Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 28
Delicate


Notas iniciais do capítulo

Dessa vez acho que foi rápido. Reescrevi menos 8D
Obrigada ao Orphelin, o carneiro-beta temperamental, pela revisão s2
Fanart por はんな



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Capítulo XXVIII

Nós podemos nos beijar quando estivermos sozinhos,
quando ninguém estiver olhando.
Nós podemos ficar juntos em casa,
quando ninguém estiver por perto.
Não é que estejamos com medo,
é que simplesmente isso é delicado
Delicate - Damien Rice

Quando Aiolia lhe propusera que parasse de se preocupar e se deixasse levar, como fizera na festa, Mu achou que ele queria dizer só mais uma vez. No entanto, não estava sendo assim.

Na manhã que se seguiu ao encontro na confeitaria, Mu acordou surpreso consigo mesmo. Não se sentia culpado e apreensivo. Na verdade, envolvido por aquela sensação tão boa, sentia-se tranquilo.

Ou, pelo menos, foi desse jeito até Aiolia aparecer logo cedo em sua casa, aéreo e sonolento; os cabelos levemente úmidos pelo banho matinal; esfregando os olhos entre uma piscadela lânguida e outra a fim de espantar a letargia; e – pelos céus, que lindo! – exibindo aquele sorriso arrebatador que insinuava a risada que Mu gostava tanto de ouvir.

O ariano mal tinha fechado a porta quando Aiolia levou uma das mãos ao seu queixo e lhe deu um beijo estranhamente suave, sem a impaciência típica. Com certeza por causa do sono. Era muito cedo. Shion saíra para trabalhar cinco minutos antes e Mu faria o mesmo em menos de meia hora – mas não chegou a questionar como Aiolia sabia que estaria sozinho naquele curto espaço de tempo.

– Ahn, você não deveria estar no colégio uma hora dessas? – Mu perguntou, distanciando-se com esforço. Olhar para o uniforme que o leonino usava foi o que abalou um pouco sua tranquilidade. Ele era um colegial ainda.

Aiolia anuiu, sem o menor sinal de culpa por estar matando a primeira aula. Afinal, justificou, estaria dormindo sobre a carteira àquela hora. Assim, parecia muito melhor aproveitar aquele tempo de outra forma.

– Quer que eu tire? – sugeriu, esboçando seu sorrisinho torto, adivinhando o que se passava na cabeça do ariano pela forma apreensiva como este olhava para seu uniforme.

– Quê? – Mu replicou atrasado, pois o grego já tinha tirado a jaqueta e se preparava para arrancar a camiseta também. – Não, não! – insistiu rapidamente, tratando de ajeitar a barra da camiseta daquele inconsequente de volta ao lugar.

– Ué, você já me viu sem camisa, Mu! Tem algo de errado com meu corpo?

– Não, é que...

O tibetano ficou pensativo, distraindo-se ao deslizar a ponta do dedo indicador por aquele abdômen delineado pela prática constante de esportes. Ah, seria tão mais fácil se Aiolia tivesse uma aparência bem mais infantil, ou se suas idades fossem mais próximas. Poxa! Nunca teria se atraído e se enfiado naquela situação complexa se o rapaz não fosse tão desenvolvido e sexy daquele jeito.

– Ah! – fez Mu, constrangendo-se ao perceber o que fazia quando esbarrou o dedo no cós da calça do grego. – Ehrm... – balbuciou, saindo de perto o mais rápido que pôde.

Não foi ágil o bastante, claro! Aiolia o envolveu entre os braços, rindo baixinho enquanto beijava-lhe o pescoço com bastante entusiasmo. Toda a sonolência desaparecera em um instante. Foi aí que Mu se lembrou de que ainda não tinha passado o creme para cobrir as marcas que restavam. E, é óbvio, o leonino não perdeu tempo ao renová-las, alternando a pressão da língua ansiosa com mordidas sobre sua pele sensível.

Mu suprimiu um gemido que não seria exatamente de dor e encostou as mãos no rosto do mais novo, levantando-o. Tentou ler as intenções impressas naqueles olhos claros, mas não conseguiu. Sentiu-se um pouco apreensivo por isso, mas foi muito pouco, porque o grego tratou de distraí-lo com novos beijos, que se estenderam até o seu horário limite para sair, isto é, se não quisesse se atrasar para o estágio.

