Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 7
Easier Said Than Done


Notas iniciais do capítulo

Meu querido carneiro-beta, Orphelin, obrigada por tudo! S2



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Capítulo VII

Tente entender quando eu digo
É mais fácil dizer do que fazer
Easier Said Than Done - Whitesnake

Mal os garotos se despediram e saíram da confeitaria, Aiolos foi tirar satisfações com Kanon. Toda aquela camaradagem do geminiano, com seu irmãozinho, não podia ser coisa boa. Quer dizer, Kanon era seu amigo, mas também era meio estranho e tudo o mais. O geminiano sempre deixava Aiolos um pouquinho sem graça com suas brincadeiras, principalmente depois da investigação que o sagitariano fez à procura da pessoa interessante de Mu e tal.

– Aff, qual é? – Kanon reclamou com uma expressão falsamente ofendida. – Seu irmão ainda é muito novo, não está no ponto...

– O que você quer dizer com isso?

O geminiano o ignorou e continuou seu raciocínio de forma decidida:

– Mas quando ele estiver pronto, eu estarei disponível!

Aldebaran começou a rir da conversa, enquanto Mu se preocupava com a expressão abalada do sagitariano. Saga e Shura se limitaram a revirar os olhos diante de tudo aquilo.

– Hey, só estou brincando... – Kanon afirmou, dando um soquinho de leve no braço de Aiolos. – Pra quê eu esperaria seu irmão crescer se já existe você, que está no ponto, né? – e piscou de uma forma tão sugestiva que encabulou o sagitariano.

– ...

Felizmente, ou não, Aldebaran desviou o foco da conversa. O brasileiro perguntou para Aiolos se ele realmente estava na seca, dispondo-se a apresentar alguma garota bonita, se quisesse.

O sagitariano o olhou sem entender aquela história. Ora, só havia namorado uma vez, mas é claro que saía com outras garotas às vezes. Definitivamente, não estava na seca coisa nenhuma! Só não tinha encontrado alguma garota que quisesse namorar seriamente. De que lugar Aldebaran tirara aquela ideia?

Ah, claro, Kanon! Aiolos pensou se não deveria trucidar Mu e Shura por todo o trabalho que tivera por causa deles. Olha só a confusão que sua curiosidade causara! Agora estava com fama de tarado na seca!

O geminiano riu de lado, dizendo para Aiolos não se preocupar. Não tinha espalhado aquela história para a universidade inteira, só comentara com os amigos que estavam ali na confeitaria. Contudo, se o sagitariano não estava querendo nada com ninguém, por que andara fazendo perguntas dúbias por aí?

Aiolos lançou um olhar oblíquo para Mu, sem saber o que dizer. Este, por sua vez, devolveu o olhar, preocupado, e balançou a cabeça discretamente. Ainda não!

– Sei lá! – o sagitariano bufou. O que não faria pelo amigo, afinal? – Estava numa maré de curiosidade, acho...

Discretamente, Mu sorriu agradecido, enquanto os gêmeos não pareciam muito persuadidos. Aldebaran balançou a cabeça, sorrindo, e informou:

– Bem, se quer saber, estou interessado em uma bela moça. Aliás, tenho que ir, já está tarde. Hoje é sábado e teremos um encontro logo mais.

Conforme o brasileiro partiu, todos começaram a se despedir também. Aiolos morava perto de Mu, mas dispensou a carona que o espanhol ofereceu para ambos. Não queria ficar de vela, né? Aqueles dois já tinham lhe causado muitos problemas.

***

O tibetano não tinha planejado o que fariam depois daquela tarde na confeitaria, por isso se deixou levar para sua própria casa, por costume. Shura simplesmente dirigia, sério e silencioso. A falta de conversa não incomodava o ariano. Pelo contrário, aqueles silêncios eram estranhamente agradáveis. Mu se viu refletindo sobre como nunca podia adivinhar os pensamentos do espanhol só de olhar para ele. Não, por mais que tentasse ler a expressão de Shura, nunca conseguiria.

Tão perdido ficou entre pensamentos que só notou que já tinham chegado quando Shura saiu do carro, após estacioná-lo. Assim que entraram em sua casa, Mu perguntou educadamente:

– Você quer alguma coisa?

Porém, antes que chegasse à cozinha, sentiu o pulso ser envolvido por uma das mãos do espanhol e voltou-se para trás.

– Quero sim... – Shura replicou, puxando o ariano para si enquanto lhe envolvia as costas com a outra mão firmemente. Depois, umedeceu o lábio inferior, daquele jeito que Afrodite tinha gostado tanto, e pressionou os lábios sobre os de Mu sem delicadeza.

O ariano pensou, não pela primeira vez, que os beijos de Shura eram quentes. A forma como o espanhol deslizou a língua por entre seus lábios semiabertos, enquanto o apertava entre os braços, foi intensa. Sempre era e isso era indiscutível. Shura era indiscutível. Mu puxou o rapaz pela nuca, correspondendo o beijo à altura, sentindo uma das mãos do espanhol deslizar por dentro de sua camiseta.

Shura começou a traçar um caminho pelo abdômen liso de Mu, subindo lentamente e sentindo a pela clara do ariano se arrepiar sob seu toque. E, então...

– Oh-Ouh!

Mu estremeceu de susto. Era a voz de Dohko. O libriano e Shion tinham acabado de entrar pela porta da sala. Se agarrando! Ambos parecendo um pouco surpresos por encontrarem outro casal em situação similar.

Os quatro se entreolharam em silêncio. Shura sempre sério, ainda com a mão sob a camiseta alheia; Shion parecendo meio aéreo, os braços circundando o pescoço de um Dohko alegre; enquanto este mantinha as mãos sobre o traseiro do namorado; e Mu bastante avermelhado, indeciso entre se afastar do espanhol ou permanecer imóvel.

