Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan


Capítulo 19
Capítulo 19




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Arredores de Quel’Thalas, ruínas da Fonte do Sol horas depois.

 - Não serei deturpado ou forçado a ceder ao poder dos outros... - Dar’khan terminava de amarrar bem sua nova prisioneira. Pensava em como seria sua vida de glória e louvor. Como Azeroth e os Poderes dos Mundos iriam prestar homenagens ao seu nome, construir templos e cidades, fazer tudo que ele quisesse. E Arthas Menendil seria um servo menor. Menor, não. Seria um servo morto. Arthas, o tão simplório Rei Lich morto aos seus pés, desintegrado? Não, não, morte muito fácil. Um pouco de criatividade, talvez fazê-lo sangrar até morrer. Ou fazer seu exército tão precioso da Praga consumi-lo vivo. - Sim, sim! – e riu-se de seus devaneios homicidas. A prisioneira tentou novamente se soltar com um de seus uivos aterradores, mas a magia que Dar’khan usava era esmagadora perto da feitiçaria de Sylvanas Windrunner.

 - Pensando alto, Dar’khan...? – disse apenas, cansada pelo esforço.

 - Ouviu os meus pensamentos, cara Sylvanas? – ele disse bem perto de seu rosto gelado.

 - Quando o nome do maldito aparece na mente de qualquer pobre coitado, eu sei como captar a mensagem...

 - Sempre foi sua grande ambição não é? Ter Arthas aos seus pés?

 - Na verdade era isso e a sua cabeça espetada em uma estaca ao lado de meu trono...

 - Ohohoho oh sim! Aí eu sempre estaria ao seu lado?

 - Não, seria a prova definitiva de que eu, a Dama Sombria dos Abandonados, não sou piedosa com quem me irrita ao extremo.

 - Oras Sylvanas... – acariciando os cabelos prateados da banshee cativa. – Você irá presenciar o evento que irá mudar o rumo de nossa raça...

 - E você vai fazer isso, eu creio...? – o risinho de Dar’khan fez a banshee contrair os lábios em desagrado.

 - Você sabe o quanto eu quero trazer a glória de Quel’Thalas novamente. O quanto me importa o esplendor dos dias antigos... Imortalidade, Sylvanas... Nunca pensou nisso?

 - Não obrigada. Já estou condenada para todo sempre sem precisar fazer muita festa por isso. – respondeu Sylvanas com um sorrisinho no rosto.

 - As peças se mexem no tabuleiro, querida General-vigia... E tenho todas as peças ao meu comando.

 - Tudo bem, eu desisto, Dar’khan... Você ganhou mais uma vez... – o elfo do sangue arregalou os olhos em surpresa.

 - Os meus ouvidos me traem novamente? A grandiosa Rainha Banshee diz que eu venci...?

 - Sim, você venceu... Você é bem mais idiota do que eu julgava. – sua pele fria e insensível não sentiu o tapa desferido por Dar’khan, mas seu coração morto pulsou em ódio pelo ato. – Mais simplório que o próprio Arthas... Comandado como um soldadinho de papel por Kil’jaeden... E você é apenas um verme no meio do excremento...

 - Você vai engolir as suas palavras... Ou melhor! Não terá palavra alguma vinda de sua boca profana... – Dar’khan se afastou para a clareira que o poder de Anveena a verdadeira forma humanóide da Fonte do Sol formara. – Mas darei um belo lugar para você presenciar a minha ascensão.

 - Eles virão...

 - Oh sim, quem? Seus desmazelados esqueletos imundos? Patético... – o sorriso de Sylvanas fez Dar’khan pensar duas vezes.

 - É desse jeito que eu continuo no poder, Dar’khan querido... Eu prevejo tudo além da real batalha.

 - Meu poder se espalhará muito além de Azeroth, para reinos mencionados apenas em sussurros... Vai ser glorioso...

 - V-vai ser... insano... – disse o jovem dragão azul Kalecgos tentando se levantar do forte golpe de magia que recebera minutos atrás de Dar’khan. – E uma insanidade... que você jamais verá... se realizar... – o grito estridente de Sylvanas pegou Dar’khan desprevenido e anulou parte de seu poder sobre o jovem dragão.

