Change Of Heart escrita por Sak Hokuto-chan


Capítulo 26
Wicked Game


Notas iniciais do capítulo

O outro capítulo veio tão rápido, mas esse... desculpem ._.' Tinha me esquecido de que fim/início de ano é sempre correria aqui, muitos aniversários (inclusive o meu, 05/01 '-') além das festas tradicionais... Anyway, espero que todos tenham tido boas festas :3

Agradecimentos ao carneiro-beta, Orphelin, que foi a luz na coisa toda, haha -q



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Capítulo XXVI

Que jogo malvado de se jogar,
Para me fazer sentir assim
Que coisa malvada para se fazer,
Fazer com que eu sonhe com você
Wicked Game – Chris Isaak

Recuperando-se do susto inicial, Mu inspirou o ar pela boca, com força, e olhou para seu interlocutor. Reuniu, com alguma dificuldade, seu autocontrole:

– O que é interessante, Saga?

Aproximando-se mais, o grego soltou uma risada que, para o ariano, foi mais do que o suficiente para demonstrar que ele não estava em seu estado normal. Instintivamente, Mu deu um passo para trás, batendo as costas na porta, momento este em que acabou sendo encurralado.

Sabia que Saga tinha algo parecido com um transtorno de personalidade, visto os anos de convivência, mas nunca havia lidado sozinho com o geminiano em crise antes, pois sempre havia uma boa alma por perto.

Saga levou uma das mãos ao queixo do tibetano, levantando-lhe o rosto, e respondeu com um sorriso sarcástico desenhado nos lábios:

– O que poderia ser além de você?

Mu franziu o cenho. Sinceramente, ele não esperava ouvir aquilo, uma vez que tinha plena certeza de que o grego havia lhe visto na companhia de Aiolia. Era impossível que o outro não tivesse visto ou ouvido algo, certo? De qualquer forma, o geminiano estava mesmo lhe paquerando na maior cara-de-pau?

– Hey! – exclamou Kanon na medida em que se aproximava e tentava recuperar o fôlego. Havia corrido bastante, ao que tudo indicava. – Que diabos, Saga-boy! Por que você sempre surta e desaparece nas horas mais inapropriadas? – inquiriu, já puxando o ariano para longe do irmão. – Esse meu gêmeo malvado te fez alguma coisa, Muffin?

A resposta negativa do tibetano foi solenemente ignorada. A atenção do gêmeo mais novo estava voltada para seu pescoço, descuidadamente mal escondido pelos cabelos. Os olhos claros de Kanon se arregalaram diante das marcas roxas que viram. Ficou intrigado com a possibilidade de seu irmão estar envolvido naquilo.

– Ahn! – balbuciou Mu, desvencilhando-se do amigo e tratando de cobrir o pescoço rapidamente com os cabelos compridos. – Ele não me fez nada! Isto... Ehrm... Olha, tenho que entrar... – desconversou, abrindo a porta com um sorriso forçado. – Hm... Bom dia pra vocês!

Os gêmeos ficaram apenas olhando para a porta, que se fechara, nitidamente, com um pouco mais de força que a calculada.

– O que há com ele? – Kanon perguntou instantes depois, quando os sons dos passos apressados do ariano já tinham desaparecido casa adentro, lançando um olhar desconfiado ao irmão.

Saga revirou os olhos com todo o desdém do mundo, antes de começar a andar dizendo com um sorriso maldoso:

– Pergunte ao seu Ai-chan.

Com isso, Kanon sorriu exatamente do mesmo jeito que o irmão, seguindo-o pelas calçadas:

– Desnecessário!

– Desnecessário... – Saga começou, a voz soando quase desumana de tão fria, puxando o mais novo pela gola da camisa: – É você continuar me atrapalhando por aí... – aproximou os lábios do ouvido do outro e murmurou: – Terei que te prender?

Kanon fez um muxoxo, ainda sorrindo, e replicou que a oferta até soava bem instigante, mas que sua vingança seria maligna se Saga realmente fizesse aquilo. Soltou-se do irmão e voltou a andar, pedindo silêncio para se concentrar no plano que tinha em mente.

Acompanhando-o e massageando as têmporas, que começaram a doer bastante, o gêmeo mais velho soltou um resmungo qualquer sobre os malditos planos imprestáveis do irmão nunca resultarem em nada de bom. Preferia ter ficado assediando Mu.

– Ele tem uma carinha angelical, né? – Kanon comentou, interessado.

– Do tipo que dá muita vontade de corromper... – Saga completou, meio distante, a cabeça doendo cada vez mais forte.

– É! Dar uns tabefes naquela bundinha, que deve ser bem pálida, e...

