Shindu Sindorei - as Crianças do Sangue escrita por BRMorgan
Notas iniciais do capítulo
Maior parte da história se passa antes e durante a Saga da Fúria do Poço do Sol (Patch 2.4 The Fury of Sunwell) e talvez contenha algumas coisinhas do mangá lançado no Brasil (Trilogia do Sol).
Distrito de Goldshire.
Paz armada, terra sitiada, guerra vigiada. Enquanto pescava atrás de sua propriedade na cidade de Stormwind, Hrodi pensava em como conseguira ter o sucesso em sua vida marcada pela violência na Ordem dos Paladinos da Luz Sagrada. Todo ideal de paz e generosidade fora desperdiçado por batalhas vazias contra a Horda nos últimos séculos. Anos de treinamento desperdiçados em sangue, suor e lágrimas. Hrodi era homem nato e de coração honrado, mas sozinho ali atrás de sua propriedade, ele chorava amargamente pelas suas lembranças.
Como um garotinho tímido que era, ele chorava de seus ombros encolherem e sacudirem até ele perder as forças e se deixar engasgar pelo muco saído de seu nariz já amassado de tantas batalhas. A linha da vara de pescar puxou delicadamente, mas ele pouco percebeu. Ao seu lado, o seu primogênito Oxkhar de menos de 8 anos não entendia o motivo de o pai chorar tanto ao pescar. Talvez o pai estivesse ficando louco, ou talvez ele sentisse saudades da mamãe, pensava o menino em sua inocência.
- Papai, o anzol... – disse o menino puxando a manga da camiseta surrada do pai taverneiro, ex-paladino. O velho brutamonte limpou o nariz na camisa e deu um puxão brusco na linha, nada veio. Um corvo preto e de olhos vermelhos grasnou bem perto de uma árvore, o garoto ralhou com uma pedra. – Malditos corvos! – praguejou o menino e recebeu um puxão de orelha bem dado.
- Não blasfeme! – disse o velho taverneiro no dia ensolarado. O corvo grasnou novamente e chamou sua atenção. – Ora saia daqui, seu pássaro agourento! Não há carcaça ou comida para teu bico. Procure do outro lado da rua, o açougueiro se encontra lá!
- Nobre cavaleiro Hrodi sempre tão eloqüente! – exclamou uma velha amiga, famosa pelas suas habilidades com o arco e flecha e pela sua independência, Karin, a amazona. – Diga-me, sua taverna abrirá ou terei que levar minhas moças para outro antro para nos embebedar? – o ex-paladino sorriu, olhos vermelhos ainda pelas emoções de antes.
- Abrirei quando Gerrard voltar com o estoque. Não tenho comida nem para o gato...
- Tempos difíceis não? Hey você garotinho... – disse ela se sentando ao lado de Oxkhar e brincando de luta com ele. – Serás um grande guerreiro como o pai ou ficará como um pescador?
- Serei um Paladino da Ordem da Luz!! – bradou o menino com sua vara de pescar diminuta e sem linha. – Forte e poderoso como meu pai! Mais rápido que o raio! – e dirigiu um golpe na mulher, ela desviou e segurou o garoto pelas costelas, obrigando ele a rir nervosamente pelas cócegas. O ex-paladino riu da cena, gostava quando alguém divertia o seu único filho. A linha da vara puxou novamente, ele deu uma leve guinada para trás e não viu nada na água. O corvo grasnou bem perto de seu ouvido.
- Mas que raios é isso?! – exclamou a amazona em alerta, pegou seu estilingue em sua bolsa de couro na cintura e já preparava uma pedra.
- Deixe-o... Está à espera do meu peixe... Oportunista... – disse o taverneiro com a voz triste. Oxkhar correu para espantar o corvo, mas se surpreendeu ao ver que o animal não se movera da pedra onde estava empoleirado. Seu olhar encontrou com o da amazona e depois com o pai ainda preocupado em saber por que a linha da vara de pescar puxava tanto.
- Estranho... – comentou Karin e levantou-se rapidamente, logo seu cenho franzido se tornou um misto de surpresa e desespero. – Hrodi, na água! Na água! – gritou ela já tirando a sua capa e suas botas de viagem. Oxkhar percebeu que o corvo olhava diretamente para um embrulho boiando na água, acima dele, uma cabeça decepada esverdeada em estado de decomposição lenta. A amazona se jogou no rio fundo e nadou até o pacote. Ao se deparar com a cabeça, tentou joga-la fora, mas parecia tão grudada ao embrulho!