E esse foi o estilo de Aiolia naqueles primeiros dias, despreocupado e atrevido, assediando Mu a qualquer hora e em qualquer lugar que pudesse – fosse distribuindo seus beijos mais suaves pela manhã, na casa do ariano; seus beijos rápidos à tarde, na universidade, quando aparecia mais cedo do que o usual para encontrar o irmão; e, inclusive, seus beijos ardentes no início da noite, em sua própria casa, quando Mu aparecia por lá com Aiolos e este entrava no banho. Às vezes, as três situações aconteciam até mesmo durante um único dia.

Mesmo que não tivesse jeito de ficarem a sós em algum canto mais deserto, Aiolia sempre conseguia assediá-lo de alguma forma. Mu até tentava não ceder aos pretextos que o mais novo arrumava para encontrá-lo coincidentemente pelos lugares, mas, quando percebia, lá estava ele compactuando para que pudessem ficar um tempinho a mais que fosse juntos.

Porque a adrenalina e a emoção pelo fato de ser escondido conseguia ser preocupante e estimulante ao mesmo tempo. Se bem que era mais fácil do que na festa, que era cheia de gente e com poucas opções para se esconderem. De qualquer forma...

Algumas vezes, Mu queria perguntar ao mais novo se este havia encontrado alguma resposta para toda aquela conversa que tiveram na confeitaria. Ou se, no mínimo, ponderava sobre aquele assunto. Porém, Aiolia era tão bom em entretê-lo que, quando o ariano se lembrava de questioná-lo, era sempre tarde demais, pois tinham ido cada um para seu lado outra vez.

O que você quer?, o tibetano acabava murmurando a dúvida para o ar. Seu próprio coração, nessa hora, acelerava um pouquinho, como se quisesse responder, mas tudo acabava silenciado por sua mente racional.

O problema, Mu não demorou a intuir, é que a vida podia ser bastante irracional.

***

Para Milo nada, e nem ninguém, era capaz de ser mais irracional do que Shina. Ela iria enlouquecê-lo um dia com aquelas ideias sinistras de lemon. Ele ali, pensando em como resolver as coisas com Camus, e ela lá, desenrolando uma lista de dicas para os finalmentes, convencida de que toda sua vasta bagagem cultural yaoi – adquirida através de doujinshis, fanfics e animes diversos –, lhe permitiam falar sobre o assunto com propriedade. Assustadora!

No momento, Milo corria sem direção pelo colégio, as mãos tapando os ouvidos, amaldiçoando o pior melhor amigo por não estar consigo na hora em que a italiana maluca começou a falar aquelas sandices – em detalhes! – na sala de aula mesmo.

A força de seus protestos mentais deve ter sido grande, pois, de repente, ele trombou em Aiolia e os dois foram ao chão com tudo.

– Desgraçado! – Milo esbravejou, erguendo-se apenas o suficiente para apertar a gola da camiseta alheia. – Por que é que você não chega mais na primeira aula? Eu mal acordo e tenho que ouvir a Shina falar daquelas coisas e...

O leonino ficou olhando para ele, confuso diante das palavras desconexas que vieram em seguida, como qualquer coisa incluindo lemon, dedos e pontos obscuros.

– Respira, Milo! – ordenou, esparramado no chão com o escorpiano sentado sobre sua pélvis. – E levanta daí antes que a Shina apareça e ache que estamos praticando...

– Gah! – fez Milo, levantando-se num salto ao se dar conta da situação.

Não satisfeito com a chateação do outro grego, Aiolia levantou-se também e começou a rir, dizendo que tudo se resolveria se o escorpiano se conformasse de uma vez com a condição de uke:

– Aí, eu pegaria você e a Shina ia parar com essa história de lemon... – concluiu, dando de ombros. – Você é uma droga de seme mesmo!

Naturalmente, Milo ficou ofendidíssimo. Sobretudo, quando Aiolia jogou o óbvio em sua cara:

– Você nem precisaria correr atrás do Camus, tentando conquistar e tal. Ele mesmo deixou claro que tá interessado, não? Bastava você chegar de uma vez, como um seme que se preze, e pronto!

– Se fosse simples assim... – o escorpiano resmungou, cruzando os braços, todo contrariado.

– Aff... – Aiolia bufou inconformado. Como se não bastasse Mu, cheio de neuras, lhe dizendo aquilo, agora tinha que lidar com o pior melhor amigo complicando as coisas do mesmo jeito? – Hey, olha quem vem aí...

Milo olhou para o final do corredor e remexeu-se desconfortável diante da aproximação de um circunspecto Camus.