– Pelos céus! Que cabeça mais pervertida você tem... – ralhou Saga num tom de surpresa, ainda massageando as têmporas. Todo o deboche desaparecera e ele olhava para Kanon com a seriedade de um irmão mais velho aborrecido. – E não conte comigo para colocar suas ideias insanas em prática.

Kanon só olhou de lado para o irmão. Que pena! Dark-Saga tinha ido embora. Não se deu ao trabalho de dizer que tinha sido o próprio a começar com aquela conversa. Naquele momento, tinha outros interesses com que se preocupar.

Afinal, nada como um pouquinho de lenha para ajudar certa fogueira a pegar mais fogo, certo?

***

Errado, Mu diria se soubesse o que andava se passando na mente do geminiano mais novo. Já se sentia queimar no inferno, consumido pela culpa, sem precisar de qualquer interferência externa.

Apesar de sua resistência inicial ao sono, acabou vencido por ele tão logo se deitou na cama. Não que pudesse dizer que teve o prazer de aproveitar um sono tranquilo, porque, realmente, não teve. Aiolia resolvera atormentá-lo com seus beijos e sua imprevisibilidade até mesmo nos sonhos, que, além de serem perturbadores, o destino faria com que acontecessem com bastante frequência.

Ao acordar, já no final da tarde, os sonhos haviam sido tão vívidos que o ariano chegou a ter dúvidas se eram reais ou não. Tinha mesmo passado a noite inteira trocando beijos escondidos com aquele leonino impaciente? A discussão que tiveram no dia seguinte aconteceu mesmo? E a expressão indignada no rosto de Aiolos, então, depois de ter descoberto tudo?

Mu precisou de alguns minutos para ordenar quais fatos aconteceram realmente e quais eram somente fruto da sua imaginação, suando frio só de pensar quais destes poderiam se concretizar.

Olhou para o teto, juntando forças para conseguir se levantar da cama. Seu corpo, ou melhor, sua cabeça parecia pesar toneladas. O pior era que se sentia mais culpado não por ter simplesmente ficado com Aiolia – que era pouco mais do que um garoto e irmão de Aiolos, como sua mente fazia questão de ficar relembrando sem parar –, mas por ter gostado disso.

Isso mesmo! Era terrivelmente constrangedor admitir, mas tinha gostado de ficar com aquele adolescente insolente que havia visto crescer desde pouca idade. Depressivo, sim! Contudo, achava bem melhor admitir isso de uma vez do que cair em negação, o que só complicaria ainda mais a sua situação.

De forma comedida, o ariano levantou-se da cama e caminhou em direção ao espelho do outro lado do quarto. Emitiu um gemido estrangulado diante do que viu. Pelos céus, como ia esconder aquelas marcas todas até que clareassem e desaparecerem? Não havia roupa que as escondessem naquele calor e, com certeza, acabaria se descuidando em algum momento, se ficasse dependendo de cobrir o pescoço apenas com os cabelos.

Ah, essa não! Recordou-se de já ter sido pego desprevenido, e, ainda por cima, na frente dos gêmeos.

Falando nisso, que azar imenso! Com tanta gente que podia ter aparecido, por que logo os gêmeos? Sim, porque Mu tinha certeza de que eles tinham visto tudo o que aconteceu entre Aiolia e ele desde o momento em que deixaram a casa do mais novo. Será que tinham sido perseguidos por eles, de caso pensado, durante o trajeto? Ou, coincidentemente, tinha dado certo de saírem quase juntos da festa? Tudo estava muito estranho, era o que o tibetano achava. A única certeza era a de que Saga tinha presenciado algo, o que era a mesma coisa de dizer que Kanon também, já que eles eram como unha e carne.

Em toda a sua vida, Mu não se lembrava de já ter se sentido tão apreensivo daquele jeito. Se as reações de Aiolia eram imprevisíveis, as dos gêmeos não ficavam muito atrás. A vontade que tinha era de confrontá-los de uma vez, para se livrar daquela angústia e para isolar-se bem longe de tudo e todos. Para ele, quanto antes a bomba explodisse, antes poderia se refugiar em algum canto inabitável da terra. Quantos problemas!

Além disso, será que Aiolia já havia acordado? Como estaria se sentindo, se é que se importava com alguma coisa? Não conseguir sequer imaginar o que o leonino poderia estar pensando tornava a situação ainda mais agonizante.

Distraiu-se dos próprios pensamentos após ouvir as vozes de Shion e Dohko se exaltarem por um minuto, como se discutissem, para sumirem rapidamente depois, como se percebessem que estavam chamando muita atenção.