Por fim, o libriano acenou para os dois, sorridente, e arrastou Shion para o quarto. Era o destino inicial de ambos, de qualquer forma.

O tibetano mais novo queria se esconder de tanta vergonha. Quando Shion e Dohko começaram a namorar, Mu vivia pegando os dois se agarrando por toda a casa e sempre sugeria que eles se limitassem ao quarto. E agora que tinham aprendido... estava fazendo o mesmo que eles. No melhor estilo façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço...

– Eles devem estar se divertindo – Shura constatou, puxando o rosto de Mu para um novo beijo. – Deveríamos fazer o mesmo.

– Bem... – o ariano balbuciou, achando meio estranho estar em tal situação. Seu irmão estava aprontando naquele exato momento, no andar de cima. Será que aqueles dois tinham bebido? Pareciam tão... – Ah! – exclamou, estremecendo ao receber um daqueles beijos quentes no pescoço.

– Vamos pra outro lugar – foi tudo o que o capricorniano disse, antes de arrastar Mu porta afora e carro adentro.

***

Já os gêmeos estavam entrando na própria casa. Kanon primeiro, sendo imediatamente recebido por um filhote de gato que se esfregou em sua perna.

– E aí, Aspros? – cumprimentou alegre, pegando o gatinho preto no colo e sentando-se no sofá. – Cadê o seu irmãozinho atrevido?

– Atrás do outro sofá – Saga localizou, sentando-se ao lado do gêmeo e observando-o atentamente.

– Sempre escondido... – Kanon murmurou, balançando a cabeça. Levantou, estendeu Aspros para o irmão e sentou-se no chão, tentando atrair o outro gatinho para perto.

Saga continuou observando o gêmeo, pensativo. Ele estava tão alegre! Desde que saíram da confeitaria, parecia incrivelmente satisfeito com algo. Ou consigo mesmo. Era difícil definir. Isso geralmente significava uma coisa: estava tramando algo.

– Não sei do que está falando... – Kanon replicou, soando sarcástico. Acariciou a cabeça do gatinho branco e, em troca, ganhou um miado e uma arranhada de leve. – Whoa! Defteros está ficando violento! – exclamou, achando graça. Olhou para Saga, que ainda o fitava claramente desconfiado, e bufou. – Sério, não é nada...

– Tem algo a ver com o irmão do Aiolos... – o gêmeo afirmou, em vez de perguntar.

Se possível, Kanon ficou ainda mais satisfeito e sorridente. Saga era tão esperto! Voltou para o sofá, deitando-se com a cabeça apoiada nas pernas do gêmeo, Defteros sentado em seu tórax, e começou a contar sobre a aposta dos meninos. Aiolia não tinha lhe pedido segredo e, bem, de qualquer forma, Kanon e Saga possuíam o tipo de ligação em que se um não contasse, então, o outro descobriria mesmo assim. Sempre acontecia!

Desde a infância, o apego que os dois possuíam um pelo outro era visto com muita naturalidade por todos. Eram gêmeos afinal. Era completamente natural que brincassem juntos, isolados no quarto, no banho, na praia... Certo, talvez não fosse tão normal aquela insistência em não brincarem com outras crianças, mas ninguém se importava de fato. Gêmeos idênticos – nascidos sob o signo de Gêmeos! – certamente tinham lá suas excentricidades.

Seria apropriado se eles fossem iguais por dentro também. Alma e mente. Mas não eram.

Para as pessoas que viam gêmeos idênticos sob uma perspectiva maniqueísta¹, Kanon era, sem dúvidas, o gêmeo mau. Afinal, Saga não era desobediente, nem bagunceiro; não insultava, nem agredia outras pessoas; não olhava a vida de forma indolente, com enigmáticos sorrisos capciosos.

Saga era só alguns minutos mais velho, mas preocupava-se e cuidava do gêmeo rebelde como se este fosse muito mais novo. Quando eram crianças, fazia curativos sobre os machucados de Kanon com todo o cuidado; penteava-lhe os cabelos bagunçados de modo gentil e amarrava-lhe os tênis desnecessariamente. Mesmo ao crescerem, Saga continuou sendo um irmão atencioso.

Definitivamente, Saga era o gêmeo bom.

Ah, tá!

Kanon ria por dentro. Nenhuma daquelas pessoas entendia. Nenhuma delas sabia. Kanon ria mais e mais, pensando em como o gêmeo era mais parecido consigo do que todos supunham. Então, ele não aguentava segurar o riso e gargalhava abertamente. O que mais poderia fazer?

Nessas horas, Saga respirava fundo, soando cansado. Mantinha a expressão muito circunspecta, enquanto o irmão afastava-lhe os cabelos do pescoço com a ponta do nariz, soltando os últimos risos, bem baixinhos, contra sua pele. Depois, Kanon murmurava alguma bobagem, que lhe soava constrangedora, e se afastava, voltando a se entreter com qualquer coisa que estivesse fazendo antes; tão compenetrado que nem parecia ter se interrompido instantes antes.

– Okay... – Saga anuiu, depois que a narrativa terminou, colocando Aspros em cima do irmão também. – Apostas, garotos e uma garota mais velha. Agora me conte qual é o seu interesse nisso.

Kanon sorriu irônico e voltou toda a sua atenção para os dois gatos, que o observavam com enormes olhos azuis. E Saga soube que ele não diria mais nada naquele momento.

***

No dia seguinte, à tarde, na casa dos tibetanos, Aiolia achou que estava com muita sorte. Vencera Dohko em duas batalhas Pokémon e estava para ganhar uma terceira. Só que Shion solicitou a ajuda do libriano, com alguma coisa da universidade, e o garoto teve que esperar.