O francês fitou a dupla por alguns instantes, com aquele seu interesse de sempre, para depois dirigir-se ao escorpiano, explicando, com o menor número de palavras possíveis, que havia sido incumbido de localizá-lo pela professora.

– Você saiu correndo no meio da aula. Ela achou que você estava passando mal.

Milo não considerou oportuno explicar o motivo de seu rompante. Somente encolheu os ombros, informando que tudo ia bem. Olhando ao redor, ficou claro que estavam muito distantes da classe, não era à toa que o ruivo demorara a encontrá-lo.

Foi então que Aiolia, o insolente, resolveu perguntar a Camus – com seu sorriso mais charmoso – se eles poderiam dar uma volta qualquer dia desses, caso o francês se cansasse da lerdeza colossal do escorpiano.

O quê? – Milo indignou-se, mas ninguém se importou.

Camus piscou lentamente, olhando para o leonino com atenção. Ele certamente não tinha levado aquela proposta a sério, mas o mero esboço de sorriso que se formou em seus lábios, antes que se virasse para voltar à sala de aula, foi o suficiente para Milo querer encher o outro grego de porradas.

Whoa, acho que tenho alguma chance, hein, Tortinha de Maçã? – Aiolia ainda provocou, pronto para se desviar de algum eventual golpe.

Contudo, toda a irritação do escorpiano desapareceu de súbito, dando lugar a uma chateação visível e alarmante:

– Como você consegue?

– Credo, Milo, era brincadeira! O Camus fez aquele fantasma-de-sorriso porque entendeu que eu só quis te alfinetar, pra ver se você reage...

– Eu sei – replicou inexpressivo. – O que eu quero saber é como você consegue encarar essas coisas com tanta naturalidade?

Chegava a ser espantosa a forma como Aiolia não se incomodava nem ficava vagamente preocupado com nada daquilo. Tinha dado um selinho em Shaka e beijado Mu por vontade própria e sequer tivera alguma crise com sua orientação sexual. Não dava a mínima para as bestagens de Shina, chegando até a deixá-la mais maníaca ao flertar com alguns daqueles prováveis ukes – e, muito menos, importava-se com o que eles imaginariam ou poderiam comentar a seu respeito.

– Hmm... – fez Aiolia, mordendo o lábio inferior. – Sei lá! Você sabe que sou impulsivo, que não fico pensando nas consequências antes de agir. É aquilo que o Kanon diz sobre a vida ser muito curta e tal. Se eu for ficar me preocupando igual a você e o... ahn, digo, se eu fosse ficar nessas neuras aí, não conseguiria fazer nada.

– Acho incrível como você não se preocupa nem depois...

Claro que não ficava pensando depois, Aiolia refletiu. Aliás, até ficava ruminando irritação, como já fizera por causa de Mu, mas se as coisas estavam feitas, então, de que adiantaria se encher de preocupações? Apenas Marin era um caso à parte, embora não estivesse acostumado a pensar muito nisso também.

Por sinal e em sua opinião, era o comportamento de Milo a única coisa que surpreendia. O escorpiano parecia sempre tão alegre e despreocupado, cheio de ideias doidas na cabeça, até mesmo supersafadinho com a ala feminina do colégio... Quando, na verdade, era bastante preocupado e responsável em seguir suas próprias regrinhas e convenções pessoais.

– Desencana, Milo! Você não falou que vai estudar com o Camus no sábado? Então, aproveita! – incentivou, dando tapinhas nas costas do escorpiano enquanto começava a andar rumo à classe. – Eu faria isso se conseguisse arrastar um uke bonitinho pro meio das árvores no Meikai...

– É mesmo? – Milo especulou, sua seriedade se dissipando em risos. – Qual deles?

– Lógico que o melhor... – Aiolia simplesmente alegou, convicto de que não diria nome nenhum mesmo sob os protestos mais ferrenhos do outro.

No entanto, aquilo não aconteceu, pois o escorpiano parou de andar e arregalou os olhos muito azuis como se tivesse acabado de descobrir o fogo:

– Sou tão estúpido!

– Concordo.

Quieto! Ele ainda não deve ter chegado lá na classe, né? – Milo questionou, mas não ficou para ouvir uma confirmação, visto que saiu em disparada pelos corredores a fim de interceptar o seu alvo.

Aiolia revirou os olhos e continuou caminhando sem pressa rumo à segunda aula, bocejando e se espreguiçando.

Camus se encontrava um pouco longe da classe quando Milo passou derrapando ao seu lado. O grego parou e voltou até ficar frente a frente com o outro, a franja loira toda bagunçada por causa da corrida, mas o fôlego de atleta o impedindo de arquejar.

