Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 67
Capítulo 67




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Manhã seguinte.

                Sorena estava tão confortável agarrada ao seu travesseiro fofo. Tivera um sonho tão bom em Silvermoon! E fogos de artifício! Parecia um festival bonito cheio de luz e tochas e risos e gente que conhecia. Vira as suas tias pela primeira vez em sonho, vivas e sorridentes e felizes como ela estava. E vira seu pai de mãos dadas com sua mãe e pai Hrodi e Maeline segurando um Oxkhar pequenininho, ela própria era uma criança no sonho quando percebeu. Nunca sonhara com coisas assim, com uma possibilidade pequena de felicidade contida em apenas um sonho. Grudou mais no travesseiro fofo e suspirou satisfeita por não ser manhã ainda e ter que acordar e se arrastar por aí a procura de pistas para sua missão. Sentiu um carinho bom vindo atrás de seu cocuruto, como um coçar em seus cabelos, depois em sua nuca. Até ali estava tudo bem, até se lembrar de que não tinha um travesseiro fofo e ter a sensação já conhecida de estar sendo observada atentamente. Abriu os olhos num piscar e viu “quem” era seu travesseiro.

 - KALI QUER SAIR DE CIMA DE MIM?!

 - Não estou em cima de você... – disse a arqueira com a voz arrastada de sono. – Você que está em cima de mim, é diferente...

 - Mas que...!! – a mais nova praguejou se cobrindo como podia com as cobertas que trouxera.

 - Está puxando minha coberta... Frio nos pés...

 - Por que essa cisma de dormir comigo hein?!

 - Hmmm... – gemeu a arqueira se espreguiçando lentamente no chão acolchoado da carroça. – Não sei... É bom...

 - Você é casada!!

 - Vamos começar esse papo chato logo cedo...? – a arqueira a puxou para si e quis agarrá-la para dormir em cima. Sorena escapou e tropeçou nas próprias pernas. Odiava acordar com pessoas do lado a vigiando. – Vamos drama-lhama, ainda não é de manhã. E estava bom aqui... Quentinho, quentinho... – batendo a mão de leve no lençol cobrindo o colchão de palhas.

 - Eu não vou deitar aí com você!

 - Por que não...? – questionou a mais velha com falsa expressão de dor. – Por acaso não sou quentinha bastante para você...? – a palavra “quentinha” foi pronunciada de forma bem insinuante.

 - E-e-eu... eu não vou...! Isso é insano!!

 - Insano é ficar aí na friagem reclamando sendo que poderia estar bem aqui no quentinho e dormindo tranquilamente... – ela bateu a mão novamente. – Vem...

 - Não!! E sai da minha cama!!

 - Me tira... – silêncio entre as duas, Kali se ajeitou mais no conforto do colchão e nos cobertores. Sorena foi obrigada a ceder, o frio vindo de uma das janelinhas da carroça a atingira nas costas. Pulou para dentro dos cobertores e tentou ao máximo não ficar muito próxima da arqueira. Kali a puxou para si imediatamente e colocou metade de seu corpo em cima da mais nova para segurá-la.

 - Kali?

 - Sim?

 - Costela?

 - Oh desculpe-me... – parando de pressionar tanto um abraço ao redor da cintura de Sorena.

 - Você não tem que cumprir suas obrigações como combatente da Horda...?

 - Tá frio lá fora...

 - Preguiçosa. Tem gente que se lascou pra poder chegar aqui e você... – Sorena ficou terrivelmente acalorada ao sentir a mão de Kalil ir de sua cintura para mais acima.

 - Não sou preguiçosa, só estou com frio...

 - K-kali...?

 - Nem estou com encostando na sua costela...

 - Por isso mesmo...? – as duas se encararam por um instante. A mais velha com uma sobrancelha levantada e mirando bem os lábios da mais nova.

 - Algum desconforto sobre isso? – a mais nova não conseguiu responder direito, apenas virou-se rapidamente de costas para a arqueira e tentou controlar a respiração. Kali tomou mais liberdade para abraçar ela e entrelaçar seus dedos entre os dela. – Tou cheia de missões pra ganhar os selos de Campeão... Quer me ajudar?

 - Depende...

 - Depende do quê?

 - Se eu vou sobreviver ao seu aperto matutino de agora... – a arqueira riu baixo e o ar solto pela risada arrepiou a nuca da mais nova.

 - Disso você sobrevive sim... Eu garanto... – beijando o ombro de Sorena com carinho e se ajeitando para dormir novamente.

