Uma vez quando eu tinha 13 anos eu havia decidido o que seria quando fosse mais velha. Uma detetive. Uma pacificadora-detetive.

       Eu e Finn, que na verdade ainda era muito pequeno para saber no que estava se metendo, decidimos que procuraríamos pistas e desvendaríamos os maiores crimes de Panem. Em Panem nem há muitos crimes, ás vezes alguém decide não colaborar com o sistema coletivo que todos os Distritos obedecem ou decide roubar, e então os pacificadores levam eles para os Pensatórios, onde essas pessoas recebem ajuda psicológica ou apenas uma bronca de algum Doutor da Capital.

       Mas mesmo assim decidi que seria detetive. Alguns filmes antigos que passam na TV ás vezes mostram como as coisas eram bem antigamente, e essa coisa de detetive já foi bem comum, então pensei porque não tentar.

       Comecei investigando no lugar mais fácil e o único que eu poderia circular sem estar acompanhada de meus pais ou de alguém mais velho: em casa.

       Estava ficando tarde e eu estava muito decepcionada porque eu havia andado pela casa o dia todo e tinha enfiado Finn em todos lugares aos quais eu não conseguia entrar, mas no final não havia encontrado nada.

        Fiquei desanimada sentada no chão do meu quarto quando eu ouvi um barulho e o Finn começou a resmungar como um louco.

       Quando o encontrei ele estava dentro de um armário no quarto de meus pais preso já que ele havia sentado no suposto chão do armário e aquilo havia de divido em duas partes fazendo Finn ficar preso.

       Tirei-o do armário e fitei o fundo dele. Era um fundo falso.                          

       Abaixo do suposto fundo havia um espaço que cabia poucas coisas e lá havia um enorme livro sem nome e bem velho.

       - Bom trabalho, Finn. – eu disse antes de perceber que meu irmão havia adormecido na cama de meus pais.

       Peguei o livro e comecei a folhear. Havia muitos nomes, fotos, desenhos, descrições. Pedaços de plantas, e acabei percebendo que falava sobre os Jogos. Falava especificamente sobre duas edições e seus participantes.

       Não reconheci nenhum rosto tirando os de meus pais. E havia uma fotografia, que não sei o porquê, me chamou muita atenção. Era um garoto muito sorridente e belo. Além das descrições feitas por meu pai e minha mãe sobre ele, havia escrito em baixo de sua foto: Distrito 4 e seu nome, o nome eu não memorizara mas seus olhos eram de um azul muito intenso e agora apenas me ocorreu que eu conhecia uma pessoa com esse mesmo tom de azul, o mesmo tom de azul que fitei antes de meu desmaio no primeiro dia no trem.             

       Quando me livrei dessas memórias voltei a fitar a cena que estava se presenciando no vagão. Minha visão estava levemente turva e eu me sentia um pouco zonza, mas aos poucos as formas ficam mais regulares e minha visão se normaliza.

       - Vocês já foram mais educados. – a ruiva comenta e se senta perto de Lori que muda de acento automaticamente para o mais distante da ruiva. – Quem é a amiguinha nova de vocês?

       Ela pergunta sobre mim como se eu nem mesmo estivesse ali.

       - Adivinhe se puder. – Lori fala e na mesma hora a garota começa a me analisar mais atentamente, com mais interesse e então arregala os olhos.

       - “Pele clara, olhos azuis, cabelos escuros. A Filha do Tordo nasceu com saúde nesta bela manhã de domingo.” – ela diz imitando o sotaque e tom de voz de alguém conhecido.

     Semicerro os olhos.

       - Ah, meu anjinho, toda a Panem ouviu estas palavras por meses após o seu nascimento. – ela afirma. – Todos os dias Lyon nos lembrava no noticiário sobre seu nascimento. Eu era apenas uma criança, mas me irritava tanto que nunca esqueci.

       Lyon era o apresentador mais conhecido da Capital, o mesmo que estava viajando conosco.