– Que vontade de te dar um soco, Camus!

– ...

– Eu tinha tudo certinho, sabia o que ia fazer e tal, aquele dia na biblioteca, okay? – Milo começou, falando rápido, mas não baixo como seria prudente. – Aí, você me veio com aquela cortada inesperada...

Sem dúvidas, o escorpiano começava a se exaltar, Camus avaliou. Relanceou o olhar ao redor e se deparou com muitos alunos saindo das salas, naquele curto espaço de tempo entre a primeira e a segunda aula. Concluiu que não era uma boa ideia conversarem naquele lugar.

– Vamos à biblioteca, Milo – indicou impassível, seguindo para o destino escolhido sem esperar uma aquiescência.

Pronto, agora queria dar dois socos no aquariano. Todavia, o seguiu penteando a franja com os dedos e reclamando. Não queria ir à maldita biblioteca. Tirando o Meikai, era o lugar em que mais ficara ao lado de Camus. Entretanto, nunca era do jeito que queria. Pelo contrário, geralmente se desentendiam em um nível esquisito que não conseguia definir.

– Prossiga – Camus pediu ao chegarem às estantes mais distantes, mesmo que a única pessoa no lugar fosse a bibliotecária.

Milo olhou feio para ele. Já falara o que queria. O francês o fizera travar com toda aquela segurança que tinha porque o pegara de surpresa. Ponto final.

– Eu disse que quero tudo de volta, mas não quero conversar agora! – garantiu, trazendo o ruivo para si pela cintura. – Ah! E nem venha me dizer que não tenho o direito de te agarrar quando eu quiser – Milo fez questão de enfatizar, aproximando-se mais – porque é inútil!

Camus entreabriu os lábios, num suspiro enfastiado, como se tentasse entender algo:

– Você-...

– Se perguntar se tenho certeza, vou te dar tanta porrada que nem sua mãe vai te reconhecer depois...

– Você – o aquariano recomeçou, sem se incomodar com a ameaça, passando os braços ao redor do pescoço do loiro – continua falando sem parar...

– Oh, droga! – Milo ainda praguejou, antes de finalmente beijá-lo.

Nem parecia que tinha passado tanto tempo desde a vez em que beijara o ruivo no Meikai. A única diferença era a falta do gosto etílico. Fora isso, os lábios de Camus continuavam tão macios e seus beijos tão arrebatadores quanto Milo lembrava.

***

Beijos arrebatadores andavam muito constantes na vida de Mu. Porém, conforme os dias foram se transformando em semanas, ele sentiu que a apreensão que viera evitando deixar fluir, a pedido do leonino, começava a sussurrar novos problemas em seus ouvidos.

Como se não bastasse ser um adolescente, Aiolia era daqueles bem cheios de vigor e hormônios fervorosos. Seus toques ficavam mais ousados, os beijos mais exigentes... Nossa! Estava mais difícil, a cada novo dia, controlar as mãos do grego.

Mas, enfim, tinha concordado em não ficar refletindo sobre aquelas coisas, recordou, voltando a si quando a risada contagiante de Aldebaran se fez ouvir. O amigo estava sentado à mesa de uma das cantinas da universidade, dobrando-se de tanto rir enquanto conversava com Aiolia – quem, naturalmente, não foi nenhuma surpresa encontrar por ali.

– O que é tão engraçado? – Mu indagou, aproximando-se da mesa e olhando de soslaio para o leonino, depois de se sentar ao lado deste.

E, estranhamente, quase podia jurar que Aiolia sabia que andara raciocinando demais antes de chegar. Alguma coisa no olhar desconfiado que o mais novo lhe lançou, tão logo o viu, o deixou com aquela sensação.

Estranhamento à parte, foi o próprio leonino a responder a pergunta:

– É que, a partir de hoje, as mulheres da Grécia entrarão em luto, Mu – despreocupado, Aiolia espaçou as pernas um pouco, até que a lateral de sua coxa se encostasse à do mais velho. – Deba resolveu se amarrar a uma mulher só!

Enquanto ouvia a novidade, Mu torcia uma mecha de cabelo, evitando olhar para o amigo brasileiro, mesmo que este não tivesse como perceber nada graças à mesa que escondia qualquer movimentação mais suspeita.

– Chega uma hora que a gente cansa de tanta agitação, de ficar paquerando à toa, garoto! – Aldebaran confidenciou, rindo daquela indignação. Sempre tinha vontade de apertar as bochechas de jovenzinhos cheios de ideias tortas como Aiolia.

