em agonia. Imladris pegou a menina e a segurou bem nos braços.

 - Está tudo bem, está tudo bem, eu estou aqui... – cobrindo os olhos de Lady Annie e aplicando a cura menor para ferimentos. A garota respirou fundo e encarou a clériga.

 - O que...? O que está...? – a voz continuava no vento, despejando novos tormentos no inimigo até que sua grossa capa escorregou de seu corpo convulso e sua aparência foi revelada. Uma esguia mulher élfica, de orelhas pontudas, mas comidas em algumas partes, mãos longas e de unhas escuras e afiadas, os olhos azulados sem vida e o sangue das Arqueiras Sombrias em sua armadura pesada. Imladris segurou bem Lady Annie para si e orou uma proteção máxima para mágica sombria e destrutiva.

 - Estás livre do poder do Maldito que nos força a viver. Agora se levante como uma Abandonada! – ordenou a voz que finalmente tinha corpo. Era Sylvanas Windrunner segurando um lado de seu corpo e com a outra mão o Bastão do Domínio dos Mortos-Vivos. Sua figura autoritária e cheia de energia sombria perdeu a presença e ela caiu de joelhos na neve para depois deixar-se afundar no chão fofo de neve. Imladris e Annie se levantaram ao mesmo tempo, uma para cada lado. A Arqueira que sobrara agora tentava reanimar sua colega ferida no olho pela lâmina rúnica.

 - N-não adianta... – balbuciou Lady Annie para ela. – Quando a lâmina te toca, sua alma se perde para sempre... – chegando perto da elfa imobilizada e com os olhos arregalados em horror.

 - Minha Rainha, fique onde está! Não se mova! – Sylvanas tentava se levantar, mas cada vez que se esforçava, mais afundava na neve sem forças. – Será pior se... se... – Imladris foi perdendo a voz e ameaçou desmaiar. A lâmina rúnica marcara suas costas e sua capa estava rasgada em um corte profundo na pele esverdeada.

 - Eu preciso...

 - Dama Sombria, por favor, eu imploro!! – tentando confortar a situação, mas absolutamente desesperada pela sua eterna “falha” em seu treinamento. A de não poder curar mortos-vivos. Tocou com receio o ferimento nas costas, Sylvanas grunhiu para dentro, se encolhendo, mas ao mesmo tempo tentando se levantar.

 - Ela precisa saber... Precisa levantar... – e erguendo o Bastão Necromântico, ela iniciou a aura enegrecida em volta da elfa, até que ela parasse de se contorcer. Imladris não ousou fazer nada, porque se sentia como um bichinho medroso dentro de uma jaula de experimento. Pela primeira vez ela via com os próprios olhos como os Abandonados acordavam para a nova vida. O grito que a mulher élfica deu cortou os ventos gelados e ruidosos, algo nos olhos azulados se apagara e um vapor azulado e bruxuleado de runas malditas deixou seu corpo para se dissipar no ar. Sylvanas caiu exausta no chão, amparada pela clériga trêmula. Nunca sentira o peso de sua Monarca, como ela era leve e pequena em seus braços. O Bastão continuava ativo na mão da Rainha, mas Lady Annie o tomou com rudeza, batendo com a base ossuda bem no rosto da elfa em um ato de revolta e ódio.

 - Você não é ela!! Você não é!! – gritou no rosto da elfa e caiu no choro com o Bastão nas mãos. – Você não é...!! – resfolegava entre as lágrimas e o peso nos pulmões. – Por favor, não me diga que você é ela... – Imladris sentiu-se letárgica novamente quando a Rainha dos Abandonados segurou bem uma de suas mãos e arqueou o corpo como se fosse falecer. Acuada, aterrorizada e sem mais raciocínio lógico para auxiliar naquela situação, Imladris apelou para a medida extrema que nenhum clérigo como ela poderia fazer com um ser morto-vivo. Ela canalizou magia suficiente para cura total. Fechou os olhos para não ver o estrago que aquilo causaria, para não acreditar na burrice que cometera ao fazer exatamente aquilo que não deveria fazer.