       - Mentira. – Lori afirma. – Ela é um pouquinho obcecada pelos Everdeen-Mellark.

       Os Everdeen-Mellark mais uma nomenclatura para mim e minha família, eu me perguntava quantos mais haveriam.

       A ruiva revira os olhos com desdém.

       - Só me mantenho informada. – ela diz com indiferença. – Mas que grande prazer conhecê-la, eu me chamo Vênus, Distrito 1.

       - Primrose. – respondo cordialmente sem querer estender a conversa. Lucca e Lori devem ter seus motivos para terem se comportado de tal forma com a presença de Vênus.

       - Primrose. – quase em uníssono com minha voz ouço uma voz cantando meu nome.

       Uma criatura verde apenas me salvou da conversa mais bizarra que eu tive desde que a viajem se iniciou.

       - Tenho que ir. – digo quase pulando em cima de Octavia e a abraçando por ter aparecido na hora certa.

       Ela me arruma e junto com seus assistentes quase todas as extremidades do meu corpo é puxada ou esfoliada ou colorida.

       - Eu sinto muito por isso. – ela diz quando sai da salinha em que nos encontramos e depois volta com um chapéu de vaqueiro. – Mas tradição é tradição.

       Coloco o chapéu e posso ver minha equipe de preparação soltando risadinhas na discretas, até Octavia tenta se manter séria mas não consegue.

       - Você ainda está uma bonequinha. – ela diz antes que eu vá.

       Percebo que aquela provavelmente será minha rotina. Preparação, cerimônia, baile, tour pela cidade – desse eu consegui escapar no 1º - e tudo outra vez.

       Meu tédio com essa percepção deve ser claro já que na primeira vez que me vê, tio Haymitch pergunta:

       - Algo te chateia, docinho?

       - Eu achei que seria mais emocionante. – digo me sentindo uma criança reclamona.

       - Estamos apenas no começo, quando estivermos chegando perto dos ex-distritos carreiristas me deixe saber se tudo continua tão sem emoção. – ele diz e dá uma piscadinha.

       Subimos ao palco e eu faço tudo muito robótica já que estou pouco convencida de que tudo se tornará mais emocionante. Dessa vez os lugares não são como da outra vez. Cada tributo senta-se onde bem entende, mas só restam dois lugares quando eu chego. Um ao lado de Lori e outro ao lado de um garoto moreno com sardinhas, com quem nunca conversei.

       - Gostou da fantasia? – Lori diz com um chapéu de vaqueira preto que brilha quando ela mexe a cabeça.

       - Eu realmente me divirto com essas roupas. – Lucca comenta, mas depois sua expressão volta a ficar séria, assim como estava quando eu entrei.

       - Hoje, Distrito 10, nós temos a honra de termos uma tripulante a mais na nossa jornada por toda a Panem. – Lyon fala animado e a platéia reflete tal animação.

       A respiração de Lori se acelera por alguns segundos.

       - Você costuma assistir esses eventos no seu Distrito? – Lori pergunta.

       Nego com a cabeça.

       - Sinto muito.

       Lyon fala um nome e por um momento o silencio é mortal, mas quando Vênus sobe no palco com os cabelos vermelhos encaracolados e um vestido preto reluzente a platéia grita como bebes chorões.

       - Eles a amam? – eu pergunto.

       - Não. – Lori diz e me distraio quando Lyon anda em nossa direção, mas para um pouco mais a direita e começa a sorrir como um lunático. – Eles os amam.

       Quando vejo Lyon consegue a resposta desejada com seu sorriso quando Lucca se levanta e abre um sorrido contente, quase radiante e abraça Vênus que dá uma risadinha angelical, ou pelo menos é assim que o Distrito 10 enxerga.

       - Juntos novamente. – Lyon anima a multidão. – O quão romântico é uma viajem por toda a Panem ao lado do amor de suas vidas?

       Vênus e Lucca se entreolham com tanta ternura que eu quase sinto um nó no estômago.

       - É inexplicável. – Lucca afirma e a multidão suspira.