 - Tolos! Com o que drenei da Fonte do Sol escondida naquela criatura inferior me dá poder suficiente de reduzi-los a cinzas! – um bater de asas membranosas fez o elfo do sangue virar-se para encarar o céu.

 - Então terei que me esforçar um pouco mais... – disse uma voz cavernosa vinda do céu. A dragoa azul Tyri vinha preparada com seu sopro mágico. – Talvez algo um pouco mais forte seja necessário?

 - Ah você! – riu-se Dar’khan. – Mas estou bem preparado para você também querida... Nosso último encontro flamejante não se repetirá. – indicando uma misteriosa figura parada há poucos metros dali.


 - O que foi aquilo? – perguntou Kalí no meio da tarde. Uma luz fraca vinha do Sul de Quel’Thalas, onde a última cidade fora construída. Lethvalin e o velho Theridion estavam de vigília em dois flancos opostos entre as árvores, lugar em que decidiram acampar. Sorena tremia da cabeça aos pés.

 - E-eu não sei...

 - Você está péssima... Tem certeza que...

 - Ela está fazendo de novo...

 - O quê?

 - Me fazendo ver as coisas... Coisas horríveis...

 - Sorena...

 - Ela vai arrancar minha alma? Será que vai fazer isso? Tirar tudo que tenho?

 - Ela não faria isso...

 - Você disse que ela era maligna...! – sussurrou a jovem Elfa do sangue com lágrimas nos olhos opacos e doentes.

 - É o que todos pensam... É o que todos querem pensar...

 - Por que nos odeiam tanto?

 - Porque falhamos quando tínhamos tudo para ganhar... – disse o velho Theridion mastigando algo. Trazia sementes na palma da mão. – Jovem Willfire, traga a minha mochila sim? – a arqueira concordou, o velho cuspiu a pasta que fizera com saliva.

 - Você não vai fazer isso vai? – perguntou Sorena enojada.

 - Isso é para limpar os dentes, sua tola... – pegando o odre de beberagem alcoólica que Lethvalin carregava e despejando um pouco em um pote de madeira. Kalí chegou com a mochila, o velho preparou as coisas e esquentou algo em uma ampola metálica.

 - Irei vigiar com Lethvalin... Já volto, Sorena... – disse Kalí plantando um beijo carinhoso na fronte suada da feiticeira. Silêncio entre avô e neta.

 - Ela tem um carinho especial por você, cabeça-oca... – a mais nova nem percebeu no comentário.

 - O que está acontecendo comigo...? – suplicou Sorena se encolhendo no manto pesado que deram para ela se cobrir.

 - O que esperava criança tola? Acha que a generosidade da Rainha dos Abandonados é assim? De livre e espontânea vontade? – o velho jogou um liquido de cheiro doce no pote de madeira e esperou o resultado. Uma espuma roxa borbulhou por alguns segundos. – Prontinho...

 - O que é isso?

 - Extrato de malva. Cura machucados.

 - Não estou machucada. – certificou-se Sorena tateando o seu corpo por dentro do manto.

 - As feridas de dentro, criança. Você as tem desde que saiu de seu lar.

 - Como sabe disso?

 - Já fui um feiticeiro como você em meu tempo... Cada vez que meus poderes aumentavam, mais meu corpo exigia energia vital. Graças a Belore, achei um modo mais fácil de suprir minhas necessidades mágicas...

 - E...? – Sorena perguntou sôfrega.

 - Casei e tive filhos. - Sorena soltou um bufo impaciente e virou-se de barriga para cima. Seu corpo dolorido parecia estar evaporando por dentro. – Você vai morrer, criança. – ela o encarou firmemente. – Essa coisa que impregnaram em seu corpo? Está te matando aos poucos. Aonde vai chegar? Não quero saber. Se você virar um deles, juro que te enterro viva aqui mesmo! – Sorena deixou escapar uma lágrima de dor.

 - Por que os odeia tanto?

 - Tiraram tudo de mim. Família, amor, esperança... Eles merecem o sofrimento eterno...

 - Eles não são culpados! Ela não é culpada...!

