Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 41
Capítulo 41




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Quadra dos Ladinos.

                Mary Edras percebeu na tristeza do rapaz humano que andava para lá e para cá, roendo a unha do polegar e cabeça baixa.

 - Posso ajudar em alguma coisa, pirata...? – a curandeira estava fantasiada de druida com uma cabeça de falcão adornando seu capuz. Penas improvisadas cobriam parte das mangas largas e o capuz. O manto que a vestia era cinzento escuro e em algumas parte furta-cor.

 - Oh, ahn... não obrigada... Senhora trocou de roupa rápido hein?

 - Oh sim! Daqui a pouco começa o Grande Final...

 - Do quê?

 - Do Hallow’s End! Quando nossa Rainha Banshee faz o discurso do Ano para lembrarmos-nos de nosso dever como Abandonados.

 - Parece legal...

 - Vocês pensam que são só doces e travessuras? – ajeitando o capuz e pegando seu jarro em forma de abóbora assustadora. Uma vela vermelha dentro dela fazia a figura cadavérica de Mary Edras se tornar uma sombra segurando a lamparina improvisada. – Quer me acompanhar, rapaz? – ele ficou acanhado e olhou para a porta aberta do cubículo de Immie. – Um de meus olhos não está mais aqui. Preciso de uma ajudinha nas escadas entre a Quadra da Venda e Troca...

 - Ahn... sim... eu a ajudo… - segurando bem o braço dado pela curandeira. Caminharam lentamente até sumirem de vista.


Quadra da Guerra.

 - O Grande Final começará daqui a pouco... – disse Aelthalyste verificando as pálpebras de Sorena.

 - N-não posso ir! Deixá-la aqui sozinha?! – Alguém bateu a porta com receio, era Kalindorane segurando sua mochila de viagem.

 - Pediram para eu vir aqui conversar com a clériga Imladris...? Achei você! – sorriu a arqueira.

 - Outra moradora? – Aelthalyste saiu impaciente. – Te espero lá em cima, menina! E sem “mas”!

 - Mas...! – Imladris tentou protestar, mas a banshee havia sumido. Ela cobriu a cabeça novamente e ficou olhando para Sorena.

 - Hey, deixa isso comigo. Tou sabendo da festinha lá em cima... – Kali cutucou Immie e a pediu para sair.

 - Mas ela acabou de se recuperar de uma possessão e...

 - Acredite clériga. Sei lidar com coisas bem piores que isso... – e indicando a porta. – Vai lá e faça sua parte, você é a Embaixadora de Undercity não?

 - S-sim... Mas ela está muito fraca e...

 - Ela vai ficar aí dormindo?

 - Bem, em teoria sim... A experiência é exaustiva e drena muita energia da pessoa envolvida... Pode ser que ela acorde daqui há dias ou sei lá... Talvez nunca acorde... Estou com medo... – Kali segurou Imladris pelos ombros e ajeitou o chapéu de abóbora nela.

 - Eu cuido da encrenqueira. Você sobe. Se alguma coisa mudar, eu corro atrás de você, sim? Ela vai ficar bem... – Imladris ficou alguns minutos pensando, sempre com o olhar em Sorena se remexendo em sua cama. Tentou pensar em algo para resolver a situação, mas havia o seu posto como Embaixadora e a pequena discussão com Ox. Teria que subir de qualquer maneira.

 - Se ela fazer qualquer coisa além de dormir, me chama! - correndo para fora, mas voltou logo depois. – Qualquer coisa mesmo!! A coisa foi grave antes de você chegar! Tipo... – gesticulando inutilmente para explicar rápido. – Coisas bizarras!! – Kali gesticulou para ela ir embora. Imladris foi finalmente. Kali deixou suas coisas no chão e tirou o casaco que usava. Ajoelhou-se ao lado da cama e procurou pelo braço machucado de Sorena, escolheu o dedo anular e tirou um fino anel prateado com uma pedra opaca e colocou em seu dedo. Quase que imediatamente as marcas enegrecidas por magia foram sumindo e a vermelhidão das tatuagens cicatrizando. Algumas viraram apenas pequenas elevações na pele, outras mais fundas ficaram com a mesma forma, mas não tão feridas.