Pelo jeito, não era o único que estava com algum tipo de problema, Mu pensou, voltando para cima da cama. Soltou um suspiro de puro cansaço para, algum tempo depois, ter a atenção voltada para o celular, que vibrou e emitiu um alerta sonoro. Uma mensagem havia chegado. Ficou surpreso quando viu o nome de Aiolia na tela.

“Já devo começar a cavar?”

O ariano precisou de alguns segundos para entender. Lembrou-se, então, da promessa de Aiolia. Ele havia dito que o enterraria no quintal, no dia seguinte, caso se afogasse na própria culpa. Bem, tirando a insensibilidade do outro para com suas preocupações, era bom saber que ele não estava ignorando nada do ocorrido. Sem perceber, Mu esboçou um sorriso vago antes de responder que aquela era, provavelmente, uma boa ideia.

Caramba!

Foi a mensagem que recebeu de Aiolia de volta. Aliás, uma delas, porque a outra veio na sequência com um:

Eu beijo tão mal assim?

– Ahn? – fez Mu para o nada. Sério que era aquela a preocupação do garoto? Ele ali, martirizando-se pelas consequências que aquela noite traria, e o leonino apenas se preocupava com a perspectiva de beijar mal? Esses adolescentes...

“Não é nada disso, Aiolia. Você sabe.”

Suspirou assim que enviou a resposta, esperando que o grego não a interpretasse como uma reprimenda – embora, de certa forma, fosse – e começasse a se revoltar. Entretanto, a próxima mensagem veio apenas com outra pergunta:

“Tá arrependido?”

Mu ficou meio chateado, tendo em vista que não tinha certeza da resposta. Estava dividido. Sentia culpa, sim. Porém, tinha a sensação de que, se pudesse voltar no tempo, teria feito tudo de novo. Talvez uma coisinha ou outra diferente, mas, ainda assim...

Sentiu que estava se encrencando e enrubesceu só com a possibilidade de dizer aquilo para o leonino. Não, não seria adequado. Assim, sem saber que poderia ter simplificado um pouco a própria vida, caso tivesse sido sincero com o outro, Mu achou melhor ser evasivo:

“Como você está?”

Aiolia não respondeu, tampouco mandou qualquer outra mensagem. E Mu percebeu que continuaria sem saber absolutamente nada do que deveria estar se passando na cabeça do mais novo...

Sensação com a qual já estava bem familiarizado.

***

Já Milo carregava a sensação de que nunca saberia o que vinha fazendo de errado. Pelos dias que se seguiram ao aniversário de Aiolia, o que o escorpiano mais fez foi ficar remoendo o fora que tomou de Camus. Não conseguia se conformar com aquilo e, muito menos, com aquele vídeo maldito que Afrodite gravara dele em um estado para lá de deplorável.

– Muito amigo você, hein? – Milo reclamou enquanto, ao seu lado, Shina via a gravação no celular meio chateada por não ter presenciado tudo ao vivo.

– Sempre! – Afrodite piscou, com um sorrisinho debochado. – Consegue entender, agora, o que tanto faz de errado?

O escorpiano arqueou as sobrancelhas. Ué, a resposta estava naquele vídeo?

Afrodite e Shina se entreolharam. A seguir, encararam Milo como se duvidassem da inteligência dele. Por sua vez, o grego os ignorou e foi assistir ao vídeo novamente, à procura da tal solução para seus problemas.

– Já entendi! – não demorou muito para Milo exclamar todo animado. – É o álcool, né? Faltou embebedar o Camus pra reconstruir os fatos direito...

– Aff... – fez Afrodite, preferindo não se dar ao trabalho de dizer de quantas formas o amigo estava ainda mais errado do que antes.

– Deixa pra lá... – disse a ariana, empolgada com a situação toda, só observando Milo se afastar com ideias tortas em mente. – Vai ser bem engraçado...

Obviamente, Shina estava feliz por Milo ter resolvido explorar melhor o lado yaoi da vida. Mesmo que, de vez em quando, ainda ficasse com o escorpiano, ela continuava sendo a primeira a incentivá-lo a se envolver com Camus. Esperava que desse certo, porque seria o máximo ver aqueles dois juntinhos. Até sonhava em vê-los protagonizando uma cena lemon...

Enquanto eles não se resolviam – com certeza pela capacidade de Milo de se enrolar bastante –, Shina resolveu dar uma chance a Seiya, o amigo de Ikki que andava atrás dela ultimamente. Estava um pouquinho curiosa sobre o rapaz.