 - Sempre tentando justificar os atos daquela desmiolada não? Quando vai aprender hein? Sylvanas morreu na frente daquele portão. A criatura que tomou conta de seu corpo é vil e perigosa. Traiu nosso povo, segue seus próprios propósitos, planeja coisas que você jamais vai entender...

 - E o senhor entende?! Você era pai dela!

 - Não sou mais. Isso não me interessa mais.

 - Como pode dizer isso? Ela tem as lembranças da vida anterior, sei que ainda sente falta de você!

 - Aquela banshee não sente nada além de cobiça e ganância.


Caminho para o Norte, fronteira de Alterac.

                O cavalo de Oxkhar morrera de cansaço. O animal agora servia de comida para os corvos. O próprio paladino se sentia drenado de suas forças. A estrada para o Norte era perigosa e terrivelmente tortuosa. Enfrentar mortos-vivos do Flagelo era pouco com o que reservara o Vale de Alterac. O pobre cavalo arfara pela última vez, derrubando o cavaleiro, mas Oxkhar não desistiu de sua missão: cravou sua espada de lâmina dourada no crânio do monstro asqueroso que atravessara seu caminho e arrancara parte de seu ombro direito. Quando se deu conta do que estava fazendo, Oxkhar viu-se em uma poça de sangue e corpos decepados. O sangue de seu ombro banhara sua armadura e impregnara em suas vestes. Sua espada se tornara a mensagem de morte daqueles que traziam a destruição à paz de Azeroth, a sua paz interna.

                Apenas parou de gritar quando caiu de joelhos no chão chorando. Entre os corpos, vira alguém familiar, era o seu companheiro de missão em Mão de Tyr, Tobey de Dustmist. Assolado pela Praga, desfigurado pelo tempo. Pelo estado do corpo, Tobey estava errante há alguns meses, isso só poderia dizer uma coisa: Mão de Tyr fora atacada. Seu pai estava morto provavelmente.

 - Por que chora, Ox...? – perguntou uma voz à sua frente.

 - Eu falhei, minha mãe...

 - Não diga isso, minha criança...

 - Eles tiraram tudo de mim... Não sei se irei agüentar...

 - Você irá, meu filho... Meu Ox querido... – a mão translúcida de Maeline alcançou o queixo do filho único e levantou sua cabeça. – Siga a Luz do Sol. É ela que te dá forças...

 - E-eu não quero mais acreditar nisso... Não quero... – o paladino se segurou em sua espada para não desmaiar. – Eles tiraram... Os Windrunner... Matá-los-ei com minhas mãos... Farei com que experimentem a dor que sinto... Eu prometo pelo chão que piso, pelo sangue que corre em minhas veias... Pelo cadáver de meu querido pai...

 - Nossa, pessoas blasfemando estão ficando cada vez mais comuns, não? – comentou alguém atrás de Oxkhar. Ele se virou bruscamente e apontou a grossa lâmina da espada para o vulto oculto pela luz do Sol de Alterac. – Olá senhor... ahn... paladino...? – disse a jovem acanhada com a robustez da armadura do desconhecido. – Posso ajudar? – silêncio de Oxkhar que ainda tentava mirar o rosto da jovem. – Você parece bem detonado hein? Andou concorrendo as medalhas da arena? Sabia que não é nada saudável fazer isso debaixo de uma armadura tão pesada como a sua? – Oxkhar deixou-se ir por terra e sua cabeça quicou uma vez antes que ele fechasse os olhos. – Oh não! Ele morreu?! Oh não!! – exclamou a jovem desesperadamente. – Ta, espere aí. Se ele morrer, isso quer dizer que irá voltar como... ou não... talvez ele volte como a gente... Ou... – um grunhido gutural fez a jovem parar, ela se ajoelhou perto do corpo machucado e desacordado de Oxkhar e aplicou uma magia de cura que trouxe o paladino de volta. – Viu como ainda funciona, Mestre Derris? E o senhor dizendo que e não sabia fazer essas coisas... Lembra que clérigos NÃO curam pessoas mortas? Infelizmente.... Algum dia irei fazer isso, você sabe o quanto a Dama Sombria valoriza isso na gente... Aaaaai, ta, foi mal... Não queria magoar... Hey moço...? Você está bem? – Oxkhar piscou algumas vezes e sentiu-se estranhamente revigorado, mas ainda dolorido.

