Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 40
Capítulo 40




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                Tem alguma coisa em seu quarto. Alguém. Essa coisa está sempre atrás dela não importa aonde vá. Ela já tentou dormir lá em cima, ou pedir para Ox ficar no chão enquanto não pegava no sono. E doía quando ficava com medo. A coisa parece que está entranhada nas paredes, embrenhada nos móveis, um momentinho só se fechar os olhos e a coisa a agarra e machuca com unhas de ferro. Não é uma sensação boa.

 - Sorena? – alguém a chama na escuridão do seu quarto atrás da cozinha da Taverna. – Você está aí? – e ela conhece a voz, mas não consegue ver o rosto. – Fala onde você está? – a voz é tão calminha e meiga, parece muito com alguém que já conheceu, ela tem certeza disso. E dá uma segurança como ela nunca sentiu na vida! E a faz sentir que os músculos da perna podem levantar da cama. – Sor, me fala onde...?

 - Quem está aí?! – ela pergunta e não obtém resposta. Resolve ter coragem. Nunca foi de a sua índole ter isso, mas em algum lugar de sua vida ela teria que fazer alguma coisa, não? – Olá? Quem está...? – e abre a porta de seu quarto. E não há ninguém lá. Só aquele maldito corvo empoleirado em cima do balcão onde serviam as bebidas. Ela tenta enxotá-lo, mas ele só se afasta alguns passos. – Olá? Alguém aí? – e uma vasilha de ferro cai na cozinha e ela segue o barulho instintivamente. - É Primms! – ela exclama vendo a figura atarracada do cozinheiro da Taverna do Sol. – Hey Primms, você acordou cedo hoje hein? – ela diz com um suspiro de alívio. Como é bom ver que a realidade não é tão distorcida assim como ela imaginava que seria. Ele se vira lentamente e algo estranho está cheirando no caldeirão de sopa. Um braço decepado. – Primms? – ele se move lentamente, indo em sua direção. Na mesa de abater carne está o corpo dilacerado de um garoto mensageiro. Ela quase tropeça na cabeça decepada do menino assassinado. Pegando uma garrafa de vinho ali na estante, ela corre para longe do cozinheiro morto-vivo. – Papai!! Papai!! – ela grita e não recebe resposta nenhuma. – Ox!! Oxkhar!! – contornando a mesa principal da taverna e se deparando com todos mortos. Todos. Amigos, colegas, clientes, viajantes. – Não... não...

 - Encontre-me na caverna de cristal... – a coisa que a persegue sussurra em seu ouvido, ela se vira bruscamente e abre a porta principal da Taverna. Seu irmão chega em sua típica armadura da missão.

 - Oh Ox!! Ox, você chegou graças a Luz!! – o abraçando como nunca. Mas algo também está errado. Oxkhar faz um ruído gutural e a pega com mãos pegajosas.  – Não!! Não!! – dentes quebrados e cheios de sangue e podridão chegam bem perto de seu rosto, ela quebra a garrafa no rosto dele. Em desespero e trêmula, ela sai da taverna e se encontra no meio da encruzilhada da estrada para Stormwind. Todos estão mortos. Todos. E todos eles estão indo em sua direção em passos lentos e arrastados. Ela reconhece um dos rostos, o desespero toma conta de seus músculos e faz de tudo para não desmaiar, mas o seu grito é alto e doentio. Seu coração bate na garganta e sufoca boa parte do resto do grito, ela não sabe para onde ir, o que fazer, como proceder. Ela não quer mais usar o poder dos feiticeiros, não quer controlar mortos, não quer fazer a coisa errada para conseguir o resultado certo. – Por favor... Alguém... Alguém me ajuda...!! – e a sensação da coisa atrás dela aumenta quando ela desvia de um grupo particular de mortos-vivos. Todos os mercadores que negociou em Dalaran. Até o anão carrancudo que a chamou de manajunkie. O goblin astuto que quis trocar uma bolsa de parafusos por uma ninharia. Alguém a tocou no ombro e ela gritou novamente. Sua tia Vereesa. Seus primos pequenininos, seu avô Theridion, sua mãe Artemísia e por tudo que ela mais odiava no mundo, ela... Sempre ela... – Sai de perto de mim!! Sai!! – ela os afastou com empurrões e chutes desajeitados. O grupo de mortos-vivos está fechando o cerco, ela empurra-os novamente, se livra por um triz do ataque. A estrada é íngreme e vai para a capital de sua nação. Pelo caminho há mortos-vivos. Todos a olham, a perseguem, a querem. Entrar na cidade seria inteligente? Ela está desordenada demais para colocar algum plano em ação. Coça a cabeça, olha para as mãos. Estão esfoladas, unhas quebradas cheias de terra, vermes incrustados entre a pele e ossos.