Ela nunca reparara muito no oriental até que, certo dia, o viu conversando perto demais de Shun. Para ela, formavam um casal até que bem fofo. Sim, Seiya só chamou a sua atenção quando a ariana cogitou a possibilidade do rapaz ser bissexual.

E, mesmo que não fosse, ela se divertiria muito tentando transformá-lo em um. Talvez não tanto quanto ver Aiolia e Milo discutindo e se assediando, mas sentia que Seiya tinha potencial para entretê-la. E Shina tinha certeza de que, entre Seiya e ela, ele seria o seu uke.

***

Marin, se não estivesse tentando digerir seu próprio mal-estar, teria notado aquela novidade na vida de Shina. Mas, quando acreditou estar conseguindo se desapegar um pouco de Aiolia, ficou frustrada ao se sentir chateada pelo garoto não ter dado atenção para ela durante a festa. Ok! Nem para ela nem para nenhuma outra garota em especial, ao menos.

Droga! Como faria para desistir dele de uma vez?

Se a ruiva conhecesse Hyoga, eles poderiam conversar sobre aquilo, uma vez que ele estava vivenciando uma situação parecida com a dela. Ambos estavam frustrados por não conseguirem a atenção das pessoas que achavam interessantes.

Hyoga até tinha conseguido se aproximar um pouco mais de Camus, porém, apenas como um simples amigo mesmo. Só que ele queria se aproximar ainda mais, pois achava o ruivo muito intrigante com aquele jeito frio e mais maduro do que a idade dele sugeria.

No entanto, havia Milo em seu caminho.

E Hyoga não era idiota. Tentar adivinhar se o francês sentia algo a mais por Milo era impossível, mas este garoto era, definitivamente, possessivo demais em relação a Camus. E, ao próprio modo deles, os dois até pareciam muito mais amigos do que qualquer um poderia imaginar.

É! As coisas não estavam fáceis para ninguém.

Ikki era outro que, às vezes, ainda se surpreendia com o fato de ter conseguido se manter próximo a Shaka como um amigo. Ele costumava observar o indiano compenetrado em seus livros ou em suas meditações, os longos cabelos loiros sempre caindo sobre os ombros e a franja cobrindo os olhos azuis, e se espantava com sua própria capacidade de ainda não ter cedido ao desejo de agarrá-lo. Bendita força de vontade!

Não que tivesse desistido. Jamais! Desistir não fazia parte do vocabulário de Ikki. Sabia o quanto Shaka era difícil e que só estragaria qualquer progresso se investisse com mais agressividade, mas paciência também não era seu forte.

Como as coisas estavam caminhando em um ritmo lento demais para seu gosto, de vez em quando tentava ser mais incisivo, por mais que o loiro armasse uma verdadeira discussão. O engraçado, para Ikki, era que Shaka até parecia gostar das brigas que tinham, mesmo sendo o primeiro a se aborrecer quando Aiolia se intrometia nelas.

Opa! Será que Shaka estava gostando daquele grego genioso? Ikki não ficou nada feliz de sequer pensar nessa hipótese.

Pobre dele que, nessa época, mal podia imaginar o que estava prestes a acontecer.

***

E alguns dias mais se passaram sem que Mu e Aiolia trocassem mais do que breves olhares e palavras. Pelo pouco que se esbarravam pelos locais que costumavam frequentar, até parecia que estava tudo bem. O leonino não estava agindo de forma agressiva. Muito pelo contrário. Continuava se comportando como um bom amigo. O ariano até ganhou um sorriso radiante e um abraço incrivelmente rápido quando enfim entregou o presente atrasado para o garoto...

Todavia, Mu não tardou a perceber pequenas e sutis mudanças no comportamento do outro, que passariam despercebidas se ele não fosse muito atento. Notou que Aiolia o cumprimentava, mas logo dava um jeito de se distanciar, bem como evitava olhá-lo nos olhos. Quando o tibetano se descuidava e seu olhar observador cruzava com o do mais novo, este pestanejava, exibindo um sorriso falso, e desviava o olhar.

Uma dessas situações aconteceu na saída da universidade. Mu estava conversando com Aldebaran e os gêmeos, todos esperando por Aiolos e Shura, quando Aiolia apareceu à procura do irmão também. Até aí, nenhuma novidade, porque cenas como aquela aconteciam com constância.

O leonino cumprimentou a todos normalmente, mas, como o ariano já esperava, o garoto não o olhou diretamente e logo se afastou, preferindo ficar a alguns passos mais distantes enquanto se engajava em uma conversa com o brasileiro.

Por algum tempo, Mu ficou olhando para o outro. E teria continuado se não sentisse um arrepio correr por suas costas quando uma das mãos de Kanon se enroscou em seus cabelos, na altura da nuca, puxando-os de leve ao correr os dedos pelos seus fios compridos.

