Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 2
Capítulo 2




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                A patrulha daquela tarde estava de folga, ainda bem, pois já estava cansada de ser vigiada pela velha doida Karin, antes famosa pelas curvas e os charmes, agora envelhecida pelo tempo e pela senilidade. Como muitos acreditavam, Sorena Atwood era deveras provocadora, sabia como apertar as feridas dos outros e como deixar alguém a beira de um ataque de nervos. Suas artimanhas eram feitas mais para as arqueiras que Karin mandava patrulhar os arredores e de muitas vezes eram nada adequadas para uma menina.

 - Não se afaste, cabeça de murloc. Não quero desperdiçar as minhas flechas te protegendo. – disse uma das arqueiras. Soren lançou um olhar intrigante para a moça e verificou atentamente cada detalhe da roupa que ela usava. Aproximou-se lentamente, segurando o olhar para a arqueira já intimidada pela presença dela. Sorena era alta para as meninas de sua idade, esguia e de olhar penetrante. Os traços élficos tão definidos chamavam atenção de todos, além do par de orelhas pendentes em cada lado da cabeça. Os cabelos eram ruivos de um vermelho intenso e usava-os presos em um arco atrás das orelhas.

 - Couro de Timber Wolf...? – disse ela tocando o cinto de couro da patrulha.

 - S-sim... – ela continuou a inspeção.

 - É uma bela adaga de mithril... – alisando o cabo da arma na cintura da arqueira. – Aposto que confeccionada pelos anões... – A arqueira concordou. E depois indo com a ponta dos dedos para o corselete de couro, ela fez um breve comentário. – Pobre e usado, mas bem ágil... Sente-se confortável nele? – a arqueira não conseguia falar, estava muito perto dela. – Parece que ele serve como uma segunda pele, bem delineado ao seu corpo e pronto para trabalhar junto dele, magnífico... Dizem que armaduras envelhecem com o tempo, mas eu sinto que o couro faz algo maravilhoso com o corpo de uma guerreira bem preparada... – e indo para a junção encontrada nas costelas que abria o corselete, ela enlaçou os dedos nos cadarços de couro que prendiam a armadura leve ao corpo da arqueira. – Sinceramente eu preferia vê-la caçando em pele própria... Nua e livre dos encargos da vida... – desprendendo alguns pontos. – Mundana e tediosa de uma arqueira...

 - Hey você, elfa! – a ordem fez a arqueira encolher e se afastar bruscamente arrumando seu corselete. – Deixe minhas arqueiras em paz!

 - Como se eu fosse capaz de cometer algo terrível contra elas, senhora Karin... – disse Soren com uma reverência superficial, sorriu de lado para a arqueira trêmula e se afastou.

 - E nada de ir para além da floresta! Seu pai não gosta quando... Oh pelos deuses...! – vendo que a garota corria para longe delas e ria gostosamente pela sua travessura. A arqueira ainda ofegante pela aproximação com segundas intenções da elfa percebeu que sua adaga sumira.

 - Ela roubou minha adaga!

 - Maldita filha de Nagahs! Flavie, Irien! – exclamou a velha Karin. – Vão atrás dela, agora!


                Sua fuga improvisada era um meio de chegar a caverna ali nas entranhas da Floresta Elwynn. Uma compulsão a fazia seguir o caminho a frente e desviar de inimigos em potencial. Um bando esperto de lobos tentou ataca-la em emboscada, mas ela escapou com outra corrida silenciosa pela Floresta que cobria o Sol lá em cima. Empunhando a adaga na mão suada, ela seguia em frente, certa de que seu destino era dentro daquela pequena caverna mais além. Sua respiração estava estável, chamavam-na de "Sorena que corre como o vento" pela sua rapidez nas corridas que competia com as arqueiras e com o irmão, sempre ganhava, nunca ficava cansada. Mas seu coração batia tão forte em seu peito que pensou que iria estourar por dentro. Afastando os ramos de um arbusto denso, ela se esgueirou para dentro da caverna, em uma entrada metade de seu tamanho.


                O pai tossia na frente da taverna, pano de limpar copos no ombro e retirando os cabelos escuros do rosto. O irmão chegava a cavalo com mais um amigo de missão, desmontou e negou impaciente.

 - Nada? Mas que... – e coçou a barba em seu rosto, o filho fez o mesmo, mas na barba rala que cultivava.

 - As arqueiras disseram que ela adentrou a Floresta.

 - Aquele lugar é perigoso...

 - E disseram que ela roubou uma adaga de Flavie... – o velho pai teve que rir. – Isso não é engraçado, é desprezível!

