Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 33
Change of Heart


Notas iniciais do capítulo

Só duas notinhas antes:

1. É citado um "play along" na fic. Basicamente, isso significa uma música tocada e cantada da maneira idêntica à original exceto por não ter algum dos instrumentos. É tipo um karaokê de instrumentos, serve pra praticar junto com a música e tal.

2. É claro que eu tive um monte de ideias novas graças às reviews que recebi pelo capítulo anterior, vocês são demais. Poderia escrever mais uns três capítulos, mas não dá, né? Então, esse é o último mesmo.

Demorou e foi sofrido. Muito nervoso, muita preocupação, muita reescrita, muita revisão. Muitas e muitas broncas do meu carneiro-beta. Foi um parto difícil, mas nunca teria nascido se não fosse por vocês. Meu muito obrigada ao Orphelin por tudo e a todos pela paciência. Vamos lá...



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Capítulo XXXIII

Deitado sobre uma pilha de colchões de ginástica, Milo tentava pensar em coisas grandiosas como a vida, o universo e tudo mais. Isso para não se focar na possibilidade de ser errado estar à espera de alguém, que não era o seu namorado, sozinho na sala de artigos esportivos do colégio. Tudo bem que o alguém era Aiolia, mas, ainda assim, ele tinha se esquecido de avisar Camus de que não chegaria à primeira aula por causa disso.

Aliás, considerando que o leonino estava bastante atrasado, a julgar pelo horário que tinham combinado, era capaz de não chegar sequer para a segunda aula. Por que tinha concordado em falar com o outro tão cedo? O que ele teria para lhe dizer de tão importante que não podia esperar até a saída?

Estava tão distraído com essas questões que levou o maior susto quando alguém se jogou sobre o seu corpo, pressionando-o com força contra os colchões.

– Demorei, minha Tortinha de Maçã? – Aiolia sussurrou no ouvido do escorpiano, estalando um beijo na bochecha deste.

Aí, Milo o encarou quase escandalizado. Bom... Ainda não era errado, era?

O leonino revirou os olhos, ajeitando-se o suficiente para apoiar a cabeça sobre o tórax do pior melhor amigo:

– Você sabe que é brincadeira, Maçã-do-Amor... Não precisa surtar.

– É, eu sei! Mas não sei se o Camus entenderia igual, caso aparecesse aqui agora e...

Milo continuou reclamando por mais de um minuto inteiro sem ser interrompido. Estranho! O outro grego sempre o atrapalhava durante suas divagações – ou reclamações, como queira. Inclinou o pescoço para baixo, o máximo que conseguiu, deitado do jeito como estava, tentando visualizar o rosto daquele folgado.

– Aff... Hey! – chacoalhou o outro, que estava tão despreocupado que até cochilou em cima de si, a fim de acordá-lo. – Hey!

– Me deixa... – Aiolia resmungou sem se dignar a abrir os olhos. – Foram muitos orgasmos desde sábado à noite até agora há pouco... Ah, e quase fui assassinado também...

Muitos orgasmos...? – o escorpiano ecoou, franzindo as sobrancelhas na tentativa de captar a mensagem existente nas entrelinhas daquele comentário desconexo.

– Perdi a conta depois do terceiro... – disse num murmúrio quase ininteligível antes de voltar a ressonar baixinho.

– Você me chamou aqui pra me usar de travesseiro? Hey! Trate de acordar e explicar essa história direito!

Aiolia bocejou e esfregou os olhos, sem se dar ao trabalho de se levantar de cima do outro.

– Não, seu tonto! Eu te chamei aqui porque você ficou todo cheio de mimimis aquele dia lá em casa, lembra? Ficou reclamando que eu não te contava nada e nhenhenhém...

O escorpiano fez uma careta desgostosa. Tinha certeza de que suas reclamações eram bem fundamentadas. Como contava tudo da sua vida para aquela besta, que denominava seu pior melhor amigo, era justo que fosse tratado com igual consideração, ora essa!

– Tá, tá... – Aiolia abanou a mão fracamente, mordiscando o lábio inferior, antes de dizer: – Então saiba, em primeiríssima mão, que eu estou namorando desde sábado.

– Quê?

– Ahn... Na verdade, faz semanas que a gente tá saindo...

– Quê?

– É que o Mu é tão cabeça-dura que não dava pra contar antes...

Quê?!

– Que o quê? – o leonino perguntou confuso, encostando o queixo sobre o tórax do loiro de modo a ficarem cara a cara. – Credo, como você tá pálido! Tá passando mal?

Milo o encarava boquiaberto, os olhos tão arregalados que pareciam bolas de gude azuis prestes a pularem para fora das órbitas. Como assim Aiolia estava namorando? Espera! Namorando o Mu?

– Ele é um cara...

Dez pontos para Gryffindor!

– E ele não é uns sete anos mais velho do que você?

– Tecnicamente, são seis anos e cinco meses – Aiolia explicou distraído. – E você também tá namorando um cara, e daí?

E daí? E daí? Por Zeus e seu pau relampejante! – parafraseando o praguejar célebre de Aiolia –, que coisa mais repentina, absurda e imprevisível era aquela? O escorpiano colocou uma das mãos sobre o próprio coração, respirando pela boca algumas vezes com certa dificuldade. Será que tinha herdado algum problema cardíaco e não sabia?

– Ow, Milo, não brinca com isso, não! – alertou, sentando-se e ajudando o amigo a fazer o mesmo. – Não tem nada de tão estranho nisso. Eu cheguei a te contar da primeira vez que beijei o Mu lá no Meikai, esqueceu?

Oh, não... Não tinha esquecido. O leonino só omitira o fato de que aquilo se repetira outras vezes sem que estivesse bêbado!

Aiolia não teve escapatória. Bufou e contou toda a sua saga com Mu de forma extremamente resumida. Soou mais ou menos como: aí eu quis, porque ele é supersexy e tudo o mais, mas demorou pra ele se conformar porque é teimoso e neurótico... Até que começamos e tal... E, agora, foi de vez...

Milo o agarrou pela gola da camiseta, sacudindo-o, para intimá-lo a contar direitinho aquela história surreal. Porque, sério, o que alguém tão inteligente e evoluído como Mu poderia ter visto em um pirralho temperamental e possessivo como Aiolia?

– Não sei – o leonino replicou ofendido, desvencilhando-se das mãos do outro, mas acabou sorrindo de lado: – Talvez o mesmo que você viu em mim um dia, né?

Cor-de-rosa coloriu as bochechas do escorpiano, que, apesar da vergonha, não se deixou vacilar. Aquilo era totalmente diferente, pois não tinha como comparar sua inocente paixonite de infância com a atual situação que o leonino estava vivendo.

– Corta essa! Desembucha sua epopeia aí, vai...

Respirando fundo e reunindo os raros resquícios de paciência que possuía em seu âmago, Aiolia voltou a explicar tudo, agora com um pouquinho mais de detalhes. Bem pouquinho mesmo, alegando que não tinha disposição para dar maiores informações porque teria que repetir a história para Shina. Ou seria atormentado até a morte pela garota.

– Isso se ela não arrancar seu couro antes, por não ter deixado que ela acompanhasse sua trajetória yaoi...

O leonino sorriu de um jeito que sugeria que tinha alguma carta na manga para escapar do iminente massacre, mas nada disse. Preferiu empurrar Milo de volta para os colchões, continuando a usá-lo como travesseiro.

– E você não tá preocupado com a reação dos seus pais, quando souberem, não? – quis saber, ainda muito espantado para se rebelar contra o abuso que sofria.

A voz de Aiolia soou seca:

– A única reação que me importa é a do Aiolos. E ele não tem motivos pra se incomodar, já que tá pegando outro cara também... – fechou os olhos, amenizando o tom ao concluir: – Ah! O Mu disse que meu irmão já sabe... Fiquei só de contar da oficialização e tal, mais tarde.