- Oxkhar, vá em casa! Pegue toalhas secas e os remédios! – a garotinho não entendeu, mas obedeceu a ordem. A amazona saiu do rio graciosamente e depositou o embrulho com cuidado na grama, Hrodi tremia da cabeça aos pés. Abriu o pacote com rapidez e suspirou aliviado, o choro abafado de um recém-nascido ainda estava ali.
- Pela Donzela Águia... – murmurou Karin perplexa com o embrulho, a cabeça decepada rolou para ali perto e o corvo pousou acima dela, tentando afastar o pássaro, Karin percebeu que a boca estava costurada com linha forte e com grampos de ferro. – Que coisa mais nojenta...! – o choro da criança agora era de cortar o coração do mais duro guerreiro. Hrodi ninava o recém-nascido e tirava sua roupinha encharcada.
- Está com hipodermia... VAMOS OXKHAR!!! – gritou o pai para o filho saindo das portas dos fundos e vindo correndo com toalhas e caixinhas de remédios. Karin verificou a pulsação da criança e abriu seus olhos com as pontas dos dedos, os dois se olharam atônitos. Olhos tão verdes que ocupavam todo globo ocular.
- Pronto papai... – o menino mirou curioso o embrulho e depois se deteve na cabeça decepada.
- Pelos deuses... Quem seria capaz...? – dizia Hrodi tentando manter a criança aquecida. Subiram morrinho acima e entraram na Taverna do Sol, Oxkhar estava absorto naquele pedaço possivelmente humano ali bem perto de si, parecia ser um homem de idade aproximada ao seu pai, cabelos ralos e esbranquiçados. Chutou-o primeiro, fazendo o corvo reclamar e voar para pousar em outro lugar, depois com o canivete dado pelo seu avô materno (Um ferreiro muito conhecido nos arredores) cortou os pontos que cerravam a boca do morto. Um cheiro nauseabundo fez o garoto se contrair em ânsia e vomitar no chão. O corvo grasnou dessa vez e bem perto de seu ouvido, Oxkhar foi obrigado a se afastar e terminar de expelir no seu pé descalço. A boca do morto estava se movendo!
- BRUXARIA!!! BRUXARIA!!! – gritou o menino ainda tonto pela ânsia, correndo de volta para casa. O corvo pouco se importou e fincou as garras salientes na boca da cabeça decepada e em um impulso majestoso, abriu as asas negras e voou para bem longe carregando o pedaço decomposto.
Oxkhar ostentava seu medalhão da Ordem, 23 anos completos e uma condecoração por proteger as fronteiras de Stormwind. O seu orgulho maior era o martelo de guerra dourado que seu pai lhe dera ao entrar na Ordem. A Taverna do Sol estava cheia de clientes e hoje era dia de festa. Mais uma conquista para a milícia das Arqueiras da Expedição Aliança e para a Ordem dos Paladinos da Luz Sagrada, o acampamento de orcs que infestavam os campos do Sul estava extirpado definitivamente.
- Vencer os soldados foi moleza, mas quem ajudou aqui com os malditos fortões foi esse moleque! – disse um dos capitães da Ordem segurando o ombro de Oxkhar com vigor. – Uma rodada a mais para meus campeões! – e muitos urros de alegria soaram pela Taverna. No andar de cima, uma jovenzinha apressada colhia água fresca do toalete e embebia panos com ungüentos de odor aprazível. Um gemido febril vindo do quarto principal a alertou. Apertou o passo e chegou ao leito do velho pai doente.
- Caro pai... Quer que eu peça para...
- Não, não... Hoje é o dia de Oxkhar... Deixe-o comemorar... – pediu o pai com um aceno de mão. A menina iria protestar, mas foi silenciada por um corvo grasnando na janela.
- Xô! Xô! – ela tentou afastar o corvo da janela. O pai riu e tossiu ao mesmo tempo.
- Olhe só quem veio nos visitar... – a menina o olhou irritada.
- Não me venha com essa história, papai... – e aplicou o ungüento úmido na testa do velho.
- Foi ele que me avisou sobre você... E se esse teu pai não fosse tão gordo e preguiçoso, eu a teria pegado naquele rio...
- Devo agradecer a velha doida por me tirar do rio? – perguntou a garota com uma impaciência.
- A velha doida cuidou de você desde pequena...
- A velha doida me odeia e coloca as patrulhinhas dela pra me vigiar sempre quando vou à Floresta...
- Medidas de segurança...