– Não acha mais as outras gostosas, é?

– Pelo contrário, continuo achando muitas gatinhas por aí, mas é só isso. É apenas achar bonito aquilo que vejo na hora e mais nada. Quero mesmo é estar ao lado da garota que me faz sentir completo. Entende?

– Sinceramente? – Aiolia replicou, com uma expressão que indicava um não gigantesco.

– Ah, é que você é muito novo. Uma hora vai encontrar uma pessoa que desestabilizará suas estruturas, aí me compreenderá.

Aiolia revirou os olhos. Aquelas palavras ecoaram como uma maldição em seu cérebro.

– Bom, se acontecer, sei quem foi que rogou a praga!

O brasileiro voltou a gargalhar com gosto enquanto o leonino balançava a cabeça negativamente.

– Fico feliz por você, Aldebaran – Mu felicitou com franqueza, prendendo e soltando rapidamente a respiração quando sentiu que Aiolia apertava sua coxa. – Hmm... – murmurou em seguida, tenso, antes que o amigo resolvesse fazer alguma especulação sobre sua vida amorosa. Beliscou o pulso do grego e inquiriu como quem não quer nada: – E você, o que faz aqui tão cedo?

Aiolia desvencilhou-se do aperto e tornou a apoiar a mão sobre a perna do tibetano na maior tranquilidade, uma vez que a cantina permanecia quase vazia naquele horário e que ninguém conseguiria ver nada. Se lhe perguntassem, diria que mesas estavam entre as melhores invenções da humanidade.

– O Shura resolveu me dar uma aula extra de esgrima hoje.

E os três continuaram conversando pelos próximos minutos. Mu o tempo todo tenso com a possibilidade de o brasileiro ou qualquer outra pessoa, que passasse por lá, desconfiar de sua situação. Aiolia tinha abdicado de sua coxa, mas deslocara a mão para suas costas, quase no fim da coluna, lá deixando ela quietinha, apenas emanando calor – o que era mais que o suficiente para deixar o ariano apreensivo.

– Opa, tá na hora! – o leonino exclamou, olhando o horário no celular. – Vejo vocês na saída... – deu uma última apalpada na perna alheia e saiu rapidamente rumo à área de esportes.

Mu apoiou o queixo sobre uma das mãos e o acompanhou com o olhar, expirando o ar com força.

– Fase complicada, né? – Aldebaran comentou. Continuava achando graça da indignação do grego sobre sua decisão de relacionar-se seriamente com alguém.

– Nem me fale... – o ariano murmurou sem refletir.

– O que há? Algum adolescente interessado em você?

Mu arregalou os olhou, corando com a possibilidade de ter deixado aquilo tão evidente.

– Acertei, pelo visto! Mas que cara é essa, Mu? Essas coisas acontecem direto, digo, de adolescentes se interessarem por pessoas da nossa idade ou mais velhas até.

– Você não acha estranho?

– Nem um pouco. Aconteceu bastante comigo nessa fase. Não se preocupe, o encanto passa rápido.

– Eh... – murmurou, tentando não demonstrar desapontamento. Aquilo era verdade, afinal.

Aldebaran, todavia, notou seu desconforto, porque tratou de acrescentar, logo em seguida, num tom mais sério:

– Agora, a história muda se você também estiver interessado...

Mu suspirou cansado, forçando um sorriso mínimo para o amigo. Sentia-se tão encrencado.

***

No fundo, Aiolos pressentia que encrenca era uma palavra que servia para definir o que estava prestes a acontecer. Não que costumasse ter pressentimentos, mas os poucos que tivera na vida sempre se confirmaram.

– Ué, Aiolos? – chamou Aiolia, se aproximando nitidamente confuso pela presença do irmão no ginásio vazio em que praticava esgrima. – Cadê o Shura?

– Ah, mudança de planos. Tudo bem, fui eu quem pediu pra ele te dar essa aula extra. Então, vou ficar no lugar dele... – o sagitariano exibiu um sorrisinho culpado.

Aiolia arqueou as sobrancelhas. No lugar? Desde quando seu irmão entendia o suficiente de esgrima para lhe dar alguma aula?

– Não, não pra isso... Olha, vem cá... – fez um gesto com a as mãos, chamando o leonino para si como se pretendesse abraçá-lo. No entanto, quando o caçula chegou mais perto, resolveu apenas apertar-lhe os ombros.