Apesar de querer se estapear pela pergunta, afinal, conhecia o pior melhor amigo mais do que o suficiente para saber que este a responderia daquela forma, Milo ficou um tanto inconformado. Quer dizer, ele se importava tanto com a reação dos próprios pais...

– Enfim... – começou, fazendo um carinho distraído nos cabelos do leonino. – Eu tenho uma pergunta e exijo que você seja supersincero, como castigo por ter demorado tanto tempo pra me contar as novidades, ok?

Aiolia balbuciou qualquer coisa engrolada que o escorpiano interpretou como uma concordância. Assim, quase que sussurrando, Milo perguntou:

– Você é o seme?

– Sou.

– Sempre?

– Sim, Milo – arqueou uma sobrancelha, desconfiado, sem chegar a abrir os olhos: – Por quê? Você reveza?

– Eu faço as perguntas aqui, ok? – o escorpiano avisou, puxando uma mecha dos cabelos castanho-claros do outro com força. Como o leonino fez um som irônico com a garganta, decidiu perturbá-lo: – Viu, o Mu é um uke dos bons como a Shina supôs uma ve-...? Aw! – exclamou ao levar uma cutucada dolorosa na cintura.

– Hmph, não precisa ficar jogando na minha cara que o Shura pegou o Mu – Aiolia protestou arreliado.

– Nem era isso – fez-se de desentendido. – Por sinal, você tá namorando o ex do cara que tá pegando seu irmão. Não acha estranho?

O leonino teve que concordar. A coisa ficava mais estranha ainda quando se lembrava de que Mu já havia beijado Aiolos. Foi quando Milo sugeriu, brincando, que Aiolia beijasse Shura também, para tudo ficar interligado.

– Nah, espera! Você teria que beijar inclusive o Aiolos, pra fazer a ligação de vez... – o escorpiano divagou. – Seria um... Como o Kanon chamou mesmo? Ah, um AiAicest! Aí, sim, os ovários da Shina explodiriam...

Rezingando qualquer coisa, Aiolia ignorou as loucuras que ouvia e voltou a bocejar. O silêncio que se seguiu quase o fez adormecer de novo. Quase, porque Milo chamou pelo seu nome com um tom de voz ligeiramente apreensivo. Porém, não teve resposta ao questionar ao outro o que este queria.

Na verdade, Milo tinha percebido que diria algo desnecessário assim que chamou o leonino. Pensara em perguntar a razão para Aiolia estar fazendo aquilo, pois, brincadeiras yaois à parte, não esperava que o pior melhor amigo algum dia fosse namorar para valer outro cara; ou especular se aquilo não era um jeito que ele tinha arranjado para afrontar os pais; talvez, ainda, para dizer que Mu era uma pessoa legal e que não seria justo brincar com os sentimentos dele. No entanto, desistiu de fazer qualquer observação. Seriam inúteis, ponderou. Conhecia Aiolia melhor do que isso! Sem contar que não faltariam pessoas, que não o conheciam da mesma forma, para aborrecê-lo com aquelas coisas.

– Nada – o escorpiano sibilou, lembrando-se de outra coisa: – Ah, você disse algo sobre quase ser assassinado mais cedo?

– Foi! É que... Bem... Digamos que o Shion não ficou exatamente feliz com todo o nosso entusiasmo durante o final de semana... Se bem que ele ficou mais tranquilo quando a gente contou sobre o namoro, apesar de não parecer curtir muito ser chamado de cunhadinho...

Os dois continuaram falando bobagens, concordando com comparações absurdas – incluindo, aqui, uma conversa nonsense que envolvia preservativos e Star Wars – e trocando ofensas variadas por um bom tempo. Forçaram os limites da amizade masculina até onde dava, mas sem comprometer a privacidade dos respectivos namorados com intimidades em excesso, vale acrescentar. Em algum ponto, eles ficaram tão quietos que se esqueceram de onde estavam e... Adormeceram.

Foi difícil precisar por quanto tempo cochilaram, diferente do estado de ânimo de Shaka. Era visível que o indiano estava zangado quando os acordou com uma pergunta clara e direta sobre o motivo de estarem matando aula justo naquele dia.

Detesto estragar a soneca de vocês, mas temos um trabalho em grupo importante pra fazer na próxima aula, em quinze minutos, então... Levantem-se agora! – ordenou com severidade. Em seguida, pegou o celular para avisar Camus e os demais que tinha encontrado a dupla de desordeiros. Como o professor exigia o grupo inteiro reunido, estavam todos procurando pelos dois gregos.

– Segunda de manhã é sempre vazio aqui – Milo ainda estava respondendo a pergunta, esfregando os olhos enquanto o pior melhor amigo se espreguiçava ao seu lado. – O Aiolia estava contando do Mu, mas dormir não estava nos planos, droga! O Camus tá bravo?

Shaka fechou os olhos sob a franja dourada e disse que não sabia. A falta de expressão do francês não era exatamente fácil de interpretar. E o que o escorpiano queria dizer sobre Mu?

Milo deu uma olhada de lado para o outro grego. Como este apenas deu de ombros, tratou de informar o virginiano acerca da novidade.

– Que brincadeira é essa? – Shaka inquiriu com descrença após o que ouviu.

– Brincadeira nenhuma, loiro azedo.

Se o escorpiano nunca havia imaginado algo daquele nível acontecendo, mesmo sabendo do primeiro beijo entre Aiolia e Mu, para o indiano, então, a ideia era impossível. Milo quase conseguia sentir as perguntas e observações que não havia feito passarem pela mente de Shaka.

Entretanto, após estreitar os olhos azuis para cima do leonino, de um jeito intimidante digno de Shion, o virginiano simplesmente virou-se de costas para eles e caminhou em direção à saída. Um namoro entre aqueles dois soava como um despropósito, mas...

– Confio no julgamento do Mu.

Julgamento? E quer dizer que de mim você desconfia? – Aiolia quis saber, indignado, seguindo os passos de Shaka junto com Milo. – Aff... – bufou ao não receber resposta. – Estou vendo que vou ter que distribuir senhas, porque a fila de gente doida pra me dar uma surra, por qualquer mal que eu supostamente possa fazer ao Mu, não para de crescer...

– Senhas pra quê? – Milo sorriu para o outro grego. – A gente vai te linchar ao mesmo tempo!

Até tu, Brutus?

– Claro, o Mu é legal!

– Por que ninguém considera a possibilidade de que pode ser ele a me fazer algum mal?

Shaka e Milo se entreolharam.

– Se isso acontecer, com certeza será por culpa sua, e não dele – disse o indiano, com seu clássico ar de enfado quando tinha de lidar com o leonino.

– E aí a gente vai te bater também – o escorpiano arrematou, desviando-se de levar um chute por um triz.

Com isso, Milo e Aiolia saíram em disparada pelos corredores, trocando xingamentos e ignorando o aviso de Shaka para que não fizessem aquilo.

Afastando a franja dos olhos, o virginiano respirou fundo, perguntando-se como Mu lidava com um namorado tão genioso. Então, lembrou-se de Ikki, que não era diferente de Aiolia em vários aspectos. Se ele, Shaka, tendo uma natureza difícil como tinha, conseguia lidar surpreendentemente bem com o oriental, provavelmente o ariano, que era a tranquilidade encarnada, não teria muita dificuldade com o grego.

Era provável que Shaka não ficasse nada contente se soubesse que sua linha de raciocínio tinha coerência... Com algumas ressalvas.

***

Aldebaran estava contente porque imaginava que encontraria quem procurava ao entrar na biblioteca. Seus passos pesados e apressados atraíram um olhar repreensivo da bibliotecária, mas ele abriu um sorriso brilhante de desculpas para ela e seguiu sem diminuir o ritmo. Não se interrompeu nem para cumprimentar Hyoga direito, dando apenas um tapinha sobre as costas do loiro – que estava sempre por ali, ensinando qualquer coisa em russo para um rapazinho que se dizia irmão de Ikki, apesar de não se parecerem quase em nada.