 - Sempre achei que esse anel contra possessões iria servir pra alguma coisa que prestasse nessa vida... – se ajeitando na cama para abraçar o corpo encolhido de Sorena.


                A multidão encheu o pequeno espaço do lado de fora nas ruínas de Lordaeron. Todos sentiam a mesma sensação de anso atrás, quando foram libertados do poder estrangulador do rei Lich, quando Sylvanas Windrunner dera o livre-arbítrio para qualuqer um e como nenhum dali escolhera outro caminho a não ser seguir a dama Sombria, a Rosa Negra dos Abandonados, sua única e sempre Rainha. O grande espantalho que ficava no centro da rupina, onde fora uma fonte de água cristalina, agora destruída e cheia de limo e vegetação rasteira, a tocha especialmente feita para a cerimônia pousada a alguns metros dele, a pira feita pelo Culto das Sombras Esquecidas para louvar ao dia e seus participantes. A Rainha Banshee se aproximou da fonte e do espantalho e tomou a tocha em suas mãos. Com seus próprios poderes de feiticeira, uma chama esverdeada tomou conta da ponta da tocha e labaredas da mesma intensidade sapiram da pira ao seu lado.

 - Vai começar...!! – disse Imladris empolgada e chegando aos tropeços o mais perto que poderia. Seu olhar encontrou instintivamente ao de Oxkhar e ele tentou sorrir como pode, mas a clériga ainda estava abalada pelo que acontecera minutos antes. E a caminhada na cabeça de Sorena fora tão confusa!! Mas era assim que deveria ser, passear pelos pensamentos insanos da melhor amiga a fizera ter convicção de quem ela era e aquela noite simbolizava absolutamente tudo que ela buscava ser todos os dias para os Abandonados.

 - Crianças da Noite, escutem bem o Chamado de sua Rainha! – Sylvanas anunciou com sua voz espectral e alta. - Estou aqui junto a vocês em celebração da mais importante das noites – a noite em que nós os Abandonados nos livramos finalmente da opressão de sermos marionetes do Flagelo! – todos que estavam ali (E haviam muitos de diversos lugares) estavam em silêncio completo, apenas o estalar da tocha na mão pálida de Sylvanas e sua voz ecoando nas ruínas da antes Capital dos Reinos do Leste. - Esta é a noite em que nossos inimigos nos teme e eles têm razão em nos temer. Esta é a noite que nós mostramos aos nossos inimigos o que significa ser inimigo dos Abandonados! Nós queimamos a efígie do Espantalho como um simbolo de nossa força contra aqueles que se opuseram aos nossos interesses. Nós nos cobrimos com as cinzas do Espantalho cremado como um símbolo de nossa interminável batalha contra aqueles que algum dia nos escravizou! – alguém empurrou um Tauren de lado e sem querer surrupiou sua bolsinha de moedas. Dando mais um passo espremido para o lado, ela conseguiu pegar uma adaga curvada de um Elfo do sangue e se colocar inocentemente bem na frente da única que a poderia deter ali e agora, mas que não teria coragem de atravessar a multidão e dar-lhe um castigo merecido. - Agora é a hora de balançar Azeroth em suas fundações. Agora é hora de lembrar daquele que algum dia nos escravizou e que nós nunca iremos nos curvar novamente! – a Dama Sombria ateou fogo ao Espantalho e esperou ele se consumir em chamas rapidamente para concluir seu discurso: - Agora é a NOSSA hora! Todo poder aos Abandonados, agora e sempre!! – a multidão saiu do silêncio para uma explosão de palmas, brados de vitória, assovios, e agitação geral. As cinzas do Espantalho cobriam todos que estavam em volta da fonte e como se quisessem se purificar, muitos levatanram as mãos e esfregaram as cinzas em seus rostos e braços. Imladris fez diversos sinais de benções e ajoelhou-se ao chão em direção a sua Rainha e em orações murmuradas pediu pela segurança Dela e de sua cidade. Oxkhar a observou no ritual de louvor e ficou confuso. Mary Edras fazia o mesmo, mas de um jeito diferente, ajoelhada, mas com as mãos e rosto cadavérico para cima, deixando que as cinzas e fumaça entrassem pelos buracos de seus olhos e ouvidos e narinas. Lady Annie levantava as sobrancelhas repetidamente, provocando a fúria de Mistress Carrie do outro lado da multidão em festa. Quando a aracnídea virou-se para ordenar a um de seus escravos para pegar a menina e aprisioná-la novamente, Lady Annie sumiu do campo de vista de todos. Sylvanas ainda segurava a tocha em sua mão, a boca murmurando alguma coisa para o que queimava na pira. Um último gesto foi de tirar um pequenino fantoche de esqueleto parecido com um liche de seu bolso e jogá-lo ao fogo da pira. Aquele bonequinho inofensivo era como Sylvanas e Sylvos mantinham contato direto após tantos anos mortos.

