Os Jogos De Annie Cresta escrita por Annie Azeite


Capítulo 23
XXII — Fim de Jogo


Notas iniciais do capítulo

Enfim, o ultimo capítulo. Que momento triste, dá uma sensação de vazio.. Não tive nem coragem de marcar "finalizado" ainda porque dói demais e não dá pra voltar atrás (Vai que algum dia eu decido escrever um epílogo, ne?). Gostaria de agradecer a todos vocês que acompanharam cada capítulo e me incentivaram a continuar. Por favor, digam o que acharam da fic como um todo e, voces fantasminhas, deem as caras pelo menos desta vez. Não vou julgar ninguem, timidez também é comum aqui, mas quero conversar com cada leitor meu, nem que seja só uma vez. Me ajudem porque to na depressão pós fic!



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Luta ou fuga. É para o que o medo nos condiciona. Cautela, defesa, autopreservação... Diante de uma ameaça, o nosso instinto mais primitivo acelera os batimentos cardíacos, desvia o sangue para onde é necessário e dilata as pupilas a fim de ampliar a visão. Tudo, é claro, alvejando a sobrevivência. Um ruído sutil, um movimento em falso ou o toque mais suave já me põem imediatamente em alerta. É involuntário, uma sequela dos jogos e minha vigia jamais desliga: a morte é sorrateira, afinal.

Olho para minhas mãos vazias e me sinto vulnerável, desejando me proteger de um perigo que não mais existe. Nada pode ser ignorado, nenhuma ameaça é irrelevante e, neste exato momento, a insígnia de águia no televisor é a maior de todas... Remexo-me na poltrona conforme a tela escurece e fico cada vez mais apreensiva com o que vem a seguir: realidade e fantasia estão tão embaralhadas em minha mente que já não faço ideia do que esperar.

A primeira imagem a ser exibida é preenchida pelo meu rosto, nada além de meu inofensivo rosto. Contemplo a transparência e leveza nos olhos da antiga Annie... Sequer parecem meus. Estou sorrindo e vestida em ondas, ao lado de Caesar no mesmo palco em que me encontro agora: dois universos distintos do mesmo cenário.

O apresentador entoa meu nome no microfone e, em seguida, os demais tributos aparecem. Pequenas tomadas do desfile, entrevista e treinos se alternam à medida que a retrospectiva prossegue. Não há sangue ou ferimentos de espada durante a primeira meia hora de filme, mas o fato de todos os rostos mostrados pertencerem a mortos me aterroriza.

Alguns bons minutos são reservados a Noah e, aparentemente, resolveram valorizar a nossa cumplicidade. Finnick tampouco é citado, o que é estranho: é como se ele não existisse no mundo em que Annie Cresta é vitoriosa. Pergunto-me se desejam romantizar minha relação com meu ex companheiro de distrito quando uma trilha sonora instrumental começa a tocar. Toda aquela história de “favorita de Finnick” de algumas semanas atrás é esquecida e o público deixa escapar suspiros toda vez que eu e Noah aparecemos juntos. Olho para Finnick que não parece nem um pouco incomodado com a situação, está mais preocupado comigo — e alguma reação inesperada — do que com a projeção mentirosa na tela. A voz de Noah, no entanto, está inquieta em minha cabeça:

Você não pode permitir! Está errado! Diga a Lucy que sinto muito... É o mínimo que pode fazer por mim.

Levo as mãos às orelhas. Não desprezo a companhia de meu aliado, mas as vozes nunca retornam sozinhas e, em breve, será a vez dos gritos e lamúrias. Pressiono os indicadores em meus ouvidos até que a dor me obrigue a parar. Ainda assim, ouço o estampido agudo das lâminas se encontrando em batalha, a respiração ofegante dos meus adversários e o angustiante hino da Capital. Na tela, nada acontece e eu sei que é mais uma fantasia inventada por mim. Os tributos estão estáticos, dispostos em círculo ao redor do chifre e ainda aguardando o sinal para começar.