Naturalmente, o brasileiro era amigável demais para não conhecer quase todo mundo que frequentava os mesmos lugares que ele.

No momento, ele estava procurando por Mu. Conseguiu encontrá-lo após alguns corredores de estantes repletas com obras antigas, apoiado numa prateleira com um livro aberto em mãos.

– Mu? – chamou ao perceber que, entre uma piscadela lânguida e outra, o amigo não estava de fato lendo nada. – Mu? – tentou de novo, rindo um pouco ao vê-lo ter um sobressalto, os óculos quase caindo do rosto. – E eu achando que nunca encontraria você dormindo em cima de livros...

O ariano colocou o livro na frente do próprio rosto, abafando um bocejo, com muito sono para se constranger pelo flagra, e ajeitou os óculos.

– Pelos menos senta pra tentar ler, ou vai ficar dormindo em pé?

O olhar desconfortável que Mu lhe dirigiu, diante da sugestão, pareceu indicar que sentar seria uma ideia muito, mais muito ruim.

– Se eu sentar, ehrm, aí que durmo de vez – o tibetano respondeu em voz baixa, franzindo o cenho de leve. Se ele soubesse quem tinha começado com aquela história de que Aiolia era meio selvagem, processaria a pessoa por propaganda enganosa ou algo do tipo. A verdade era que o grego era selvagem e meio, pra dizer o mínimo.

Abençoado fosse o tempo frio e chuvoso que andava fazendo. Tinha tantas marcas arroxeadas quando se levantou pela manhã, naquele dia, que precisou de muitas roupas para conseguir esconder tudo aquilo. O mais bizarro era a constatação de que estava morrendo de sono mesmo tendo passado praticamente o domingo inteiro sobre a cama. Se bem que... Lembrando-se do quanto Aiolia acordou animado logo cedo, não era de se estranhar que estivesse naquele estado deprimente ainda.

– Aquele danado do Aiolia te deu uma canseira, não foi? – Aldebaran perguntou, com uma piscadela cúmplice, como se lesse seus pensamentos.

Assim como nunca tinha visto Mu caindo de sono sobre livros, o brasileiro também nunca o tinha visto tão chocado quanto se mostrou naquele instante. O livro que o ariano carregava até caiu no chão.

– Opa! Foi uma brincadeira, Mu – esclareceu, pegando o livro para o amigo. – É que a gente falou uma vez sobre um adolescente interessado em você... E o que eu mais vejo próximo a você é o Aiolia, que sempre aparece na universidade pra pentelhar... Por isso o comentário, haha!

– Ah... – o ariano balbuciou, respirando fundo ao aceitar o livro. Pelos céus, que susto! Por um instante perturbador lhe ocorrera que o amigo havia visto toda a movimentação que o leonino gostava de fazer sob as mesas. Até perdeu o sono depois dessa! – Bem, pra ser sincero, ele... Ou melhor... Nós... Ehrm...

Nós? Aldebaran não precisou de novas explicações para entender. Começou a rir com gosto de si mesmo. Caramba! Apesar das evidências que juntara para a brincadeira, nem em um milhão de anos teria imaginado, de verdade, que havia alguma relação daquele tipo entre aqueles dois. Não poderiam ser mais diferentes um do outro...

Mu concordou com um menear de cabeça – olhando ao redor como se esperasse que a bibliotecária fosse aparecer estressada por causa da risada estrondosa do amigo – e contou sobre o namoro recente.

– Garoto possessivo, hein? Já até firmou compromisso...

E o ariano soube que o outro comentara aquilo levando em conta seu relacionamento anterior – com Shura. Acontece que o capricorniano e ele nunca chegaram a nomear o que tiveram como um namoro de fato. Foi de tanto os amigos se referirem a eles como namorados que acabaram assimilando os termos, com o tempo. Nunca houve uma conversa específica entre eles sobre isso.

– Bom, longe de mim querer agourar seu namoro ou algo assim – Aldebaran levantou as mãos como quem pede por paz ou compreensão. – Ele é um bom garoto. É provável que seja o maior fã das minhas habilidades culinárias... Ah! Eu morro de rir até da forma como ele me chama de prendado e mimoso, mas...

– É... – Mu comentou baixinho, sabendo que o amigo não concluiria a frase, e colocou o livro de volta na prateleira. Seu olhar vagou pelos títulos nas lombadas dos volumes. Não ia ser simples o tempo todo. Aiolia era difícil. Ele mesmo era difícil ao seu modo. – Mas preciso tentar, não é?

– Claro! – o brasileiro concordou, puxando o amigo para um de seus abraços esmagadores.

Ao ser solto, Mu agradeceu, perguntando se havia alguma razão específica para Aldebaran ter ido falar consigo. Assim, enquanto o amigo pedia sua ajuda para consertar um objeto da namorada que havia quebrado sem querer, ele repassou mentalmente as palavras que havia dito.

Shura o repreenderia, com razão, se o ouvisse dizendo que precisava tentar em vez de afirmar que ia conseguir. Apesar disso, não era nada fácil ter certezas tão profundas quando se tratava de alguém imprevisível, como era o caso.

***

A chave de Aiolos fez um barulhinho previsível ao abrir a porta da casa de Shura, embora ele tenha conseguido entrar de forma razoavelmente silenciosa. A intenção era pegar o espanhol em flagrante, fumando um de seus cigarros proibidos.

E, sim, havia um cinzeiro cheio no chão. Não que o sagitariano tivesse prestado muita atenção no objeto. De jeito nenhum! Estava mais interessado em entender a cena à sua frente, que consistia em Shura sentado no sofá, a cabeça inclinada para trás, no encosto, dormindo na maior tranquilidade... E Máscara da Morte dormindo com a cabeça apoiada sobre uma das coxas do primo.

Ué, estranho e inesperado, Aiolos pensou. Sempre tivera a impressão de que aqueles dois não se davam muito bem. E, no entanto, lá estavam eles, parecendo dois meninos levados e exaustos que brincaram o dia inteiro.

Não teve certeza se foi algum ruído que fez, ou o cheiro de seu perfume, ou somente sua presença, mas, assim que se aproximou por detrás do sofá, o capricorniano abriu os olhos, como se tivesse sido chamado.

Pela janela aberta, era visível que a tarde estava terminando. Máscara da Morte ressonava, alheio ao mundo. Os olhos verde-acinzentados de Shura pareciam escuros quando miraram Aiolos de um jeito intrigado:

– Você andou bebendo?

Oi pra você também, Shura! – cumprimentou, fazendo um beicinho contrariado que respondeu à pergunta do outro por si só. – Fiz apenas um brinde pra felicitar meu irmãozinho!

O espanhol assentiu, lembrando-se de que Aiolia apareceu na saída da universidade e praticamente sequestrou o irmão, dizendo que tinha algo importante para contar.

– A gente ficou conversando perto de um dos bares que tem por lá, daí já viu...

Aiolos sorria culpado, evidenciando as faces coradas pelo álcool. Não parecia ter sido apenas um brinde, constatou Shura. De todo jeito, o sagitariano se debruçou sobre o encosto do sofá, mordendo o lábio avermelhado:

– Sou um irmão ruim por deixar meu irmãozinho menor de idade beber? É que, sei lá, por mais que ele me escute, acho que acabaria fazendo isso escondido, se eu reprovasse... E aí podia acabar se metendo em encrencas... Não que eu tenha muita moral pra reclamar, porque de vez em quando também bebia na idade dele e...

Tendo um feeling de que o outro cairia num dramalhão daqueles, Shura decidiu intervir:

– Eu já te disse que você é incrível – e, como o grego passou a fitá-lo com uma carinha suspeita de quem estava planejando aprontar alguma coisa, emendou: – Por qual motivo brindaram?