 - O quê? – disse apenas cuspindo saliva amarga e tentando manter o equilíbrio. Algo gelado e estranhamente macilento segurou seus ombros e o levantou sem dificuldades.

 - Bem-vindo ao mundo dos não-afortunados por uma montaria épica... – comentou a jovenzinha elfa do sangue de cabelos muito dourados e olhos vivazes. As suas vestimentas eram todas alinhadas e de cor azulada escura com detalhes prateados. O pesado livro que carregava pendurado com uma corrente a tira-colo dava um aspecto intelectual a ela. Oxkhar se sentiu constrangido. Orelhas pontudas apontadas para cima sempre o deixavam constrangido.

 - A-aonde estamos? – a sensação macilenta em seu ombro direito tomou forma. Era um homem de idade avançada, curvado e extremamente esquelético. Os reflexos de Oxkhar o fizeram se afastar imediatamente do senhor e sacar a 2ª espada que carregava no cinto. – Afaste-se de mim, servo do Flagelo!

 - Oh grande... E o dia começou bem... – disse a voz de Derris, ajeitando sua mandíbula fora do lugar mais outra vez. Imladris tocou o ombro dilacerado e proferiu outra palavra de poder. Uma tímida luz faiscou em volta da pele ferida e restaurou-a rapidamente.

 - Prontinho. Novo em folha...

 - Não diria isso... – Oxkhar apurou os olhos e constatou seu maior medo.

 - Você é a cabeça flutuante!! – gritou apontando a espada curta para o rosto deformado de Derris.

 - Oh, tenho fãs agora...?

 - Espere aí! Vocês já se conhecem, mestre Derris? – Imladris ficou entre os dois com cara de confusa. – Mas... Você está morto, moço? – perguntou ela bobamente.

 - É claro que não!! – indignou-se Oxkhar.

 - Algum dia estará... – comentou Derris o desafiando com um olhar cheio de nada. Oxkhar curvou seus lábios em uma expressão de asco e cuspiu ao chão.

 - Maldito seja você por ainda viver em carne putrefata e sem espírito.

 - Está aí algo que deveríamos sentar e conversar não é? – insistiu Imladris guiando o paladino pela trilha. – Espírito é um termo bem usado para declarar algo que poderia ser a essência do nosso ser...

 - Aonde está Sorena? – perguntou Derris antes que a clériga pudesse completar seu raciocínio. Oxkhar avançou no Abandonado e desferiu um soco que o derrubou no chão.

 - Aonde?! Você a tirou de nós!! Você e seu corvo maldito!!

 - Ela foi por pura vontade própria! Antes a tivesse mantido em sua ilusão em Goldshire!

 - O que quer dizer com isso?! – Imladris se colocou entre os dois novamente.

 - Milordes, não iremos chegar a lugar nenhum desse jeito... Eu diria que se querem duelar, que façam isso quando não houver perigo de morte envolvido... Não que eu esteja rogando praga para vocês dois, mas se não nos apressarmos, a real Praga irá cair sobre nós como uma chuva de gafanhotos. E eu não gosto de gafanhotos... – concluiu ela indo pela trilha em passos apressados.

 - Vai contrariar a garota, jovem paladino? – provocou Derris. Oxkhar se endireitou na postura e encarou o caminho que havia à frente.


Caminho para Silvermoon.

                Lor’themar coçava o queixo pensativo. A garota de carona em seu cavalo era a Fonte do Sol. O segredo deveria ficar entre eles, mas havia Sylvanas... A maldita banshee sabia da verdade. Se tivesse força suficiente saberia como invadir Silvermoon e tomar o poder da Fonte para si. Maldita banshee... E o elfo do sangue Líder da cidade em ruínas de Silvermoon sorriu para o chão ao lembrar de sua superiora nos tempos em que ela estava viva. Sylvanas Windrunner era a melhor das melhores. Sobressaía-se a qualquer pessoa, a qualquer um que tentasse ser melhor que ela. O calor em suas costas fez ele desviar as lembranças, a jovem Anveena cochilara contra seu corpo, segurando bem sua cintura. A Fonte do Sol o aquecia.