– O que foi, Mu? – o gêmeo mais novo perguntou, exibindo seu famoso sorriso libertino e perigoso. – Você parece preocupado...

– Não é nada... – respondeu, desconcertado diante daquele sorriso que ele ainda não tinha certeza se, originalmente, era de Kanon mesmo ou de Aiolia.

Nem reparou pelo outro tê-lo chamado pelo nome, em vez de algum apelido, como de praxe. Antes que dissesse mais alguma coisa, sentiu o rosto enrubescer quando a mão de geminiano chegou às pontas de seus cabelos e levantou algumas mechas, aproximando-as do rosto como se pretendesse cheirá-las.

Shura e Aiolos chegaram a tempo de ver a cena. Ambos, assim como Aldebaran, olharam para Kanon com estupefação. Desde quando ele tinha algum interesse em Mu? Olharam para Saga, mas este deu de ombros, visivelmente sem ter alguma explicação para aquilo também.

Aiolia não disse nada, por mais que Mu pudesse jurar que sentiu o olhar arreliado do garoto em sua direção por alguns breves segundos. Foi muito rápido para ter certeza. Quando olhou de volta, o mais novo já estava puxando Kanon pelo braço, chamando-o para irem embora logo, pois queria ver Aspros e Defteros, os gatos dos gêmeos.

Kanon ainda piscou para Mu, deixando-se enfim ser arrastado pelo leonino. Aí, foi a vez de Aiolos ficar teatralmente aborrecido:

– Mas que irmãozinho ingrato! Você não veio aqui atrás de mim, que sou seu irmão amado?

E uma pequena confusão teve início. O sagitariano reclamava com o caçula e acusava Kanon de qualquer coisa; Shura mais Saga tentavam fazê-los sossegar e chamar menos a atenção; e, Aldebaran ria demais da situação toda. Já Mu, antes que uma dor de cabeça o atingisse ou alguma coisa ali sobrasse para ele, aproveitou a confusão para sair à francesa.

– Vejo vocês depois... – ainda disse, mesmo sabendo que ninguém estava ouvindo. Foi quando percebeu o olhar de soslaio que o leonino direcionou a ele, logo voltando a discutir com os outros.

E as trocas de olhares rápidas continuaram pelos dias seguintes, deixando o ariano inquieto. Para ele, elas diziam muito sobre o garoto. Àquela altura, ficou claro para Mu que Aiolia – assim como Aiolos e Shura antes dele – estava querendo experimentar as possibilidades, por mais que não tivesse pedido permissão, verbal ou não, para saber como é que era.

Mas calma lá! Da vez em que Aiolia disparara a falar sobre suas dúvidas, sem sequer perceber, ele mesmo não havia dito que já tinha trocado selinhos com Milo? Era para não estar mais curioso sobre aquele assunto... Se bem que selinhos não podiam ser comparados aos beijos entusiasmados que tinham compartilhado. Sim! Talvez a curiosidade residisse ali.

Diante de tal constatação, o tibetano não pôde evitar um suspiro aborrecido. Por que era sempre ele a cobaia? Por sinal, e quanto a Kanon, que, de uma hora para outra, começara a flertar consigo? Sem falar no fato de que nenhum dos gêmeos comentaram algo sobre o que deveriam ter visto...

– Mu? – veio a voz de Shion, cortando seus pensamentos.

– Desculpa... – murmurou, constrangido ao se dar conta de que estava ali, sentado no sofá, suspirando e resmungando coisas ininteligíveis para o livro que tinha em mãos. Era óbvio que não estava lendo.

Poxa! Como se já não tivesse passado vergonha o bastante na frente do irmão... Shion não demorara nenhum pouco a notar as marcas indiscretas em seu pescoço. A sorte foi que o mais velho teve a discrição de não fazer perguntas ou comentários sobre aquilo, apenas colocando um potinho de creme nas mãos do caçula, que, de acordo com ele, estava precisando.

Mu lembrava-se de ter corado muito diante daquela situação, mas não podia estar mais agradecido tanto pelo bom senso do irmão quanto pelo creme, que vinha fazendo o milagre de camuflar seu pescoço.

Shion estreitou os olhos, observando atentamente o irmão – outra vez distraído – por um momento:

– Eu confio em você, Mu...

O mais novo o encarou um pouco apreensivo. Sabia que aquela frase implicava muitas coisas, como o fato de seu irmão saber que havia algum problema, por mais que acreditasse na sua capacidade para resolvê-lo sozinho. Havia a questão do mais velho esperar que Mu também o procurasse, sem reservas, caso concluísse que precisava de ajuda.