Enquanto Aiolia começava a se entediar, sozinho, Mu voltava para casa, acompanhado por Shura. Porém, mal saíram do carro quando Shaka apareceu pelo outro lado da rua, segurando um livro. O ariano o cumprimentou e fez as apresentações, visto que o espanhol e o loiro ainda não se conheciam.

– Eu preciso ir agora, Mu – o capricorniano informou logo em seguida.

– Ok, até amanhã! – o rapaz de cabelos longos sorriu.

Shura meneou a cabeça para eles, em despedida, entrou no carro e se foi sem mais uma palavra ou gesto.

Por sua vez, quando percebeu que Dohko iria demorar muito ainda, Aiolia resolveu dar volta por aí. Paciência nunca foi, e nem seria, seu forte. Despediu-se e já estava prestes a sair quando reconheceu algumas vozes conversando do lado de fora. Shaka! O leonino franziu o cenho, com ganas de escancarar aquela porta e pular em cima do ariano lançando seu olhar mais furioso para ambos , mas se impediu a tempo. Talvez conseguisse escutá-los tramando algo suspeito!

Lá fora, o virginiano olhava longamente para Mu, enquanto este procurava as chaves para abrir a porta. O ariano parecia bastante alegre e, por um momento, Shaka sorriu só por vê-lo sorrindo também. Não durou muito.

– Então, aquele é o nome do seu sorriso? perguntou indo direto ao ponto, lembrando-se de Shura.

Mu olhou surpreso para o garoto. Não quis se fazer de sonso, fingindo que não entendeu do que ele falava, mas também não soube o que dizer. Nem precisou, pois Shaka explicou em seguida:

– Você olha para ele de uma forma muito... gentil, creio eu.

O ariano esboçou um sorriso desconcertado. Garoto observador! O virginiano deu de ombros e estendeu-lhe o livro, o mesmo que Mu havia lhe emprestado antes. Agradeceu e despediu-se. O tibetano chegou a perguntar se ele não ia entrar, mas Shaka explicou que só tinha ido devolver mesmo, pois precisava estudar.

O garoto loiro nem tinha sumido de seu campo de visão, ainda, quando a porta se abriu bruscamente e Aiolia apareceu. Disse oi! para um Mu surpreso e saiu correndo, elétrico como de costume, deixando o tibetano para trás sem entender nada.

Shaka também não entendeu nada ao ser abordado pelo leonino, que apareceu ao seu lado como num passe de mágica.

– Do que é que você estava falando com o Mu?

– Deu pra ouvir conversas alheias? – replicou com descrença.

Aiolia fez um beicinho, ofendido.

– Não tenho culpa se vocês resolveram conversar bem na hora que eu estava saindo da casa dele...

Aham...

O leonino esperou alguns segundos e tentou de novo:

– O Mu tá namorando? É isso?

– Como vou saber? Pergunte a ele – respondeu friamente.

– Claro que sabe! – Aiolia protestou. – Você pensa que sou bobo, Shaka?

– Penso que você é aquilo que demonstra ser, Aiolia.

O grego lançou um olhar cheio de animosidade para o indiano, mas este simplesmente devolveu o olhar com o dobro de rancor, mantendo-se em silêncio. Continuaram caminhando. Aiolia já começava a formular mentalmente outra pergunta, entretanto, ouviu o colega murmurar, como se pensasse alto:

– Acho que sim...

Para o leonino aquilo foi absolutamente esquisito. Algo no tom e na fisionomia de Shaka fizeram-no parecer quase... triste? Logo ele, um loiro metido a ser divino? Triste? Esquisitíssimo, sem dúvidas. Ficou encarando o virginiano por alguns minutos, mas este não pareceu notar.

Por que o loiro estaria triste? Opa, espera aí! Mu supostamente arranjou alguém para namorar e... Oh! Foi como se uma luz entrasse no cérebro de Aiolia, clareando-lhe os pensamentos. Seus olhos se arregalaram em choque, tão amplos que a cor do mar de suas íris pareceu que iria se esguichar para fora das órbitas.

– Você gosta do Mu... – sussurrou assombrado com a constatação, como se falar mais alto pudesse espantar o loiro.

Shaka parou de andar e considerou a ideia por um instante. Piscou lentamente e respondeu com voz vaga, falando muito mais consigo mesmo do que com o colega:

– Mu é uma pessoa muito boa... Eu o respeito e aprecio sua companhia...

Aiolia arqueou uma sobrancelha incrédula para o colega. Sempre complicando as coisas, hein?

– Hmm, não tá apaixonado pelo Mu? – perguntou meio debochado, esperando ouvir algo arrogante do tipo paixão é uma coisa mundana e eu estou acima disso.

O virginiano, no entanto, permaneceu silencioso, contemplando pensamentos complicados demais para sua mente tão jovem. É claro que Aiolia não teve paciência para esperar e insistiu em sua pergunta, com um tom de voz mais alto e aborrecido. Shaka o fitou como se, só naquele instante, percebesse a presença do leonino de fato.

Aí, começaram a discutir como sempre faziam. Aiolia não conseguia simplesmente sossegar e deixar as coisas para lá. Não quando estava curioso. Infelizmente, Shaka não tinha compaixão alguma pela curiosidade alheia.

No momento em que Aiolia se mostrou inclinado a uma boa briga física, Shaka lançou um olhar superior, aquele que o leonino tanto odiava, e virou-se para se afastar rapidamente. Milésimos de segundos depois, o virginiano foi empurrado rápida e bruscamente para frente, por pouco não caindo de cara no chão. Confuso, o garoto enrijeceu sob as mãos de Aiolia, ainda apoiadas em suas costas de forma bruta, um segundo antes de uma bola bater com força no lugar exato em que o loiro estivera ao ser empurrado.