 - Encontre-me na caverna de cristal... – diz a voz novamente e ela roda nos calcanhares tentando descobrir da onde vem. – Por que me deixastes aqui, Myrtae...?

 - Meu nome é Sorena!! – ela grita para o nada. – É Sorena!! É Sorena!!


                Uma Caverna de Cristal. Bem, não era o que eu esperava ver...

                A cabeça de murloc da Sor sempre foi confusa pra mim, mas isso aqui parece ordeiro demais. E olha só! Tem instruções nas paredes!

 - Dois passos pra direita, dois pra direita, dois pra esquerda... – e eu vou seguindo como uma tola, mas logo percebo que estou fazendo passos de valsa e não seguindo para um lugar específico. Olho para meus pés descalços e percebo que estou com roupas de dormir. Mas que coisa! Há um minuto atrás eu estava no meu quarto em Undercity, com a Suprema Rainha Banshee me visitando e a Sorena desacordada. Pediram para chamar a Paladina Cyssa. Eu odiei a idéia. Cavaleiros do Sangue são tão... insuportáveis! E incompetentes! E nem sabem o que querem realmente! Então minha Dama Sombria pediu para chamar o Ox e eu fui chamá-lo. Mesmo isso sendo uma péssima idéia. Mesmo sabendo que não iria dar certo, mesmo que...

 - O que você está fazendo aqui? – pergunta um gato preto passando por ali. E tem a voz de Sorena.

 - Sor, é você?

 - Sou... Por que o espanto?  

 - Você é um gato.

 - Eu gosto de gatos... – e um fantoche esquisito de liche corre pelo chão da caverna de Cristal gritando algo como “Walla walla bang bang”... Começo a achar que minha melhor amiga é louca. Louca mesmo! – Você vai mesmo ir lá? – o gato Sorena desliza no chão com destreza e engancha em minha perna. Eu a pego e sinto que seu peso é horrível de se agüentar.

 - O que você andou comendo? Kodos e Olifantes?! – eu brinco tentando carregá-la como posso.

 - Minha dieta é bem balanceada... Ratos... Insetos... Frangotes...

 - Fran-o quê?! – eu pergunto nem sabendo o que é um Frangote.

 - Você vai mesmo ir lá?! – pergunta a Sorena-gato. Eu a deixo no chão porque minhas costas doem com esse peso absurdo.

 - Ir aonde, oras?!

 - No Trono Congelado. – e o gato sai correndo com um chiado assustado. Alguém muito grande e forte o pega pela pelugem. Eu corro para impedir. Estamos nos Portões de Silvermoon?!

 - Último desejo, Windrunner...?

 - Uma morte limpa... e rápida... – oh minha luz... Não é isso que eu quero ver!! Não mesmo!! Apronto o meu melhor feitiço atordoante, mas percebo que estou com roupa de dormir. Pijamas, na verdade. E a vergonha me assola como uma mão invisível. E enquanto me preocupo com coisa tão ínfima e estúpida, eu presencio. E é horrível de se descrever. E de se mexer depois que a espada retorna com sangue de minha Rainha.

 - Você terá bem mais que isso, Windrunner... – eu fecho meus olhos e tento focalizar o meu espírito para lutar contra aquele profanador!! – Viverá para sempre... comigo? – a voz e o cenário muda.

 - Ox...? – eu pergunto tolamente. Será que é um daqueles sonhos malucos que não conseguimos colocar em ordem?

 - Você está bem? Demorou para eu te achar... – ele me abraça e eu me sinto mais confiante. Tudo nele me faz querer ser bem mais do que eu sou. E pela Luz que me ilumina, como isso é bom!

 - O que está acontecendo aqui? – eu olho ao redor e vejo a Sala do Trono. Como sempre foi, cheia de gente e movimentada. Apenas por dois detalhinhos. Sem Lorde Varimathras, sem minha Rainha. Eu enterro meu rosto no pescoço de Ox e choro como uma criança abandonada no meio de um turbilhão de ossos e terra escura e coberta de sangue espirrados pelos corpos dilacerados de seus próprios pais enquanto sua irmã mais velha sai correndo sem prestar atenção em você. - Mas que diabos eu estou pensando nisso?! – eu grito soltando de Oxkhar e percebendo que ele está imóvel.