 - Clériga Imladris... – disse alguém, era a Arqueira Vodrel um tanto injuriada pelo duelo e se ajoelhando perto de sua líder e mentora. – Olhe... – Imladris foi abrindo os olhos devagar, já visualizando o que mais odiaria ver nesse mundo, mas se impressionou com a aparência restaurada de sua Rainha. Sylvanas piscou algumas vezes, ganhando o famoso brilho no olhar avermelhado e forças nos músculos. Se apoiou em Imladris para se sentar e perceber onde estava.

 - Quanto tempo fiquei fora? – perguntou a Rainha, Vodrel iria responder, mas Imladris estava tão presa a mão de Sylvanas que a monarca foi obrigada a dirigir-lhe um olhar decidido. – Clériga Imladris... Pode soltar minha mão agora. Eu estou me sentindo bem... – a clériga obedeceu prontamente, mas lágrimas caíam profusamente de seu queixo. Nunca sentira tanto poder emergir de sua vontade. Mestra Aelthalyste a alertara sobre o abuso de poder que poderia acarretar, a sede sem cessar dos elfos-do-sangue, mas Imladris se sentia purificada, renascida, assim como naquele dia na Cicatriz Letal em que a mulher que idolatrava a “levantara” dos mortos ao seu redor. Olhando para as próprias mãos sujas de sangue e terra e trêmulas pela neve e o frio e a emoção, Imladris viu que tudo escurecera a sua frente, mas não por desmaiar novamente, mas sim por um gesto não usual e fraternal da monarca de Undercity. Recebeu um beijo gelado na testa e um aperto nas mãos. – Levante-se Clériga. Vamos sair daqui antes que nossa presença seja percebida por mais deles... – Vodrel se ajeitou com desconforto e olhou para Imladris, a clériga estava em pânico e extasiada ao mesmo tempo. – Menina, deixe sua mãe em paz, sim? – disse firmemente para Lady Annie que segurava o Bastão em uma das mãos pronta para esfacelar o crânio da agressora. Sylvanas tomou o Bastão e com um puxão brusco na roupa da garota ladina, a tirando de perto da mulher elfa. – Venha comigo, Joannes. Estará tudo bem se nos seguir. É o seu destino... Ser uma de nós, ser uma Abandonada... – a elfa estava tendo espasmos bruscos e olhando tudo ao redor como se não reconhecesse aquela realidade.

 - MAS EU NÃO FAÇO CURAS SOMBRIAS!! – gritou Imladris liberando toda a emoção que seu coração não conseguia mais conter. Todas a olharam confusas.

 - Mas Aelthalyste sim... – concluiu a Rainha Banshee ajeitando sua alvaja nas costas e pegando o arco inseparável do chão. Voltando a ser invulnerável e invencível, Sylvanas Windrunner recusou a ajuda de sua Arqueira Vodrel, mas com um leve toque de sua mão, incinerou os corpos das Arqueiras mortas em combate e do geist desfigurado pela faca de Annie. Observando tudo ao redor em extrema altivez e tédio, Sylvanas fez um gesto para a Arqueira sobrevivente para tirar a menina do alcance da recém-acordada. Imladris tinha a mente fervilhando de hipóteses, de lembranças e principalmente de memórias de cada palavra que Aelthalyste falara todos os anos. Havia uma conexão bem mais poderosa entre elas então? Para ser bem sucedida na Cura Total de um morto-vivo? De sua Rainha idolatrada?

 - Aonde estou...? – murmurou Joannes tentando olhar para cima, mas a dor vinda de seus ferimentos com as flechas não a deixavam se movimentar demais. Lady Annie estava chorosa atrás delas, cobrindo o rosto com a máscara e tapando as orelhas pontudas. – Aonde está o meu neném? Aonde foi minha Sorrow?

 - Não é ela... Não é ela... – murmurava Annie em estado quase beirando ao catatônico.


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