Primeiro, Shaka ficou olhando indignado para a bola de futebol, enquanto ela seguia, quicando, pelo chão. Depois, viu o sorrisinho faceiro de Aiolia. O indiano não era mal-educado, por isso agradeceu devidamente. Uma bolada daquelas na cabeça teria causado uma dor tremenda, se não algo pior.

– Meus reflexos são excelentes! – Aiolia fez questão de ressaltar, gesticulando com desinteresse frente ao agradecimento do colega, como se dissesse que não havia sido nada demais. – Agora, você me deve duas, loiro! – acrescentou, lembrando-se da vez em que guiara Shaka até a casa de Mu.

Repirando fundo, desgostoso, o virginiano teve que concordar com um aceno de cabeça. Nesse momento, apareceu um rapaz procurando pela bola. Era Ikki, o amigo do maluco que confundira Afrodite com uma garota. Aiolia e ele se reconheceram imediatamente, mas Shaka foi mais rápido do que qualquer tipo de cumprimento que eles pudessem fazer, repreendendo o rapaz com firmeza:

Tome mais cuidado com essa bola.

– Foi mal aí, loirinho! – Ikki exclamou, franzindo as sobrancelhas. Tinha catorze anos, feições orientais e pavio muito curto. Caramba, a bola nem tinha acertado alguém! Por que aquele garoto estava tão indignado?

Já Aiolia olhou de um para o outro, sentindo falta de Milo para fazerem alguma aposta sobre aquela situação.

Ikki! – chamou Seiya, correndo até o trio. – Não encontrou a bo-...? – tentou perguntar, interrompendo-se assustado frente a três pares de olhos que o fitaram de forma aborrecida. – ...Quê?

O virginiano balançou a cabeça e expirou o ar com força, constatando que estava perdendo tempo. Lançou um último olhar desdenhoso para os três e foi embora sem dizer mais nada.

Se Shaka soubesse que Aiolia e Ikki se tornariam amigos a partir daquele dia, ele teria ficado para impedir. Porém, o indiano se foi sem fazer a menor ideia de que aqueles dois juntos seriam os grandes tormentos de sua vida.

– Ele é sempre azedo assim? – Ikki perguntou, olhando para o garoto loiro que se afastava todo empertigado.

– Você não viu nada... – Aiolia respondeu entediado. Olhou para o recém-chegado e perguntou: – E aí? Sonhando muito com o Afrodite?

Não me lembre dele! – Seiya protestou, aborrecido e sem graça. Em seguida, pegou a bola e voltou a se animar: – Quer jogar com a gente, Aiolia?

– Pode ser – o leonino concordou, cruzando os braços atrás da cabeça e já se esquecendo do assunto com Shaka. Logo anoiteceria e ele queria aproveitar o resto do domingo.

***

Na segunda-feira, Shina se aborreceu na aula de educação física. Era um daqueles dias em que só os meninos jogavam e era um saco observá-los junto com outras meninas, pois elas não paravam de soltar suspiros e gritinhos extasiados pelos meninos que gostavam.

O que era gostar? Shina não conseguia entender. Miho dizia que gostava de Afrodite, porque ele era lindíssimo. Corava quando o pisciano falava com ela, embora isso não acontecesse muito. Depois, Miho ficava suspirando e rabiscando o nome dele dentro de corações, várias vezes, nas folhas do caderno e com uma caneta cor-de-rosa. Era o mesmo tipo de atitude que outras meninas adotavam em relação aos seus respectivos interesses.

Com desdém, Shina revirava os olhos para as colegas. Ela achava seus amigos e alguns outros meninos bonitos, mas não morria de amores por eles. Como poderia? Os meninos ainda eram uns bobos e se preocupavam apenas com jogos, indiferentes àquela afeição toda que as meninas dispensavam a eles. As únicas garotas que os interessavam, de uma forma nada romântica, eram as adolescentes.

Essa parte, a italiana começava a entender. Os rapazes mais velhos chamavam sua atenção, embora ela não fosse tola de ter esperanças, como seus amigos pareciam ter por sua treinadora. Naturalmente, seus hormônios lhe deixavam curiosa.

Só que Shina não tinha paciência com os meninos que queriam beijá-la, enquanto sonhavam com adolescentes peitudas. Assim, ela lhes dava um fora atrás do outro e esbofeteava, sem dó, os insistentes que tentavam agarrá-la.

Shina estava pensando nessas coisas enquanto andava distraída pelos corredores – após ter inventado uma desculpa qualquer para sair da quadra por alguns minutos –, quando foi abordada por um moleque mais alto e não muito mais velho. Era um daqueles estúpidos insistentes. Shina não teve dó quando ele cansou de pedir e a segurou pelos braços, no intuito de beijá-la. Desferiu uma joelhada certeira na parte mais sensível da anatomia masculina.

Inesperadamente, ouviu dois gemidos simultâneos em vez de um só. Olhou ao redor e lá estava Milo, fazendo uma careta de dor solidária, embora nem conhecesse aquele idiota.

– Isso não se faz, Shina, não se faz!

A ariana revirou os olhos para ele, enquanto a pessoa de fato agredida se afastava sofregamente. Ora essa! Ela teria dado um tapa bem ardido, mas como aquele babaca estava segurando-lhe os braços...

O escorpiano concordou, pois tinha chegado a tempo de ver a cena toda, mas mesmo assim... Só sendo um homem mesmo para entender. Enfim! Milo tinha visto a italiana sair da quadra e deu um jeito de sair de fininho atrás dela. Achou que seria uma boa oportunidade para testar seu plano, mas, depois de presenciar aquela cena, preocupou-se com a própria segurança.

Confiança, confiança!, ele pensou, lembrando-se dos ensinamentos de Dohko e Shion. Perturbação não o faria ter progresso algum. Aí, perguntou, como quem não quer nada, a razão para Shina não tinha enchido Aiolia de pancadas daquela vez em que o leonino roubou um selinho dela e tal.