 - Encontre-me na caverna de cristal. – alguém que conheço bem.

 - Mestre Derris pode pelo amor da Luz parar de incomodar a Sorena? Ela está ficando fraca!

 - Immie, me salve!! – Oxkhar está se partindo em milhares de fragmentos cristalinos e cortantes diante de meus olhos!!

 - Calma, Ox, é só um sonho! Pense em coisas boas e acontece! – eu tento falar, mas ele já virou uma trilha de cacos cortantes. Não me pergunte por que eu resolvi apanhar cada caco e colocá-los nos bolsos de meus pijamas. Subo as escadas da Sala do Trono e sinto falta de Lorde Varimathras ali comandando os Deathstalkers, colocando ordem na cidade, ordenando relatórios sobre nossos avanços na diplomacia e na ciência. Os cacos de Ox pulam de meus pijamas quanto levo um susto horrível com um bufão sem graça que apareceu de uma caixa enorme em cima da mesinha que nossa Dama Sombria usa para assinar papéis. Ele ri medonhamente e tem algum mecanismo estragado, porque não pára de subir e descer de dentro da caixa. – Por que um bufão estaria fazendo aqui...? – eu pergunto tentando fechar a maldita caixa irritante, mas ele continua entrando e saindo e logo sua risada se torna abafada. Ele está comendo pão com banana?! – Okay... Já estou cansada!! Dá para dizer logo o que isso significa? – eu pergunto ao fantoche repulsivo. Ele apenas mastiga o pão com banana.

 - Eles todos vão morrer... – ele cantarola horrivelmente. – E ninguém poderá fazer nada... – eu fecho a caixa e jogo longe lá na frente que caia e quebre finalmente. Silêncio, como é bom escutá-lo. Droga! Ainda estou de pijamas?! Saio correndo da Sala do Trono e encontro o caminho para meu quarto no War Quarter. Assim poderei trocar de roupas...

 - O que parece justo é que saibamos odiar aqueles que, bem apuradas as coisas, tenham merecido a nossa indignação. – Certo... Essa voz eu não conheço. E já estou em outro lugar de novo? Nossa, como aqui é lindo...!

 - Windrunner Spire...? – eu me admiro com o teto em forma de abóbada com detalhes tão vivos até o começo das paredes. Os ramos de roseiras cercam as janelas como cortinas, há detritos no chão e eu desvio de alguns móveis quebrados, mas eu não lembro daqui estar tão limpo e habitável. Um vulto passa pela janela e se entranha nas roseiras. Uma forma humanóide recolhe pétalas e as joga sobre minha cabeça. Eu estou de vestido de noiva, não mais de pijamas. – Oh, obrigada... Que gentil... – e lá fora há uma festa enorme que se estende até a praia. Os ramos em forma de alguma coisa me empurram para fora e no terraço do Windrunner Spire está acontecendo um casamento. O meu casamento?! Sinto ser puxada para o altar sem mover meus pés! – Pela Luz! Mas o que está acontecendo?! – e o meu noivo é Mestre Derris?! Éca! – Opa, espere aí um minuto! Eu não vou casar com você!

- O que parece justo é que saibamos odiar aqueles que, bem apuradas as coisas, tenham merecido a nossa indignação... – ele diz enquanto coloca a aliança em meu dedo anular. E estranhamente é o anel que a nossa Dama Sombria usa para selar as cartas.

 - Eu não vou casar com você! Sai pra lá!! – eu o empurro, e sou ajudada por alguém. Oxkhar!

 - Hey tira a mão da minha noiva! – e é tão lindinho quando ele me protege, não que eu precise disso, sei cuidar muito bem de mim mesma. Mestre Derris puxa uma espada enorme e vira o Krassus! – Pela minha Mestra! Vão brigar de novo?! – eu aperto o pulso de Ox e dou um soco certeiro no maldito paladino. – Eu não vou me casar com você, seu chato!

 - Mas minha flor de meu jardim de Inverno... – e ele chora com o nariz quebrado. Não sei o que é mais deplorável. Não era pra eu estar em algum sonho maluco da Sorena, por que então estou casando no Windrunner Spire?