– Ele e o Mu estão na-mo-raaan-do! – Aiolos cantarolou, a alegria o impedindo de reparar na expressão pensativa que o espanhol adquiriu. – E eu achei genial! Adoro os dois e taaal...

Shura ficou satisfeito pelo fato de o leonino ter assumido um relacionamento sério com Mu. Não conseguia ver nada em comum entre os dois, mas esperava que desse certo pelo bem do tibetano. E, sobretudo, para preservar a integridade física do leonino... Aiolia tinha sido alertado sobre as consequências de causar algum mal a Mu.

Sua breve reflexão resultou em um arrepio correndo pela sua coluna quando o sagitariano sussurrou em seu ouvido:

– O que há entre nós, Shu-raa?

– Você – umedeceu o lábio inferior – sabe a resposta...

Aiolos tinha se ajoelhado no lugar livre ao lado do espanhol, no sofá, sorrindo divertido:

– E eu devo me preocupar? – perguntou, indicando o italiano com um dedo.

– Não. Por sinal, eu devo me preocupar com a Saori? – o capricorniano retrucou, lembrando-se de que a moça aparecera um dia desses atrás do grego, após uma boa temporada sumida.

– Evidente que não! Mesmo porque, com as cortadas que você deu nela, acho que a coitada vai passar o resto da vida lambendo as feridas...

Shura fez-se de desentendido, uma vez que não guardava remorso nenhum pelo que acontecera – ou fora obrigado a fazer, frente à insistência de Saori. Reparou que tinha uma das mãos apoiada no ombro do primo adormecido sobre a sua perna e olhou com seriedade para Aiolos, reassegurando que este não tinha que se preocupar nem com Máscara da Morte, nem com ninguém.

– Hmm... O Mu foi mesmo o primeiro cara que você beijou? – o grego especulou, pressionando um beijo no pescoço do companheiro. – Nunca teve um affair com o priminho na adolescência?

– Não sabia que era ciumento... – Shura comentou, esboçando um discreto sorriso ao erguer o queixo do outro.

Bem que Aiolos tentou protestar, dizendo que não era ciumento coisíssima nenhuma e que o capricorniano não tinha respondido suas perguntas, mas não deu tempo. A boca de Shura encontrou a sua em um daqueles beijos quentes, fazendo com que notasse a falta de vestígios de nicotina em seu gosto. Ahá! Quer dizer que todos os cigarros no cinzeiro eram de Máscara da Morte!

O sagitariano não tinha bebido muito, porém, foi mais do que o suficiente para que não se incomodasse com a possibilidade do ex-soldado acordar enquanto o espanhol e ele estavam aos beijos. Para ser sincero, tinha até se esquecido de que não estavam sozinhos ao, tomado por uma súbita ousadia, puxar os cabelos de Shura e aprofundar o contato.

Não que o espanhol parecesse se incomodar também, considerando a forma despreocupada como subiu uma das mãos pelo abdômen de Aiolos, levantando a camiseta deste até a altura do tórax no processo.

– Opa! – Máscara da Morte exclamou em algum momento impreciso, ao ser acordado com toda aquela movimentação. – Pornô ao vivo? Eu curto, hein...

A única resposta foi uma risadinha ébria do grego. Não ficou claro se era causada pela pergunta ou pelo fato de que Shura estava mordiscando seu pescoço.

O italiano se levantou do sofá, dividido entre a exasperação por ter sido acordado e o interesse em observar a interação entre aqueles dois, ignorando o rosnado do primo para que caísse fora. Máscara da Morte não tinha o menor pudor em bancar o voyeur, por mais que ainda não estivesse acontecendo nada exagerado ali. Tanto que Shura nem se mostrou disposto a interromper o momento para enxotar o primo – e ele faria isso, sem sombra de dúvidas, se as coisas esquentassem mais.

Não chegou a precisar. Quando Aiolos entreabriu os olhos azulados, exibindo um olhar vidrado entre os cílios escuros, Máscara da Morte perdeu o interesse em permanecer na casa. Aquele olhar tinha feito com que se lembrasse de certo fedelho narcisista e obcecado por rosas.

Bufando com desdém, o italiano se encaminhou para a porta de entrada. Antes de atravessá-la, contudo, ouviu um inconfundível som de zíper abrindo e acabou lançando um último olhar de soslaio para dentro da sala. Shura deslizava os dedos pela franja do grego, puxando a bandana vermelha que este usava para baixo até cobrir-lhe os olhos.

Tarde demais para vendá-lo, Máscara da Morte concluiu ao fechar a porta. Aqueles olhos irritantes tinham feito a exasperação vencer...

Maldito fedelho!

***

Máscara da Morte continuou praguejando maldito fedelho! por um bom tempo, andando a esmo pelas ruas ao sair de casa. Ainda não tinha escurecido e o vento frio parecia contribuir para o aumento de seu aborrecimento. Seu humor andava instável, variando entre a prepotência sarcástica habitual e a impaciência hostil que tendia à violência.

A distração não permitiu que ele reparasse de imediato nas duas garotas que saíram de um ginásio de esportes, caminhando alguns passos à sua frente. Quando as viu, começou a prestar atenção só porque ouviu o nome de Mu enquanto elas conversavam. Recordou-se de que fazia um bom tempo que não azucrinava o cabeludo...

Voltando às meninas, talvez o ex-soldado pudesse relacionar a conversa que elas tinham com a expressão levemente triste – mas conformada – da garota ruiva, ao se despedir da amiga. Não! Ele não era tão atencioso assim. Preferiu ocupar-se com a lembrança de já tê-las visto na companhia de Afrodite, por mais que continuasse sem se lembrar dos seus respectivos nomes... E olha que era comum encontrá-las pelo Meikai também. Droga! Sua memória andava uma bela porcaria desde que começara a ter distúrbios de sono.

A ruiva virou uma esquina e Máscara da Morte se pegou olhando para a outra. Em especial para o pedaço de pele pálida entre as meias que subiam até o início das coxas dela e a saia de pregas curtinha que vestia. Era branquela igual ao sueco narcisista. E, como o fedelho, ela não parecia se incomodar com o clima frio.

Ao menos era o que parecia, até uma lufada de vento forte levantar sua saia por um instante. Aí, ela soltou um palavrão em italiano. Isso causou uma boa gargalhada em Máscara da Morte e fez com que a garota se virasse para trás, irritação estampada no rosto... Que se transformou em surpresa assim que ela o reconheceu.

Você!

Ciao! – ele replicou com sarcasmo, acelerando o passo para alcançá-la. Ver o rosto facilitou lembrar-se do nome dela. Shina. – Legal sua calcinha de bichinhos.

Os olhos dela chisparam aborrecidos na direção dele. Eram de um verde tão claro que davam a estranha impressão de serem feitos de vidro. Shina ruborizou de leve, perguntando se ele tinha algum problema com aquele tipo de roupa e, com isso, o fez rir de novo.

– Pelo contrário, sempre quis pegar uma garota que usasse uma dessas.

– Pois procure outra, colega, porque eu não quero morrer com uma rosa fincada no peito, ok?

Não obstante, ela não se mostrou incomodada por estarem andando lado a lado.

– Por que isso aconteceria? Não tenho mais nada com seu amiguinho bonito.

Primeiro, porque Afrodite era difícil de interpretar, ela explicou. Podia tanto se mostrar indiferente quanto vingativo, independente do fato de não estar mais envolvido com o italiano. Na dúvida, ela preferia manter distância, por mais atraente que o ex-soldado fosse. Segundo e último, sua alma fujoshi preferia que aqueles dois ficassem juntinhos.

– Quer saber? Eu estou chateada com você por ter estragado um yaoi promissor!

– Ora, ele quem não quis mais...

– Aposto todo o meu acervo Boys Love que é por sua culpa... Cansei de te ver com vagabundas diversas no Meikai. Como você pôde? O Afrodite é tão lindo!