Estou impressionada comigo mesma por ter aguentado até aqui e, portanto, não me sinto culpada ao cogitar levantar e fugir. Decidida, empurro meu corpo para frente a fim de ficar de pé. Uma força invisível, no entanto, me aprisiona, mantendo-me impreterivelmente sentada. Minhas costas estão fixas ao encosto e, mesmo forçando ao máximo, não consigo afastá-las mais do que alguns centímetros. O que está acontecendo? Enquanto tento desprender o tronco, meus punhos são tracionados para os braços da poltrona, como se cordas invisíveis os carregassem. Identifico o responsável pelo movimento: os braceletes de metal. Provavelmente, imãs — como o espartilho com espessas tiras metálica que estou usando. É óbvio! A capital sabia que eu tentaria fugir e encontrou mais uma forma de me aprisionar. Por que não estou surpresa?

Assim que a contagem regressiva termina, sou bombardeada com imagens do banho de sangue na Cornucópia. Como uma espécie de homenagem — ou para o público não perder nenhum detalhe —, os nomes dos mortos aparecem ao lado de suas fotos no canto inferior da tela e, enquanto se seguem as mutilações, ferimentos de batalha e duelos de espada, mais mortos desconhecidos ganham identidade em minha memória. Lara, Mason, Lima... A informação não recebe mais do que alguns segundos da minha atenção — uma vez que não desejo perpetuá-la — e, não importa quantos nomes inéditos eu conheça, as vozes da minha cabeça continuarão chamando pelo mesmo de sempre: o meu.

“Cannabis” é um dos poucos que faço questão de guardar. Um nome peculiar, diferente de todos que já vi. É uma planta existente em meu distrito, cultivada por aqueles tão pobres que não podem comprar ou construir um barco de pesca. Chamam-na de “sorriso verde” por trazer uma sensação de bem-estar momentânea a quem ingere, embora cause mais fome do que é capaz de saciar. O efeito a longo prazo é devastador e apenas os que não possuem nada a perder se aventuram com a erva.

Cannabis... De todos os nomes que eu imaginei para o menino que morreu em meus braços no início dos Jogos, jamais pensaria em algo parecido. Por que nomear uma criança com uma planta que remete a miséria e devastação? É o que significa para mim, mas posso estar sendo precipitada. Talvez em distritos mais pobres como o nove, o “sorriso verde” seja o mais próximo de felicidade a que se tem direito, um caminho fácil, um atalho... Mas por que estou me importando com isso? De qualquer maneira, o jovem Cann — com seus doze anos, olhos sem vida e sonhos incompletos — jamais experimentará desse sentimento novamente... Por minha culpa. Minha lâmina. Minhas mãos.

Fecho as pálpebras, atordoada, desejando jamais retornar a abri-las: a escuridão é o meu último recurso. Cheguei tão fundo que não consigo imaginar uma forma de descer mais. Estou quebrada, em pedaços, ainda que teime em me manter firme, reconstruindo cada pedacinho que foi retirado de mim. Eles podem me prender, me machucar, obrigar a matar pessoas ou enlouquecer, mas não podem me dominar. Não mais. Contraio cada mísero músculo do meu corpo, me debatendo desesperadamente e gritando para me soltarem. Obviamente, eles não concedem meu pedido e sequer posso usar minhas mãos atadas para bloquear a audição.

Um grito inédito e estridente, por não ser familiar como os demais, acaba me despertando do meu refúgio de indiferença. Escuto tantas vezes os prantos e lástimas em meus pesadelos que sempre sou capaz de identificar os seus donos. Não desta vez. Trata-se da garota da armadilha de Vixen na retrospectiva dos jogos, antes de ser capturada e feita de isca. Viva e consciente. Embora eu tenha cogitado matá-la, jamais a ouvi implorar pela vida desta forma. É estranho ver, finalmente, o medo nos olhos dela.