 - Ela está lá dentro! E não quer sair! – Oxkhar me avisa com urgência, eu levanto a barra de meu imenso vestido de noiva (E nossa, acertaram o bordado que eu queria!!) e corro de volta para o andar térreo. Sorena está lá, curiosamente observando um Elfo do Sangue pesquisador de Ghostlands. Esse particularmente era o triste exemplo de como o abuso de magia acabava com a gente. Hey, espere aí? Eu disse “a gente”? É “eles”! Eu não sou uma Elfa do sangue, jamais!

- O que quer? – disse o elfo decrépito rispidamente. – Nunca viu um maldito Elfo do Sangue na sua frente?! – e a Sorena se acua no chão como um animalzinho ferido. Por que ela está se lembrando disso?

 - Sor, querida... Você está bem...? – eu pergunto me abaixando e pegando sua mão. Está gelada e mordida. Ela virou um de nós, um Abandonado. Mas como?! – Sorena, olha pra mim vai? Você está sofrendo? Me diz...

 - Ficar juntos como uma família... – ela repetia balbuciando, saliva esverdeada escorrendo pelo canto dos lábios. – Como uma família... – e ela estende um tapete vermelho com o brasão de Silvermoon no chão.

 - Sorena, me fala o que está acontecendo...? – eu a sacudo de leve para ver se ela sai daquele estado. Alguém se deita no tapete. É senhor Hrodi igualmente atacado pela Praga. Ela o enrola cuidadosamente e o coloca em um canto da sala como se fosse um embrulho normal. Sangue e vermes escapam pela abertura do tapete. – Sor, minha amiga! Acorda! Isso é só um pesadelo!

 - Sylvanas, deixe de besteira! – alguém grita atrás de mim. Sorena não percebe a movimentação na sala, na verdade tudo está como se nunca houvesse sido invadido. A nossa Dama Sombria passa por mim como era em vida. Uniforme dos Farstriders em coloração mais escura, a capa tão longa que vai até o chão e o arco tão bem feito para as mãos dela.

 - Tenho que ir... Os Farstriders me esperam... – ela fala jogando os cabelos prateados para trás e ajeitando o capuz na cabeça.

 - Uma família deve ser... – repete Sorena, e eu não sei mais o que faço! Se vejo esse diálogo maluco, ou se tento acordá-la! Oxkhar se deita no tapete.

 - Ox, sai daí! Vai ajudar no pesadelo doentio da sua irmã?! – eu reclamo escandalizada, mas ele não move um músculo.

 - É assim que tem que ser, Immie... – ele fala apenas e Sorena o enrola no tapete e o coloca perto do embrulho de Hrodi.

 - Mas que maldição!! – eu esbravejo querendo bater no Mestre Derris. – Você é o culpado disso, seu imprestável!!

 - Que história é essa de não participar de meu casamento?!

 - Lor’themar recebeu notícias de Zul’Aman e eu não vou deixar um ataque eminente a Floresta Eversong acontecer para me vestir de princesinha e fingir bons modos.

 - Era o meu casamento!! – o grito de Mestre Derris é angustiado. Como se alguém tivesse tirado algo muito importante dele.

 - E daí?! – o questionamento de minha Dama Sombria vem em mesma intensidade e emoção.

 - Você é ridícula Sylvanas... – diz alguém que não conheço, mas pelo porte e a cor dos olhos deve ser Alleria. E ela se deita no tapete que Sorena enrola repetidamente.

 - Está com ciúmes?! – Mestre Derris é tão rude! Eu tento sair do lugar, mas meu vestido de noiva está um peso só! Meus sapatos parecem grudados ao chão.

 - Ora, faça-me o favor... E saia da minha frente! – ela grita de volta bem no rosto do antigo Mestre Derris. Ele a pega pelo braço e a abraça.

 - Você está com ciúmes por quê?

 - Sylvos, me largue, estou avisando!

 - Sylvanas, eu te amo muito, por favor pare com isso... – ele sussurra e a Dama Sombria encolhe os braços. Pela Luz, ela chora!!

 - Você vai me deixar... Vai sim...

 - Não é assim... – o outro a conforta. Meu coração se torna em geléia porque é emocionante. E vê-la sofrer é como um martírio pra mim. Ela que sofreu tanto por nós! Ela não merece isso! Mestre Derris, seu crápula!! – Eu ficarei aqui até a situação acalmar...