                E era o seu dever com Quel’Thalas não deixá-la cair em mãos erradas.


 - Sorena, pare!! – gritava Kalí seguindo o rastro apressado de Sorena entre as árvores. Theridion e Lethvalin estavam em direções diferentes para tentar alcançá-la antes que algo acontecesse. – Sorenaaa!! – gritou novamente e não ouviu resposta. Olhou ao seu redor e só viu a Floresta tristonha de sempre. Não poderia ter acontecido novamente. Como naquela vez em que perdeu Eriol indo para Silvermoon. O terror começou a tomar seu coração e ela pensou nas piores maneiras daquela história acabar. De qualquer maneira, Sorena morreria em todas as versões. – Pela Luz que ilumina meu caminho, não a deixe... não a deixe morrer... – Kalí parou instantaneamente ao ouvir um grito estridente vindo mais a frente. Não era algo familiar, mas ao mesmo tempo lhe despertava lembranças. Correu como pode entre os arbustos, desviando de pedras e enxotando animais peçonhentos que atravessavam o seu caminho. Tão acostumada a sua tarefa de vigiar, o arco e flecha voaram para sua mão e logo desferia um tiro contra algo que se aproximava mais a frente. Atingira um cão raivoso e contaminado pela Praga. – Sorenaaaa!! – gritou e a voz que respondeu foi fraca e chorosa.

 - Estou aqui... – Kalí seguiu em direção da voz e estancou os pés no chão. Sorena apertava contra si uma figura esguia e sombria caída no chão.

 - Sorena, você está... bem?

 - Ela não está bem... Ela não está respirando... – dizia Sorena segurando a figura esguia bem perto de si, como se fosse uma criança desprotegida. – Ela não pode morrer, ela é minha esperança...

 - Sorena... – Kalí se aproximou e viu realmente o que Sorena tanto protegia da luz do Sol. Era uma elfa particularmente diferente de tantas outras. A pele era tão pálida e esverdeada e as vestimentas eram escuras e pareciam que talhadas a pele. O rosto parcialmente carbonizado tinha remendos entre os olhos e parte do dorso estava coberto de chagas. Kalí se prontificou e abaixou-se para prestar auxílio. – Ela está...?

 - Não, não não... Ela não pode estar... – Sorena balançava carinhosamente a elfa nos braços, limpando a sujeira do rosto queimado e tentando reanimá-la com palavras de poder. As faíscas saídas das escamas de dragão que Sorena usava na mão esquerda cobriam o rosto da elfa morta, mas nada parecia surtir efeito. Kalí sentiu a pulsação da elfa e não havia nada. Na verdade se afastou por precaução, pois a pele da morta ali estava demasiadamente gelada demais ao toque.

 - Sorena, ela está morta... Vamos, ela não vai...

 - Por que ela não acorda...? Vamos tia, acorde... Acorde...

 - Temos que ir Sorena, seu avô e Lethvalin estão nos procurando e...

 - Não me deixa aqui sozinha tia, por que não acorda? Acorde... Acorde...

 - Ela não irá acordar mais, criança... Ela já está morta há muito tempo... – disse Theridion caminhando até elas, abaixou-se perto do corpo de sua antes filha Sylvanas Windrunner e soltou-a do abraço de Sorena. A mais nova o olhava com dúvida. – Ela morreu, Myrtae Windrunner, sua tia está morta... Entendeu...?

 - Não... – respondeu mecanicamente Sorena.

 - Ela não está mais aqui... Ela se foi...

 - Mas ela... – encarando bem o rosto de Sylvanas, os olhos estavam abertos e esbranquiçados como se toda a vontade ali dentro se fora. Sorena soltou o corpo com uma expressão de terror, se afastou até estar abrigada atrás de uma árvore.

 - Temos que ir... ouvi uma movimentação a uma distância considerável. – comentou Lethvalin. – Se estiverem a cavalo, estaremos perdidos se forem do lado inimigo.