                Logo fogos de artifício ecoaram nos céus, fazendo que a atenção de todos se desviassem do outro ritual que sua Rainha fazia. Ela estava se livrando o espírito agonizante de seu irmão Sylvos do corpo de sua única sobrinha de uma vez por todas.


                Kali despertou de seu devaneio ao ouvir os estampidos dos fogos. Tudo ali embaixo parecia estar a milhares de milhas da superfície, mas mesmo assim o barulho dos fogos ecoava pelos corredores da cidade subterrânea. Sorena choramingava em seu sono perturbado, cobrindo o rosto e às vezes balbuciando para algo ir embora, para deixá-la em paz, para não machucar seu murloc... Kali ria em cada delírio, mas se preocupava com o que a feiticeira sentia. Recebera instruções diretas do senhor Theridion: O anel de livramento de possessões ajudaria Sorena a balancear o incrível poder das Trevas que possuía. Ajudaria ela dormir com mais calma, o mau-humor iria se dissipar, a personalidade dela seria restaurada, não mais influenciável pelos espíritos que ouvia o tempo todo.

 - Aí está você... – Kali tirou a mão de Sorena dos olhos e a abaixou para cintura. – Deixe-me ver o seu rosto querida... – se aproximando muito e ficando cara-a-cara com ela. – Eu sei que você não vai gostar de saber disso... Que vai se morder de raiva por saber que seu planinho deu certo... – e afastando algumas mechas que escapavam das orelhas da mais nova, ela revelou: - Eu sou a sua arqueira, não sou? Não era comigo que sempre sonhava? Pois eu estou aqui e agora não irei mais te deixar porque é assim que deve ser... – beijando de leve os lábios da elfa moribunda. – Assim que deve ser Myrtae... Só eu e você, é como deve ser...

Apotecário dia seguinte.


 - Então não era você? – Lady Annie interrompeu o silêncio de sua interlocutora. A elfa com aspecto doentio estava coberta por um lençol grosso e tremelicava de frio.

 - Na-não... – Lady Annie estava ainda trancada na jaula no Apotecário vazio. - Alguém que já deixou o prédio. – e suspirando profundamente e sentindo suas costelas doerem intensamente, ela voltou: - Lady Annie...?

 - Arram...

 - É um nome incomum.

 - Eu escolhi. Eu não tinha nome na época em que fui deixada lá em Valgarde... – Sorena arrotou sonoramente e cobriu a boca rapidamente. – Eita!

 - Desculpa... – pediu com a cara enojada. – Estou tomando um remédio péssimo...

 - Tem gosto de quê? – a pergunta foi estranha, mas a feiticeira respondeu imediatamente.

 - Parece com sopa de tomate sem sal.

 - Éca, ninguém merece... Estão te torturando também?

 - Não! É remédio... Peraê! Você está sendo torturada?!

 - Tou há duas horas sem comida. Isso sim é tortura!

 - Eu te arranjo algo, só preciso esperar a Immie chegar e...

 - Myrtae é um bonito nome.

 - Não é o meu nome. Sou Sorena. – Lady Annie concordou.