Sou uma expectadora agora e assisto a tudo que não tive conhecimento enquanto estiva na arena. Vejo como a competidora do distrito três contatou os aliados do seis, preparou a armadilha e pensou em cada detalhe para nos derrotar. Ela era o cérebro, a arquiteta e, enquanto isso, os carreiristas seguiam sua pacata rotina de dormir, comer e matar, sem imaginarem, no entanto, o que a adversária havia preparado. Vendo o bando de fora, eu enxergo apenas uma gazela entre leões. Assustada e perdida, pareço a única que não deseja estar ali. Isso só comprova o fato de que o distrito em que nascemos não é capaz de determinar quem somos: eu nunca fui uma carreirista e, mesmo que ganhe centenas de edições dos Jogos, jamais serei uma vitoriosa.

Em poucos minutos, chega a vez de Hansel. Meus olhos já estão um pouco anestesiados para a morte e os acontecimentos seguintes são rapidamente apresentados, sucintos como manchetes de jornal: a dádiva de Finnick, o anuncio do banquete, a busca pela recompensa. A plateia aprecia minha conversa com Noah no topo da barragem e posso ouvi-la pedindo silêncio para não perder nenhuma sílaba. A cena editada omite a garota ruiva da foto de meu companheiro ou qualquer menção a ela. Finnick, novamente, não exite. Como as pessoas da Capital podem ter uma memória tão limitada?

Pensando como expectadora, nós até formamos um par bonito. Semelhantes, com os mesmos cabelos desgrenhados e olheiras profundas. Devido à música calma e palavras bem-postas, o momento parece um daqueles em que se aguarda um beijo do casalzinho. Contudo, eu nunca vi Noah desta forma, sequer cogitei a possibilidade. É Finnick quem detém meu coração, jamais outra pessoa.

Quando meu aliado cai de joelhos sem parte significante do corpo, a câmera foca exclusivamente em mim. As duas Annies na tela dividida — a de agora e da arena — possuem a mesma expressão transtornada. Posso rever cada centímetro afundado da lâmina através dos meus olhos na projeção e, a partir desse momento, a sanidade me deixa para sempre. Ao mesmo tempo que corro pela floresta e grito sem razão aparente, percebo a estratégia da Capital. Toda aquela baboseira de músicas românticas e conversas prolongadas não foi em vão, uma vez que propõem não terem sido os Jogos e a sua crueldade os responsáveis pelo meu estado emocional caótico, mas a morte de meu companheiro de distrito por quem eu nutria uma espécie de... paixão? Devo admitir que venderam uma boa história, extremamente conveniente. O amor é a única coisa que pode destruir as pessoas sem que ninguém se desagrade ou revolte. Não existem culpados para ele.

Bem longe de mim — e do mundo irreal em que me encontro —, meus antigos aliados se recompõem do conflito anterior que culminou na morte de Noah e meu desaparecimento. Gretel surge do arbusto em que a deixei e, por mais que ela esteja morta agora e nada daquilo tenha valido a pena, me sinto melhor ao vê-la viva. É como se ainda estivesse aqui e, a qualquer momento, venha a fazer mais um dos seus comentários sarcásticos ou brincadeiras ácidas. Ao retomar a consciência, ela encontra os coletes na lama, veste um deles por baixo da roupa e esconde os demais sob uma pedra robusta. Em seguida, vai ao encontro de Taurus e Bagiot, ainda machucados pelo confronto.