 - Você não vai mais gostar de mim... – eu faria qualquer coisa no mundo pra acalmar a Dama Sombria nesse momento. Ela parece tão... solitária!

 - Syl, você é a minha irmã, eu não vou te deixar nunca... Confie em mim, sim?

 - Como uma família... – minha atenção se volta para Sorena enrolando outra pessoa. Uma senhora elfa sem os olhos e mordidas no braço. Um rapazinho espera a sua vez com ansiedade.

 - Vamos, as raízes de pimenta me disseram que vai chover! E muito! – diz ele se deitando no novo tapete depois que Sorena arrasta a senhora-embrulho para o canto. Ela faz o mesmo com ele e espera novamente, seus olhos encontram os meus. É a vez de Mestre Derris se deitar e colocar-se em posição de morto, com os braços cruzados no peito.

 - Encontre-me na caverna de cristal, sim? – a minha amiga perturbada concorda e o enrola. Ela não chora, não demonstra emoção alguma, apenas faz. Arrasta o embrulho e deixa-o ali no canto que os outros estão. O da senhora elfa e do rapazinho das raízes de pimenta se contorcem violentamente. Logo o de Mestre Derris também apresenta o mesmo comportamento.

 - Sorena, acorde? – eu peço acariciando o rosto doentio dela. Ela tem veias negras saindo dos pulmões e subindo pela garganta.

 - Não posso Immie... Eu tenho que fazer isso... Pela família... Como uma família...

 - Último desejo, Windrunner...? – mas que maravilha!! Eu fecho meus olhos e tapo meus ouvidos, eu não quero escutar, eu não quero escutar, eu não posso escutar...

 - Uma morte limpa... e rápida...

 - Família... uma família... – e quando abro meus olhos para espiar o que aconteceu com o resto da cena, é minha Rainha deitada no tapete, mas Sorena não se moveu para a enrolar. Seu semblante é de dúvida e temor. Ela não sabe o que fazer. Ela tem medo sobre o que fazer.

 - Você tem que... – diz Nossa Rainha, uma lágrima escorre pelo rosto morto de minha amiga. Ela nega com a cabeça várias e várias vezes. Os embrulhos contorcionistas urram com ferocidade. A Praga que assolou seus corpos pede por refeições. E eu sou a única viva aqui dentro, não? – Myrtae, você tem que fazer isso... Ficar juntos como uma família, lembra?

 - Não... não... não... não... – Sorena se encolhe abraçando a si mesma e balança para frente e para trás. – Fogo e chamas... fogo... fogo e chamas...

 - Sorena, acorda, por favor!! – eu a chacoalho como posso. Um barulho ensurdecedor vem lá do terraço, uma espada aparece brilhante em uma aura gelada e azulada. Ele de novo, não!!

 - Frostmourne tem fome!! – ele grita e eu me coloco na frente das duas. Minha Rainha está encolhida, puxando o tapete para cima dela para se esconder.

 - Dá o fora que seu lugar não é aqui!! – eu estou realmente me sentindo a melhor clériga de Azeroth, meu livro de orações está a tira-colo, meu cajado na minha mão. Não me importo se esse patife me matar, mas ele nunca mais vai machucar as pessoas que eu amo. – Afaste-se ou vai comer poeira e terra úmida do seu túmulo!! – eu vocifero e desconheço minhas forças. Um raio brota do cajado e o atinge pesadamente no peito. Ele recua alguns passos, mas continua avançando.

 - Cada flecha que você atira será cada segundo que irei parar de te torturar, nobre Windrunner... – flechas começam a aparecer na couraça que é sua armadura. Pela Luz, como ele é alto... Não é possível um homem normal ficar desse tamanho após tanto tempo... – E saiba que farei coisas terríveis com você, sua miserável elfa...

 - Por cima do meu cadáver!!! – eu grito e avanço nele com um golpe ridículo de cajado. Sinto as mãos poderosas dele agarrarem minha cintura e me erguerem do chão.

 - Último desejo, Windrunner...?

 - Uma morte limpa... e rápida... – repete minha Rainha deitada no tapete. Sorena a enrola em seu ritual macabro e repetitivo.

 - Sorena!! É só um sonho!! Acorda de uma vez!! – e sinto meu corpo sendo esmigalhado pela força da compressão da mão de Arthas Menethil, o desgraçado.