 - É uma história boba essa... Eu queria um nome comum, mas que não significasse nada. Aí minha mestra Blood Raven disse que o prefixo “Ann” no linguajar antigo quer dizer “não” ou alguma negação de estado e tudo mais...

 - Legal...

 - Aí eu juntei as coisas. Annie, algo como “Eu não existo” e um título a altura de minhas habilidades...

 - Lady é um bom título...

 - Era para irritar a Mistress também... – dando de ombros e mexendo os grilhões em seus pulsos. – Você sabe que toda Mistress tem servos?

 - É...?

 - E como protocolo, toda Mistress tem que ter um servo especial que é tipo confidente e ajudante e tudo mais?

 - Já imagino... – Sorena fungou em um lenço que tirou do bolso da sua calça.

 - Aí eu escolhi Lady, porque eu sei que ela nunca iria me fazer de escrava particular...

 - Faz sentido.

 - Ela ficou enfezada quando soube! Eu tava me escondendo em Howling Fjord, aí decidi ajudar um carinha bem legal. Um Abandonado chamado Capitão Hitchwarren... Ele perdera a tripulação toda por culpa dos Vrykulls e eu sei como lidar com esses panacas muito bem... Aí planejamos de plantar armadilhas ao redor do acampamento deles e pegar o navio dele de volta... – respirando fundo – Deu certo e tudo mais, muita perna de vrykull tostada e gente perneta, mas navio belezinha e a minha recompensa...

 - Imagino que tenha sido...

 - Oooooh mas pode apostar que sim! Eles me deram a melhor caixa da carga de especiarias vindas daqui. Revendi para um anão de lá por umas coisinhas. Comida na maior parte... E consegui umas informações sobre aqui...

 - Undercity é um ótimo lugar para se esconder do mundo...

 - Mas você não acha? É lindo! Aqui ninguém em Valgarde vai me achar!

 - Mas Mistress Carrie te achou...

 - Oh isso foi inevitável... Infelizmente! – e massageando a sua barriga. – Mas algum dia eu vou encontrar a minha mãe e saber que nome eu tenho...

 - Isso é que ter esperança... – Sorena se ajeitou no lençol e sentiu sua cabeça pesar.

 - Você também fez isso... E conseguiu!

 - Quem te contou isso?

 - Ahn... Você mesma... mas como a outra pessoa que deixou o prédio... A pessoa me falou como você saiu de Goldshire e tudo mais...

 - A pessoa disse algo sobre a Caverna de Cristal?

 - Oh sim! – a garota mais nova se lembrou de uma conversa com Derris. – Era onde os Discípulos de Aviana se encontravam...

 - Discípulos de quem...? – Sorena se surpreendeu pela revelação. – M-mas quem...?

 - Oras... Discípulos de Aviana são mais velhos que qualquer coisa que exista nesse mundo, acho eu... Você não sabe sobre os eles? – Sorena negou vigorosamente. – Pergunta pra sua amiga arqueira...

 - O que a Kali tem a ver com isso...?

 - Ela faz parte do grupo...


Dias depois em Ghostlands.

                A luz solar do final da tarde deixava os cabelos de Imladris mais pálidos do que eram. Poderia ser o reflexo do Mar ou do triste pôr-do-sol ali na antiga morada dos Windrunner. Oxkhar roía as unhas de espera do lado de fora do prédio principal da casa dos Windrunner em Ghostlands, ao seu lado estava Theridion e a clériga Artemísia. Sem convidados por assim dizer,a cerimônia era simples e sem tanta pomposidade que Oxkhar via nos castelos de sua antiga terra, como os barões e lordes casavam e faziam festa por dias seguidos. Ele não tinha dinheiro para isso, muito menos em dar festa. Estava completamente moído depois de fazer a limpeza geral no vilarejo. Claro que os Farstriders ajudaram na tarefa difícil de eliminar qualquer ameaça vinda de nerubianos mortos-vivos e soldados do Flagelo. Por incrível que pareça, até Sorena deixou o mau-humor de sempre e eliminou vestígios de espíritos vingativos ali do lugar. Quem ajudara na tarefa “pior” fora o avô dela, o antes feiticeiro Theridion e a dupla havia feito o serviço muito bem.