Na tomada subsequente, todos já estão recuperados e saem à procura dos últimos sobreviventes: o tributo do sete e... eu. Fico imaginando o que poderiam ter feito comigo se tivessem me encontrado e a ideia de vencer os Jogos não parece tão ruim agora. Assim que derrotam Jesse, o garoto do sete — surpreendido enquanto esfolava um coelho morto —, os carreiristas começam a se voltar uns contra os outros. Gretel convence Taurus a segurar Bagiot no chão, para que ela esmague a cabeça da adversária com sua própria marreta. A ironia da situação faz minha ex-aliada rir histericamente e eu vejo apenas uma louca dispersa em falsa euforia. Mais uma louca neste mundo de loucos, não atordoada como eu, mas insana no pior sentido da palavra. Pergunto-me se essa é a Gretel de verdade ou a consequência precoce dos jogos. De que importa? Na arena, existem presas e predadores, motivados, respectivamente, pelo medo e ambição. A última corrompe, o primeiro destrói. De todo modo, nós perdemos. Não faz diferença.

Taurus se afasta da garota visivelmente alterada e ergue a espada em sua direção. Gretel, entretanto, percebe a atitude ofensiva e caminha lentamente até ele. O carreirista mantém a postura firme e aperta a empunhadura da arma com as duas mãos, mantendo a lâmina em posição.

— Você não lutaria com uma garota desarmada, não é? — Ela desprende o machado das costas e o larga no chão. Ergue, então, as mãos vazias e abre um sorriso legítimo, sem falsidade aparente. — Sei que não vai me matar...

— Como pode ter certeza? — ele indaga de forma ríspida.

— Porque não é isso o que você quer.

Aos poucos, Taurus relaxa os ombros e abaixa a guarda, permitindo a aproximação da companheira. O que os dois pretendem fazer? Adiar o confronto para sempre? Ela estica a mão rumo a sua bochecha — o que o faz se retrair a principio — e aproxima o rosto, precisando ficar na ponta dos pés para alcançá-lo. De repente, algo completamente inusitado acontece. Não acredito no que estou vendo quando as bocas dos dois se encontram naquele lugar devastado pela tragédia. A cena é singela e romântica até que Taurus, em um reflexo que não compreendo, gira a espada no ar e golpeia o rosto de Gretel.

Sua prostitutazinha de merda! — ele grita, comprimindo o flanco com a mão livre. Percebo a mancha de sangue em sua camisa e a adaga na posse da adversária. O beijo foi só uma distração.

— Não leve para o lado pessoal, grandão. — Sem demonstrar arrependimento, Gretel toca o estrago da lâmina em sua bochecha. — Para existir um vencedor, alguém precisa perder, certo?

Taurus aponta a arma para a oponente que retira outra adaga do cinto e se dispõe a lutar. Os dois se movem em sincronia e Gretel é ainda mais ágil com duas facas do que com o machado. Sua estratégia parece ser cansar o adversário — muito maior e mais lento —, desferindo cortes superficiais em seus braços e peito. Parece estar funcionando, pois a carreirista desvia de todas as investidas do oponente e ainda consegue feri-lo. No entanto, a única vez em que Taurus a toca com a espada já é suficiente para abate-la.

Ele chuta o corpo encolhido no chão repetidamente — uma, duas, três vezes —, não poupando a cabeça ou costelas. Cada estalo da coluna de Gretel ou gemido de agonia parece atiçar ainda mais o meu antigo aliado, que se deleita com seu sofrimento como quem goza do prazer mais contagiante. Ele para por um momento — expandindo e retraindo o tórax em respirações forçadas — e encara a garota retorcida no solo áspero. Beirando a desistência, Gretel ainda possui forças para curvar os lábios desfigurados em um sorriso cínico e reacordar a fúria do inimigo. Ele ergue a espada afiada e, com um golpe certeiro e cirúrgico, separa a cabeça do resto do corpo.

O som do terremoto e do canhão se mesclam em seguida. A represa se rompe, a água toma a arena e a tela escurece outra vez. Acabou?, pergunto-me inquieta, temendo ser mantida por mais três horas nesta poltrona. Assim que sinto meus braços livres, me ponho de pé e encaro a multidão alvoroçada. Olho para os lados e ao redor, ainda desorientada. Meus ouvidos estão zumbindo pela algazarra dos aplausos e, mesmo vendo que Finnick move os lábios, sou incapaz de entender o que diz. Ainda escuto os lamentos de Gretel e a crepitação de seus ossos se quebrando. Revejo seu corpo incompleto em minha mente — sem vida como os de Noah, Bagiot ou Hansel... — e, nos lábios da cabeça isolada, o sorriso que perdurou intacto.