 - Lor’themar... – sussurrou Sorena para si. Theridion a olhou apuradamente.

 - Nosso senhor Lor’themar?! – Kalí questionou Lethvalin com os olhos, os dois tiraram conclusões ao mesmo instante. Lethvalin se embrenhou entre as árvores e foi espiar a movimentação para confirmar se eram os vigias de Silvermoon. Theridion voltou-se para o corpo inerte de Sylvanas no chão. Soltou uma risada baixa.

 - Do que ri, velho? – perguntou Sorena.

 - De como a vida dá voltas... – retirando o capuz que Sylvanas usava e verificando as marcas no rosto e pescoço. – No dia em que a Praga atingiu nossa casa, sua mãe estava tão silenciosa como você agora... Apenas esperando o bote... – o olhar de Theridion para Sorena fez a garota se encolher mais na escuridão. E ajeitando o corpo com cuidado, cruzou o arco e a espada curta em cima do peitoral de Sylvanas. – Sempre pensei que vocês iriam me enterrar antes que eu pudesse fazer isso... – Sorena foi se aproximando lentamente, olhos estranhamente avermelhados. – Lirath e sua mãe... Não pude dar um enterro digno... Tive que queimá-los e jogá-los no Mar... E eu sabia que com Sylvos deveria fazer o mesmo, mas você... Você sempre foi minha favorita Sylvanas... – colocando as mãos acima das armas. – Mas nunca imaginaria que seria você que traria nossa ruína... – Sorena abriu a boca para falar, mas o velho continuou. – Achou que eu não perceberia? Que eu não saberia de suas artimanhas vis de se manter viva...? – levantando-se bruscamente e segurando bem o braço de Sorena que tinha as escamas de dragão. – Acha que eu, um feiticeiro tão poderoso não saberia de como você sobrevive incorporando em outras pessoas?!

 - Solte-me velho...! – agonizou Sorena.

 - Como pode fazer isso conosco?! Como foi capaz de matar seus próprios familiares? Não lhe dá remorso de ver como sua Casa foi destruída pelas suas mãos? Diga logo como foi ver teu próprio pai arrancando a vida de tua mãe??? Diga!!

 - Deixe-me ir, velho maluco...!!

 - Você destruiu tudo que nós construímos com tanto labor... E agora destrói a vida dessa criança...?

 - Dar’Khan entregou as chaves do Portão para Arthas...!! – confessou Sylvanas através de Sorena. – Foi ele que trouxe nossa ruína!! – o velho Theridion segurou os ombros de Sorena e encarou bem os olhos avermelhados.

 - Sylvanas olhe para mim... – Sorena levantou os olhos. – Eu acredito em você, minha filha... Mas nada vai mudar mesmo você falando isso...

 - E-eu sei...

 - Então deixe a garota em paz...

 - Mas ela...!!

 - Ela é só uma criança. E Serenath está viva... – os olhos de Sorena se abriram em surpresa. Cascos de cavalos interromperam a conversa, o velho Theridion foi obrigado a se curvar para segurar Sorena que desmaiara. Já o corpo de Sylvanas Windrunner não estava mais ali onde o deixaram.

 - Saudações, Theridion... – disse Lor’themar.

 - Meu líder... – o velho se curvou um pouco para saudá-lo.

 - Que encontro fora do comum. Nossos vigias aqui informaram que o senhor estava aqui. – Lethvalin já estava montado e Kalí vinha em direção de Sorena, antes deu uma boa olhada ao redor e no lugar onde o corpo de Sylvanas estará até então.

 - Ela está bem, vigia Kalindorane... Apenas estafada da viagem. – Kalí segurou bem Sorena e sentiu sua pulsação e testa. Uma carroça vinha atrás com sinos pequenos para sinalizar sua passagem. Lor’themar indicou o veículo com um sorriso.

 - Parece que velhos aliados nos alertaram de uma nova traição...

 - Que seria...? – perguntou Theridion dando uma olhada na carroça. Quem dirigia era o apotecário Lerent.