Tinha algo mais estranho do que o normal no irmão, Aiolia concluiu desconfiado. Reparou quando Aiolos mordiscou o lábio inferior, reproduzindo o gesto que sabia de longe o que significava, já que era típico seu.

– Okay! – o sagitariano começou enfim, sem soltar o outro. – Você já é bem grandinho pra eu continuar adiando isso. Vamos conversar...

Não chegaram a tanto. Olhando para a expressão estarrecida que o irmão fez, segundos depois, Aiolos soube que ele tinha acabado de ligar alguns pontos e chegar à conclusão mais óbvia. E quando Aiolia lançou um olhar aturdido ao redor, soube que seu pressentimento havia se confirmado.

– Você...? O Shura...?

Aiolos assentiu com seu sorriso mais alegre, tentando evitar a pontinha de inquietação que surgira em sua mente. Aiolia o encarava estático e boquiaberto.

– Escut-... – o sagitariano tentou, interrompendo-se, surpreso, quando o mais novo se livrou rispidamente de suas mãos.

– Você mentiu pra mim mesmo? Negou, na minha festa, que algo estivesse acontecendo e agora...

– Hey, hey! – exclamou Aiolos, levantando as mãos como se pedisse para que o caçula se acalmasse. – Nada disso, naquele dia nós ainda não estávamos juntos.

– Juntos...

O sagitariano bagunçou os próprios cabelos, sem entender aquela reação. Aiolia sempre pareceu achar graça de sua situação como alvo do interesse de Shura. Até chamara o espanhol de cunhado no dia em que foram para o campeonato.

– Seu único protesto era... Como é mesmo a palavra? – Aiolos olhou para cima, tentando se lembrar. – Ah, sim, que eu não fosse o uke, não é?

Pelo cão de Hades! – o leonino praguejou, horrorizado diante da possibilidade agora real daquilo acontecer. – Vocês já...?

– Não, mas... – Aiolos respirou fundo, reunindo toda sua seriedade. Se começasse a dramatizar, era capaz de piorar as coisas. – Aiolia, meu irmão, me diga qual é exatamente o problema.

Um olhar fulminante foi tudo o que o mais novo lhe deu, antes de começar a andar de um lado para o outro agitadíssimo, resmungando palavrões:

– Porra, ele... ele é ex do Mu!

Aiolos inclinou a cabeça para o lado em confusão. Sim, e daí? Se alguém deveria se incomodar, aliás, esse alguém era o tibetano, por mais que soubesse que este seria o primeiro a apoiá-lo.

O leonino rosnou de um jeito que impressionou o irmão um pouco mais. Droga! Como se não bastasse Shura ter pegado o Mu, agora tinha resolvido pegar seu irmão também? Era uma afronta! Tudo o que sua irritação permitiu fazer, naquele momento, foi apontar um dedo para o mais velho e declarar com ardor:

– Não importa! Shura acaba de se tornar meu inimigo mortal!

Ahn? – fez Aiolos, estupefato, mas o caçula lhe deu as costas e saiu do ginásio faiscando de raiva.

Raiva que duplicou quando cruzou com Shura que, para piorar, estava conversando com Mu. Aiolia passou por eles em silêncio, dispensando apenas um olhar feroz para ambos. Após alguns passos, entretanto, voltou e segurou o ariano pelo braço de forma possessiva, arrastando-o consigo.

– Por essa eu não esperava – Aiolos comentou, aparecendo logo depois, explicando o que acontecera para Shura enquanto observavam os outros dois sumirem de vista.

O espanhol até se dispôs a falar com Aiolia, se o sagitariano quisesse, mas avaliando rapidamente a sugestão e considerando o humor do irmão naquele momento, Aiolos concluiu que a ideia não era a mais apropriada. Shura não era uma pessoa de muito tato e Aiolia não era uma pessoa muito ponderada. Melhor darem um tempinho para o irmão digerir aquela novidade.

– Mas o que será que ele quer com o Mu?

***

O tibetano também gostaria de saber. Aiolia o soltara tão logo saíram da universidade, mas, mesmo assim, Mu continuou a acompanhá-lo. Mais curioso do que preocupado. Demorara a acontecer, mas os anos convivendo com as mudanças bruscas de humor do mais novo, somados à situação em que estavam, tinham permitido que entendesse algumas coisas.

Por exemplo, conseguia distinguir entre a verdadeira fúria terrível e a mera exasperação excêntrica do mais novo. E, naquele instante, observando-o bagunçar os cabelos, bufar e rosnar para o nada, Mu tinha certeza de que Aiolia estava apenas exasperado – o que era um bom sinal.