Sinto o piso contra os meus pés libertos e, como um passarinho que acaba de perceber a gaiola aberta, contemplo a liberdade. Corro imediatamente para fora do palco, deixando uma platéia atônita para trás e não me importando com o que vão pensar ou fazer a respeito. Ainda faltam a coroação e o discurso do presidente para o término da cerimônia, mas a culpa é deles por me soltarem antes da hora. Loucos são imprevisíveis, certo? Sigo por um corredor estreito que não faço ideia de onde vai dar, desejando que nunca termine. Correr é a minha melhor defesa e, no final das contas, sou mesmo uma presa.

— Annie, pare por favor!

Finnick me persegue e preciso acelerar a corrida para despistá-lo. Talvez os ferimentos e o cansaço tenham me debilitado porque, pela primeira vez, eu sou mais lenta. Ele me alcança e puxa para seus braços, amparando-me em seu peito quente. Apesar de desejar o toque reconfortante, eu mantenho as mãos inertes ao lado do corpo, não correspondendo ao seu abraço.

— Eles morreram por minha causa, não foi? — Gretel, Taurus, Noah, Hansel, Bagiot, Vixen, Cann... Não preciso me esforçar para lembrar dos nomes. — Todos morreram por minha causa.

— Não, meu amor. Ninguém morreu por sua causa. — Finick me envolve com ansiedade e ao mesmo tempo cautela, como se eu pudesse desmanchar em seu abraço. — Você não teve culpa.

Eu só estou viva porque eles estão mortos, como posso não ser culpada? As paredes reluzentes tremulam ao meu redor e fecho os olhos antes que algo assustador saia de dentro delas. Premeditar meus temores é a forma que encontrei de sabotá-los.

— Quando isso vai terminar? — questiono, arranhando meu próprio rosto numa tentativa desesperada de descarregar a frustração. — Quando isso vai terminar?

— Fique calma! Eu estou aqui com você — ele assegura e impõe mais força em seu aperto, imobilizando-me e me protegendo da minha própria ira.

A sensação de confinamento me incomoda. Sei que suas intenções são boas, mas estive presa por tempo demais para permitir.

— Quando isso vai terminar? — Abro os olhos e me afasto abruptamente, a fim de me desprender. — Responda! Quando isso vai terminar?

— Annie, por favor se acalme! Annie!

Sua voz se perde nas demais.

— Eu não sou mais a Annie. Pare de repetir esse nome. — Bloqueio os ouvidos perturbada. — Todos repetem esse nome.

— Você é a Annie, é claro que você é...

— Annie está morta, não existe mais Annie!

Empurro-o para o lado e continuo correndo, tropeçando nos meus próprios passos desordenados. Meus cotovelos — suspensos para manter as mãos nas orelhas — frequentemente se chocam contra as paredes estreitas. Ainda assim, acelero o ritmo e não paro até me deparar com uma enorme porta prateada. Giro a maçaneta algumas vezes e encaro o fim da linha desolada, observando a chama entalhada no metal e os dizeres “Saída de incêndio”. Rio mentalmente da incoerência. Uma saída de emergência é exatamente o que eu preciso. E está trancada.

— Eu sei que você ainda está ai dentro...

Escuto o sussurro detrás do ombro e o hálito quente em minha orelha. Não preciso me virar para reconhecê-lo, ainda assim, torno meu corpo devagar e o analiso: despenteado, abatido e ainda ofegante pela corrida. Curiosamente, há esperança em seus olhos marejados.

— Por que você não desiste de mim? — contesto. Está mais para um conselho do que uma pergunta.