Máscara da Morte acendeu um cigarro com displicência e não se incomodou em responder, fazendo com que o coração da ariana vibrasse diante das oportunidades ainda existentes. Certo, aquele italiano parecia maluco e perigoso, porém, Afrodite era evasivo e não ficava atrás em questão de periculosidade.

Bom, não era crime dar uma sondada, certo? Então, Shina passou a fazer aquilo em que era boa de fato: criar suposições. Ela sempre tinha várias para qualquer assunto – qualquer assunto! – e não desanimava nem se fosse ignorada, como naquele caso. O sorriso sempre torto e sarcástico do ex-soldado impossibilitava saber quando tinha feito uma suposição certeira ou quando passava a milhas de distância de acertar.

Na verdade, Máscara da Morte mal a ouvia. No entanto, depois dessa tarde em que trocaram figurinhas, ele não ligou para o suspeito interesse dela em lhe fazer companhia pelo Meikai. Não que ele tivesse algum motivo em especial para aceitá-la ao seu lado, além do tédio e do fato de que ela, virava e mexia, soltava um palavrão em italiano. Ah, e usava aquelas calcinhas de bichinhos também. Ou talvez tivesse um pouco a ver com o jeito como os olhos vítreos dela faiscavam quando reclamava por ele não estar mais saindo com Afrodite. O italiano afirmava para si mesmo que seu conformismo pela companhia da garota nada tinha a ver com o fedelho narcisista.

Enquanto isso, Shina fazia perguntas para entender coisas que o próprio Máscara da Morte não entendia, ou não queria entender, sobre o que tivera com o pisciano. Ele deixava que a ariana pirasse, pensando, entre um devaneio e outro, que seria uma bela aquisição arrancar a cabeça dela para dependurar na parede de seu quarto, pois ficaria melhor assim: de boca fechada. Na prática, ele costumava dar apenas uns beliscões dolorosos nas coxas dela quando ela se atrevia a afanar um de seus cigarros direto de suas mãos. Quando se irritava o bastante para ter ganas de machucá-la de verdade, ele a deixava falando sozinha e ia caçar alguma mulher que usasse calcinhas de renda e... Não conhecesse Afrodite.

Com o passar do tempo, o ex-soldado percebeu que se falasse com a garota em italiano, ela responderia em sua língua natal também. Máscara da Morte continuou desatento ao que a outra dizia, interessando-se somente pela musicalidade das palavras ditas em seu idioma. Sim, coisas que só o tédio faziam por alguém na mesma posição que a dele.

Ali estava uma garota de sangue quente, desbocada quando queria. Não se constrangia em expor sua animação com o precioso yaoi. Demonstrava gostar de falar com Máscara da Morte sobre seu hobby porque, embora não comentasse nada, ele ao menos não reclamava de suas ideias, como seus amigos faziam – em vão. Bem, essa era a justificativa dela para viver falando daquelas coisas com ele. Não que ele tivesse deixado de desconfiar de que havia algo mais por trás da repentina amizade entre eles.

Como Shina falava bastante dos amigos, no início ele pensou que era para preencher o seu silêncio. Mudou de opinião com o passar das vezes em que se encontravam, constatando que ela era um pouco doida – ou muito doida, a depender da perspectiva – e que gostava, realmente, era de tagarelar sobre as impressões que tinha. Sabendo que coisas interessantes poderiam escapar nessas horas, ele até tentou prestar alguma atenção nela com um misto de fastio e impaciência, captando a maioria das coisas que lhe eram ditas pela metade. Muita informação ao mesmo tempo!

Por exemplo, a italiana reclamava do quanto Milo era bobo por ter perdido o maior tempão com preocupações desnecessárias em vez de se pegar logo com Camus. Eles podiam ter começado a namorar muito antes, não fosse pela enrolação do grego. O bom é que estava dando certo do jeitinho que ela imaginara. Pena que o ruivo era super-racional e sério demais para permitir trocas de carinhos na frente dela. Raras vezes, Milo conseguia roubar um selinho dele e aí ela vibrava mesmo que Camus reagisse com leve indiferença, dizendo para o escorpiano se conter. Milo ria e sussurrava para ela que o francês não se continha nadinha ao ficarem a sós, levando a imaginação dela às alturas. Assim, as semanas passavam e o grego ia se tornando mais seguro. Shina sentia-se orgulhosa por ele, nessas ocasiões. O mais importante? Dava para ver que os sentimentos entre eles eram recíprocos.

Outro caso interessante era o de Shaka, que conseguia, por incrível que pareça, ser mais discreto do que o amigo aquariano. Era complicado perceber que ele estava num relacionamento com Ikki. Como o leonino começara a universidade, ela não conseguia vê-los juntos com frequência. Quando via, era Ikki quem demonstrava que havia mais do que uma conturbada amizade entre eles, sempre provocando o indiano aqui e ali. E, óbvio, Shaka replicava com acidez, esquivando-se de toques indevidos com determinação. Discussões entre aqueles dois? Constantes. Preocupada, Shina chegou a perguntar para Ikki, num dia em que este parecia bastante estressado com o loiro, se ele andava pensando em colocar um fim naquela relação. Ikki deu risada, dizendo que não, nem pensar! Era meio desgastante, mas eles conseguiam se resolver sempre. Eles eram maduros a esse ponto, Shina percebeu, gastando um bom tempo de observação para vislumbrar isso nos sorrisos mínimos ou nos toques rápidos que eles trocavam. É! Discretíssimos. Não que Ikki não desse a entender – tudo para provocar o loiro – que eles eram bastante vigorosos na intimidade. Ah! Uma pena ela não poder assisti-los...

– E o que você tem a dizer do meu priminho com o Aiolos? – Máscara da Morte perguntou, diante de um repentino silêncio da garota.

– Diga você – Shina retrucou esperançosa. – Morando com o Shura, você deve saber melhor do que eu. Vivo curiosa com eles! Pra mim, o Aiolos e ele são semes. Sempre que vejo os dois, eu fico tentando imaginar como é... Sem sucesso. É complicado...

O italiano deu de ombros. Há tempos não permanecia em casa se percebia que os dois estavam juntos por lá. Todavia, lembrando-se da época em que ainda ficava, não tinha nada a declarar também. Dava para supor que Shura adorava o sagitariano. Só assim para lidar com tanto drama, não é? Apesar disso, o espanhol não era dado a romantismos. Era meio rude, isto sim.

– São silenciosos – disse apenas. – Nunca ouvi nenhum gemido.

Não contou a Shina, mas podia jurar, algumas vezes, que tinha ouvido o primo chamar Aiolos com um tom ameno que o próprio grego não deveria ter percebido, porque estava sempre dormindo nessas horas. Ou talvez fingisse que dormia. Não dava para afirmar.

A ariana absorveu a informação com a sensação de que deveria ficar constrangida. Não chegou a tanto. Silenciosos, é? Será que Shura amordaçava Aiolos com a bandana deste? Seus olhos reluziram com a perspectiva do dark lemon, mas ela se recuperou rápido. Pensar no sagitariano a levava a pensar em Aiolia. Ela tinha sentimentos conflitantes em relação ao namoro do leonino com Mu.

Uma coisa de ódio e amor. Ódio porque o grego tirara dela a emoção de acompanhar todos os seus percalços yaois ao não lhe contar nada desde o comecinho sobre aquele caso. Aiolia contara quando as coisas já estavam resolvidas, poxa! Pior que Shina nem podia descontar sua frustração no amigo por causa do amor. Nesse quesito, o leonino era o melhor de todos! Não se incomodava em agarrar o tibetano na frente dela, fazendo com que o mais velho arqueasse as costas em direção ao solo para um beijo quase cinematográfico. Mu se constrangia até as raízes do cabelo e dava umas broncas em seu espirituoso namorado – sem sucesso. Isso para não falar nas bolinações que Aiolia fazia nas pernas do ariano sob as mesas! Às vezes, ele colocava uma das mãos de Mu sobre sua coxa também e o mais velho engasgava com a própria saliva. Sim, perspicaz como era, ela percebeu tudo rapidinho. Shina adorava esse casal interessante e promissor.