– Porque somos amigos – ela respondeu, omitindo que também era porque não tinha sido ruim. Ao contrário, tinha sido bom e despertara sua curiosidade. Não que Shina fosse admitir isso para alguém, é claro! Quer dizer, Aiolia era superbonitinho e legal, mas muito acriançado ainda.

O grego fez menção de comentar alguma coisa, mas pareceu se lembrar de algo e nada disse. Então, em vez de assoprar a franja dourada, que lhe atrapalhava a visão, da forma engraçadinha e ineficiente que sempre fazia, resolveu penteá-la para trás com os dedos. Em um segundo, Milo semicerrou os olhos muito azuis, por trás dos cílios escuros, e soltou a franja.

A estratégia também se mostrou ineficiente, pois o cabelo voltou a atrapalhar sua visão, mas Shina reparou que ele não ficou confusamente estrábico, como sempre fazia quando assoprava o cabelo. Dessa vez, a forma como a franja caiu sobre um de seus olhos, combinada com um sorriso meio enviesado, foi muito mais... interessante.

Aquele foi o primeiro esboço do sorriso sexy de Milo, o que encantaria várias garotas em pouquíssimos anos. Embora não tivesse ficado indiferente, Shina não suspirou e caiu em seus braços apaixonada. Seria sempre muito arredia para essas coisas, de qualquer forma.

– Quer dizer que amigos têm chances? – o escorpiano perguntou, ambíguo, aproveitando aquela oportunidade.

Shina estreitou os olhos para ele. Uma centelha satírica brilhando nas íris excessivamente claras.

– Você não vai tentar me beijar também, né? – perguntou debochada.

– Só se você quiser... – Milo respondeu, a voz oscilando brevemente para um tom mais grave por pura sorte. Teve a ousadia de colocar uma mecha do cabelo da italiana atrás da orelha dela e se afastou, andando de volta para a quadra.

Cruzando os braços e sentindo-se um pouquinho... irritada, sem saber bem o motivo, Shina também se dirigiu para a quadra.

***

Eis que terça-feira chegou finalmente, deixando Milo e Aiolia ansiosos para que as horas passassem logo. Era o grande dia de testarem suas habilidades.

Milo sabia que esse lance de chegar já atacando era meio estúpido, mas quando viu Pandora, tão altiva e madura, não conseguiu seguir com sua ideia original de tentar seduzi-la primeiro. Assim, da mesma forma que o leonino, ficou tentando surpreendê-la.

Resumindo, foi um fracasso.

Era impossível chegar perto de Pandora! Ela tinha algum tipo de intuição muito boa, pois sempre percebia quando alguém se aproximava. Nunca se distraía o bastante para ser pega desprevenida. Nas poucas vezes em que ela se sentou, os dois garotos fizeram questão de sentar um de cada lado dela. Ambos esperavam pegá-la de surpresa com um beijo, caso se virasse, mas Pandora mantinha os olhos atentos em seus alunos, respondendo às perguntas de Milo e Aiolia sem sequer olhá-los. A ginasta possuía reflexos mais do que excelentes e se esquivou de qualquer tentativa. Tudo sem nem ao menos perceber o que fazia.

Por fim, os garotos se entreolharam com cansaço. Pois é, roubar não estava dando certo. Melhor seria irem embora e reverem seus planos.

As semanas começaram a passar rapidamente para Aiolia e Milo, trazendo outras terças-feiras frustrantes. Eles simplesmente não conseguiam se aproximar da ginasta.

O escorpiano foi o primeiro a tentar, finalmente, a estratégia de seduzi-la. Porém, mesmo com todas as dicas que recebera de Shion e Dohko, acabava nervoso demais para ter sucesso. Se tivessem a mesma idade, seria perfeito! Só que Pandora era mais velha e experiente, sabia um monte de coisas, então, como um pirralho poderia ter alguma chance?

O máximo que o escorpiano conseguiu foram alguns sorrisos surpresos da garota, depois de usar com ela a mesma estratégia que usou com Shina. Ou seja, depois de lançar sorrisos quase sexy, ousar tocar nos cabelos dela e conversar com ela sobre coisas que descobrira que a interessavam... como música.

Pandora tocava harpa, amava música. Ela não era boba e sabia que aqueles garotos estavam muito interessados nela, mas o que podia fazer? Achava ambos umas graças, assim, mais baixos do que ela e muito bonitinhos com aqueles olhares e sorrisos, sempre curiosos.

O leonino, ao contrário de Milo, parecia bastante empenhado em descobrir algo que servisse para uma aposta. A ideia certa veio de Kanon, mais uma vez, que sugeriu, brincando, que apresentasse Aiolos para a ginasta. O sagitariano bem que estava precisando de uma bela companhia, segundo o geminiano.

Sabendo que era a melhor opção, Aiolia mordeu o lábio inferior e, aproveitando que Milo estava distraído conversando com as amigas, perguntou baixinho:

– Por que você não tem namorado, Pandora?

Com um ar pensativo, ela desviou os olhos claros, adornados por cílios compridos, para cima. Era muito exigente. Não escolheria qualquer um para ter um relacionamento.

Era a chance perfeita e o leonino não a desperdiçou:

– Quer apostar que consigo te apresentar um cara legal?

– Legal o bastante pra eu considerar a hipótese de namorar esse cara? – Pandora indagou num tom meio debochado.

– Com certeza! – Aiolia exclamou, sinceramente confiando na capacidade do irmão. – Vamos fazer assim: se eu conseguir... – mordeu o lábio inferior de novo – você me dá um selinho...

A ginasta arqueou as sobrancelhas finas para ele. Garoto bastante espertinho esse, não? Um sorriso se insinuou em seus lábios avermelhados ao propor:

– E se não conseguir, você vai ser meu aluno por um dia?