 - E eu sempre soube que aquela menina era mais do que esperta... – e entrou na Taverna com um suspiro cansado.


                A noite chegara e nada de Sorena aparecer. As sentinelas se mantiveram alertas e as arqueiras praguejavam pelo desvio de atenção de Flavie. Senhora Karin tomava vinho quente na Taverna e dosava os remédios de Hrodi, o filho alimentava a lareira com mais lenha.

 - Pergunto-me de quem ela puxou esse gênio... – murmurou o pai.

 - Talvez dos pais elfos... – Oxkhar pisou pesadamente e interrompeu a senhora amazona.

 - Sorena Atwood é minha irmã, filha de Hrodi e Maeline.

 - Oxkhar, por favor...

 - Escute bem, senhora... Fostes o símbolo dessa vila, mas teu tempo acabou. Tuas arqueiras fraquejam diante de qualquer poder. Não me venha com essa besteira de que ela... – a porta dos fundos abriu, era a menina elfa.

 - Eu fico ausente por algumas horas e olhe só como está essa taverna... – disse Sorena encharcada da cabeça aos pés e se secando com uma toalha perto da lareira, depois pegou o pano de limpar copos do pai e esfregou vigorosamente no balcão onde clientes tomavam suas cervejas e bebidas. Seus olhos tão verdes brilhavam com o reflexo do fogo da lareira, apesar de estar ofegante, sorria como se nada houvesse acontecido. – Como vai senhor Inder? Conseguiu o leitão para o aniversário de Thim? – o velho fazendeiro Inder era o principal distribuidor de cereais da Taverna.

 - Oh sim! Esse ano terá um leitãozinho gordo... Talvez duas galinhas... Não posso fazer muita extravagância. Os tempos estão difíceis por aqui.

 - Nada que não vá melhorar, acredite... – O pai estava pasmado, Oxkhar com as narinas dilatadas de fúria. Karin sorria em seu copo de vinho quente.

 - Elfos do Sangue são elfos de qualquer jeito...


                Sorena estava com uma aparência bem melhor e seus olhos brilhavam com um faiscar verde esmeralda no mínimo de luz. Oxkhar afiava um de seus machados nos fundos da propriedade, o pai a olhava pela janela da cozinha.

 - Mas que irresponsabilidade Soren! Deixar-nos sem notícias? Fugir assim? Papai ainda está doente e você faz isso com ele? – e a cada questionamento, ele passava a pedra de limar no fio do machado. A irmã girou nos calcanhares e ajeitou os cabelos em um coque que lhe escapava na nuca. As orelhas pontudas se destacaram ainda mais.

 - Estou de volta e é isso que importa... Ninguém reclama quando você some e aparece meses depois...

 - Sou de uma Ordem de missionários, maninha... A Ordem Sagrada dos Paladinos da Luz nos manda para missões em todo continente...

 - Blá blá blá... Você vive preso, maninho... Admita, você gosta. – o irmão a olhou intrigado.

 - Do que falas? E que sorriso bobo é esse aí? – levantando de seu lugar, Oxkhar apontou um dedo para ela. – Se apaixonou não é? Sinto isso desde que você chegou aqui ontem à noite! Esse sorrisinho bobo e essa vontade renovada de provocar os outros!

 - Lalala, não sei do que se trata...

 - Se for um vagabundo qualquer, eu juro que arranco as tripas dele com esse machado!

 - Não se preocupe, querido irmão... Nada para preocupá-lo quanto a minha castidade intacta... – e a risada maléfica que ela soltou logo após fez o irmão levantar uma sobrancelha. Da janela da cozinha, o pai mirou o quarto da filha. Debaixo da cama em um cesto de roupas para costurar estava o motivo da escapada da menina. A cabeça esverdeada de anos atrás estava ali embrulhada em pano escuro. Ele vira como aquele pedaço murmurava na língua Thalassiana, como era carregado de sofrimento e angústia, como era o mensageiro que trouxera sua filha. E o corvo. O negro corvo o vigiando na árvore lá fora. Sabia que o destino da garota era nefasto, assim como sua espécie, mas fizera de tudo para dar honra e compromisso na vida da menina órfã.


                Pergunta estranha na hora da refeição.

 - Papai, como era a mamãe? – Oxkhar quase engasgou com o peixe. Hrodi pigarreou e terminou de mastigar.

 - Tinha os mais belos olhos de toda Azeroth...

 - E como ela era? Era chata e rabugenta como o Ox ou meiga e graciosa como eu? – foi a vez do irmão responder.

 - Não vejo meiguice em nenhum lugar...