 - Dar’khan... Graças a Luz que nos ilumina, virou cinzas pelo bafo de um dragão azul... – mentiu Lor’themar com um sorriso vitorioso. – O grande traidor pagou pelos seus pecados. – Kalí cobriu o corpo de Sorena com cuidado e ficou ao seu lado na carroça, o apotecário pediu que ela tomasse as rédeas.

 - A criança sofreu muito desde que a Nova Praga a atingiu... – os rostos dos elfos se contraíram em nojo, Theridion sentiu sua garganta contrair.

 - E-ela está com a Praga? – gaguejou Kalí.

 - A Nova Praga. É diferente.


Fronteira de Alterac, noite.

 - Tá bom, quem começa? – perguntou Imladris com empolgação e um sorriso exagerado. – Eu voto por deixar Mestre Derris falar por ultimo. A história dele é beeeeem longa...

 - Imladris, por favor... – disse Derris terminando de remendar seu braço solto. Oxkhar aprontara uma fogueira e caçara um cervo filhote para a refeição. Imladris se recusara a comer e apenas se contentou com frutas e algumas coisas que trazia em sua mochila de viagem.

 - Vim de Goldshire...

 - Hmmm interessante!

 - Sou da Ordem da Luz de Stormwind...

 - Questionável... – comentava ela comendo uma boa porção de um biscoito de aspecto mofado.

 - Meu pai era da Ordem também... Somos paladinos por quase 5 gerações...

 - Desperdício de tempo... – comentou Derris estalando a língua.

 - Mestre Derris, não seja rude! Continue nobre paladino...

 - Meu pai sempre mentia, dizendo que seus anos na Ordem foram calmos. Nada é calmo na Ordem da Luz... A Mão de Prata nos reserva desafios ignorantes e muitas vidas se perdem no caminho para a Luz.

 - Concordo com isso... – o morto-vivo levantou o braço remendado para testar. – Um bastardo seu arrancou o meu queixo fora...

 - Não vejo motivo para piedade.

 - Eu estava vivo quando ele fez isso.

 - Continuo com minha opinião. – Imladris tomou um gole do suco de melão que fizera, de olho nos dois.

 - Então... Eu nasci em Undercity! – desconversou ela. Derris balançou a cabeça.

 - Foi em Silvermoon menina...

 - De qualquer forma, eu nasci em Undercity... Meus pais morreram durante a invasão de Quel’Thalas...

 - Eu sinto muito... – pediu Oxkhar penalizado, mesmo não sabendo o que era Quel’Thalas.

 - Os seus pais estão vivos, Imladris. – disse Derris insistindo, mas ela pouco se importou.

 - Papai era paladino também, não é Mestre Derris?

 - Pobre coitado que seguia ordens vazias... – Imladris o olhou aborrecida.

 - Mamãe era arqueira-vigia. Era a melhor de Azeroth! Opa, não, não era... Mas quase chegava lá. Apenas uma pessoa era a melhor de Azeroth.

 - Pelos meus vermes entranhado em minhas vísceras... – resmungou Derris, a elfa o cutucou com o garfo.

 - Mestre, estamos comendo! Então nobre paladino, a melhor arqueira de Azeroth... Sylvanas Windrunner... – a carne que Oxkhar comia do pernil do cervo pulou de sua boca.

 - Quem?!

 - Sylvanas Windrunner, oras! Nunca ouviu falar?! – disse Imladris escandalizada. Derris suspirou tediosamente.

 - H-há uma estátua em Stormwind com alguns dizeres dela... – foi a vez de Derris se alterar.

 - Tem estátuas de Sylvanas em território da Aliança?!

 - Não dela... Mas de uma pessoa próxima... Alleria... – Derris levantou-se e ficou em círculos chutando o chão.

 - O mestre não gosta muito dos Windrunner, acho... Mas continuando... Eu estava lá, caída em algum lugar medonho da Cicatriz Letal. – Imladris fazia o desenho do terreno do chão de terra fofa debaixo deles. Fez um grande risco e terminou em uma ponta com um pedaço de casca de melão. – Aqui é Deatholme. Lugar horrível, cheio de feiticeiros e ghouls e coisas abomináveis. Nunca entre lá sem um cara pra bater no seu lugar. Paladinos são bons para isso, sabe?