- E pra que temos um Monastério de Paladinos aqui perto? – o pai riu e tossiu, ela o acolheu com mais um travesseiro de penas de galinha.
- Você é bem respondona para uma menina...
- O senhor que disse que eu deveria ser audaz...
- Mas trata os outros como se fossem nada... – a menina iria responder, mas a tosse do velho não deixou. – Você sabe... Essa tua petulância te denuncia... E não quero que você sofra com isso quando eu me for...
- Ora, cale essa boca, velho... – respondeu ela com os olhos marejados, odiava ter que admitir que seu velho estava muito doente.
- Preste bem atenção menina. Teu irmão não aprova teus modos, os aldeões pouco menos. Muito menos suportam tua espécie. Seja mais flexível, mais pacífica... – o gesto do pai a fez rir.
- Não, não irei me dobrar a esses espertos... – respondeu ela com um sorriso entre lágrimas.
- Não adianta muito falar... Você é muito de mim quando eu era novo. Impetuoso e fugaz. Como uma vela recém-acesa, queima brilhantemente por um tempo, mas depois se consome até as cinzas.
- Bem animador, caro pai.
- Leia algo para mim. – a garota élfica pegou um livro na estante empoeirada que seu pai mantinha apenas de decoração no quarto e folheou as páginas, parou na Ascensão da Cruzada contra o Rei Lich. Sentou-se ao lado do pai e leram o livro juntos, ele soletrando e ela corrigindo o que ele pronunciava errado.
- Se dê ao respeito, imunda da Horda! – e o tapa desferido em seu rosto a fez cair no chão na Taverna vazia e mal iluminada. Oxkhar sorria empunhando a espada de seu pai. – Levante e me encare, vamos! – e obedecendo devagar, Sorena encarou o meio-irmão. A espada encostou quente em sua garganta. – Você não merece pisar no mesmo chão que eu piso.
- Concordo. – disse ela apenas e com os olhos esverdeados faiscando no escuro da sala.
- Você nem merece dormir na cama em que eu durmo. – disse ele com um sorrisinho malicioso.
- Isso é alguma ameaça?
- Paladinos da Ordem Sagrada não ameaçam!!! – gritou ele empurrando mais a espada para ela, Sorena se afastou com cautela e encontrou o que queria, um odre de vinho vazio. – Matei muitos de você durante esses anos. Matei tantos que meu título é Ox, o matador de elfos... – e se aproximando dela ainda com a espada virada para seu pescoço. – Obedeces a mim e somente a mim, entendeu?
- Prevendo a morte prematura de nosso caro pai? – ele desferiu um murro com o cabo da espada, mas a agilidade élfica foi maior, Sorena acertou o odre em cheio no lado direito do meio-irmão, ele urrou de dor, pois um dos estilhaços entrara em seu ouvido. Muito mais que isso, algo foi carregado com o ódio da menina elfa, de sua mão brotou uma fagulha arroxeada que impregnou no rosto do mais velho. Uma mancha negra agora cercava seu olho e tomava conta do olho direito. Ele gritava e se debatia no chão, até que a mancha tomou conta de seu rosto todo fazendo a carne desfalecer e surgir um crânio esverdeado e decomposto no lugar da cabeça do irmão.
- Encontre-me em Tirisfal Glades. – disse a boca lamurienta do crânio tão diferente do irmão.
Acordou sobressalta em sua cama no quartinho reservado ao lado da cozinha. Sangue escorria de seu nariz e manchara suas vestes de dormir. Levantou-se rapidamente e seus pés nem fizeram barulho no assoalho rangente, e viu seu irmão perto da lareira lendo um livro pequeno e recitando as preces de benções sagradas dos paladinos.
- O que houve Soren?
- N-nada... – e ela limpou o sangue com água da cozinha, pegou o mesmo odre de vinho que vira em seus sonhos e tomou um longo gole para se reanimar, o irmão recolhia a espada que agora lhe pertencia. Como uma repetição do sonho, ele virou-se para ela e falou:
- Se dê ao respeito... – tirando o odre da mão dela. – Maninha... Donzelas não devem tomar tanto vinho, faz muito mal sabia? – e o olhar no rosto do valoroso paladino era tão gentil e inocente que ela sentiu vergonha de si mesma. Abraçou o irmão fortemente e desabou a chorar. – O que foi maninha? Diga-me... Soren...? – ele pedia, mas ela não o largava.
- O que há de errado comigo? O que há de errado comigo? – ela repetia no meio do choro.
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