Porém, o grego não falou nada o trajeto inteiro até a própria casa. Apenas quando se jogou no sofá, sentando-se de qualquer jeito enquanto Mu passava pela porta de entrada, é que resolveu especular num rompante:

Você sabia?

Mu nem piscou antes de entender sobre o que era indagado:

– Bem, o Shura tinha acabado de me contar quando você fez aquele sequestro relâmpago...

Aiolia mordeu o lábio a ponto de deixá-lo extremamente vermelho, como um morango maduro, e ficou absorto. Só reparou que o ariano estava parado de pé à sua frente, inclinado sobre si, quando sentiu a ponta do dedo dele lhe tocar suavemente por entre as sobrancelhas.

– Se continuar franzindo assim, logo vai acabar cheio de marcas de expressão... – avisou Mu, deslizando o dedo pela testa do mais novo e afastando-lhe a franja levemente dourada para o lado. – Toda essa revolta é ciúmes do Aiolos, não é?

– Aff... – Aiolia inclinou a cabeça para trás, livrando-se do toque. Mas parou de franzir o cenho, passando a exibir um bico enorme. – Você não sabe de nada, né?

– Hmm... – fez o ariano, cruzando as mãos atrás das costas. Sentiu-se tão alegre, sem nenhum motivo aparente, que até ousou implicar um pouco com o rapaz: – Eu sei que, emburrado desse jeito, você está muito fofinho, serve?

– Como assim fofinho?! – Aiolia quis saber, superindignado. – Bebês-foca são fofinhos, Mu! Eu, não!

– Eu gosto de bebês-foca... – o tibetano murmurou desatento, desviando o olhar quando refletiu sobre a ambiguidade do que tinha dito.

Mas o grego não notou. Estava muito concentrado em seus protestos para prestar atenção em qualquer outra coisa. Fofinho! Estava muito além desse adjetivo bobo, muito, muito além! Mesmo se Mu tivesse dito irresistível ou magnífico continuaria sendo pouco...

E a única coisa que o ariano fez foi rir. Não que discordasse, mas – essa era outra coisa que tinha entendido – ficar alimentando aquele ego leonino imenso não seria uma ideia muito ajuizada. Ok! Talvez rir também não fosse a melhor atitude, considerando a forma como Aiolia o puxou bruscamente.

De repente, Mu se encontrou no colo do grego, trocando beijos acalorados, bem no meio da sala da casa. Não sabia se era mais preocupante estarem em um lugar à vista de quem entrasse pela porta ou o fato de estar no colo de Aiolia – que deslizava as mãos tanto por suas costas, enroscando-as em seus longos cabelos, quanto por seu abdômen, causando-lhe arrepios sem fim.

– Ah! – Mu exclamou, levantando-se num pulo assustado quando recebeu uma bela apertada no traseiro. – Eu... Eu preciso ir... – gaguejou, praticamente correndo até a porta, porque nem mesmo em seus sonhos mais vívidos ele era capaz de se relacionar intimamente com o rapazinho audaz.

Dezesseis anos, apenas dezesseis...

Ao fazer menção de abrir a porta, teve um sobressalto. Aiolia passou um braço por cima de seu ombro e espalmou uma das mãos no batente. Mu ficou imóvel, sem saber o que fazer, tendo o leonino quase encostado às suas costas.

– Você sabe o que é lemon, não sabe? – Aiolia ronronou no pescoço alvo do tibetano, após afastar-lhe os cabelos daquela região com a mão que tinha livre.

O vermelho-fogo que se espalhou pelas faces de Mu, combinado ao jeito como sua respiração falhou, formou uma resposta bastante eloquente. Queria sair por aquela porta e correr para longe, mas... A boca sempre impaciente do leonino, atacando o lóbulo de sua orelha, impedia a tomada de alguma atitude sua que não fosse a de permanecer ali superextasiado.

Tudo piorou quando Aiolia deslizou a mão por seu abdômen, subindo por sua pele até alcançar seu tórax para, só então, descer novamente, puxando-lhe os quadris para trás de encontro aos dele. Mu estremeceu, chocado ao se sentir pressionado pela força do entusiasmo daquele atrevido.

– A-Aiolia?!

– ...