Okay! Promissor talvez não fosse o termo adequado. Ela ainda não conseguia entender direito como os dois acabaram juntos. E entendia menos ainda como continuavam juntos, fazendo a relação funcionar. Os outros casais tinham algumas coisas em comum – nem que fosse apenas a faixa etária –, mas entre Aiolia e Mu era difícil identificar as similaridades. Personalidades diferentes, gostos diferentes, estavam em fases diferentes da vida... Será que tantas diferenças faziam com que se complementassem num estilo yin-yang? Somando o namoro com o tempo em que só estavam se pegando, Shina sabia que eles estavam juntos há meses. É... Promissor podia ser adequado.

– Eu fico olhando pra todos esses lindos casaizinhos yaois e me pergunto se eles vão chegar num nível tipo Dohko e Shion – exclamou com um suspiro que fez o italiano ao seu lado revirar os olhos. – Eles estão juntos há muito tempo e em perfeita harmonia. São um exemplo e tanto, não acha?

Primeiro, Máscara da Morte a ignorou. Depois, quase riu quando ela comentou que Aiolia e Milo diziam que Dohko e Shion pareciam casados e velhos. Algo como almas velhas. Para sua própria infelicidade, Shina ainda não tinha conseguido convencer o casal a contar detalhes sobre o início do romance e tudo o mais. O libriano até dava a entender que tinha sido um tanto difícil. O tibetano, por sua vez, cruzava os braços, olhando para o namorado como quem diz não sei do que você está falando.

E a italiana seguia assim, falando daquelas coisas que soavam sem sentido, em boa parte do tempo, para o ex-soldado. Sobre Marin, a amiga ruiva, Shina dizia apenas algo sobre ela estar superando Aiolia e não estar interessada em dar chances a outros caras ainda.

– E você no meio disso tudo? – ele perguntou, enfadado, ao reparar que ela não falava de si mesma.

– Ah, tem um tal de Bado que parece uma sombra atrás de mim – Shina respondeu distraída, observando as próprias unhas compridas com interesse. – Na minha cabeça, torço pra ele protagonizar um twincest com o irmão gêmeo. A gente não daria certo, eu acho...

Segundo a ariana, o ideal seria um cara que fosse submisso aos caprichos yaois dela – Máscara da Morte preferiu não saber o que isso queria dizer –, e que fosse forte e viril de modo geral. Até comentou que sua instrutora, Pandora, tinha sorte por ter encontrado alguém assim... Ou quase assim, pois Radamanthys não se interessava por yaoi. Uma pena!

E a garota continuou falando como se escrevesse num diário durante as várias ocasiões em que se esbarraram no Meikai. Entretanto, com exceção das observações que fazia sobre o pisciano consigo, o italiano reparou que ela nunca mencionava como ia a vida de Afrodite ou dos gêmeos. Muito menos mencionava Afrodite com os gêmeos. Máscara da Morte também não se interessava ou permanecia determinado a não ceder em perguntar algo.

Um dia, ela perguntou pela milésima vez se ele sentia falta do pisciano. A resposta era sempre a mesma:

– Considerando o trabalho que tive pra ensinar um monte de coisas a ele? É lógico que sinto falta. Ótimo aluno! Gemia como ninguém...

Mas era uma resposta automática, dita sem pensar, porque o dia em que parou para refletir sobre o assunto, ele concluiu que Afrodite era como os cigarros: um vício que fazia uma falta desgraçada. E, como todo vício, não era bom. Disse isso a ela, com uma súbita vontade de fechar a mão ao redor do pescoço delicado dela até sufocá-la, e não se estendeu com as explicações. Estava com sono.

Shina ficou desolada. Quer dizer que Máscara da Morte sentia falta do pisciano num nível físico que não era o suficiente para que fosse atrás? Uma lástima, pois Afrodite nunca iria atrás do italiano também, orgulhoso como era. Pelo visto, nenhum deles cederia. Pela primeira vez, ela achou que talvez fosse melhor assim... Não! Balançou a cabeça em negação. Nada disso! Já havia passado um bom tempo e aqueles dois nem tinham tentado mais uma única vez. Um absurdo! Um ultraje aos ensinamentos yaois!

Estava na hora de tentarem.

Não que aqueles dois soubessem disso, mas... Até mesmo isso fazia parte...

***

Talvez parte de algo que Afrodite sentia que Kanon estava tramando. O motivo dessa sensação? Simples! Aprendera que Kanon sempre estava conspirando alguma coisa. O difícil era saber o quê. Nessa época, o probleminha pessoal de Saga parecia estar se agravando, de forma que este não podia se concentrar nas excentricidades do gêmeo e, assim, ajudar a desvendar o mistério.

Falando em Saga, era perceptível que estava ficando cada vez mais demorado de este voltar ao normal, se o dark side assumia o controle. E andava superesquecido, como na manhã em que afirmara que o pisciano sentia algo a mais pelo maldito primo de Shura. Ao voltar ao normal, após horas, Saga não se lembrava do que pretendia dizer sobre Máscara da Morte para ajudar Afrodite a pensar na questão. O geminiano o aconselhara a simplesmente assumir para si mesmo como se sentia e a entrar num acordo com o italiano, se quisesse. Afastou-se depois de forma repentina, resmungando coisas que o mais novo não compreendeu.

Convencido de que era melhor assim, Afrodite deixou para lá. Acordo? Improvável.

Desse dia em diante, ficou difícil ver Saga. Só no modo Bad-Saga, mas até isso começou a ficar raro porque parou de ir à Gemini House – como Kanon chamava a casa – e porque Saga quase não ia mais ao Meikai. Assim, Afrodite acabava ficando apenas com o gêmeo mais novo, quando este não estava atrás de seu perturbado irmão, perambulando pelo Meikai.

Voltando ao caso principal, Afrodite não fazia questão de evitar Máscara da Morte, ao menos não conscientemente. Se refletisse, concluiria que não se esbarravam com frequência. Se isso acontecia, o infeliz costumava estar acompanhado por Shina – uma curiosidade sobre a qual o pisciano nunca se deu ao trabalho de questionar nenhum deles.

Era aí que entrava a tramoia de Kanon, com certeza. Demorou até Afrodite reparar no fato de que o geminiano trocava olhares com Shina e não fazia questão de disfarçar. Alguém ia sofrer horrores se fosse envolvido nessa encrenca, Afrodite pensava consigo mesmo nos dias em que se encontrava particularmente venenoso.

No fundo, o pisciano se sentia cansado de tudo. Até de ser admirado! Como podia? Corpo de apenas dezesseis anos, alma de oitocentos. As únicas coisas que jamais o cansavam eram suas preciosas rosas e sua própria aparência, por favor! Uma pena não poder dizer o mesmo de sua mente inquieta. Por que ficava voltando a pensar no italiano maldito? O mundo era amplo e tinha mais a lhe oferecer além daquela criatura detestável. Acontece que poucas coisas lhe pareciam belas de verdade, nos últimos tempos.

Kanon era alguém que continuava belo como sempre, mas tinha aquela tendência a manter centenas de interesses simultâneos em áreas diversas – de cavalos-marinhos à dominação mundial, ele responderia se lhe perguntassem. Devido à sua preocupação com o gêmeo, também, Kanon saía cada vez menos com Afrodite. Tudo bem, o pisciano estava convencido de que sua própria companhia era a melhor que podia existir. Não precisava de mais ninguém. Aí, ele imaginava se um dia começaria a discutir consigo mesmo em voz alta, como já vira Saga fazer mais de uma vez – embora este tivesse outros motivos para isso –, e, receoso, chamava Kanon para irem ao Meikai.

Afrodite percebia, enquanto estavam juntos, que o geminiano não era exatamente pervertido como as pessoas poderiam pensar – Kanon alegava, com solenidade, desconhecer de onde vinha essa fama. Por outro lado, o sueco não discordava de quem considerava Kanon altivo, sarcástico e manipulador.