Shion sorriu, apertou levemente o ombro do outro e saiu flanando pela casa, falando consigo mesmo qualquer coisa sobre a demora de Dohko para terminar de se arrumar – como o chinês ainda tinha a audácia de chamá-lo de noiva?

Mu chegou a sorrir para si mesmo, agradecendo mentalmente o irmão pelas palavras confortadoras, por mais breves que tivessem sido. Ele imaginava que conseguiria resolver tudo sozinho, como de costume.

Ficou a próxima meia hora pensando em como abordaria o assunto com Aiolia. Quer dizer, não era do seu feitio ficar com alguém por ficar, somente pela diversão, para depois agir normalmente como se nada de mais tivesse acontecido. Sabia que era algo bem comum, que acontecia bastante, especialmente entre os adolescentes, mas... Aquele tipo de vida não era para ele, não mesmo.

O que dizer? Quais palavras usar? Seria estranhíssimo. Tinha a impressão de que as pessoas não ficavam discutindo o que acontecia depois, já que não era nada sério, mas, no seu caso, se deixasse como estava não seria pior? Como explicar ao leonino que estava tudo errado e que só tinham complicado as próprias vidas, visto que nada daquilo era certo?

Ainda estava distraído com essas questões todas quando atendeu a porta, ao soar insistente da campainha. Era Aiolia, para o seu desconforto. Ele parecia bastante animado, sorrindo à guisa de cumprimento, tanto que foi entrando e perguntando pelo libriano.

Mu entreabriu os lábios, contendo um suspiro ao constatar, outra vez, que o grego não o olhava diretamente. Explicou que Dohko e Shion estavam para sair, portanto, que a jogatina Pokémon provavelmente teria que ser adiada.

Aiolia deu um tapa na própria testa:

– Putz, é mesmo! Ele ainda tinha me avisado... – apoiou uma das mãos sob o queixo, pensativo, antes de lançar um olhar cheio de expectativas para o outro: – E você, vai sair também? – e, após receber um aceno negativo como resposta, completou: – Então, hoje é o grande dia que você vai aprender a jogar Pokémon, Mu!

O ariano ainda tentou contestar aquela ideia, mas acabou se vendo sentado sobre o tapete, com o grego ao seu lado, enquanto recebia instruções sobre aquele jogo que o garoto e seu cunhado tanto gostavam.

Era a primeira vez que interagiam bastante depois do ocorrido na noite da festa de aniversário do leonino, e Mu quase desistiu da ideia de comentar qualquer coisa sobre a ocasião. A chance de haver uma revolta era sempre grande, tratando-se de Aiolia, e, pelo que parecia, eles estavam de volta à velha e boa amizade que vinham mantendo até o incidente.

– Olha! – o grego exclamou, apontando alguma coisa no jogo. – Não sei por qual motivo, mas acho esse pokémon a sua cara...

Mu inclinou-se para observar o tal bichinho, chamado Espeon, que era lilás, tinha uma marca ou joia vermelha na testa e aparência meio felina. Era fofo, mas bastante... feminino.

– Não gostei da comparação – protestou, sentindo-se mais ofendido do que elogiado com aquilo e fazendo beicinho sem perceber. – O que está insinuando, hein? – perguntou, vasculhando a lista de pokémons atrás de um que se parecesse com o leonino, que gargalhava com gosto.

Dohko passou pela sala logo depois e saiu com Shion, mas não sem antes parar para zoar um pouco Aiolia, que foi comparado com um Pichu – pokémon bebê e de natureza elétrica. O libriano concordava plenamente com a comparação, para o aborrecimento do leonino, que passou a resmungar.

Um silêncio meio estanho se instalou na sala assim que o casal saiu, deixando Mu e Aiolia sozinhos.

O garoto remexeu-se, como se estivesse desconfortável, e voltou a atenção para o jogo que tinha em mãos. Foi quando o olhar de Mu o analisou rapidamente, voltando a se atentar a alguns detalhes como: os traços bonitos daquele rosto adolescente; os olhos claros meio escondidos pela franja bagunçada, que não expressavam sentimento algum no momento; e os lábios avermelhados, que tinha beijado tantas vezes.

– Melhor eu ir embora também – Aiolia disse de modo repentino, a expressão cheia de contrariedade, como se o ariano fosse o culpado por sua decisão.

Mu arregalou um pouco os olhos, mais surpreso com aquela postura do que com as palavras. Será que o garoto tinha se sentido incomodado com a sua insistência em observá-lo? Suspirou e resolveu que era a melhor hora para tocar no assunto – que o perturbava até em sonhos! –, perguntando de uma vez, em voz baixa, com sua expressão mais neutra:

– Você está arrependido, não é?