 - Obrigada pela consideração... – sorriu Oxkhar envergonhado com o elogio torto.

 - Então, eu acordei do nada aqui. – apontando um ponto do risco na terra fofa e escura. Tudo ao meu redor estava morto, inclusive meu pai e minha mãe. Aí alguém muito legal apareceu e perguntou se eu não queria ir com ela... – Derris bufou impaciente. – E eu perguntei que nem boba como sou: “Por que eles não acordam?”, e a pessoa me falou: “Porque quando eles acordarem, estarão em um lugar bem mais bonito que aqui.”, e eu acreditei, porque é assim que deve ser quando você é pequena não é? Acreditar no melhor que pode acontecer e então, essa pessoa, a clériga Artemísia, me levou para Silvermoon e me ensinou muitas coisas, tipo... conjurar coisas e curar pessoas e ler livros tão grossos que fariam um morto-vivo se entediar (Com todo perdão da expressão, Mestre Derris.) e saber aproveitar tudo que a vida nos dá para transformar mais em vida.

 - Isso é inspirador... – comentou Oxkhar dando uma dentada forte na carne. Não tirara os olhos de Derreck desde então.

 - Por exemplo, essa carne aí que você está comendo. Veio de um cervo vivinho e ele se alimentava de plantas vivas que se alimentavam de água e sais minerais vindo da terra. O que inclui a decomposição de animais e coisas que estão mortas, mas isso tudo é um ciclo...

 - Acho que vou parar de comer agora... – disse Oxkhar colocando a carne de lado.

 - As pessoas não pensam bem nisso sabe? Como uma coisa viva pode me sustentar? Pois então! Elas vêm das coisas mortas que a natureza recicla! Você morre hoje e vira a comidinha de uma planta que vai ser o jantar de um cervo que vai ser o almoço de uma família na próxima semana... – Oxkhar tentou não pensar na parte nojenta da decomposição e tomou um grande gole da cerveja quente que tinha. – Mas eu sou de Undercity e depois que eu morri, eu aprendi que a vida só funciona assim, através da morte.

 - Aquele cara ali é a exceção dessa regra não?

 - E-eu não saberia dizer... É...? – ela se virou para Derris.

 - Tá bom almofadinha dentro de uma lata de sardinha... – apontou Derris para Oxkhar. – Vou te lançar a verdade: Sou eu a sua fonte de sofrimento eterno okay? – Imladris engasgou com o suco. – Fui eu que matou o seu tio maldito do Monastério Escarlate, a cabeça flutuante? Sim, era eu. Fui eu que tirei a sua “irmã” de casa, fui eu que acabei com tudo que você acreditava desde então. Feliz agora? – Imladris olhava para os dois. Oxkhar levantou-se ameaçadoramente.

 - Eu já sabia disso, maldito seja!

 - E vai fazer o que?! Me matar novamente? Deixa eu te dizer uma coisa garoto: Quando você mata um que nem eu, a gente sempre volta.

 - Mentiras! Já fiz isso tantas vezes que até perdi a conta!

 - Você nunca matou um Abandonado, seu imbecil! Eram escravos do Flagelo!

 - E qual seria a diferença? A podridão de vocês tem cheiros diferentes?

 - Nós temos vontade própria, coisa que vocês paladinos NUNCA tiveram! Nem desconfiaram que era uma dragoa comandando a grande Ordem da Luz? Que ela deixava a Praga espalhar em suas vilas, em suas casas? E o seu grande Rei? Uma marionete com fios tão atrelados aos dedos dela que nem perceberam que o Rei Lich irá invadir a cidade?!

 - O Rei Lich invadirá Stormwind...? – os olhos de Oxkhar se encheram de lágrimas.

 - Não sabia disso também garoto? Ou estava ocupado demais empilhando corpos nas fronteiras?

 - Por que não deram o aviso...?

 - E lá eles queriam dar? Todo mundo aqui da Horda sabe o que vai acontecer. Eles te usam como me usaram e você não faz a mínima idéia da onde está pisando...

 - Alguém vai comer essa geléia de framboesa...? – perguntou Imladris esfriando o clima de tensão.




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