Devagar e com hesitação, o mais novo afrouxou o aperto, apoiando a testa no ombro do tibetano enquanto respirava profundamente. Mu esperou longos segundos antes de se virar de frente para o outro, ofegando diante da expressão atordoada e do olhar febril que encontrou. Por todos os deuses do Olimpo! Tinha concordado com os beijos e amassos leves, mas...

Isso... É muito pra mim...

Mu chegou a imaginar que aconteceria alguma troca de argumentos. Entretanto, estranha e felizmente, Aiolia apenas soltou sua risada característica e roubou-lhe um selinho estalado, dando alguns passos para trás com muito bom humor.

– Foi só uma encoxadinha, Mu!

Antes que o ariano pudesse replicar que não teve nada de inha, ou algo do tipo, o som da porta se abrindo fez com que o grego exclamasse um opa! e saísse correndo rumo ao próprio quarto. Ainda rindo. Por fim, Mu contou para Aiolos, com sinceridade, que não tinha descoberto o motivo para Aiolia ter lhe arrastado daquele jeito para fora da universidade.

– Seu irmão é meio estranho... – comentou, acenando uma despedida ligeira ao cruzar a porta. Precisava ficar sozinho.

Depois daquilo, não teve como Mu não tropeçar em suas preocupações. Naquele ritmo, não poderiam levar a situação em que se mantinham por muito tempo. Se bem que não era como se Aiolia precisasse daquilo.

Não quando havia tantas garotas em sua vida. Quase sempre tinha alguma com o grego entre o colégio e algum treino. Mu podia ver isso de vez em quando. Ele via a forma como Aiolia as guiava, segurando-as pelo frágil pulso. Quase podia vê-lo afundar os dedos distraídos nos cabelos delas, do jeito como fazia consigo.

Apesar de tudo, Mu gostava do fato de em momento algum terem fingido que as garotas não existiam. Não havia nada de concreto entre eles para que elas não existissem – mas, e se houvesse, elas desapareceriam? Acreditava que se chateava porque, ocupado com outras pessoas, leonino nunca encontraria uma resposta. Só isso.

Raciocinando friamente, nem era difícil adivinhar a resposta. Aiolia somente queria explorar a própria curiosidade e Mu era a vítima escolhida – simples assim, como o próprio grego diria. E logo, imaginou, sua resistência em aprofundar as coisas faria o leonino procurar um novo alvo. Seria esse o ritmo natural dos acontecimentos, acreditava.

Por outro lado, e Mu compreendeu isso rápido, embora Aiolia ficasse com outras pessoas, sua lógica absurda lhe permitia indignar-se com a mera ideia de que o ariano fizesse o mesmo. Era evidente, toda vez que Kanon resolvia flertar com Mu – como vinha fazendo tinha algum tempo –, que o leonino ficava aborrecido.

– O que você tá querendo com o Mu, Kanon? – quis saber, com seu tom mais ríspido, em uma daquelas vezes em que o grego mais velho apareceu, na hora da saída da universidade, apoiando um braço em volta dos ombros do ariano.

– Um doce se você adivinhar, Ai-chan – brincou, acrescentando diante da careta que recebeu: – Por quê? Está interessado nele, é?

Aiolia mordiscou o lábio inferior, lançando um olhar enviesado para o tibetano, mas foi interrompido antes que pudesse contestar:

– Não fiquem aí falando de mim como se eu não estivesse aqui – Mu protestou, escapando dos braços do geminiano. Sentiu-se incomodado só de pensar em ouvir a negação enfática que Aiolia acabaria proferindo.

– Foi mal, Muffin – desculpou-se Kanon, sorrindo cada vez mais. Num gesto despretensioso, encostou uma das mãos no rosto do ariano, como se quisesse fazer-lhe um carinho, e ajeitou algumas mechas daquele cabelo comprido para trás.

Aí, Aiolia se irritou de vez. Puxou Mu para perto pela cintura e, com seu tom de voz mais baixo e sério, afirmou sem a menor hesitação:

– Ele é meu!

Continua...


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Notas finais do capítulo

E agora, Mu? '-'

Eu agradeço de coração a Suzuki_Yoi, Gabbs West, Suh, arizodiac, Bruna Uzumaki, Kaoru Slytherin, Orphelin, reneev, katsu, serena, Vanicleia Faucão dos Santos, Kass, Julie Kannagi, mangalove e Svanhild pelas reviews lindas e inspiradoras s2 Sério, teria demorado mais sem elas, tive tantas ideias *-*

No próximo a gente vai ver o que Shaka, Ikki, Afrodite e Máscara da Morte andam aprontando ;D Até lá, que tal esse capítulo? =3