O leonino travou, horrorizado.

– Você quer dizer... usar collant?

– Claro! Ficaria uma graça, haha...

Seria horrível, mas era a única chance. Aiolia aceitou, o que fazer? Afrodite sempre apontava uma agenda para ele e Milo, mostrando que o prazo estava acabando. Tinha sido resolvido que se o pisciano perdesse, teria que se vestir de menina por um dia. Afrodite nem ligou, era óbvio que ganharia aquela aposta!

Ok! Ele ficou meio preocupado depois que soube sobre a aposta nova de Aiolia. Milo, então, nem se fala. Poxa, envolver Aiolos era sacanagem! Ele tinha grandes chances e Aiolia poderia acabar ganhando. Por outro lado, se ele perdesse – e o escorpiano esperava que isso acontecesse –, tiraria muitas fotos dele de collant.

***

Aiolos ficou um pouco surpreso. Seu irmãozinho vivia falando daquela ginasta perfeita, mas nunca quis apresentá-la até que, do nada, disse-lhe que precisava conhecê-la. Concordou mais por curiosidade de saber como era a famosa Pandora.

Na terça-feira seguinte, Aiolia os apresentou ao fim do treino. E não é que seu irmãozinho tinha mesmo bom gosto?

O leonino os deixou sozinhos logo depois. Teria que esperar que seu irmão conseguisse algum encontro. Coisa que, felizmente, ele conseguiu para o sábado. Aiolos era o máximo mesmo! Será que daria certo e Pandora o acharia bom o bastante?

Infelizmente, ficou sem saber como foi. Por mais que tivesse pentelhado bastante, o sagitariano se esquivara de contar qualquer coisa. Que sacanagem!

Aiolia já estava morrendo de tanta curiosidade quando chegou a terça-feira seguinte. O tempo parecia se arrastar de tão lento. O leonino andava de um lado para o outro, apreensivo. Seu irmão era ótimo, ele tinha certeza. No entanto, Pandora era bem exigente. E se ela não tivesse gostado de sair com Aiolos? Dúvidas.

A impaciência acabou vencendo e Aiolia entrou quando o treino ainda estava pela metade, seguido por um Milo igualmente apreensivo. Sentaram-se muito quietos num canto e ficaram observando. Pandora os notou imediatamente, mas eles não tentaram se aproximar. Afrodite chegou logo depois e o resto do treino passou numa lerdeza agonizante.

Quando finalmente acabou e as pessoas começaram a ir embora, Aiolia decidiu perguntar de uma vez. Aproximou-se aparentemente tranquilo. O que traía sua postura era ficar mordendo o lábio inferior. Estava se arrependendo pela aposta. Como era bobo! Usar um collant seria a maior vergonha de sua vida!

– E aí, Pandora? – perguntou dúbio, ao mesmo tempo cumprimentando e perguntando do encontro.

A ginasta apenas sorriu, soltando os cabelos escuros.

– Como foi? – Aiolia insistiu, impaciente.

– Muito bom – ela respondeu meio aérea.

– Aiolia vai ter que usar collant? – Milo se intrometeu, esperançoso, e ganhou um tabefe de Afrodite bem na nuca.

O leonino sentiu as entranhas se congelarem quando Pandora começou a rir. Só um pouco. Depois, ela afastou a franja levemente dourada de Aiolia para o lado, sorrindo de um jeito que o garoto achou bastante sexy, e Milo soube que tinha perdido.

Pandora ergueu o rosto do garoto, inclinando-se um pouco, e deu o selinho que ele tanto queria. Foi o maior êxtase que Aiolia já experimentara em sua breve existência. Sério! Sentiu um arrepio correr pela espinha enquanto ela o beijava. Pandora devia ter achado Aiolos legal pra caramba, ele pensou, pois, em vez de dar só o selinho, ela deslizou a língua quente sobre seu lábio inferior. Durou só um instante, mas foi perfeito. Aiolia sentiu uma pontada em seu baixo ventre e seus olhos brilhavam ao vê-la se afastar, após bagunçar-lhe os cabelos.

Como era bom estar vivo! Não! Era maravilhoso! Pandora era maravilhosa! Que felicidade incrível!

Milo lançou um olhar desolado para o pisciano que, estranhamente, não parecia preocupado. Aiolia saiu correndo pelas ruas, animadíssimo, exclamando bobagens, e tiveram que ir atrás dele.

Que tal isso, Milo? – o leonino perguntou, eufórico, parando de correr bruscamente e abraçando o escorpiano. – Não foi mágico? Não está com invejinha? Hahaha! Eu sou muito bom! Venci! Eu sou o rei do mundo! Ajoelhe-se e me venere! Hahaha!

– Cai fora, Aiolia, e não enche o saco!

– Hahaha!

– Vou te bater!

O leonino o ignorou e continuou a falar coisas sem nexo. Até que Afrodite clareou a garganta e tirou a agenda da mochila, dizendo:

– Acho que não, Aiolia... – mostrou a data para o amigo. – O prazo se encerrou há dois dias. Vocês perderam.

Milo e Aiolia o fitaram com surpresa. O prazo já tinha acabado? Por que não lhes contara antes?

– Ué, agora eu queria ver no que ia dar sua aposta com a Pandora – replicou com ar distraído. – E que diferença faria? Você ia querer o beijo dela de qualquer forma, certo?

À menção do beijo, Aiolia voltou a se agitar todo feliz. É lógico que sim!

– Tanto faz! Estou com muito bom humor! Perdi, mas ganhei do mesmo jeito! Hahaha!

– Muito bem! – Afrodite sorriu para ele. Notou que o escorpiano não parecia tão de acordo e fez uma careta: – Não adianta, Milo, você perdeu! E, amanhã mesmo, vai pagar essa aposta.