Aiolia levantou-se do tapete, onde, até então, estivera sentado ao lado do outro, e apertou os punhos enquanto olhava para o teto, como se pedisse paciência ou algo assim.

Pela forma como o grego começou a trincar os dentes, passando várias vezes uma das mãos pelos cabelos, Mu ficou com a leve impressão de que ele estava pensando em como não falar algo que ferrasse as coisas de vez. Ah! Tudo sempre era complicadíssimo entre eles... Levantou-se também, massageando os sinais que possuía na testa, imaginando o que ouviria a seguir.

– Sim, estou.

A respiração de Mu falhou, fazendo com que entreabrisse um pouco os lábios, fechando-os bem rápido depois. Sim, estava chocado por ter conseguido prever algo em relação ao garoto. Mas... Sabia que aquela resposta era a esperada, lógico! Como esperaria algo diferente? Porém, apesar do choque e da sensação de desapontamento incompreensível, procurou manter a expressão serena.

– Estou tão arrependido... – Aiolia continuou, muito sério, aproximando-se de um jeito que o mais velho considerou bastante felino. – De não ter trancado aquela porta.

– Quê? – Mu perguntou, sendo tomado por uma conhecida sensação de frio no estômago, que o dominava conforme o leonino ia diminuindo o tom da voz ao, praticamente, encostar o rosto ao seu.

– Arrependido de não ter te jogado em cima da cama e... – envolveu a cintura do mais velho com as mãos, puxando-o de encontro a si, e fitou aqueles lábios rosados com uma intensidade aterrorizante.

A confusão do tibetano era quase palpável. Aiolia mudava suas atitudes tão rápido! Que brincadeira era aquela? Não conseguia acompanhar as mudanças do jogo naquela velocidade.

Ainda assim, conseguiu se recuperar o suficiente para encostar levemente os dedos sobre os lábios do leonino antes que estes tocassem nos seus. Mu balançou a cabeça em negativa, fazendo com que algumas mechas de seus cabelos longos se espalhassem por seus ombros, e fitou o grego com certa aflição.

Arqueando uma sobrancelha, o leonino deslizou uma das mãos para cima, da cintura do mais velho até alcançar o ombro deste, e tocou os fios lisos. Deslizou os dedos entre eles quase que da mesma forma como Kanon fizera na porta da universidade, quando esperavam por Aiolos e Shura.

Mu sentia que ia enlouquecer, frente às semelhanças entre as atitudes e gestos de Kanon e Aiolia. O que seria de quem ali? Enfim, aquela não era uma boa hora para pirar.

– Ehrm... Precisamos ter uma conversa bem séria, Aiolia.

Inconformado, o mais novo revirou os olhos, claramente perguntando sério mesmo? Tem que ser agora?, e a expressão compenetrada de Mu dizia que as respostas eram sim. Entretanto, isso não impediu Aiolia de encostar a ponta da língua em um daqueles dedos que o silenciavam, fazendo com que o tibetano enrubescesse e afastasse a mão como se tivesse levado um choque.

O leonino insolente sorriu, mas não tentou mais beijá-lo. Apenas voltou a se afastar, dando alguns passos lentos para trás.

Por que os deuses permitiam que adolescentes fossem atraentes daquele jeito? Chegava a ser maldade! Foi o que se passou pela cabeça de Mu, que respirava fundo na tentativa de organizar os pensamentos. Fitou o grego, esperando algum sinal de concordância.

Aiolia mordeu o lábio inferior e cruzou os braços, inclinando a cabeça para um lado, mas seu celular começou a tocar antes que dissesse alguma coisa.

Que inconveniente! Mu pensou, chateado, quando o garoto fez um sinal com os dedos, indicando que precisava atender, e se afastou para perto da porta de entrada. A chamada não durou nem um minuto, mas não dava para não ficar indignado com aquele aparente descaso.

– Foi mal – disse o grego, ao desligar o celular. – Preciso ir. O Rada vai ter que dar minha aula de bateria agora. Ele disse que, mais tarde, vai sair com a Pandora – comentou, meio inconformado, abrindo a porta. – Viu como eu tinha razão quando falei que ela fazia o tipo dele? Apresentei os dois na festa e, pelo jeito, deu certo...

– Que bom pra ela, mas você não está se esquecendo de nada, não?

Movendo os lábios em um oh! silencioso, Aiolia deu um novo tapa na própria testa. Aí, feito um raio, ele avançou para cima do tibetano e encostou as mãos no rosto deste. Como não encontrou resistência, talvez pela sua atitude inesperada, aproveitou-se da guarda baixa do ariano e tratou de deslizar a língua sobre aqueles lábios macios, logo os invadindo sem a menor hesitação.