 - Coisinha fofa... Coisinha linda... Olha só que coisinha fofa e linda... – Sorena fazia carinho no bico de uma montaria diferente ali nos estábulos. Era um grifo enegrecido nas penas e com um dos olhos rasgados por uma cicatriz recente. O bicho voador apreciou o carinho moderadamente, mas o olhar assassino estava direcionado para os que passavam por ali. – Você é o grifo mais grifo de toda Grifolândia, sabia? – uma presença monstruosa e cheia de energia pesada encheu o estábulo de medo e fez os animais ali alimentados se encolherem, Sorena apenas virou-se calmamente e respirou fundo para enfrentar esse pequeno detalhe em sua missão.

 - Afaste-se do grifo. – soou uma voz cavernosa.

 - Só estou vendo como ele é bonitinho, oras... – o Cavaleiro Negro estava coberto de poeira escura da Arena e sangue coagulado em sua mandíbula. Uma comoção na arena anunciava que ele ganhara novamente o duelo corporal. E que provavelmente o competidor derrotado estava morto. – É um lindo grifo selvagem... – comentou Sorena chegando perto o suficiente para captar alguma substância necromântica. – Você o adestrou sozinho? – o grunhido do Cavaleiro não a espantou.

 - Longe do grifo, elfa imunda... – ele foi para segurar as vestes de Sorena, mas a feiticeira sorriu exageradamente mostrando um símbolo tatuado em seu pulso há anos atrás. O homem grunhiu com asco e se virou rapidamente para proteger os olhos.

 - Marca da Infinita Possessão. Eu tenho uma!

 - Afaste-se de mim, sua feiticeira!

 - Então você sabe o que isso faz não? Não quero ser indelicada, mas conheço alguém que pode te livrar desse feitiço a hora que você quiser...

 - Saia de perto de mim!

 - Vai fugir, é? – o Cavaleiro arrebentou as rédeas do grifo negro e a empurrou para sair do caminho. Ao montar no animal, ele dirigiu um olhar de desprezo abaixo de seu elmo compacto. Sorena arregaçou a manga e mostrou outro símbolo abaixo da primeira tatuagem. O Cavaleiro prendeu sua atenção no desenho e seus olhos avermelhados piscaram em pálido lilás. - Eu tenho esse aqui... E aposto que você também tem...

 - Não provoque a ira do Culto dos Amaldiçoados... – ele disse mostrando dentes amarelados e esverdeados.

 - Então não ouse mexer com a sobrinha da Rainha dos Abandonados, meio-elfo... – o Cavaleiro e sua montaria alçaram vôo, deixando uma nuvem de penas negras e um cheiro ocre no ar. Sorena fungou um pouco e pegou uma das penas. – Vivendo perigosamente...

 - Oxkhar, tem certeza que... – e antes que completasse a frase, Imladris teve que ir em socorro ao marido persistente. Ele estava emaranhado em cordas e tecido grosso em lona escura para armar uma tenda pequena para alojar os dois e seus pertences.

 - Eu vou fazer isso! Eu disse que iria, então eu vou!

 - Amor, você não precisa... Oh droga! – vendo que um dos tocos enterrados no chão cedia com o peso do pano e bateu sonoramente na cabeça de Ox. – Você tá bem? Fala comigo! Ox! – ele esfregou o lugar com uma cara dolorida.

 - Estou levando surra de uma tenda... Estou perdendo meu jeito... – Imladris beijou a testa atingida e o curou de uma possível dor de cabeça com uma prece menor. Pegou sua mão e os dois ficaram mirando os equipamentos da tenda caídos no chão. – Sou um fracasso.

 - Oxkhar...

 - Olha só pra isso!! Eu sabia fazer barracas e construir coisas sólidas! Agora sou um fracassado, falido, sem lugar pra poder abrigar a minha esposa!

 - Drama-lhama...? – ela provocou apertando sua mão em que os dois tinham os anéis de casados. – Quer acalmar e pensar racionalmente?

 - O que eu fiz de errado? – ele ponderou com uma careta.

 - Primeiro você não fincou a estaca de sustentação no lugar certo... – opinou alguém atrás dele. Era Lady Annie com um copão de refresco de limão. – Dois: Você usou nó de marinheiro nº6 e esse não sustenta cordas vindas de cima, mas só roldanas... – e dando um breve gole no canudinho enfiado no copo de refresco, ela apontou para uma caixinha de pregos reforçados. – Você esqueceu os pregos. – Oxkhar estapeou a cabeça e gemeu, agora sua dor de cabeça aflorara.

 - Pregos! Como eu fui esquecer isso?!

 - Por que você é humano e errar é humano? – os dois olharam a menina abusada. – Me diziam isso quando eu era criança, oras!

 - Você ainda é criança, Anniezinha... – apaziguou Imladris indo ajeitar os cabelos descoloridos da menina. O esverdeado vindo de Undercity desbotava conforme os dias passavam.

 - Não sou não! – mostrando o braço e tencionando um músculo. – Sou forte e adulta pacas!