O escorpiano fez um muxoxo, irritado tanto com o fato de ter perdido quanto com a animação de Aiolia.

***

É claro que no dia seguinte, infelizmente, o pisciano não tinha se esquecido do fato de que era o vencedor. Quando as aulas acabaram, os três foram até a biblioteca onde sabiam que encontrariam Camus, como sempre.

– Não posso fazer isso! – Milo exclamou, a realidade do que teria que fazer caindo em seus ombros. – Não dá! Já repararam no olhar gelado dele? Ele vai me matar!

– Deixa de ser drama queen, Milo! – Afrodite reclamou. – Quem começou com essa coisa de aposta foi você. Agora, seja macho e cumpra sua parte com honra!

Aí, já era apelação! Como assim ser macho? Ia beijar outro garoto! Fora que apelar para sua honra era um golpe muito baixo.

– Vai logo, Milo! – Aiolia exclamou, empurrando o amigo para dentro da biblioteca de uma vez.

Malditos! O escorpiano bufou e olhou ao redor. Camus estava bem ao fundo da biblioteca, que se encontrava vazia – para seu alívio. Passou pela bibliotecária distraída e foi se aproximando da sua vítima, observando os dois amigos que o seguiram, rindo de toda a situação, e que trataram de se esconder atrás de uma prateleira, para não serem vistos pelo aquariano.

Milo parou de frente para o perfil do garoto sentado. Travava uma batalha interna. E agora? Como fazer? Por todos os deuses do Olimpo! Maldita hora em que tinha proposto aquela aposta absurda! Maldito Afrodite com sua nova aposta! E, também, maldito Aiolia, que havia ganhado um beijo apesar de ter perdido a aposta!

Camus olhava para a expressão consternada do colega com uma sobrancelha arqueada. Milo parecia preocupado e nervoso, fazendo caretas para o ar. De repente, o escorpiano bufou com impaciência e apontou-lhe um dedo, decidido:

Saca só, Camus!

– Por que está gritando? – o aquariano inquiriu sem entender nada.

Milo piscou desconcertado.

– Ahn... Não sei... – balbuciou, antes de lançar um olhar aborrecido para o outro. – Não tente me distrair!

– ...

O escorpiano respirou fundo, preparando-se. Era a hora. Seria rápido e indolor. Beijar e correr por sua vida, já que o outro poderia matá-lo e tudo mais.

– Agora, confie em mim! – Milo exclamou, inclinando-se sobre o colega. – Vai dar tudo certo!

Antes que Camus pudesse protestar, o escorpiano rapidamente segurou-lhe o rosto com as duas mãos e pressionou os lábios sobre os dele. Seus olhos estavam bem fechados, ao contrário dos olhos arregalados do aquariano. Pronto, a ideia agora era correr, mas era mais fácil falar do que fazer, tanto que Milo continuou parado no mesmo lugar, estático.

E tudo porque teve a ligeira impressão de que Camus pressionava seus lábios de volta. Foi muito rápido para ter certeza. De qualquer forma, ficou paralisado. E agora? Arriscou abrir os olhos e, assim que viu que o francês também o fitava, imediatamente o soltou, afastando-se alguns passos para trás.

Camus o olhava sem raiva, mas sem mais nada também. Seus olhos estavam vazios. Como se nada tivesse acontecido, o aquariano voltou a prestar atenção no livro que estava lendo.

É claro que Milo, sendo quem era, ficou extremamente ofendido com tamanha falta de reação. Quer dizer, ele esperava indignação, violência, perguntas, qualquer coisa, mas não aquela indiferença toda. Feria seu ego escorpiano. Quis puxar Camus pelos cabelos e exigir uma reação mais congruente.

Hmm, melhor não.

Optou por sentar-se ao lado do francês, apoiando os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos, olhando emburrado para o aquariano. Em algum lugar de sua mente, sabia que deveria considerar uma sorte aquela apatia para ir embora. Obviamente, Milo ignorou isso e perguntou para o garoto ruivo:

– Por quê?

Levantando o olhar do livro para o colega, Camus replicou com sua voz monocórdia:

– Eu quem pergunto. Por quê?

O escorpiano respirou fundo, sentindo que devia se explicar. Foi o que fez. Contou tudo sobre a aposta para o francês, quase esperançoso de que, daquela vez, ele reagiria.

– Ok... – foi tudo o que o aquariano disse, muito friamente.

– Aff, Camus! – Milo impacientou-se. Sua perna agitando-se nervosamente sob a mesa. – Que raio de reação é essa?

Não muito longe dali, Aiolia e Afrodite se entreolharam. Milo queria apanhar por acaso?

Camus apoiou as duas mãos sobre a mesa e assumiu uma posição mais rígida quando replicou:

– Vamos ser racionais, Milo. Eu precisava de algumas partituras e você me emprestou, lembra?

O escorpiano assentiu. Recentemente, tinha esbarrado em um Camus frustrado por não encontrar uma determinada pasta na sala de música da escola. Quando soube quais partituras ele queria, Milo informou que as possuía e, no dia seguinte, emprestou-as para o colega.

– Bem, fiquei te devendo uma – o francês continuou seu raciocínio. – Agora, você precisava me dar esse selinho e eu paguei minha dívida ao não me protestar. Fim.

– Ah... – fez o loiro, na falta de algo melhor para dizer. Calma aí, alguma coisa estava esquisita! – Mas, Camus, você não sabia que eu precisava fazer isso...

O aquariano nem piscou:

– Você estava todo nervoso e preocupado. Foi muito lógico concluir que precisava de alguma coisa, mas que não sabia como pedir – Camus franziu o cenho por um instante. – Tanto é que não pediu mesmo.

– Hmm... – sem perceber, Milo sorriu daquele jeitinho meio sexy. – Se eu pedisse, você teria dado?

Camus estreitou os olhos para ele.