Finnick corrige a respiração descompassada, arruma os fios colados na testa pelo suor e responde de forma serena:

— Porque não se abandona a quem amamos.

Não contenho as lágrimas que deslizam por minhas bochechas e salpicam o chão de gotas escuras. Continuo encarando meus pés nas sapatilhas delicadas por um tempo, incapaz de erguer o rosto.

— Isso não vai terminar — admito conformada. Nós temos as mesmas feridas e sei que Finnick é capaz de compreender. — A dor... Ela não melhora, não é?

— Fica mais fácil com o tempo — ele promete, embora não seja convincente. Neste momento, neste único e restrito momento, eu desejaria não conhecê-lo tão bem...

— Ah, Finn... — Suspiro desapontada. — Você desvia os olhos quando mente.

Ele não tenta negar ou me convencer que estou errada, sabe reconhecer uma luta perdida.

— Nós vamos para casa agora. É isso o que importa.

Ao decidir ser seguro, meu companheiro e amigo de infância retorna a me envolver com os braços. As nuvens de nossas respirações se encontram devido à proximidade de nossas bocas, mas ele receia me beijar, temendo me perder novamente para o terror.

— Finnick? — eu chamo calmamente, ainda que ele já me ceda a atenção.

— Estou aqui. — Ele acaricia meu cabelo e acomoda uma mecha atrás da orelha. — O que foi?

— Eu só preciso... dizer uma coisa...

— Outro segredo, meu amor? — Finnick hesita, receoso por ainda digerir as últimas revelações. — O que é? Você pode me contar qualquer coisa.

Eu nego com a cabeça. Não é exatamente um segredo e ele já o conhece, mas preciso dizer em voz alta antes que seja levada de minha sanidade momentânea novamente. A qualquer momento, os horrores retornarão e não serei mais eu ao seu lado, não de verdade. O meu corpo inerte — imerso em um mundo particular de trevas — não poderia, entretanto, dizer as palavras. Não seria capaz de sentir o que eu sinto ou qualquer coisa além do medo.

Eu...

Respiro profundamente — aspirando o máximo de ar que meus pulmões suportam — e, finalmente, revelo o meu não-segredo, a verdade mais absoluta existente e que nem mesmo a minha mente impostora foi capaz de omitir:

Eu te amo.

Três palavras e isso basta para ele. O receio e preocupação em seu rosto desaparecem, como se nunca houvessem existido e, logo, ele se inclina para os meus lábios com a mesma ansiedade que eu busco os seus. É a primeira vez que nos beijamos desde que retornei dos Jogos e o calor de sua pele me acalma, afasta o pânico de minhas memórias sombrias. Recebo algum murmúrio lacrimoso como resposta, mas não importa, nada importa — nem mesmo os sofrimentos intermináveis — quando seus braços me amparam. O medo não incomoda no interior do seu abraço.

"Eu sou um pequeno barco nas ondas de um mar revolto

e Finnick é meu porto-seguro"


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Notas finais do capítulo

Eu sei que vocês repararam nos nomes! Não coloquei as homenagens sem contar no começo porque queria que os autores lessem o texto e percebessem sozinhos. Lara é uma homenagem à personagem principal de “Our Games” da autora Magicath, Mason é um personagem coadjuvante que “conheço há pouco tempo, mas já considero pacas” de Lacrimosa ( História original muito foda sobre anjos e bruxos da autora MIFatori) e Lima é o sobrenome e nickname do Nyah da minha autora de fics Odesta favorita! Giovanna! Leiam “extraordinária”!! É foda demais.
"Jesse, o tributo do 7" também é tributo do 7 na fic "Os jogos de jesse Welwood" do victor C. Tagliari. Que história mais foda, cara! Recomendo a todos.

Bem, então é isso. Fim de Jogo. O último a sair apaga a luz, por favor.
Eu não sou boa com despedidas.