 - Immie, calma! Eu estou aqui!! – o ex-paladino não entendeu porque a noiva se agarrou a ele quando aplicaram a cura máxima nela.

 - Tire ela de lá... Tire ela de lá pelo amor que vocês têm a luz... – ela balbuciou.

 - Tirar ela da onde? – perguntou uma voz conhecida. A curandeira Mary Edras pousou as mãos na testa de Sorena e irradiou uma aura protetora.

 - Mãe...? – balbuciou Sorena fechando bem os olhos.

 - Descanse querida... – a Dama Sombria continuava ali no quarto espiando a cena. Suas unhas cravaram nas palmas da mão pelo esforço de não ceder novamente. Não ser fraca, não voltar atrás. Havia muitos que dependiam dela para tentar isso.

 - Deixe-me cuidar do resto... – a Rainha Banshee se ajoelhou ao chão e com a ponta do dedo indicador fez um círculo de pura energia com símbolos que Imladris já conhecia. Era um círculo de proteção contra as Sombras. Ninguém que usasse algum tipo de magia sombria poderia se aproximar. Oxkhar pegou o corpo mole da irmã e verificou sua temperatura.

 - Ela está com febre... Kali dizia que ela sofria uns ataques em Silvermoon... Estaria ela com a Nova Praga como meu pai? – o ex-paladino perguntou inquisidoramente para a Rainha ao chão. – Exijo resposta, Rainha dos Abandonados! Se minha irmã morrer em minhas mãos, eu não me importarei com as conseqüências ao vingá-la...! – Imladris segurou-se bem no noivo e tapou sua boca.

 - Não fala isso por favor, por favor... – pediu ela chorosa, encostando a cabeça nas costas dele.

 - Parte disso foi culpa minha... Eu admito... – disse Sylvanas levantando. Acariciou o rosto pálido da sobrinha e rasgou levemente a manga esquerda do manto que ela usava. As marcas das tatuagens estavam ali, pulsando na pele como se quisessem sair para o exterior. – Reconhece isso? – perguntou para Aelthalyste, a mestre de Imladris fechou os olhos em desagrado.

 - Maldito seja...

 - O quê...? O quê?! – perguntou Oxkhar confuso olhando bem as informações dadas pela irmã nas tatuagens improvisadas. Números, dias, iniciais. Um círculo com alguns símbolos perto do cotovelo.

 - Derris a convenceu a ter contato total com o Além... Ele permitiu isso a uma feiticeira novata... – explicou Sylvanas. – As datas estão relacionadas, quando eu a possuí estão aqui... – mostrando algumas datas feitas com algum objeto rude, uma ponta de agulha ou uma adaga fina. – Essas são de eventos particulares...

 - A data do meu aniversário...? – Ox se aproximou do braço da irmã. – Dia em que papai ficou pela primeira vez doente... Essa aqui foi quando eu tinha 11 anos...

 - O que aconteceu exatamente?

 - Nada de especial, estávamos em Darkshire na época. Papai estava em uma missão para a Ordem e fomos para lá enquanto ele ajudava o vilarejo...

 - Darkshire... – murmurou Mary Edras. – Foi aonde fui encontrada por Mestre Derris...

 - A senhora é humana? – perguntou Oxkhar surpreso, Sylvanas tateava o braço da sobrinha. – Que datas são essas...? – indicando algumas datas preenchidas com letras pequenas e tremidas.

 - Olha só... – Imladris sorriu encostada em Oxkhar. – Ilak... é o nome da Kali detrás pra frente... – para uma marca bem pequenininha no meio das costas da mão, circulada por outros números e datas. Sylvanas segurava o colar achado de sua irmã Alleria, agora pendurado em seu pescoço. Saindo sem dizer palavra alguma, ela atravessou o War Quarter depressa, Aelthalyste espiou com a cabeça passava pela porta aberta. Oxkhar percebia agora no quarto de Immie.

 - Você dormia aqui?

 - Eu vivi aqui… - respondeu a clériga sem muita paciência para perguntas do tipo.

 - Por que você tem um desenho do Warchief Thrall pregado na parede? – ele perguntou rindo um pouco do quadro emoldurado com a figura do líder de Orgrimmar feito em grafite e assinado por um Abandonado de Brill.