– Não abuse – concluiu friamente e voltou-se para o livro, ignorando solenemente qualquer tentativa de conversa posterior.

– Ok, ok! – Milo levantou-se enfim, dizendo enquanto se afastava: – Valeu, hein! Pela compreensão e tal – parou um momento, coçando o queixo de forma pensativa. – Quer saber? Meus amigos têm razão. Você até que é bem legal mesmo!

– ...

Quando o escorpiano saiu da biblioteca, já acompanhado por Aiolia e Afrodite, o francês finalmente se permitiu pensar sobre tudo o que tinha acontecido. Um dia, Camus teria um controle emocional tão extraordinário que ninguém seria capaz de dizer, só de olhar para seu rosto, o que se passava por sua mente aquariana. Contudo, naquele momento, ele tinha só doze anos e ficou tão vermelho quanto os próprios cabelos, conforme relembrava tudo o que aconteceu.

Doze anos e isso era tudo. Não era tão maduro quanto queria acreditar, afinal. Culpa dos malditos hormônios, que tinham lhe deixado curioso com essa coisa de beijo, certeza! E culpa de Milo, que ofereceu a oportunidade sem deixar opção.

Nem tinha sido tudo aquilo, vai! Dominou-se. Foi só um selinho tolo. Camus balançou a cabeça, afastando os pensamentos, e voltou a ler tranquilamente.

***

Já longe dali, Milo respirava fundo. Estava aliviado como só alguém que sobrevivera para contar a história de um perigo poderia estar.

– Viu como não foi difícil? – o pisciano provocou.

– Você quem pensa... – replicou amuado. Em seguida, olhou para o leonino e sorriu satisfeito. – Agora é a sua vez, meu caro!

Aiolia o fitou sem expressão por um instante, mas logo se lembrou dos lábios macios de Pandora sobre os seus e voltou a ficar eufórico. Era tão bom estar vivo! Uma garota mais velha! Supergostosa!

Se você começar com aquela alegria doida, de novo, eu vou te espancar! – Milo avisou inutilmente.

O leonino saiu correndo pelas ruas, irradiando alegria, obrigando os amigos a lhe seguirem no mesmo passo. Num instante, chegaram à casa de Mu. Aiolia ficou pulando no lugar, agitadíssimo, enquanto esperava a porta ser aberta.

Os amigos o fitavam com estranheza, mas e daí? Estava muito contente! Que importava ter que dar um selinho em um cara, se tinha ganhado um beijo da garota perfeita? A alegria era tanta que seria capaz de beijar até mesmo o Shaka!

Se o loiro metido implorasse por isso, é claro!

No momento, tudo o que queria era acabar logo com aquela aposta e ir para casa, relembrar o momento em sonhos acordados. Pelos deuses! Pandora era mesmo supergostosa!

Vários passos atrás, Milo e Afrodite reviravam os olhos, pela centésima vez, quando o tibetano abriu a porta. Como um raio, Aiolia foi para cima de Mu, num salto, abraçando o rapaz pelo pescoço.

Hey, Mu! – exclamou alto, extremamente sorridente.

– Olá... – o ariano balbuciou confuso. O que tinha acontecido com a raiva que sempre notava quando o menino o abraçava? Aiolia parecia estupidamente feliz. – Você está bem animado, hein?

– Sim! – afirmou com olhos brilhantes. Ainda pendurava-se no rapaz.

Tudo o que se seguiu foi um absurdo de tão rápido. Aiolia emendou algumas sentenças sobre aposta perdida, falando num ritmo quase alucinado. Ingenuamente, Mu ainda tentava entender. Não teve tempo. Seu pescoço foi puxado um pouco para baixo e, de repente, teve seus lábios pressionados com força pela boca ansiosa do leonino.

Os queixos dos outros dois garotos caíram diante de tal comportamento selvagem. Só não estavam mais chocados do que Mu, que tinha, agora, seus olhos arregalados. A mente vazia diante daqueles lábios macios que pressionavam o seus com energia.

No entanto, tão rápido quanto o agarrou, Aiolia o soltou e se afastou dizendo:

Valeu! Não se preocupe! – acenou e sumiu correndo pela calçada.

Mu abriu e fechou a boca duas vezes, da forma como um peixe faria, e olhou atordoado para os dois garotos remanescentes. Alguém podia explicar alguma coisa? Tinha acabado de ser atacado por um pré-adolescente cheio de hormônios em ebulição!

Era real aquilo? Acabara mesmo de ser beijado pelo irmão caçula de seu melhor amigo?

Continua...


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Notas finais do capítulo

¹ Maniqueísmo, bem resumidamente, é uma doutrina religiosa em que o mundo está dividido em duas forças antagônicas: o Bem e o Mal, num estado permanente de conflito. Saiba ou não saiba, queira ou não queira, cada ser humano, pelo simples fato de nascer e viver, passa a integrar uma das duas frentes. E, sim, muita gente acredita que gêmeos são sempre um "bom" e o outro "mau"...

Nuss, esse capítulo deu trabalho. Mas aí está, a aposta chegou ao fim. E, sim, eu cogitei todas as possibilidades, o vencedor ainda não estava definido e essa foi a que se encaixou melhor /todascomemora No próximo o tempo vai passar mais um pouco e teremos adolescentes e hormônios pra todo lado ;3

Bem, não vou fazer lemons pra essa fic, ela é muito light, não creio que combinaria. MAS pra quem se interessar, combinei com meu beta de escrever algumas side-stories dessa fic depois, pra contar as safadezas direitinho (entre outras coisas) ;D

Obrigada pelas reviews: euzinho x, Isa Angelus, Vanessa, Crush Girl, Hanajima, stocking, Larissa Saint, marigraciolli, Suzuki_Yoi e Orphelin S2

Que tal esse capítulo?