                Nas cadeirinhas de palha e madeira esculpida trazidas de Silvermoon por Eriol e alguns magos com teleporte, os convidados se misturavam entre Elfos do sangue e Abandonados. Um corvo observava a movimentação empoleirado em uma janela do Windrunner Spire. O mesmo corvo que Sorena já vira desde sempre.

 - Está apertado...! – reclamou Imladris tentando se ajeitar no vestido de noiva feito por ela mesma e decorado por Sorena. Quem ajeitava o espartilho em seu corpo era a curandeira de Undercity, Mary Edras. Ela sorria bastante com a comoção da elfa e dava conselhos sobre como se portar com tal roupa.

 - Respire menos.

 - É um belo conselho. – opinou Sorena com uma agulha pendurada nos lábios, ela costurava a barra do vestido com afinco e tomava cuidado para não esquecer nenhum detalhe do bordado prateado que Artemísia trouxera de Dalaran. – Finge ser uma Abandonada e pare de respirar Immie, vai dar certo! – a mais nova riu, mas a cara séria de Imladris a fez se calar com um ruído esquisito com a boca.

 - Você parece um cachorro velho fazendo isso...

 - Você parece uma bonequinha. – a clériga foi responder, mas teve as costas puxadas para traz com o último puxão no espartilho.

 - Machucou querida? – perguntou Mary Edras, mas a clériga estava ocupada demais em manter a respiração suspensa e se acostumar a roupa apertada em seu busto.

 - Tudo bem, daqui a pouco ela vai ter que se livrar disso mesmo...

 - Quê?! – Imladris exclamou escandalizada.

 - Oras! Vai me dizer que você não sabe da onde vêm os meio-elfinhos? – Mary ria das duas na discussão.

 - O que você está insinuando Sorena Atwood?!

 - Não, Immie, os meio-elfinhos não vieram da plantação de couve... Nem da de alface... E muito menos da cegonha...

 - E-e-eu, quer parar com isso?! Está me deixando nervosa!!

 - Tudo bem... – Sorena voltou ao seu trabalho e chiou alguma coisa.

 - O que foi hein?

 - Nada oras...

 - Você resmungando quer dizer que está querendo me provocar!

 - Isso eu deixo pro meu irmão... Ohohohoho... – a clériga ficou de pálida para vermelha em poucos segundos. Virou-se para o espelho de corpo inteiro que sobrara aos pedaços no Windrunner Spire e se concentrou na cerimônia. Era o dia mais importante de sua vida? Por que então se sentia completamente perdida e desamparada? Por que ninguém a ajudava nessa? Por que raios aquele friozinho na barriga se intensificava quando pensava no depois e não no durante? Sorena começou a rir baixo aos pés dela. – Essa vai ser boa...

 - O que vai ser bom?

 - Sei lá... – a mais nova sorriu largamente e cinicamente. – Pronto. Barra feita. Agora dê uma voltinha para vermos... – a clériga obedeceu e tentou andar mais ereta possível. O vestido era tão leve na textura que mal sentiu ele no corpo ao andar (Apesar de sentir o busto espremido como se fosse uma fruta embalada com muitas cordas em volta), a tiara igualmente prateada e com uma única pedra enegrecida em seus cabelos arrumados em um coque para cima e o véu que ajeitou com as mãos tremendo no rosto.

 - Magnífica... – elogiou a senhora Edras. Sorena tombou a cabeça e ficou com uma careta de quem não gostou.

 - O que é?! – perguntou a clériga esganiçadamente.

 - Passamos horas e horas aqui te arrumando pra você se livrar disso em menos de 2 segundos? Que desperdício...

 - Quer parar de...! – a porta do quarto no segundo andar bateu e era Aelthalyste, sua Mestra em Undercity passando a cabeça translúcida pela porta.

 - Vamos logo com isso? Lazarus está praguejando sobre querer ir beber...! – a banshee foi obrigada a parar de falar e observar bem como Imladris estava.