– Identificando um pouco de você em mim? – o grego perguntou, com seu enviesado sorriso famoso, encurralando o mais novo contra uma árvore perto do lago no Meikai.

E Afrodite exibiu seu enganoso sorriso doce.

Uma pessoa comum teria parado de sorrir ao ver seu ex-só-os-deuses-sabem-o-quê aparecer atrás do seu atual-qualquer-coisa, mas o sorriso do pisciano aumentou, adquirindo nuances de arrogância.

Porra! – Máscara da Morte bradou, o cigarro quase escapando dos lábios, surpreso de verdade por encontrar aqueles dois. Mal se afastara alguns passos da pirralha de olhos de vidro, depois que ela o irritou o suficiente para que contemplasse a ideia de decapitá-la, e dava de cara com seu vício inveterado?

Sem se afastar um milímetro sequer, Kanon olhou por cima do ombro para o recém-chegado:

– Hey, MaMo-chan! Ah, sabem como é – esclareceu, ao ser encarado por dois pares de olhos duvidosos – Máscara da Morte é uma alcunha comprida. Preferi abreviar. O sufixo é cortesia.

– Dar apelidos pra apelidos? Que idiotice – o ex-soldado comentou, sentindo sua irritação aumentar. Não seria uma má ideia descontá-la em qualquer um daqueles dois, ou em ambos.

– Idiotice maior é perder uma beleza dessas – Kanon afagou os cabelos ondulados do pisciano –, não concorda?

Afrodite não pôde se impedir de sorrir envaidecido, porque seu ego era imenso, quando queria mesmo era sair dali o mais depressa possível. Ficar sozinho seria bastante agradável. Curtir seu amor-próprio e tudo o mais que vinha nesse pacote.

Contudo, antes que pudesse se afastar e que Máscara da Morte pudesse retrucar, Kanon avistou alguém se aproximar por trás do italiano e exclamou alegre:

– Shina-town! – e separou-se do sueco com um já volto!, enlaçando a ariana pela cintura e arrastando-a consigo para longe, com passos rápidos.

Abruptamente sozinhos, Máscara da Morte e Afrodite se entreolharam. Kanon e Shina não poderiam ter sido mais óbvios e, ainda assim, tinham conseguido deixá-los naquela situação.

– Bem que eu estava desconfiado... – o italiano resmungou, apagando o cigarro com o coturno.

O pisciano aquiesceu, dando de ombros, e se virou no intuito de se afastar também. Alguém iria pagar por tamanha ousadia, era o que tinha em mente.

– Não tão rápido, Narciso! – disse Máscara da Morte, agarrando o mais novo pelo braço. – Medo de mim?

Ele perguntou aquilo com um sorriso largo e sarcástico, mas sem conseguir esconder por completo o que o mais novo preferiu identificar como sendo, hmm... Nervosismo? Em todo caso, Afrodite lançou um olhar desdenhoso para a mão que o segurava, começando a se sentir ansioso também por, em vez de soltá-lo, o outro puxá-lo para si.

– Desprezo por você – o pisciano explicou, indignado com o próprio corpo por se arrepiar quando o ex-soldado respirou perto de seu ouvido, aspirando o perfume de seus cabelos na maior cara-de-pau.

Whoa, direto no coração! Sou um canceriano sensível, sabia? – inquiriu com o escárnio típico, enlevado com o aroma de rosas do fedelho; o viciado em abstinência que finalmente encontrava sua droga favorita.

Afrodite quase sorriu com descrença. Nem sabia a data de nascimento do outro, que dirá saber o signo! Era provável que estivessem juntos no aniversário dele e nem desconfiou... Enfim, Máscara da Morte se esquecera de que não tinha coração nenhum? Mas o acertaria direto na cara, com a maior boa vontade, se ele não o soltasse de uma vez.

Certo! Era triste admitir que não podia competir com um ex-soldado treinado, de modo que tudo o que conseguiu, ao tentar se mexer, foi ser agarrado com mais força e ficar preso entre os braços do outro, de costas para este.

– Pretende me estuprar, por acaso?

– Aposto que você gostaria disso, pra ter um motivo concreto pra me odiar... Estou errado? – o italiano brincou, a voz transbordando uma diversão genuína, e empurrou os joelhos contra a parte de trás dos joelhos do mais novo, forçando-o a se abaixar junto consigo sobre a grama.

– Você não vale meu ódio – Afrodite replicou, sem tentar escapar de novo. Seu esforço seria inútil e poderia resultar em marcas indesejadas sobre sua pele. – Agora, motivos pra te desprezar? Eu tenho vários... Posso até enumerar, se quiser...

Máscara da Morte bufou. Aquelas palavras não faziam o menor sentido. O fedelho partira reclamando tanto que não tinha sua exclusividade e fez o quê? Foi se pegar com outros que também não se devotavam somente a ele! Qual era a grande diferença entre os gêmeos e ele que fazia com que Afrodite se incomodasse mais consigo do que com os outros dois?

O pisciano estalou a língua em desagrado e não respondeu.

– E outra coisa – o italiano prosseguiu, soltando o mais novo para se deitar de costas na grama, os braços cruzados sob a cabeça enquanto olhava para o céu escuro sem interesse –, você sempre garantiu gostar da ideia de sexo sem compromisso ou significado, desde que fosse ótimo.

– É verdade – Afrodite anuiu, permanecendo sentado ao lado do italiano. Se quisesse, poderia ter aproveitado a abertura para se levantar e sair dali, mas sentia-se desgastado para qualquer ação do tipo.

– Tá precisando de frescuras como emoções e significados?

– E se estiver? – perguntou com um sorrisinho debochado, sem a menor confiança naquela conversa cheia de blefes.

Mulherzinha...

– Me poupe! O que você quer?

O italiano sorriu todo libertino. Afrodite ponderou a sugestão de Saga por um minuto, mas acabou franzindo o cenho com descaso, declarando que o mais velho não merecia nada senão a sua indiferença.

– Nunca mais? – Máscara da Morte questionou com falsa surpresa, sem saber precisar em que ponto sua irritação se dissipara.

Num movimento ágil, Afrodite se pôs de pé, espanando algumas folhas de cima das suas roupas. Em silêncio, jogou os cabelos para trás do ombro num gesto elegante e altivo. Não respondeu nem sim, nem não.

Como consequência das atitudes do pisciano, Máscara da Morte concluiu que não importava o quanto Shina exaltasse o quão legal era namorar, tomando como exemplo os amigos que tinha. Dava dor de cabeça se envolver com pirralhos problemáticos, fato.

Mas não foi de todo ruim ser deixado para trás depois da piscadela fascinante e totalmente ambígua que Afrodite lhe concedeu, deixando as possibilidades soltas pelo ar.

***

Para Mu era sempre fascinante observar Aiolia tocar algum instrumento musical, porque este se entregava à música de formas diferentes, dependendo do instrumento que escolhia.

Na bateria, o rapaz transbordava energia, dando para notar de longe o quanto se animava. Na guitarra, mostrava-se mais concentrado, talvez por não ser seu instrumento principal. E havia o piano. Era neste que a alma inquieta do leonino parecia se tranquilizar, embora fosse o que ele menos passasse tempo tocando. Fazia um muxoxo quando se atrapalhava com sequências complexas muito rápidas, balançava a cabeça e logo parava de tocar, dizendo que o piano era para as mãos talentosas de Aiolos.

A questão era que, independente do instrumento que o mais novo estivesse tocando, começava a ser possível, para o ariano, identificar o humor dele pela forma como se dedicava à canção escolhida.

– Será que se eu não tivesse brigado com meu professor de piano, quando era criança, eu seria um pianista excelente hoje? – Aiolia perguntou, quase como se pensasse alto, deslizando os dedos por todas teclas do piano em um único movimento.