Foi tão rápido! Quando Mu começou a corresponder, cedendo ao instinto em vez da razão, Aiolia o soltou e tornou a se afastar no mesmo ritmo agitado. Mal reparou na expressão abismada do outro, ao correr até a porta.

– Mas... O que... Pelos céus! – Mu ralhou consigo mesmo, indignado por não ter afastado o outro assim que este lhe segurou o rosto. – Eu estava me referindo somente à conversa, Aiolia... E nada mais... – balbuciou, agora derrotado, encostando os dedos nos próprios lábios, todo vermelho e sem sair do lugar.

– Sério? Foi mal então! – simplesmente se desculpou, tal como alguém se desculpa ao esbarrar em outra pessoa sem querer. – Sobre a conversa, pode ser daqui a três horas? – perguntou, já com metade do corpo para fora da entrada. – Lá na confeitaria perto daqui?

Mal concordou com aquilo e o leonino sumiu porta afora, deixando um Mu sem reações para trás. Garoto abusado! Levou ainda alguns minutos para que reorganizasse os pensamentos e questionasse o que acabara de aceitar: Tinha marcado um encontro com Aiolia? Como assim?

***

Nesse meio tempo, Camus estava terminando a lição de francês com Milo. Era incrível, mas o grego ainda não tinha desistido. Vinha se mostrando um bom aluno, inclusive.

– Ehrm... Você vai ao Meikai no sábado? – o escorpiano especulou, não querendo deixar parecer que tinha alguma coisa em mente.

– Não. Pretendo estudar.

Milo revirou os olhou. O ruivo estudava o tempo todo! Nem faria diferença se não estudasse naquele sábado.

– Bem, então você deveria estudar – Camus sugeriu com indiferença, juntando os livros para devolver às prateleiras da biblioteca.

Mesmo que se sentisse meio ofendido com aquilo, Milo tinha que concordar. A semana de provas no colégio já se aproximava e ele não era do time que ficava estudando muito, o que resultava em notas beirando à média nos finais de bimestres.

– Droga! – resmungou irritado. Como ia embebedar o ruivo assim? – Hmm... Posso estudar com você então? – perguntou, seguindo o outro pela biblioteca com os demais livros em mãos.

Camus assentiu, meio distraído com as obras que organizava exatamente no lugar de onde as tirara – àquela altura, como vivia sempre ali, a bibliotecária já confiava nele para isso.

– Valeu – disse Milo, franzindo o cenho. Sabia que o aquariano não era bom em se expressar e não era de falar muito. Nem mesmo da situação lá na festa de Aiolia. E é claro que o escorpiano se frustrava com aquela indiferença toda.

Aí, como se tivesse um insight, o grego se tocou sobre o que tinha feito de errado da última vez... Ou, pelo menos, achou que tinha alcançado aquela compreensão. Resolveu arriscar sua suposição. Sem o menor planejamento, apenas olhou ao redor, para se certificar de que não tinha mais ninguém por perto, e puxou Camus pelos quadris até virá-lo de frente para si.

– Olha, sei que não me levou a sério, porque eu estava bêbado e tal... – começou, ainda com as mãos sobre o ruivo. – Mas eu realmente quero tudo de volta.

O francês fez menção de se soltar, entretanto, no último instante lançou um olhar ao redor e envolveu o pescoço do escorpiano com as mãos, como se fosse enforcá-lo, dizendo com frieza:

– Você não tem o direito de ficar me agarrando de surpresa sempre que quiser... E eu já te disse isso uma vez.

Milo abriu seu sorriso mais atraente e segurou os pulsos de Camus, puxando-o para mais perto, o que obrigou o ruivo a envolver seu pescoço com os braços:

– Sim, eu lembro... – murmurou, aproximando os lábios dos do outro. – Assim como me lembro de você ter me beijado logo depois... – E lá estava a faceta mais tratante de Escorpião. – Seria um, como vocês franceses diriam, déja vù?

Continua...


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Notas finais do capítulo

Mas, gente... '-'

Discussão e reconciliação entre Dohko e Shion (Hmm! S2) vai ficar pra uma side-story, sorry... :~

Muito obrigada pelas reviews: Suh Domingues, Orphelin, reneev, Hannah Kiss, Yue Hayashi, Bruna Uzumaki, Julie Kannagi, Ana Rodrigues, Suzuki_Yoi, manga love, sam chan e Svanhild, seus lindos S2

Que tal esse capítulo?



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