 - E-eu já vou Mestra... – por um momento Sorena pensou em ter visto uma lágrima escorrer pelo rosto azulado e fantasmagórico da banshee, mas preferiu voltar a sua divagação nada convencional.

 - Sério, eu vou ficar muito fula da vida se o Ox rasgar o seu vestido...

 - E por que ele rasgaria o meu vestido?! – os olhos de Imladris arregalaram em terror. Sorena caiu no riso e enxotou o corvo da janela.

 - Xô, xô criatura alada chata e vil e maléfica e sei lá o que você tanto fica nos vigiando...

 - Menina elfa, vamos descer...? – perguntou a senhora Edras pegando a barra do vestido e deixando o caminho livre para Imladris pisar no chão. Sorena guardava seu kit de costura.

 - Será que ele vai gostar...? – perguntou Imladris já descendo a rampa para o terraço. Sorena deu uma última olhada em si mesma no espelho quebrado. A última vez que olhara seu reflexo fora antes de entrar em Undercity pela primeira vez em uma fonte de água turva e mesmo assim não achava que a pessoa refletida ali era realmente ela mesma. Suspirou e prendeu os cabelos bem no alto do cocoruto e ajeitou a gola do manto escuro que seu avô Theridion havia lhe dado quando se encontraram. Ele disse que era um dos mantos favoritos de seu pai e realmente era, já que nas mangas havia manchas de óleo e graxa de engenheiro. A roupa cheirava bem depois da super lavagem que deu, mas mesmo assim trazia algo de volta. A saudade. Ousou mirar novamente para o espelho e tirou uma mecha ruiva da frente dos olhos. Por um momento pareceu ver o semblante entediado de seu pai sentado na janela, mas ao virar-se era só o corvo que pousara novamente.

 - Você não cansa não?! – ela foi até o parapeito e espantou o pássaro agourento. Da janela conseguiu ver os poucos convidados alvoroçados pela chegada de uma comitiva incomum. A Conselheira Real de Undercity chegava em uma carruagem especial escoltada por guardas elite da cidade e a cavalo por todos que pertenciam ao Culto das Sombras Esquecidas. – É, Immie... Está ficando famosa, hehe... – sussurrou Sorena pra si mesma.

 - Ah aí está você! – exclamou Theridion, atrás dele vinha um imp nervoso e praguejante.

 - Eu não vou fazer essa baboseira!

 - Ora Zephiros, calado! – disse o velhote. – Escute menina. Ou você dá um jeito nesse bastardozinho aqui ou eu vou jogá-lo nos quintos dos infernos que ele pertence.

 - Zéfinho será que pode ser menos rude e mais gentil? – a feiticeira disse acariciando o cocoruto deformado do imp. Ele chiou impaciente e cruzou os bracinhos tortos.

 - Não me chame de Zéfinho! Isso é humilhante! Um ultraje ao meu respeito próprio! Vocês feiticeiros nos tratam como lixo!

 - Vovô, eu vou chamar meu Voidwalker...

 - Concordo...

 - Nãããããooo!! – gritou o imp desesperado. – Feiticeira boazinha não irá fazer isso comigo vai? Me jogar de volta na minha dimensão? Tenha piedade desse mal criado aqui, por favor! – pedindo mais carinho com uma careta suplicante.

 - Claro que não! – Theridion a olhou desconfiado.

 - Quanto mais trela você dá a esses animais, mais eles ficam folgados...

 - Zéfinho é gente boa, não? – o imp sorriu com seus caninos pontudos e deu uma pirueta no ar. – E ele já arranjou muita confusão na casa dele, não vai fazer besteira pra ser banido novamente para onde não é bem vindo...

 - O que me lembra o quanto não gosto desse lugar...

 - O que me lembra que agora a chave dessa casa é minha...

 - O que me lembra de que tenho que arrancar suas orelhas por me convencer com essa loucura...

 - O que me lembra que o senhor é muito chato e rabugento.

 - Vamos menina... Por que quis revirar o túmulo dessas lembranças?

 - Estava entediada. Precisava fazer alguma coisa útil na minha pouca vida. – Theridion a olhou furioso. – Está bem, está bem! Você venceu.



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