– Não podemos saber – o tibetano respondeu, sentado ao lado do mais novo na banqueta extra em frente ao instrumento –, mas, creio eu, não seria o baterista fantástico que é.

Porque, como sabia, a mãe de Aiolia havia tido aquela ideia de bateria por causa da briga com o professor de piano. A lembrança o levou de volta para aquele dia, sete ou oito anos antes, quando o grego havia brigado consigo também. A época difícil em que não sabia lidar com tantas malcriações.

– Hey, vamos lá pra garagem – Aiolia indicou ao mesmo tempo em que puxou o ariano pela mão. Parecia adivinhar o que o mais velho estava pensando por seus próprios pensamentos terem seguido igual rumo. – Vou tocar uma música do Bruce Dickinson que acho que você vai se identificar.

Um tanto ensimesmado, Mu viu o leonino se posicionar diante da bateria e preparar o play along que queria pelo celular. Sua mente ainda estava rememorando o passado. Quando a música começou e ele parou para prestar atenção, traduzindo a letra na cabeça sem pensar, tornou-se impossível não continuar contemplando as memórias dos últimos anos com Aiolia. Ora, a música resumia a grande constante de tudo ao falar sobre mudança de atitude.

Você, você está indo embora
Você não pôde ficar, você precisa de uma mudança de atitude

Mu perdera as contas de quantas vezes e de quais formas o grego mudara ao longo do tempo. Não que mudar fosse ruim. Várias mudanças haviam sido boas. E não era como se o próprio ariano não tivesse mudado também. O drama todo se desenrolara pela frequência de tantas mudanças somadas à imprevisibilidade de Aiolia. E daí vinha a questão eterna: o que poderia ser mais tenso do que nunca saber o que esperar?

Por toda minha vida eu estive esperando por um momento
Que nunca veio, talvez nunca virá
Ah, algumas vezes eu não sei de nada
Aqueles dias se foram…

Nossa, era uma trilha sonora e tanto, Mu percebeu enquanto pensava que não era fácil o que estava vivendo.

As diferenças que todo mundo via, inclusive eles mesmos, estavam sempre lá com significados diversos. Apesar de ter suas inseguranças, Mu procurava não se deter nelas. Estava apaixonado e disposto a relevar, contornar e aceitar diversas coisas – por mais que tivesse amadurecido bastante, o leonino ainda era um adolescente impetuoso, precisava ter isso em mente – para que o namoro funcionasse. Aiolia tinha certa dificuldade nisso – esquecer-se de que o tibetano era um adulto responsável acontecia direto –, mas seguia mudando suas atitudes positivamente e fazendo funcionar do seu próprio jeito.

Entre breves desentendimentos e vários ajustes, os dois estavam se saindo bem até demais naquilo de namorar.

E eu sei, onde quer que você vá, eu estarei por perto…

Teve um dia em que Kanon disse que, por serem os primeiros meses, eles estavam na lua de mel do namoro. Era verdade. Uma verdade tão grande que Mu se pegou pensando se Aiolia entendia que namorar não era fazer sexo. Era o que eles mais faziam juntos – tirando todo o atraso daquela sua resistência, o mais novo se justificava.

Todavia, quando Mu começou a contemplar pensamentos filosóficos sobre o que acontecia na ficção depois do viveram felizes para sempre, o mais novo o trouxe de volta à realidade com um de seus abraços reconfortantes, soltando a risadinha que o ariano adorava, como se soubesse que o outro estava se preocupando à toa. Sempre era muito tempo.

Ah, o abraço de Aiolia era o melhor do mundo! Não, não tinha nada a ver com seus sentimentos pelo rapaz. Já considerava o abraço do outro reconfortante antes de sequer sonhar que um dia se envolveriam daquela forma. É como se tivesse propriedades curativas, Aiolos brincava ao comentar um dos motivos para viver abraçando o irmão. Falando assim, soava exagerado, mas Mu se via concordando com o cunhado cada dia mais, conforme convivia com o leonino.

Eu preciso muito do seu amor
Mudança de atitude...

Os últimos acordes da música soaram. Aiolia se levantou, deixando as baquetas sobre a caixa da bateria, e aproximou-se do ariano com a expressão mais inocente do mundo, dando a clara impressão de que tinha alguma coisa planejada.

Change of Heart, como deu pra notar pelo refrão. Que tal?

– Fez tudo o que aconteceu entre nós passar diante dos meus olhos – e o que estava acontecendo também, Mu pensou, mas soava menos estranho falar no passado. O mais novo não precisava de outra mudança de atitude, como a música sugeria, por enquanto.

Imaginando que não seria sensato perguntar se aquilo era bom ou ruim, Aiolia ficou quieto. Sabia que a balança, na maior parte das vezes, penderia para o lado negativo. Preferiu rodear a cintura do tibetano com os braços e estalar um beijo sobre os lábios deste.

– No que está pensando? – Mu perguntou baixinho, envolvendo-o pelo pescoço.

– Se sou tão imprevisível quanto você e todo mundo diz.

– Acho que é ainda mais do que imaginamos...

Aiolia desviou o olhar para cima, mordendo o lábio inferior de leve. De repente, declarou animado:

– Mu, tenho um presente pra você!

– Oh, céus – o mais velho replicou automaticamente, os olhos esverdeados arregalando-se ao se lembrar do presente anterior que ganhara: Regulus, que, diga-se de passagem, estava cada vez mais atentado, para o desespero maior de Shion.

– Que cara é essa? Aposto que imaginou que é outro gato – o leonino sorriu vitorioso. – E diz que não consegue prever nada sobre mim...

Mu explicou que não era assim que funcionava. Suas primeiras hipóteses sobre qualquer coisa relacionada ao grego eram sempre as mais óbvias. Porém, ele acabava por descartá-las na tentativa de imaginar coisas improváveis. O resultado era que, óbvias ou improváveis, ele nunca acertava nada.

– Você me diz presente e eu penso primeiro em gatos pela experiência com o Regulus, mas você poderia vir com qualquer coisa inimaginável pra mim...

– Bom, dessa vez você acertou. Vê? Acho que você só precisa de prática em Aiolialices.

O sorriso do ariano foi um pouco duvidoso antes de acatar a ideia e ser beijado com força e exigência. Era melhor deixar as preocupações além de seu controle de lado e aproveitar o que estava vivendo. O tempo mostraria se tudo daria certo e, por consequência, se ele conseguiria prática, como o mais novo supôs, em compreendê-lo melhor.

– Espera! – Mu deu um passo para trás, interrompendo o beijo. – Você vai mesmo me dar outro gato?

Aiolia exibiu seu sorriso predador, puxando-o de volta para si, e piscou um olho azul-esverdeado:

– Quem sabe?

Fim...


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Notas finais do capítulo

E é isso. Foram dois anos e oito meses de Change of Heart, umas 170 mil palavras. Mas é claro que ainda vai ter um EPÍLOGO, porque eu não resisto! :D Ele já está pronto, está indo pra fase de revisão, e é pequeno. Independente dele, eu sei que esse final não ficou com muita cara de final, mas eu preferi deixar algumas possibilidades em aberto, sabem? ;3

Enfim, o capítulo já foi muito longo, então, vou deixar pra falar o que quero dizer de fato nas notas do epílogo, ok?

Meus agradecimentos para Kass, HitoriDe, MilaScorpions, Sweet Selene, Juniper Cronos, Angel Ártemis, G Rodrigues, reneev, Juliabelas, Amanda, Italo calixto, Orphelin, Suh, lekitcha, delencei, sam chan, katsu, SweetTangerine, Sakykah, arianinha e Svanhild! S2

Agradecimentos superespeciais para MilaScorpions e G Rodrigues que foram muito, mais muito amor e recomendaram a fic lindamente! S2

Ah, leitores-fantasmas e leitores novos são sempre bem-vindos, viu?

Que tal esse final? Eu estou nervosa, haha -q