 - Eu tenho mais músculos que você, Annie e não me sinto adulto... – confessou Oxkhar

 - É que você não usa os músculos certos... – ela replicou apontando pra própria testa. – Você sabia que o cérebro é o único músculo do corpo que não sente dor? – tomando mais um gole barulhento. – Aprendi com a Tia Banshee. E a tia Banshee disse que você era a aluna mais dedicada dela... – o coração de Imladris deu um pulo de empolgação.

 - Você falou com Mestre Aelthalyste? Como ela está? Ela falou de mim? Ela retomou o sacerdócio do Culto? Ela... – a mais nova espremeu os olhos para entender a empolgação.

 - Eu não entendo como vocês se comportam...

 - Vocês? Os Abandonados?

 - Não... vocês elfos... Uma hora estão sérios e cheios de marra e prepotência, aí do nada ficam alegrinhos e exaltados e dando pulinhos... É bizarro!

 - E-eu não sou uma elfa... Não como aqueles elfos-do-sangue que...

 - Sor explicou a de vocês... Tipo, Alto-elfos e depois, fiiiiiu... – fazendo um gesto com o polegar para baixo.

 - C-como?!

 - Qual é! Eu também sinto vontade de drenar mana dos outros! Você acha que eu como tanto por quê?! A minha mãe era uma de vocês, sacas? Não tem jeito de fugir do esquema... – dando mais um gole barulhento na bebida gelada. – Mas ainda assim... É difícil de entender como vocês se comportam... Vou ter que pesquisar mais... – Imladris riu um pouco, confusa com a conversa. – Ox, cuidado com a terceira batida aí no martelo...

 - Mas por quê isso? – e depois de baixar o martelo pela terceira vez na estaca de sustentação, o paladino deixou escapar um grito de indignação. Acertara o próprio dedo. Imladris olhou atônita para a garota e depois para o dedo machucado de Ox.

 - Alguém me empresta duas moedinhas de cobre? – Imladris foi verificar seu bolso interno do casaco, mas Ox a parou.

 - Não. – a esposa o olhou indignada.

 - Então eu vou pegar de alguém aí... – disse a menina dando as costas e sumindo da vista de qualquer um. Oxkhar se abaixava e pegava a caixa de pregos e o martelo.

 - Como fui esquecer os pregos?! Isso é um absurdo! – ele resmungava para si mesmo, Imladris ainda o olhava do mesmo jeito e Oxkhar suspirou pesadamente. – Os guardas estão dizendo que há reclamações de furtos envolvendo bolsinhas de dinheiro e jóias...

 - E você acha que é ela?

 - Não está na cara? Pelo que eu saiba ela não tem fortuna e muito menos pede fiado para o Leôncio!

 - Vai ver que ela está trabalhando...

 - Ou vai ver que os dedos leves dela estão fazendo um belo trabalho nos bolsos dos participantes...

 - Oxkhar, você é tão... – a clériga deu um pulo quando ouviu Annie imitar o barulho de um dragão menor. – Não-faça-isso!!

 - Porque você é fã de dragões e vai desmaiar de emoção?

 - N-não! Porque é assustador! Como você consegue fazer isso tão bem? - Annie a olhou intrigada.

 - Ganhei pontos de especialização na minha árvore de truques... – a menina disse dando de ombros. Tinha outro copão de suco congelado, mais um pacotinho de cheiro fedido. – Mariscos. Bom pra sopinha de noite... – ela explicou, a clériga a olhou desconfiada.

 - Como foi lá tão rápido? E aonde consegue dinheiro para pagar os vendedores...?

 - Eu consegui uma fonte de renda sustentável... E bem prestativa... – a esposa voltou o olhar desconfiado para o esposo acusador. – Pick-pocketeei um cara grandão lá na frente, aí ele veio reclamar pro guarda e eu disse que eu acharia o ladrão... Ele tá me pagando pra ir atrás do salafrário, hahaha! Humanos são tão palermas!

 - Annie! Devolva já esse dinheiro!

 - Mas eu preciso!

 - Não quero saber, isso é errado! Roubar das pessoas é algo desonroso e prejudica muitos!

 - Mas se eu não roubar dinheiro, como é que eu vou comprar lanche pra comer?!

 - Agüente essa sua barriga oras!

 - Mas não dáááá!

 - Devolve agora mesmo! – a clériga apontou para além dela em uma atitude de autoridade.

 - Mas que... sacolinha de kodo... – a menina foi cabisbaixa na frente enquanto a clériga ia atrás observando de quem ela roubara.

 - Quando você chegar, terá um lugar apresentável para se viver aqui! – exclamou Oxkhar, a clériga deu um okay e não tirou os olhos da menina.


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