 - Você está com inveja, porque eu sou uma garota...

 - Não tenho inveja de garotas!

 - Crianças, por favor... – pediu o pai silenciando os dois. – Maeline era a mais linda entre as arqueiras de Karin. Curandeira e pacificadora. Meiga e inteligente, Sorena. Resoluta e teimosa, Oxkhar.

 - E você a amava, certo?

 - Sim...

 - Faria qualquer coisa por ela, não?

 - Sim...

 - Porque é isso que a gente faz por alguém que se ama muito não?

 - Sorena... – advertiu o irmão. – Se for um malandro que você se apaixonou, eu...

 - Não é isso, Ox! – o pai a olhava preocupado.

 - O seu coração descobriu o amor, minha filha?

 - É, por aí... Quase, quero dizer... Não amor, mas devoção... – sorriu ela para o prato de comida. – Não como a devoção de meu caro irmão aqui... Não pretendo ser paladina, muito obrigada...

 - O que me deixa aliviado... – confessou o pai voltando a sua refeição.


                Sorena ressonava quieta em sua cama, tendo outro sonho com o que poderia ter sido seu passado obscuro. Uma tenda de cores vivas e alguns como ela. Apesar de ser uma tenda com aparência frágil, o chão era decorado com tapeçarias finas, uma cadeira de madeira escura com braços dourados e vazio, ao seu lado uma pessoa de magia abundante e muita sabedoria. Alta, radiante e imperiosa. Genuína em seus traços, a mais pura de sua espécie, a mais derrotada. Ajoelhada à sua frente, uma deles, olhos verdes tão intensos que pareciam emitir uma luz fraca, cabelos longos e ondulados, muito jovem ainda para segurar um arco e flecha tão pesado. Pedia desculpas pela demora, conselhos para sua falta.

 - Leve-a longe da guerra. Nossas crianças não devem ver a face do terror... – acordou em alerta pelo simples sinal de vida em seu quarto, era o pai, cansado na porta a olhando.

 - Algum problema, meu pai?

 - Sua devoção...

 - Ahn? – ele se ajoelhou perto da cama e pegou a mão dela.

 - Sua devoção me assusta imensamente... Imaginar que a perderei para... para...

 - Papai, o que falas?

 - O crânio debaixo de teus pertences. Foi ele que te trouxe para mim e agora quer de volta... – a menina ficou em silêncio, seu orgulho dilacerado por não saber esconder um segredo sequer. Olhou para os lados e tentou se expressar.

 - Eu preciso...

 - Eu sei...

 - Não irei deixá-lo, papai... Tudo será como sempre... Não irei a lugar algum...

 - Perdoe-me pela minha ignorância, Sorena...

 - Não faça isso, caro pai...

 - Se eu pudesse! – os olhos do ex-paladino estavam vermelhos de cansaço e lágrimas. – Faria de tudo para te dar a vida que você merece ter! Sei que tu te sentes limitada pelos nossos olhos, os teus possuem muitos segredos e provações e nós nunca poderíamos entender...

 - Calma, calma... E-eu não estou entendendo!

 - Minha filha... – unindo as mãos dela e guiando para a cabeça dela. – Veja por si só... – Sorena tocou as próprias orelhas e sentiu a curvatura da ponta. – Olhos como de minha Maeline... Tão vivazes que assustavam o mais corajoso guerreiro... Eu não posso te dar a verdade, pois a desconheço. Mas posso te dar esperança...

 - Papai... – e os dois se abraçaram.

 - Não há nada de errado com você, minha filha... Só o nosso mundo que não entende quem você é...


Carta de Oxkar Atwood para Jorad Mace.

"Os pesadelos perduraram por muitas noites. A mudança em Sorena afetou seu humor drasticamente. O atendimento na Taverna é a última coisa que passa em sua mente, seus interesses são outros como ir aos arredores da Floresta Elwynn, se perder por lá por horas seguidas e voltar como se fosse uma criança feliz e saltitante, desconfio que ela tenha aprendido como canalizar seu potencial mágico. Isso me preocupa, caro amigo. Se Sorena souber como os seus se comportam com magia, será sua perdição. Sua curiosidade passa dos limites até com as arqueiras. Ela lança perguntas sinistras, indaga discussões com a velha Karin, quer saber de tudo que cerca os mistérios da vida e da morte, principalmente essa última. Não gosto de seu jeito de levar as coisas sérias côo se fossem trivialidades e temo que talvez não seja só eu que esteja percebendo na impetuosidade de seus olhos esverdeados, às vezes tão flamejantes à luz do luar por um poder a mim desconhecido.”



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