 - E-e-ele é... o warchief Thrall oras! – ela respondeu sem saber o que falar. Sorena se remexeu na cama e tapou o rosto com a mão esquerda.

 - Cadê seus livros de orações e meditação...? – Aelthalyste fez uma cara de asco para o ex-paladino sem ele ver.

 - N-não temos isso aqui, Ox... Não aprendi as mesmas coisas que os clérigos costumam estudar...

 - E foi muito bem ensinada, caso queira saber! – disse a banshee com uma pontinha de indignação. Sorena gemeu de dor e segurou o lado de sua cintura, Imladris voltou-se para ela.

 - O que foi agora, mocinha...? – Oxkhar circulou o pequeno cubículo e percebeu melhor na decoração espalhada. Nas estandes tocos de velas vermelhas, tinteiros com penas cheias de teias de aranha, caveiras em miniatura servindo de castiçal para outras velas. Livros de Necromancia, Anatomia Humanóide, Histórias de terror, Contos do folclore humano, Cultivo de cogumelos e vegetais, outros livros com as lombadas apagadas, arrancadas ou encapadas. O armário que ia do chão a parede estava entreaberto.

 - Tá doendo… - reclamou Sorena se encolhendo e cobrindo bem a costela fraturada com a mão marcada. Imladris aplicou uma magia de cura instantânea e esperou o resultado. A elevação arroxeada que estava ali há semanas foi sumindo conforme o sangue voltava a circular direito no machucado. Um barulho longo assustou a clériga. Aelthalyste balançou a cabeça e bateu a mão na testa.

 - Você vai se casar com esse palerma? – perguntou a banshee translúcida. Oxkhar estava totalmente coberto por peças de roupas de Immie e lençóis de cama e toalhas.

 - Foi mal... – ele disse tirando as peças em cima de sua cabeça e algumas caídas em seu ombro. Uma peça em particular o fez parar estagnado no lugar. Imladris correu no mesmo e recolheu tudo e jogou dentro do armário e fechou com uma força violenta. – Era...?

 - Fora do meu quarto. – disse ela friamente. Ele saiu de cabeça baixa, mas ao atravessar a porta do quarto, ela suspirou de alívio e olhou para dentro do armário.

 - É o que sempre falei... Começa com elogios, chocolates, beijinhos e agrados. Aí depois querem entrar no seu quarto e fuçar na sua gaveta de peças íntimas!

 - Mestra... Por favor...

 - Homens! Todos iguais! Um deles me matou sabia?

 - Sim, senhora eu sei disso... – ela suspirou novamente.

 - Você está doidinha por ele não?

 - Precisamos discutir isso agora? Olha só o estado da Sor... – a garota elfa colocara a mão no rosto como se quisesse proteger de algo.

 - Ele é um paladininho folgado que só quer roubar o seu coração, usá-lo e jogá-lo fora! Acha mesmo que um humano vai ter verdadeiros sentimentos por nós? Eles nos odeiam!

 - Ele é diferente... – ela falou baixinho. A Mestra a circulou por alguns momentos.

 - Menina, me diga o que está acontecendo com você?

 - E-eu não sei ainda! Eu fico toda mole e tonta quando estou perto dele! E depois que ele me pediu em casamento...

 - Ele te pediu em casamento?!

 - Eu ia falar, eu ainda não aceitei...

 - E vai aceitar?!

 - E-eu não sei! – se sentando ao lado de Sorena e colocando a cabeça entre as mãos. – Fico tão confusa quando ele está por perto e completamente perdida quando ele não está! E tudo aqui dentro funciona como se eu tivesse levado um choque elétrico! – Imladris segurava sua própria gola como se estivesse estrangulada. – E minha cabeça está uma bagunça! Imagino coisas e situações e meu futuro e... e... Não era pra ser assim, era?

 - Pelas Trevas que nos protegem… Você realmente está apaixonada… - a banshee confirmou. – Era só o que me faltava! Esse marmajo vai te atrasar em seus estudos! Fazer da sua vida um inferno! E que a Luz te proteja, vai te dar filhos? – Imladris ficou pensativa por um momento e depois confirmou com a cabeça.

 - O que eu faço?

 - Eu posso matá-lo bem rápido. E escondo o corpo em um lugar que ninguém saberá. – a mestra disse sem emoção alguma, Imladris riu alto e tentou a abraçar, mas passou por ela. – Era só o que me faltava! Minha única e melhor aprendiz apaixonada!



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